31.10.08

Uma estranha herança...

Usualmente, as peças movem-se num ritmo lento, ocupando os lugares que lhes são destinados. Tudo parece encaixar: o especialista expõe o fruto da sua longa investigação, e nós ouvimos, deslumbrados...

Na  4ª feira, Aquilino Ribeiro Machado trocou as voltas ao destino. Acordou-nos da modorra, deixou-nos curiosos e sorridentes. Afinal, a cultura ainda desperta os olhares mortiços e suspende  os dedos dos telemóveis.

Basta um alfinete para acordar um piano...

Na 5ª feira, Rita Ferro deslumbrou a plateia, na comodidade e sonoridade da palavra, e deixou Raúl Mesquita, autor de "O Pai e os Outros", à procura de coisas boas e divertidas no Auditório. Será que as encontrou?

Na 6ª feira, Adelaide Canas, no extremo oposto da velha mesa, irmã silenciosa de Aquilino Ribeiro, cercada das altas estantes prenhes de livros desertos, prepara meticulosamente as últimas aulas de uma vida votada a um magistério que, entretanto, perdeu a grandeza que, outrora, regenerava as nações...

E fenecem teclas de piano amotinadas na pirueta de um alfinete...

27.10.08

Pelo pouco que eu vi...

O VI Festival Internacional de Cinema Documental esteve desperto para a crueldade do mundo, fazendo-me recordar os versos de José Gomes FerreiraVai-te, Poesia / Deixa-me ver friamente /a realidade nua /sem ninfas de iludir / ou violinos da lua / Vai-te, Poesia.

E eu só vi:

 ALL White in Barking, de Marc Isaacs, Reino Unido, 2007, que retrata um mundo de preconceitos, fonteiras e xenofobia, à mistura com um ou outro ensaio de aproximação cultural, sob os holofotes do documentarista;

The Tailor, de Óscar Perez, Espanha, 2007, mostra um alfaiate paquistanês, no Raval, em Barcelona, acolitado por um indiano, e que não têm o menor sentido de responsabilidade. Ao paquistanês, só interessam o lucro e a religião. A curta, pelo insólito da relação, do paquistanês com as clientes promove o riso fácil, mas, a mim, deu-me vontade de fugir...

Bab Sebta, de Pedro Pinho e Frederico Lobo, Portugal, 2008, perante o encerramento da porta (fronteira) entre Marrocos e Ceuta, questiona, através de imagens secas e frias, a vida daqueles africanos que tudo fazem para chegar à Europa. A mesma Europa que no passado (e no presente) lhes liquidou as matérias-primas.  Estes africanos, depois de colonizados, foram abandonados à fúria dos elementos, ao despotismo dos novos líderes, à condição de infra-humanos... Um longo documentário que desgasta o espectador. As cidades, na sua profunda miséria, comovem pela vitalidade daqueles que, lá vivem e, sobretudo, que lá se escondem. E do deserto, resta-me o conselho: a única orientação que poderei ter, depois de dormir, é aquela que resulta da capacidade de manter a cabeça voltada para o horizonte que persigo... o resto é morte.

25.10.08

Salvo erro...

«Quando é que foi feita a avaliação de professores? Nunca no passado. Esta é a primeira vez que está a haver. (...) Mas a verdade é que, neste momento, já mais de, salvo erro, 17 mil professores foram avaliados. Desses 17 mil, 7% foram classificados com "muito bom" ou excelente". Uma das coisas que pretendíamos era isto: distinguir o mérito, o esforço, os melhores.» Primeiro-ministro de Portugal, DN, 25 de Outubro de 2008.

Eu até posso concordar com o voluntarismo, mas discordo dos factos.

Primeiro: no passado houve avaliação - os professores submeteram-se, ao longo dos anos, ao modelo aprovado pelos diversos governos de Portugal, antes e depois de 1974. De facto, a maioria dos professores foi sendo classificada com satisfaz, gerando um imobilismo que sempre agradou aos ministros das finanças; apenas uma minoria via ser-lhe a atribuída a classificação de bom, depois de suar as estopinhas, já que era necessário descobrir "testemunhas abonatórias" que só se disponibilizavam se o presidente da Secção de Avaliação tivesse alguns "conhecimentos", em regra, no Ensino Superior. A bonificação, em termos de progressão na carreira docente, dependia da atribuição de 2 bons consecutivos ( de 4/5 em 4/5 anos) ou, então, da conclusão de um mestrado ou de doutoramento, na área de Educação ou de docência. Como é que o Estado distinguiu o esforço dos professores que, pelo esforço e mérito, progrediram mais depressa na carreira? Onde é que eles estão? A fazer o quê?

Segundo: Se a classificação de insuficiente não era atribuída, era porque, de facto, o M. E., descurava por inteiro essa realidade.

Terceiro: Os 17 mil professores foram avaliados. Acredito. Mas como? Será suficiente ser assíduo e cumprir as tarefas atribuídas pelo presidente do Conselho Executivo? Como é que, em 2007/2008, com base nos referidos critérios, os Senhores Presidentes conseguiram distinguir os "bons" dos "muito bons" e dos "excelentes"? E o que é que aconteceu às outras duas menções? A estatística parece ignorá-las?

