31.7.10

Com sol, omnes cogitationes…

Com sol tudo é diferente, bem sei que há quem prefira a noite, com ou sem luz artifical. No meu caso, a simples ideia de caminhar no convés de pedra só se coloca sob a intensa luz natural. E o rendilhado da pedra sob os meus pés desperta-me para os tempos em que o oceano assolou as montanhas e a força das ondas as vergou. Há quem pense que eu estou de férias, mas não.
Aqui vejo e ouço o modo como o diverso se submete à lei do mais forte. Aqui, descubro que nem sempre é o pobre quem passa mais fome. Aqui, descubro palavras que verdadeiramente me interessam: “askesis”; “hypomnemata”… Aqui, procuro  ir além do «in memoriam non ingenium»…

30.7.10

Sem sol…

Cheguei sem sol e, assim, continua. A praia fica a 500 metros do parque de campismo. O caminho é bom, apesar de obrigar a algum esforço no regresso (isto para quem anda a pé!) A areia branca e fina abriga-se entre falésias de ardósia. Tudo parece acolhedor, mas, hoje, falta o SOL.

25.7.10

Reapreciar…

Desde sexta-feira que reaprecio provas de exame. A tarefa é melindrosa. Sobretudo, porque, a certa altura, deixam de estar em causa as respostas, passando para primeiro plano a qualidade das perguntas e dos critérios de classificação.

E nem vale a pena falar das alegações, sempre cheias de razão…, ignorando, por inteiro, a diferença entre o texto argumentado e o texto digressivo, desconhecendo o que é um argumento e apostando em exemplos descabidos.

Mas esta ignorância não é apenas dos examinandos, ela está inscrita nas instruções das provas de exame, desrespeitando a tipologia textual consagrada nas orientações programáticas do actual Programa de Português.  

24.7.10

Os reizinhos…

Os reizinhos não necessitam de ser eleitos nem herdam o trono. Cercam o poder, sabotam os pilares das instituições e progressivamente impõem os seus interesses. Ao contrário do monarca, educado para servir a colectividade, para exercer o poder em nome dos súbditos, o reizinho está-se nas tintas para o outro; ele é o soberano que abdicou dos vassalos…

Os reizinhos têm, todavia, um enorme defeito. São incapazes de criar o que quer que seja e/ou admirar a obra alheia. E encaixam numa enorme moldura, à espera de serem adulados…


22.7.10

Homo homini rex

Diz Michel Foucault, n’A vida dos homens infames, que cada um, se souber jogar o jogo, pode tornar-se face ao outro um monarca terrível e sem lei.

Todos os dias, nas mais diversas circunstâncias, dou conta desse jogo que, em nome do igualitarismo e da justiça,  dá cabo do empenho e, muitas vezes, do desempenho do outro…

O que fazer?  Desistir ou enfrentar os reizinhos? 

19.7.10

A pedir pasto e cajado…

Ao contrário do que muitos defendem, ninguém faz o que eu faço. Se a ideia de que nada nos diferencia fosse válida, não passaríamos de um rebanho a pedir pasto e cajado.

Eu faço mal, bem, assim-assim. O outro também faz mal, bem, assim-assim. Mas faz diferente. Se tudo fosse igual, não haveria nem EU nem OUTRO, e muito menos TU. Apenas, o solilóquio dos pastores…

Aquilo que nos diferencia vem de longe ou de perto, conforme a idade, a experiência (a aprendizagem formal /informal), o estado de saúde física e mental. Omitir a maturação individual, subordiná-la à vontade do grupo é crime, porque mata o diálogo sobre o modo como resolver os problemas…

Quantas horas perdidas a fazer perguntas já gastas! Quantas frases repetidas sem nada dizer!

Hoje, compreendo bem melhor aquele avô que só soltava a voz após longo silêncio. O silêncio era a sua forma de comunicar. E incomodava porque me fazia pensar. E eu respeitava-o.

18.7.10

O que vemos…

Nem sempre o que vemos dá conta do que percepcionamos. As cores distendem-se até tudo ficar azul. No entanto, a visão sente-se perturbada por um vento agreste que tudo desgrenha como se o Inverno estivesse de regresso.

