31.3.13

Mnemosine

A deusa grega da memória é anterior à invenção do alfabeto e da escrita. Nessa época, Mnemosine era extremamente poderosa, pois sem ela não havia aprendizagem e, com um pouco de boa vontade, evolução.
E como, apesar de deusa, a memória de Mnemosine não era infinita, vimo-la, desde o início do seu reinado, proteger a música e a poesia, artes primordiais para a celebração da descoberta e preservação do nome dos heróis fundadores.
Com a invenção da escrita, Mnemosine entrou em decadência tal como o cérebro humano! Se indagarmos com um pouco de atenção, perceberemos que o homem tudo tem feito para expulsar a memória para fora de si...
Hoje, os discos de memória são maioritariamente externos, assemelhando-se a memória humana à da lesma.
Creio que essa (a rejeição de Mnemosine) é a primeira causa  de sermos governados por folhas de cálculo, dominados pela estatística, devorados pela imagem...
 
Esta evocação de Mnemosine resulta da leitura de um conto de Lídia Jorge, Invocação a Calíope, onde, a linhas tantas, refere: "Sim, consta que teria sido durante esse sol-posto arábico que Luís Vaz teria escrito numa folha de papel - «Agora tu, Calíope, me ensina o que contou ao Rei o ilustre Gama...» E nesse ponto havia interrompido a escrita, à espera que a filha de Mnemosise, a deusa da memória, lhe trouxesse à lembrança tudo o que havia lido..." 
 
Na citação, sublinhei Mnemosise porque não consegui encontrar o termo. Penso que se trata de uma gralha da edição Expresso. Mas gostei que Lídia Jorge se tenha lembrado dele, pois revela ter uma memória mais apurada do que a minha. Só, recentemente, me apercebi do dom profético da autora, quando uma ex-colega do Liceu de Tomar me trouxe à memória que ela fora nossa professora de Língua Portuguesa em 1972/73. Da professora, cujo nome olvidara até porque ela desapareceu no 3º período desse ano, apenas recordava que certo dia me terá dito que a minha sensibilidade poética era reduzida, apesar de ter algum jeito ensaístico. Se havia algum caminho a seguir, seria o dos hidrocarbonetos.
 
Por outro lado, a citação também serve para explicar a familiaridade com o Poeta. Afinal, a ideia de "Um dia com Luís Vaz", não é original! Tem como antecedente, «o sol-posto arábico (em) que Luís Vaz" solicitou a ajuda de Calíope, filha de Mnemosine...
 
 

30.3.13

Irreverências


Ao avistar uns ténis pendurados numa árvore da praça José Fontana, não posso deixar de pensar na irreverência da juventude.

E associo os  ténis, ali, suspensos, a uma vocação irremediavelmente perdida!

A irreverência também pode causar danos!

E já agora aproveito para notar que a peça “Isto é que me dói!”, de Paulo Pontes, Teatro Villaret, também denota a presença da irreverência do “doente” José Raposo num hospital em que os regulamentos são, afinal, mais importantes do que os pacientes…

Apesar da brejeirice de certas situações e das alusões fáceis aos atuais governantes, a peça não deixa de ridicularizar um modelo hospitalar, em que o diretor do hospital pede autógrafos ao doente famoso, o chefe clínico adia tragicamente a intervenção cirúrgica, e os enfermeiros vivem fechados nas respetivas taras... (três estereótipos)…

Tudo, ou quase, em família raposo!

/MCG

29.3.13

Res non verba!

  1. RES NON VERBA. A divisa da PSP preocupa-me porque salta à vista sempre que decido encaminhar-me para o Tejo. Temo que o meu itinerário possa  ser interpretado como um desafio à autoridade, uma marca de clandestinidade ou de vagabundagem. E se assim for, corro o risco sério de ser algemado ou pior, sem ter o direito de me explicar. Vou ter de alterar a rota… (fobia, certamente)
  2. Um painel japonês ali colocado desde 1998, presumo. E eu que nunca tinha reparado nele! Mesmo agora, são tantos os triângulos que os motivos me escapam… (eurocentrismo, evidentemente)
  3. Depois há um canavial. Dele apenas a reflexão sobre a cor, barrenta, acastanhada… e a ideia de que na ausência do sol, a cor permanece ou ganha outro tom que nós não queremos ver. E à volta, o verde, vigoroso, quase artificial, abre o caminho para o rio, também ele convulso e enlodado… Ainda pensei começar (Depois havia um canavial…, mas não faz sentido, ele continua lá!)
  4. E para terminar a curva, só visível se não ajustar, endireitar, a foto! A curva que ladeia o charco; a vida vegetal, indiferente à extensão e duas canas, vindas de outro canavial mais distante, mas não menos real… ( Só que eu não o procurei!)
  5. Afinal, a vida tem cor! Eu, a palavra! E a PSP, o cacete!  