Quarto:Como é que, até ao momento, foi reconhecido o mérito dos professores "excelentes"? Será que não lhes acontecerá o mesmo que aos "bons" do sistema de avaliação anterior?

Finalmente: Desconfio que está para nos acontecer o mesmo que ao professor Henrique Sapardo de Domingo de Lázaro, de Aquilino Ribeiro:

« O meu amigo reitor continuava no seu posto, eu é que fora rasurado como dispensável. O sicofanta literário, que se emboscara no ministério por trás dum rufador de caixa, assim o decretara. Aquilo era para ele, para os amigos e apaniguados da situação. Depois que regalo para um homem pequeno que se dê conta dele, ainda que seja pelo mal que faz!? Podia lá perder-se a ocasião de ofertar este sacrifício sádico à personalidade?»

24.10.08

O rastilho...

O rastilho já está aceso. As frentes são múltiplas e Sarkosy já avisou os chineses que a presente crise pode hipotecar o futuro da humanidade. O que é que os chineses terão pensado de semelhante aviso?

Por aqui, o futuro é hoje e o amanhã que se lixe!

21.10.08

Uma questão de mãos...

Dá-se com uma mão e tira-se com a outra. Entre o dar e o tirar, cessa a propaganda e morre o projecto. Entretanto, os bolsos de uns tantos vão enchendo, e o país fica de mãos a abanar.

Assim estou eu, de mãos vazias, à espera das sobras que caem da mesa dos ricos. E enquanto espero, não me pronuncio... não vão os esbirros do Pina Manique voltar à rua, em nome da rainha louca, levada em braços para o Brasil, e deixando, para trás, um reino de mãos a abanar.

Mãos cheias, mãos vazias. E eu, obrigado a servir de mãos vazias... Se fosse o único, consideraria essa situação como justa punição, mas não, à volta, uma multidão implora, de mãos vazias... e a esfíngica sécia, nos braços da sua loucura, esbraceja nas ondas atlânticas...

(Do fundo do mar, eleva-se D. Miguel, pronto a casar com a infanta real, não fosse ficar de mãos a abanar.)

20.10.08

In(significantes) delitos...

Passei, hoje, pela nova FNAC do Centro Comercial Vasco da Gama e pude, mais uma vez, confirmar como o mercado editorial se mantém refém de êxitos efémeros e enganadores. Apesar de tudo, pela amostra, parece-me que o catálogo de autores portugueses é mais rico, por exemplo, que o da Bertrand, que, entretanto, mudou de piso. Veja-se o caso de José Cardoso Pires. A Bertrand oferece 2 ou 3 títulos enquanto que a FNAC oferece 6 ou 7. De qualquer modo, nem uma nem outra disponibilizam a peça de teatro "Corpo-delito na Sala de Espelhos", apesar de a Câmara Municipal de Lisboa convidar os alunos do Secundário a ler e a representar aquele texto dramático, datado de 1980, e já levado à cena pelo Teatro Aberto, em 1979.

Embora o assunto mereça um tratamento mais aprofundado, confesso que não compreendo o motivo que leva o Ministério da Educação a considerar como leitura obrigatória "Felizmente Há Luar", de Sttau Monteiro, cujo argumento remete para um tempo longínquo, deitando fora  a oportunidade de colocar o aluno como espectador (participante) de uma História bem mais recente, dramatizada por José Cardoso Pires, ao escrever "Corpo-delito...", a história da tortura interrompida pelo 25 de Abril de 1974, e posterior branqueamento dos cerca de 100.000 agentes e colaboradores do Estado Novo.

17.10.08

Juliette Greco no CCB

Ao ouvir a voz ora máscula ora maviosa  desta criatura, longilínea, e toda vestida de preto, nascida a 7 de Fevereiro de 1927,  penso  na foice que dizima os campos da vida, entoando loas à morte. E a velha dobra-se até aos joelhos num gesto de agradecimento que convida a segui-la pelos caminhos do tempo que não volta mais. Et le temps s'en va... le temps s'évanouit...

A  meia plateia, que rescendia a nostalgia dos anos 50 e 60,  espelha o declíneo da cultura francesa em Portugal.

13.10.08

Gratos...

Perante a notícia de que os sindicatos dos texteis ganham com o encerramento das unidades de produção, ao cobrar 10% das indemnizações e dos subsídios de desemprego, vale a pena recordar que, em 1916, os portugueses (Aquilino Ribeiro, Domingo de Lázaro) se interrogavam sobre a veracidade da seguinte prática: «É verdade que, por cada português, um ministro recebe uma libra?» Entenda-se cada português que chegava ao campo de batalha para combater a Alemanha. Relembre-se que Portugal decretou Guerra à Alemanha a 9 de Março de 1916.

Quantas libras de ouro ganharam, hoje, os governantes portugueses ao entregarem o estado português como garantia aos grandes banqueiros?

11.10.08

A calma destes sobreiros...