De qualquer modo, não é esta confusão dos sentidos que mais inquieta. É, principalmente, o despropósito dos comportamentos, a irracionalidade das atitudes…

Claro está que poderia ter descido ao areal…

16.7.10

O Espírito Santo…

O Espírito Santo bem podia baixar sobre algumas cabeças que ainda não perceberam que o combate à flatulência não obriga a uma dieta extrema… (Cuidado que há muita flatulência que não é apenas ventosidade!)

Ser menos infeliz à custa do sofrimento alheio pode trazer um prazer imediato, mas torna-nos mal-humorados e, sobretudo, depressivos.

Nenhum “paraíso artificial” devolve a serenidade que nos devia governar… Bem sei que não há nada pior que o orgulho e, embora não entenda completamente a semântica do termo, creio que uma das suas faces é a necessidade predadora de assegurar um lugarzinho na pequena história dos homens.

E infelizmente quanto maior é o orgulho, menor é a vontade de contribuir para o bem comum. Pouco importa que o vizinho se mate a trabalhar para compensar a nossa preguiça! Pouco importa que o futuro da comunidade, por nós amordaçado, seja hipotecado…

Nota: orgulho, conceito exagerado que alguém faz de si próprio (do germ. urgoli.)

13.7.10

Estamos em Julho…

Estamos em Julho e aborreço-me porque deixei de ouvir os melros. Sobretudo um que, de madrugada, cantava desalmadamente como se alguém lhe ameaçasse o território. Creio que nunca o vi, ao contrário de muitos outros que sempre se mostraram indiferentes à minha passagem… Espero que ele regresse em Março pois, creio, que já passou a fase juvenil.

Ouvir é cada vez mais a minha profissão, já nada me apetece dizer… que interessa quem fala? A todo o momento, oiço falsas perguntas de quem não quer saber a resposta.

Talvez se dizer fosse uma actividade sazonal, eu me sentisse menos aborrecido. Se fossemos melros, poderíamos  viver em silêncio, de Julho a Janeiro… Bem sei que teríamos saudades da voz.  Mas evitávamos os charlatães que nos cercam…

11.7.10

Planos distintos…


«O lobby da educação tem tido mais poder do que todos os sindicatos dos professores do país.» Nuno Crato, Notícias Magazine, 11Jul 2010

Urge eliminar o lobby da educação, começando por fechar as escolas de formação de professores e os múltiplos departamentos do M.E. que vivem de costas voltadas para o que se passa nas escolas.

Em termos de planeamento, as medidas que estão a ser tomadas levam à desertificação do território e à secagem da inteligência. Em termos de gestão, os directores não têm qualquer autonomia (mais não podem fazer do que aplicar as ordens do referido lobby). Em termos de avaliação dos alunos, os resultados dos exames são miseráveis, sobretudo porque mostram que estamos a formar indivíduos incapazes de pensar e de expor uma ideia que tenha alguma substância. Os mais instruídos estão cada vez mais iguais aos mais ignorantes.

Deste modo, assistimos a um nivelamento por baixo que acabará por nos convencer que somos definitivamente um país falhado.

8.7.10

Passemos antes por Paris…

Com as Juntas Médicas da Caixa Geral de Aposentações nem todos os caminhos vão dar a Roma! Já todos ouvimos falar da estreiteza  dos atalhos. O que eu não sabia é que podemos chegar a Roma desde que, antes, passemos por Paris.

Se eu estiver incapacitado para o trabalho, não devo tomar a iniciativa de solicitar uma Junta Médica. Essa decisão prova que, afinal, não estou tal mal como isso. Então, que fazer?

Decididamente, não me apresento ao serviço. Arranjo um atestado médico, de preferência, passado por um psiquiatra que domine as novas tecnologias de informação, não vá algum grafólogo pôr em causa a saúde mental do atestador. Deixo-me ficar por casa (ou por onde me apetecer!) 60 dias. Terminada a “quarentena”, o chefe de serviço lembra-se que a Lei o obriga a enviar-me a uma Junta Médica do Ministério a que o (dis)funcionário pertence…

Combalido, chego à primeira Junta Médica do meu Ministério, a qual, incapaz de contrariar a declaração do ilustre psiquiatra, me devolve a casa, justificadas as faltas, sabendo, desde logo, que o ritual deverá durar, no mínimo, dezoito meses… para que a Junta Médica do meu Ministério, perdida a esperança de que eu entre em remissão (isto é, que o meu psiquiatra me dê alta), me despache, finalmente, para a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações…

De regresso ao lugar (no caso, uma cave!) onde, um dia, me perguntaram quem é me lá mandou, eu, serenamente, responderei: a Junta Médica do meu Ministério!