28.3.13

Eugénio de Andrade - O passado é inútil como um trapo


(…)
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
(…)
Eugénio de Andrade, Adeus

As últimas vinte e quatro horas vieram confirmar que o passado só atrapalha! Nem serve para limpar a imundície que, ilusoriamente, confundimos com a riqueza, a beleza ou o amor.

O passado, qual romeiro, só traz o caos!

(As árvores não se preocupam com o passado e por isso continuam a florir!)

/MCG

26.3.13

Contra os gestores de almas

A leitura das «mortais contradições« de Antero traz a cada passo o desfasamento entre o IDEAL do autor e a acentuada decadência de uma nação cada vez mais desprezada pelas potências europeias emergentes. Paradoxalmente, a geração, dita de 70, sonhava com a Europa sem perceber que esta estava a traçar o aniquilamento de Portugal.
Essa estratégia está quase concluída. E nós continuamos sem perceber! A vitória de Aljubarrota teve o sabor amargo de fazer compreender que o destino português se escrevia fora, contra a Europa. E assim foi, nos séculos XIV e XV!
O sonho da Europa acabou sempre em pesadelo. E desta vez não será diferente...
Embora Antero tenha sabido enunciar as causas da decadência próxima, acabou por aristocraticamente desdenhar o novo mundo para, irremediavelmente, mergulhar em si próprio, na loucura e no suicídio.
 
«Enlouquecer é em geral a via de escape mais segura e eficaz dos que rompem consigo próprios após (…) uma penosa luta.»

«E os psiquiatras que fazem eles? Procuram exasperadamente curá-lo de si mesmo, reduzi-lo ao lugar-comum do homem «normal», social, sociável, conformista inconformado, fraterno-sectário – que é justamente o que ele não quer ser, voltar a ser!» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 45
 
Hoje, farto de diretores espirituais, psicanalistas, psicólogos, psicoterapeutas e de psiquiatras, decidi abandonar a Europa, sem dela sair... vou apenas seguir o meu caminho até que todas as folhas se libertem de mim... 

25.3.13

A obra não é o homem


«A obra não é o homem, antes é, em muitos casos, o seu disfarce e jogo de espelhos, a sua antítese.» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 38

Posicionado a meio da encosta, observo o porto de abrigo. Formas e cores tomam conta do meu olhar, incapaz de se fixar no pormenor de cada obra que a máquina consegue capturar.

A foto pouco diz sobre o «fotógrafo». Esta revela, no entanto, múltiplas “obras” cujos autores se apagaram. Só o narcisismo pode fazer crer que a obra é a expressão imediata, primária e sincera do seu autor.

Neste sentido, a leitura do texto literário como expressão primária do  autor é deformadora e, sobretudo, geradora de desnecessária alienação e, frequentemente, de emulação.

24.3.13

O prédio, a ponte, o rio



Talvez possa apagar o prédio da foto, mas ele continuará lá para me coartar a visão. Por outro lado, se atravessar a ponte, o obstáculo desaparecerá do meu olhar, apesar do prédio continuar no mesmo lugar.

Assim, temos, por um lado, o ponto de vista e, por outro lado, o prédio e a ponte, insensíveis a qualquer subjetividade.

A própria ponte, de acordo com certos pontes de vista, também ali não deveria estar. O rio, só, correria para o mar… ou será ao contrário?

O rio, a ponte, o prédio estão para ficar! Eu passo, a olhar e, impreciso, percebo que a decisão é avançar mesmo que tenha que ajustar o ponto de vista.

Em conclusão, de nada serve apagar o prédio da foto ou crucificar o arquiteto, pois a dívida continuará a crescer!

23.3.13

Ação e estesia

«Claro que há escritores que são homens de acção ou profissão intervalar: amorosos, caçadores, guerreiros, aventureiros, políticos, homens de negócios e/ou trapaças, etc., que agem sobretudo para ter o de que escrever, para rememorar gostosamente, íntima e demoradamente as acções que praticaram ou exerceram. A acção, neles, não é tanto um fim em si, como a escorva, espoleta ou detonante, o estímulo e nutriente da obra, que é, esta, o seu gozo secreto, autista, de evocação, contemplação e projecção au ralenti. A sua estesia suprema reside menos no agir do que no rememorar-escrever, no retrospecto e na análise, na digestão, ruminação ou solitária exploração das emoções…» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 33
 
