30.7.12

O texto e a imagem

Quando a sociedade se corrompe / corrompe-se primeiro a linguagem.” Ruy Belo

De acordo com Antoine Compagnon, a cultura literária entrou em declínio, embora não se saiba se se trata de um fenómeno irreversível. A Literatura (As Belas Letras), na perspetiva de Eduardo Prado Coelho (2000), teve o seu apogeu associado ao reforço da ideia de consciência nacional e, consequentemente, à valorização da língua materna.

Algumas das ideias, fundamentadas nas teorias de Derrida e de José Afonso Furtado, são de plena atualidade, nomeadamente, quando EPC afirma: « a média dos alunos é cada vez mais fraca, mas os bons alunos são alunos excecionais – aqueles são perigo, estes a oportunidade.» 

Hoje, a globalização, ao diluir as fronteiras, dilui as literaturas e a língua em que a consciência nacional se inscrevia e, por outro lado, a imagem substitui o texto literário, procurando o prazer instantâneo do reconhecimento, mesmo que virtual. 

28.7.12

O fazedor…


O que não se pode é tocar o sino e ao mesmo tempo ir na procissão. Camilo José Cela
Apesar de ter adormecido acomodado à ideia, ao acordar, apercebi-me que há quem tenha o dom da desmultiplicação – o fazedor.

Eu que, outrora, tive o ofício de sineiro, sentia-me aliviado por não ter de marchar alinhado e aprumado e, ao mesmo tempo, sentia-me excluído do rebanho.

Faltava-me essa qualidade, hoje, muito abundante,  que é a de fazedor!

27.7.12

Os outros jogos

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Hoje não vi ingleses! Só austríacos, alemães, franceses, holandeses, suecos e portugueses … e creio que, salvo erro, poucos terão pensado na cerimónia inglesa de abertura dos jogos olímpicos.

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Por aqui, tal como as rolas, os turistas vão desfrutando o clima e o sossego que a Ericeira ainda oferece…

E concluo com Camilo José Cela: « O que não se pode é tocar o sino e ao mesmo tempo ir na procissão.», in Os Pirinéus de Lérida.

25.7.12

Estou a ficar zonzo!

Estou a ficar zonzo.

Na minha infância e adolescência, se me quisesse “lixar”, “lixar” alguém ou “mandar lixar” quem quer que fosse recebia como estímulo um par de bofetadas, sem aviso.

Quando comecei a ler os escritores neorrealistas, percebi que era vítima de uma conceção do exercício de autoridade excessiva. Aqueles simpáticos autores, à força de quererem valorizar a cultura popular, criaram personagens que não iam muito para além do calão, apesar de, na mente iluminada dos artistas urbanos, estarem prontos a sacrificarem as suas vidas em nome da liberdade…

O mais difícil foi explicar a certos alunos que o calão podia ser uma forma de vida tão razoável como aquela que decorria da leitura de um sermão do Padre António Vieira. Retraído, lá fui insistindo até que percebi que o pregador ficara irremediavelmente para trás. A quem interessava a doutrina? A quem interessava a eloquência? A quem interessava a criatividade que a língua poderia desencadear?

Nos bancos das salas de aula, começaram a sentar-se jovens que já não necessitavam de ler os neorrealistas para aprenderem o que era expressão de vulgaridade ou, em alternativa, de cultura popular; muitos já não necessitavam de ler ou, se o faziam, procuravam aquelas obras que semanalmente ocupavam os escaparates das livrarias e não ofereciam qualquer resistência à leitura – as que os espelhavam por inteiro ou lhes abriam a porta do facilitismo.

E são esses jovens, agora ministros, que me deixam zonzo. Eles dizem, sem ter lido os neorrealistas, que se »estão lixando» e ninguém lhes dá um par de estalos! E ainda são aplaudidos, porque falam a língua do povo. Mas qual? 

23.7.12

O clima é amigo

Os alunos das escolas ( 239 ESCOLAS PRIMÁRIAS )  que encerram serão transferidos para centros escolares ou outros estabelecimentos "com infra-estruturas e recursos que permitem melhores condições para o seu sucesso escolar", considera o Ministério da Educação. (Renascença)

Em nome do sucesso escolar, os Governos transferem os alunos. A ideia parece razoável, mas porque é que não se aproveita para transferir, também, as famílias?

Não será melhor fechar as igrejas, os cemitérios, os correios, os postos de saúde?  Não será melhor acabar com o queijo da serra, acabar com o alvarinho, acabar com o porco preto, acabar com a alfarroba e a laranja, arrasar os sobreiros e extinguir as colmeias?

Sobra, no entanto, uma questão: - Como é que este sucesso escolar tem desembocado no insucesso na vida?

E no caso das crianças (e famílias e autarcas) não aceitarem a transferência, tal como os indígenas se viam obrigados a aceitar o Deus dos cristãos, então há sempre o recurso aos incêndios …

… arde o país até porque o clima é amigo!