Está claro que não devo ir sozinho. O (meu) caminho há muito que é percorrido por um médico de medicina interna e /ou por um reputado psiquiatra… Se bem percebi, eles passaram a ser o meu corpo e a minha voz! Eles falarão por mim…

Se nem assim conseguir chegar a Roma, há que ter paciência: voltar para casa; arranjar novo atestado médico de outro ainda mais reputado psiquiatra; faltar mais 60 dias ao serviço… até que a Junta Médica do meu Ministério…

Mas, nunca, por nunca, tomar qualquer iniciativa…    

6.7.10

A personagem…

«Quando encontro um leitor que é capaz de falar de uma personagem apetece-me abraçá-lo como um amigo.» Lídia Jorge, entrevista ao DN de 4 de Julho de 2010

Ora aqui está uma boa ideia: incentivar o leitor a escolher uma personagem e a falar dela. Para os burocratas que inventaram o contrato de leitura, ler já é, em si, um acto de progresso, mesmo que o leitor valorize apenas a acção e o insólito das situações; mesmo que falar da obra não passe de um acto gratuito e, frequentemente, deseducativo.

De facto, nos tempos que correm quem é que se interessa pela personagem? A crise da personagem radica no falhanço da pessoa, nas falhas de carácter.

E se, por instantes, cedemos ao fascínio da personagem, não resistimos, contudo, a investigar os defeitos do homem que supostamente a gera…

5.7.10

Na sombra…

A viagem, iniciada na última 6ª feira, terminou hoje às 20h30. Os olhos percorreram linhas atrás de linhas à espera de encontrar uma ideia fundamentada, uma resposta rigorosa, uma centelha de originalidade… Em vão. Chavões atrás de chavões… Apenas uma ideia sombria! Descoberta a Índia, ao entrarem no Tejo, os nautas apátridas fundaram a nação lusa. 

A ignorância da História mata qualquer hipótese de contextualização, sabota a interpretação. E esta falha é cada vez mais frequente. Basta ler os jornais:

«D. João II era grande apreciador de sardinhas, que considerava baratas e saborosas, de acordo com os relatos de Fernão Lopes.», Notícias magazine, de 4 JUL 2010.

Na sombra deste discurso vive uma singularidade que vem brincando impunemente com coisas sérias (e não é única!). E brinca porque a Academia não cumpre a sua missão. Pelo contrário, recompensa a ignorância, o disparate e, sobretudo, o laxismo.

3.7.10

Absurda viagem…

Viajei todo o santo dia, sem sair do lugar. Resta saber se aprendi alguma coisa. Do outro / outra é melhor não falar, e de mim, vejo-me refém de uma absurda engrenagem… E o prazo a cumprir obriga-me a interromper o discurso…

1.7.10

Em nome da verdade…

«A biografia não é um meio de unir a vida e a obra, mas um discurso sobre a vida / a morte que ocupa um certo espaço entre o logos e o drama.» Jacques Derrida, Otobiographies…, 1984 

A biografia ao querer transformar o Singular em Discurso atira-nos, de imediato, para o território da ficção, apesar de nos apresentar como sujeito absoluto o que é apenas um sujeito possível. A coerência da vida e a coesão do discurso não passam de mecanismos de autenticação do sujeito / autor.

Na Idade Média, o discurso biográfico era naturalmente hagiográfico ou, em alternativa, satânico. O homem pouco importava… a sua singularidade morria com ele, salvo se pelo Discurso (seu ou/e alheio) se conseguisse apresentar como sujeito absoluto – lugar de fingimento ou mesmo de mentira…

Em nome da verdade, vamos construindo um discurso de mentira…