A reflexão de José Rodrigues Miguéis é cativante, mas difícil de aceitar, pois, como diria Paul Ricoeur, in do texto à ação,  «agir significa, acima de tudo, operar uma mudança no mundo».
Para JRM, certos escritores envolver-se-iam na "vida" como «ação de base» para mais tarde terem o de que escrever, dando à estampa a expressão de uma sensibilidade assente no real, mas liberta das poeiras do caminho.
Ora, como «agir é fazer sempre alguma coisa de modo a que aconteça qualquer outra coisa no mundo» (P. Ricoeur, op.cit),  o homem de ação corre inevitavelmente riscos (mesmo, de vida) que não pode antecipar. Assim, não faz qualquer sentido, por exemplo, participar na guerra de libertação ou desertar das fileiras do exército colonial, como aconteceu, respetivamente com Pepetela e Manuel Alegre, para mais tarde poder construir uma obra literária que lhes traga gozos privados ou os faça perdurar além morte.
 
Outra ideia que decorre do pensamento de JRM é que haverá escritores que não são «homens de acção». Homens e mulheres que poderão escrever as suas obras, longe da vida. Homens e mulheres que conseguem escrever sem terem experiência da vida. E esse é outro problema! 
 
 

22.3.13

Óscar Lopes

(Breve apontamento)

Óscar Lopes (Nasceu a 2 de Outubro de 1917, em Leça da Palmeira numa família de músicos. Faleceu, hoje, 22 de Março de 2013). Irmão de Mécia, mulher de Jorge de Sena. Professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Linguista, Historiador de Literatura. Membro do Comité Central do Partido Comunista Português, a que aderiu em 1945. Esteve ligado a todos os movimentos de resistência ilegal ou semilegal desde 1942. Foi companheiro de prisão de Agostinho Neto (A). Na Faculdade, teve colegas como Baltasar Lopes (CV).
Entre 1951 e 1957, fez crítica literária n’O Comércio do Porto. Em 1958 e 1959, não pôde usar o seu nome, por ordem da Censura. Passou a assinar «Luso de Freitas».
Entre 1974 e 1976, foi director da Faculdade de Letras do Porto, chegou mesmo a reitor, em regime de interinato, por ausência do reitor, prof. Ruy Luís Gomes.
Foi promovido a professor de catedrático, apesar de não ter um doutoramento formal, mediante o parecer de Vitorino Nemésio e de Jacinto Prado Coelho.
Comecei a conhecê-lo, a ele e a António José Saraiva, em 1971-72, através da História da Literatura Portuguesa. Nunca lhe perdi a vasta obra, sobretudo, a ensaística, com a qual aprendi a saber ler os sinais e os sentidos. E não só!
Parte mais um ilustre português cujo verticalidade nunca foi devidamente reconhecida.  

21.3.13

Em deformação

Comprometer-me, eu!?

- Cada macaco no seu galho!
- Senhora doutora, eu não quero saber de nada!
- A minha preocupação é evitar o ruído!
- É necessário simplificar!
- Eu não quero é que haja recursos!
- Eu sou uma pessoa cautelosa! Sempre fui assim!
- Agora estou aqui, amanhã posso estar aí!
- A sério, o que é preciso é conhecer o decreto regulamentar...

Sala polivalente, em anfiteatro, aberta sobre a cidade. Os olhos perdem-se longamente no casario que vai crescendo em direção à linha do horizonte, de forma que a serra e o mar se esfumam.
Os edifícios dispõem-se em pesados volumes horizontais, para, depois, se elevarem verticalmente como se quisessem fugir para o cinzento do céu.
Telhados e terraços escondem vidas sempre distantes e, aqui e acolá, um cedro sombrio, um abeto esbracejante e um pinheiro altivo assinalam outros tempos, outras gentes mais próximas do que estas, minhas irmãs, que insistem num diálogo impossível...
De tal modo, o olhar procurou o arquiteto que desenhou esta dimensão-duração que percebi que também estava em deformação.  
 
 

20.3.13

O blogueiro também é um Fala-Só!

O título é emprestado e serve para resumir o que acontece a quem escreve neste blogue - um Fala-Só. Mas nem sempre se está só. Quero acreditar que os verdadeiros escritores, mais do que narcisos comunicantes, são seres que se habituaram a dialogar silenciosamente com as vozes do quotidiano. Só que essas vozes ora lhe estão próximas ora distantes.
Os blogueiros não são, em regra, escritores, mas encaixam bem nas motivações e nos objetivos definidos por José Rodrigues Miguéis - blogueiro avant la lettre.
   