PS. No meu entendimento, não há sucesso escolar ou outro se não houver enraizamento

22.7.12

As gaivotas são de ontem

As gaivotas são de ontem! Não sei o que é que as movia, mas a agitação era muita. Provavelmente, não sabem agir de outro modo…

O que me preocupa são os abutres. Esses sabem escolher o momento para atacar a presa. Não fosse a maldita vaidade, o golpe seria certeiro!

21.7.12

Virtuosa Pátria

Eram homens afáveis que passavam a mão pelos cabelos das crianças, mas que deixavam cair os irmãos, os amigos e os servidores. Faziam-no com elegância, um olhar benévolo… mas, chegada a hora, tornavam-se invisíveis.

Estes homens melífluos que passavam a viver na sombra, rodeados de fâmulos que agiam por conta própria, eternizavam-se nas cátedras, nos cargos… e acabavam sempre por ser condecorados pelos serviços prestados à Pátria.

E a Pátria vai os acolhendo no seu regaço e passa-lhes as mãos pela cabeça e esquece-os…

20.7.12

Um país de equívocos

I - Os incêndios deixam os pobres mais pobres. Raramente, se ouve falar de um rico vítima de incêndio!

Os incêndios deixam o país mais desolador. E não se percebe porquê!

A senhora ministra da agricultura, das florestas… bem podia criar um projeto de limpeza do território. E digo limpeza, porque o território está sujo e floresce sem qualquer controlo. E são esta sujidade e este desleixo os responsáveis pela repetição dos incêndios, novo pasto das televisões e consequente manipulação dos telespectadores.

A senhora ministra dos matagais deveria pugnar pelo asseio. Bastava que contratasse 10% dos desempregados para proceder à limpeza dos caminhos, à poda das árvores e à desmatação…

II – A morte de José Hermano Saraiva traz-me de volta o irmão, o António José Saraiva.

Ambos cavalgaram a História, mas fizeram-no de modo bem distinto. O rasto que deixaram mostra uma forma bem diversa de encarar a política, a literatura e a comunicação… e por isso este ruído da morte

… um ruído de tambores que anula o canto triste da avezinha…

19.7.12

Por uma república formatada

I - Nada melhor que a leitura de uma instrução de exame, por exemplo, de Literatura Portuguesa, para se compreender a alma do avaliador (GAVE) e o futuro que nos espera:

Tendo presente a leitura que fez de textos de um dos poetas indicados no módulo do programa intitulado «Romantismo, Realismo e Simbolismo» – Almeida Garrett, Antero de Quental, Cesário Verde, António Nobre ou Camilo Pessanha –, refira os dois aspetos a que atribui maior importância na obra do poeta por si selecionado.
Redija um texto bem estruturado, de cem a duzentas palavras.(
2012, Prova 734, 2ª fase)

Como se vê, é simples: durante um ano, memorizam-se três ou quatro respostas, de cem a duzentas palavras, e já está! E também nunca percebi se um texto com 100 palavras é equivalente a um de duzentas, quando se disserta ou argumenta… E todos os anos é isto!

A Literatura vê-se, assim, reduzida a opinião, quando não a «achismo» imbecil!

Pobre Literatura! Pobre País!

II - O ministro da Educação, Nuno Crato, não promove a prospetiva no seu gabinete. Parece não ter nenhum assessor capaz de prever situações que poderão resultar dos seus atos. Situações felizes e infelizes!

Preocupado com a transparência da sua ação, reduz o número de horas de aprendizagem, aumenta o número de alunos por turma, aumenta a carga horária dos professores e surpreendido com o efeito dessas decisões, confessa que nunca pensara que poderia criar milhares de horários-zero e, sobretudo, que isso poderá empobrecer ainda mais o estado da educação. 

Claro que Nuno Crato sabe muito bem o que é a prospetiva, ele que tanto ama a arte de calcular!

17.7.12

Despertar temporão

Hoje é um daqueles dias em que acordo antes da hora prevista e não sei se coloque a máscara da caruma se do vagabundo. Um dia em que vou precisar de máscara…

O despertar temporão traz-me de chofre uma experiência de véspera: a autoridade tributária e aduaneira, para efeitos de cobrança, impõe 350 € como mínimo de venda de uma propriedade mesmo que o valor seja apenas de 1 €.

O despertar temporão também me traz uma preocupação: como é que vou reagir à valorização das obras de fachada que me vão querer vender ao longo do dia?

Talvez tivesse sido melhor não ter acordado!

De qualquer modo, caruma ou vagabundo sempre é melhor que “a apagada e vil tristeza” em que soçobramos!

13.7.12

O vagabundo

Quando com uma mão nos dão autonomia e com a outra nos condicionam a decisão, apetece mandar tudo às urtigas e partir para uma longa viagem de vagabundo, a pé e / ou à boleia, mesmo que não seja ao serviço de Portugal.

Um vagabundo do tipo daquele que Camilo José Cela consagra na obra “Vagabundo ao serviço de Espanha”.

