22.8.07

Vasco de Campos

A D. Isabel, minha hospedeira, deu dois murros na porta do meu quarto, e gritou para dentro:
«Estão ali a chamá-lo para ir assistir a um parto, na Serra».
Levanto-me estremunhado, visto-me à pressa, e espreito por uma fresta da janela.
Amanhecia.
E dum céu cinzento e calmo, peneirava-se uma chuva miudinha, de molha parvos.
Abro a porta da rua.
Um recoveiro com um macho albardado seguro pela arreata, elucida-me:
— «É para ir tirar uma criança à Ti Maria Farrapeira, lá na Serra...».
Há quanto tempo está em trabalho de parto? Inquiri.
«Trabalho... Trabalho... Há quinze dias que não faz nada. Desde que lhe deram as dores».
Assim se inicia o livro "SERRA! Caminhos de um médico" de Vasco de Campos, ed. Moura Pinto
Sobre este médico (e escritor) nada sabia até chegar à Ponte das Três Entradas. (Como não gosto de pontas soltas, aqui deixo algum trabalho de férias.)Ao olhar para uma placa, na entrada do camping, percebi que o homem se revia no pequeno Alva, que por ali fluía. Entretanto, ao deslocar-me a Avô, verifiquei que o Centro Cultural, também, tinha como patrono Vasco de Campos. Por outro lado descobri que o município de Oliveira do Hospital não só lhe atribuiu e requalificou uma praça na sede do concelho, como lá lhe colocou, em 2006, o busto.
(… Entretanto, vou pensando no exemplo da Escola Secundária de Oliveira do Hospital a cuja BIBLIOTECA ESCOLAR foi dado o nome de Dr. VASCO De CAMPOS… e naquelas escolas por onde passaram e se formaram tantos ilustres escritores, embora alguns tenham dificuldade em aceitá-lo... E não entendo a amplitude do anonimato…)
E não me sai da cabeça aquele taxista que me explicou que, noutros tempos, quando o médico Vasco de Campos residia em Avô ou, mais tarde, na Ponte das Três Entradas, ele era uma figura insubstituível naqueles vales e montes, sobretudo nos invernos rigorosos, cavalgando o macho para acudir a um parto, a uma pneumonia, a uma tuberculose, indiferente à riqueza ou à pobreza do paciente. E que muitas vezes para além de nada cobrar ainda mandava pagar a conta na farmácia. No entanto, o tom utilizado pelo taxista ao referir “noutros tempos” lançou-me numa obscura reflexão sobre a relação do médico com a comunidade local… Apesar de se adivinhar na voz do taxista a gratidão de quem também beneficiara do zelo do médico, via-se que algo o preocupava, como se o imobilismo local também fosse da responsabilidade do ilustre médico, poeta e pioneiro agrónomo e turístico.
(Num outro registo, ia ouvindo, na rádio que, em Agosto, em Pedrógão Grande, só havia um médico de serviço.)
PS: A minha obscura reflexão desanuviou-se um pouco quando li o seguinte: A Sociedade de Defesa e Propaganda de Avô (SDPA) está a comemorar as bodas de ouro. Fundada oficialmente no primeiro dia de Maio de 1957 pelo médico e escritor Vasco de Campos. Parece, no entanto, que a Sociedade de Defesa e Propaganda de Avô evoluiu pois “neste meio século de existência a SDPA tem-se vindo a revelar como a principal alavanca do desenvolvimento da vila de Avô, sobretudo nos domínios da cultura e da acção social. Impulsionadora do Centro Cultural Vasco de Campos, em 19 de Junho de 1993, a SDPA – uma instituição de utilidade pública - tem-se concentrado ultimamente na área da acção social. Em 2004 inaugurou um lar de idosos na antiga e histórica vila, hoje frequentado por cerca de 40 utentes. Presidida pelo presidente da Junta de Freguesia local, Aristides Gonçalves, a SDPA possui ainda um ATL, frequentado por 26 crianças, e é a entidade gestora da ilha fluvial do Picoto – um dos mais belos espaços de veraneio do concelho de Oliveira do Hospital. A instituição, que é hoje o maior empregador local, prepara-se agora para construir o primeiro Lar de Acamados do concelho. Trata-se de um investimento de cerca de um milhão de euros – com capacidade para 22 utentes – que a SDPA espera inaugurar num espaço de dois anos. O novo edifício, com uma área de cerca de 800 metros quadrados, será um prolongamento do actual lar, passando a serem comuns os serviços aos utentes. Presente na cerimónia dos 50 anos da instituição avoense, o presidente da Câmara de Oliveira do Hospital, Mário Alves, comprometeu-se a apoiar o novo desígnio da SDPA, pois conforme considerou a SDPA "tem estado na primeira linha da cultura e acção social no concelho".
A descoberta desta SDP lança-me outro desafio: quantas SDP terão sido criadas durante o Estado Novo? E Onde? E o que é feito dessas “sociedades”?