Há quem procure a simplicidade...
Eu, mesmo sem caruma, aprecio a pose destes sobreiros de Montargil. Ajudam-me a esquecer as ideias balofas e ridículas que me assombram o quotidiano...
No entanto, a imagem deixa na sombra o trabalhador que, diariamente, expurga a terra dos ramos secos. E a palavra não dá conta da euforia das aves que, ocultas nas ramagens, se preparam para mergulhar na barragem.
Atento, oiço-lhes o canto e procuro-lhes o voo..., mas falta-me a calma dos sobreiros neste sábado outonal.

8.10.08

Torno pública uma explicação privada...

O tema poderia ser a avaliação do desempenho docente e o modo como as organizações a abordam. Mas não é, de todo.

Como diria MIA COUTO, cada professor é uma raça!  Ou ainda como refere Aquilino Ribeiro, em Domingo de Lázaro, ficcionando a sua experiência docente no Liceu Camões, em 1914:

«Se há profissão que fomente a autolatria e a hipertrofia do eu é o magistério. Todos os magistérios. Cada professor é uma filosofia, uma política, uma universidade (...) No ensino secundário, por certo o mais abalizado, que tem os seus dramas de hiperestesia e recalcamento, cada professor pensa por sua cabeça e reage à sua maneira.»

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A liberdade é absoluta. Cada um faz o que entender. Não serei eu a atirar a primeira pedra!

No entanto, mesmo aqueles que declaram que não é necessário uniformizar, dar instruções, acabadas as reuniões, solicitam permanentemente explicações e soluções que não os deixem desemparados na hora da verdade. A maioria dos professores interroga-me, todos os dias, sobre como fazer, como aplicar a lei.

A Lei ainda pesa...

Por isso, tenho vindo a elaborar "ferramentas mínimas" que poderão ser utilizadas ou não, de acordo com a consciência de cada um. E quando as disponibilizo, faço-o para todos..., mas a opção é do avaliado... Só quando dispomos da totalidade da informação é que somos livres na escolha!

Em conclusão,  o meu objectivo é que avaliadores e avaliados conheçam todas as regras do jogo e só isso... Se ajudar tanto melhor! Caso contrário, não será necessário recorrer à Lei para que me retire. Basta que mo digam, no sítio certo.

Manuel Gomes

Estes pensamentos...

A bolha financeira explodiu. Nem podia ser de outro modo. Tudo o que não tem raízes acaba por ser derrubado. Agora, é preciso evitar o pânico.

Também a caruma se encontra à beira da implosão. Começam a faltar-lhe os argumentos para combater a demagogia e o facilitismo.

Os últimos dias têm sido de luta porfiada contra múltiplos espectros, uns sorridentes outros carrancudos, e como é próprio dos espectros, alguns são totalmente invisíveis...

De modo que começo e acabo a pensar em Antero de Quental, António Sérgio e Jorge de Sena. Vá lá saber-se porquê!

De qualquer maneira, estes pensamentos não fazem sentido a esta hora da manhã, quando, lá fora, um autocarro...

(...)

Ainda antes de apanhar o autocarro, lembrei-me que acabava de trair Sá de Miranda, sem esquecer que, aqui ao lado, jaz o romance que obrigou António Lobo Antunes a percorrer os Estados Unidos, promovendo a tradução do romance Que Farei Quando Tudo Arde? - What Can I Do When Everything's on Fire?

Há quantos dias não lhe percorro as labirínticas avenidas! No entanto, o mundo arde... E nós que faremos?

Ai, os títulos! Agora que se anuncia O Arquipélago da Insónia, começo a pensar que, para António Lobo Antunes, o título é mais do que uma coincidência, é o espelho do estado do mundo.

Só lastimo que o escritor, peregrino da escrita e viajante desencantado do mundo, não se atreva a subir a Duque Loulé, atravessando a Praça José Fontana, e após descanso merencórico à sombra do coreto, ouse entrar no Liceu Camões, nem que seja para exorcizar alguns fantasmas que continuam a habitar-lhe a moleirinha... E talvez nos pudesse ler um pouco de Sá de Miranda!

5.10.08

Na Gulbenkian, à volta de Fernando Pessoa

WELTLITERATUR, uma exposição de literatura a não perder. De 30 de Setembro a 4 de Janeiro de 2009. Sob a tutela de Cesário Verde - "Berlim, Madrid, Paris, S. Petersburgo, o Mundo!"-, de Camões a Mário Cesariny, passando por Camilo Pessanha, Ana de Castro Osório,  Teixeira de Pascoaes, Mário Sá-Carneiro, Santa Ritta Pintor, António Botto,  Almada Negreiros, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Alexandre O'Neill, um fluir de letras, de sons, de imagens, de quadros, de livros abre-se em LIVRO de onze páginas.... que percorro da esquerda para a direita, convidando-nos a (re)LER, não ali, mas naquela Biblioteca que, aos poucos, fomos (ou vamos) construindo...,

mesmo que a Adelaide não nos deixe o jantar "prompto"... Sorte, a de Pessoa!

 

2.10.08

Traduza esta língua, por favor

Alinasa mapo Vaz:

catua patca mta:

isuamu: mpamce

catua sama aluna pama:

trama aluna metama

auna cema pua cato.

uata vata cenia...