O vagabundo de Camilo José Cela, visto ter palmilhado meia Espanha, lido demoradamente as histórias dos lugarejos que ia atravessando, partilhado fraternamente os palheiros que lhe cediam para repousar das canseiras  ou curtir os excessos raros e inesperados do prazer da gula ou do sexo, debatido com cónegos, alcaides, feirantes e prostitutas…, a esta hora já deveria ter acumulado uns milhares de unidades de crédito e ser magnífico reitor de uma qualquer vetusta universidade aristotélica…

De facto, o conhecimento do vagabundo de Camilo José Cela é infinitamente  superior ao saber do excelentíssimo ministro relvas até porque aquele viajante age segundo um princípio  que considero fundamental: – não se atravessar no caminho de ninguém!

E o que me  impressiona no vagabundo é que este pícaro, à força de palmilhar a Ibéria, sabe que em cada aldeola, vila ou cidade  o relvas não é a exceção.

9.7.12

A mão cega dos classificadores



Hoje é o dia em que muitos jovens sentiram que uma mão pesada se abateu sobre eles, apesar de terem trabalhado arduamente ao longo de dois ou três anos.

E essa mão cega ceifou a torto e a direito na seara que lhe foi imposta. 

E é preciso não esquecer que avaliação destes jovens está a ser feita sem qualquer equidade. Classificadores há que recebem formação e classificadores há que são nomeados à pressa!

Quando olho para os resultados que me vão chegando, vou perdendo a fé na idoneidade profissional dos classificadores. Há resultados de sacos de provas que deveriam ter sido aferidos antes de serem publicados. Provavelmente, não o foram porque vivemos em tempo de austeridade, mas esta não destrói apenas o corpo… pode minar, sobretudo, os valores, tornando-nos má moeda.

7.7.12

ÁREA DE NÃO CAÇA



ÁREA DE NÃO CAÇA

Gosto da expressão nominal: é apelativa como se exige! Apesar da proibição, não vislumbrei mais do que duas ou três carochas… Frustrado, segui o caminho serpenteado e privado,  desembocando numas perigosas arribas.

Na verdade, o mar vem devorando a terra, e os pinhais parece que deixaram de combater a erosão.

Em tempo de crise, talvez pudéssemos instalar uns tantos hidrantes… dávamos emprego a certos autarcas, protegíamos a escassa floresta e, talvez, limitássemos a erosão.

Creio, entretanto, que estamos a necessitar de um termo alternativo para “floresta”… Bosque? 

6.7.12

A hidra

Boca-de-incêndio? Tomada de água? Marco de água? Não! Hidrante é que é! Tal e qual como no Brasil… ou será um anglicismo – hydrant? De qualquer modo, ao investigar acabo por entender que o hidrante é um hiperónimo, pois designa equipamento de segurança usado como fonte de água, caindo a boca-de-incêndio sob a sua alçada…
… a alçada da serpente que nos pode devorar ou, então, levar-nos de regresso ao Brasil. O fio de areia, perdida a cabeça, estende-se para Sul, tão azul que nos faz esquecer o ponto de partida.
No meu caso, faz me esquecer que existem instituições que dão cursos em bandeja de ouro ou explica-me por que motivo, tendo um dia sido designado para um júri de apreciação do currículo de uma venezuelana, nunca mais repeti.
Acontece que votei contra as equivalências solicitadas, porque não reconheci à candidata competência em várias matérias e, sobretudo, qualquer domínio da língua portuguesa.
Afinal, isso poderia ter sido ultrapassado com uma classificação de 10 em Língua Portuguesa I, II, III, IV. Será que já alguém solicitou o programa destas 4 cadeiras?  

5.7.12

Vingado

Apesar do aviso, a luminosidade deslumbra-me e obriga-me a pensar no engenho e arte da natureza e, ao mesmo tempo, sinto-me vingado de todas as luminárias laranjas,  verdes ou pardas que nos governam.
( Camping Praia da Galé, Melides)
PS: No dia em que percebi que bastam 4 exames e 32 equivalências para se sair licenciado! 


PS. Não sei se sou objeto de censura, mas com alguma frequência as fotos desaparecem e o autor deste blog é reduzido ao anonimato.
MCG

3.7.12

Alvoroço no 83

Duas malas de viagem (75X35 cm), um casal de franceses (75X65 anos), na zona reservada a idosos e a portadores de deficiência, incomodam apenas até que um robusto invisual entra, esbracejando, no autocarro.

O desbocado invisual arreda tudo quanto lhe aparece pela frente, procurando sentar-se no lugar ocupado pelo francês, e, quando advertido que o passageiro era estrangeiro, desfaz-se em impropérios contra os turistas pobretanas que vêm para cá espezinhar os portugueses…

Poder-se-ia pensar que se trataria de uma altercação de alguém zangado com a vida, quando, subitamente, o sobrelotado 83 entrou em convulsão. De um lado, um grupo minoritário que defendia  e compreendia os pobres turistas; do outro lado, um grupo maioritário que resolveu secundar o invisual, dando expressão, em bom vernáculo, ao impulso xenófobo…

Chegados ao aeroporto, os turistas lá foram apanhar o avião, sempre sorrindo… e o 83 pôde, finalmente, rolar em paz!

Quero crer que estes turistas jamais voltarão a Portugal! Oxalá me engane!