7 comentários:

  1. Olá, boa noite.

    Chamo-me Rita Campos e sou neta de quem dá título ao post. Vim aqui para porque um dia a minha filha me desafiou a pesquisar no google o nome do bisavô que ela não chegou a conhecer mas em cujo nome tropeça sempre que voltamos ao belíssimo vale do Alva.
    Entre outras coisas, queria apenas contribuir para o esclarecimento de uma dúvida aqui deixada.
    O meu avô era um homem conservador, sim, chegou a ser deputado no tempo do Salazar, mas um filantropo. Por exemplo, um dos seus melhores amigos de sempre foi o Dr. Fernando Valle, um dos fundadores do PS.
    Por Avô fez muito mais do criar a SDPA. Fundou um rancho folclórico e uma banda de música, proporcionando a muitos dos seus elementos a única oportunidade de viajar pelo país e pela Europa, e, mais tarde, com os filhos, criou uma sociedade dentro da qual "nasceram" um café-restaurante-hotel e um parque de campismo.
    E era a favor da evolução e do progresso, tendo sido um dos primeiros proprietários de automóveis naquelas regiões, sempre se bateu pela necessidade de educação e cultura. E com um espírito ecológico como só hoje se vê (não creio que aprovasse o arranque exagerado da vegetação no Picoto e muito menos o paredão que destruiu a belíssima praia fluvial que o Alva tinha em Avô).
    Para não me alongar mais, espero que tenha gostado do passeio por vales do Alva e montes do Açor, e que volte sempre!
    Um abraço

    PS: entendo bem esse fascínio da caruma e interrogo-me como vai um lisboeta parar à Ponte das Três Entradas!...

    ResponderEliminar
  2. SOU NATURAL DO GOULINHO E POSSO DIZER O DR VASCO DE CAMPOS NÃO ERA UM MEDICO ÉRA UM SANTO QUE NÓS TINHAMOS CÁ NA SERRA DO AÇOR OS POBRES NÃO PAGAVAM EU FALO PELA MINHA FAMILIA ( EM SER DE DIREITA OU ESQUERDA AMIN NÃO ME ENTEREÇA MAS SE ESTE HOMEM BOM ERA DE DIREITA VANHAM MUITOS COMO ELE.

    ResponderEliminar
  3. VOZ DO GOULINHO PASSOU POR AQUI

    cmpts

    ResponderEliminar
  4. Manuel Morgado13 agosto, 2010

    O Dr. Vasco de Campos foi um DEUS para estas terras.
    Foi o meu salvador, nos anos 60 tive graves problemas de saúde, o meu nascimento, se não fosse o Dr. Vasco de Campos não estaria aqui para testemunhar este pequeno contributo para esclarecer o que realmente este Senhor Doutor fez.
    Ainda conheci os meus avós! já velhinhos mas com histórias belas sobre o Dr. Vasco de Campos, já não falando dos meus pais que não tinham dinheiro para pagar as consultas e tratamentos, mas conseguiam guardar a melhor fruta que a terra dava, para dar ao Dr. Vasco de Campos e sempre com um prazer enorme. Minha mãe ia à Ponte das Três Entradas levar estas poucas e fracas formas de pagar, o que era impagável.
    A Senhora enfermeira D. Virgínia, uma senhora distinta, com um sentido de humanidade que poucas pessoas tem.
    Sou de Vila Pouca da Beira.
    Quando o Dr. Vasco de Campos passava por esta aldeia no seu carro “citroen diane “ toda a gente que o avistava se levantava se estivesse sentado, fazia uma vénia ou lhe tirava o chapéu, porque não conheço ninguém destas terras, que digam mal deste “homem, médico, escritor, poeta e bem feitor”.
    Bem-haja Dr. Vasco de Campos esteja onde estiver.
    Manuel Morgado

    ResponderEliminar
  5. Alguém me poderá informar o local de nascimento do Dr. Vasco de Campos?

    ResponderEliminar
  6. Ponte das Três Entradas

    ResponderEliminar
  7. sou natural do Piodão e tive a felicidade de conhecer este grande homem

    ResponderEliminar