«O homem que escreve por imperiosa necessidade (…) é o que fala primariamente consigo e para si próprio, um Fala-Só, embora, com maior ou menor consciência disso, o faça para os outros também: a fim de se conhecer, revelar, surpreender, compreender, exprimir e comunicar, objectivar-se e justificar-se, supor-se ou confessar-se, disfarçar, mentir a si mesmo e aos outros (sobretudo), e enfim para convencer, mobilizar, catequizar ou proselitar os seus hipotéticos leitores. Quantas vezes, mesmo, simplesmente para gozar – ou sofrer!...

(…) É pois um narciso comunicante ou comungante a mirar-se nos outros: convive – a sós. Porque escrever é, antes de tudo, um acto de intimismo, de intimidade e confiança com e em si mesmo, de confidência: como o sonho e a quimera. Quem não tiver essa auto-intimidade, poderá escrever montanhas, que nunca será escritor!» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 31, Do homem no escritor (e vice-versa)

19.3.13

Dissonâncias ambientais e resiliência

Ao ouvir um programa radiofónico (TSF) sobre o Parque Natural do Alvão não pude deixar de me surpreender com a repetição da expressão «dissonâncias ambientais». Inicialmente, pensei que a invernia estivesse a afetar o canto das aves. Mas, não!
O entrevistado explicou que encontrar um frigorífico no leito de um rio é um exemplo de «dissonância ambiental». O mesmo se poderá dizer de todo o tipo de entulho lançado para a floresta ou para o espaço...
Compreendi a ideia e fiquei a pensar na expressão.
Na mesma entrevista, fui surpreendido por outro significante - «naturalizar». No caso, como o agente é a Natureza, é-me mais fácil aceitar a inovação linguística: esta não só é capaz de integrar «as dissonâncias ambientais» como as transforma em novas formas de vida. 
De qualquer modo, fiquei sensibilizado com as iniciativas que visam uma educação ambiental capaz de pôr cobro às «dissonâncias ambientais».  
 
Não posso, no entanto, deixar de pensar noutras «dissonâncias», como a troika, a classe política europeia e nacional. E espero que não sejamos tão resilientes como a Natureza, até porque nos falta o tempo humano.
No que me diz respeito, sou totalmente contra a «naturalização» destas dissonâncias predadoras.
 
PS. Já andava há uns dias a querer utilizar o termo resiliência. Foi desta! Lembro que é um termo que todos deveríamos banalizar, pois explica a política do governo: propriedade de um corpo (um país) de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação ( memorando)...

18.3.13

Desenhar...

Diz Álvaro Siza Vieira: «Desenhar é um vício desde menino (...) porque permite o lançamento de hipóteses de uma forma muito expedita e muito maleável (...) porque passou a fazer parte de um método de trabalho e de um hábito mental que depende muito desta relação entre as mãos e a mente.» Expresso, 16.03.2013

Nunca consegui desenhar nada que se aproveite, embora, a espaços, tenha tentado. Sempre me considerei desajeitado, mas nunca pensei seriamente na relação entre as mãos e a mente, embora as veja como um prolongamento dependente do olhar.
À medida que envelheço, vou tomando consciência de que o desajustamento desta tríade - mente, olhos, mãos - me condiciona diariamente a ação, e creio, agora, que sempre me condicionou.
E como não acredito no inatismo, sou levado a pensar que conheço a causa, embora a não confesse. Porquê? Porque não faz sentido ajustar contas com o passado. No entanto, o recalcamento é o pior inimigo da harmonia necessária à coordenação da ´tríade - mente, olhos, mãos - e do desenvolvimento de automatismos mentais capazes de acrescentar e melhorar a realidade.
O tempo corre, e o desenho não surge. Agora, a tríade é outra: mente, ouvidos, pernas...


 

Urgências

Hospital de S. José, Lisboa
 
(Dezenas de doentes esperam pacientemente, e não é por Godot!)
 
Chegada às 18 horas.
Atendimento às 23 horas.
Duração da consulta: 40 minutos. Sempre a registar os sintomas declarados pelo paciente. Fica-se sem saber se o médico tem acesso ao longo historial do paciente no sistema nacional de saúde e, sobretudo, naquele hospital.
 
Os dados dos doentes estão ou não disponíveis numa base de dados nacional? Se estivessem a triagem decorreria obrigatoriamente de outro modo e o tempo de espera e de atendimento seria bem menor...
 
Conclusão: Não necessita de mais exames de diagnóstico, para além da incidência na tensão arterial e na reflexologia.
Taxa: 20 euros e 60 cêntimos!
 
Afinal, o que é que poderá ter levado o paciente à urgência? Certamente que não terá sido a vontade de  pagar 20€ e 60,  mais 6€ e 75 de estacionamento no bem frequentado parque do Martim Moniz.
À meia noite, a praça está entregue a si própria! As arcadas do Centro Comercial completamente lotadas de sem-abrigo, com a curiosidade de alguém ali ter instalado uma tenda de campismo!
Parece-me uma boa ideia! O António Costa ainda está a tempo de ali mandar instalar um parque de campismo, até porque o hospital de campanha já lá está...
 
Em síntese, os amadores continuam a dar cartas e a desperdiçar os escassos recursos do país!
 

16.3.13

Programação do caos

«À extensão-duração ou dimensão-tempo de cada ser ou coisa corresponde um padrão, uma noção própria, subjetiva, da amplitude do seu movimento, ritmo ou duração. À chacun son temps! O universo transborda de «tempos» ou medidas de tempo as mais variadas.»José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 27
 
A pequenez do homem resulta não só  da sua incapacidade de compreender a multiplicidade de «tempos» que constituem o universo mas, sobretudo, da insistência de uma minoria em subjugar milhões de outros homens.
A liquidação do trabalho é provavelmente o meio mais eficaz para alienar o homem, para lhe reduzir o tempo de vida, isto é, a sua «extensão-duração».
O homem sem trabalho torna-se indigente, misantropo, egoísta e tendencialmente suicida. Se consciente, acabará por mergulhar na depressão, procurando sumir-se.
A pobreza intelectual da atual classe política está a ser utilizada pelos grandes predadores para levar a cabo a programação do caos.

15.3.13

O tempo humano


Canção gitana
Le dijo el Tiempo al queré:/ Esa soberbia que tiene / Yo te la quitaré! -  José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 26: O Tempo disse ao Amor:/ essa soberba que tens / eu ta hei de tirar!)
 
JRM também refere que «o tempo humano, a nossa cronometria, é a nossa própria vida em curso medida ou contada em latejos cardíacos, a transformação contínua ou progressiva da espécie e do seu mundo.»
 
Os resultados da 7ª avaliação são claros quanto ao desprezo do tempo humano, dos latejos cardíacos de milhões de portugueses, como se o tempo absoluto os quisesse devorar, dando expressão ao mito de cronos, ou, melhor, espelhando a ação dos  nossos irredutíveis credores.
No entanto, ao contrário da lição gitana, os latejos cardíacos, mais cedo  ou mais tarde, hão de pôr termo à usura.
 
 

14.3.13

Mãos sujas

Además de haberse hecho cómplice de la dictadura, Bergoglio denunció como subversivos a dos sacerdotes jesuitas, Orlando Yorio y Francisco Jalics, que creían en vivir una vida humilde junto con la gente pobre de Argentina y predicarles a los pobres el evangelio. Como resultado, los sacerdotes fueron secuestrados, torturados y finalmente exiliados por la dictadura.http://www.blogdeizquierda.com/2013/03/el-papa-francisco-su-complicidad-con-la.html
 
Ainda antes de saber quem era o eleito para a cadeira de S. Pedro, considerei, aqui, que os 115 cardeais, estavam prestes a (re)definir a natureza do pecado.
E parece não haver dúvida em certos sectores do povo argentino: o conclave, num gesto único, decidiu a favor de Deus contra o Homem. Sobretudo, porque o eleito parece ter as mãos sujas do sangue derramado, não por Cristo, mas pelo povo durante a ditadura argentina. 
Doravante, a Igreja combaterá redobradamente o pecado contra Deus, fechando os olhos ao pecado contra o Homem.
 
Entretanto, não posso deixar de assinalar o modo como a escolha do nome mágico FRANCISCO trouxe, de imediato, à superfície a construção de uma imagem de despojamento, de entrega à pobreza e à simplicidade sem que os jornalistas tivessem verificado a natureza do homem, os compromissos assumidos anteriormente em Itália e na Argentina: não frequenta restaurantes, anda de bicicleta e de autocarro, lava os pés aos pobres e aos doentes; só depois de estudar Química, descobriu a vocação; aos 22 anos perdeu meio pulmão; levanta-se às 4h30 todos os dias. Só lhe faltam as asas!
 
 

13.3.13

A natureza do pecado

«E eu senti, como não sei explicar, que o tanoeiro, e o sol, e tudo o que era do mundo, tinham um vício secreto, uma sujidade intrínseca do pecado.» Vergílio Ferreira, Manhã Submersa
 
Cercados, seguimos voluntariamente, ou não, o caminho que nos pode libertar da condição original. Órfãos, somos levados para espaços distantes e, lá, precisamos de subir a escada da adaptação. Bravios, preferimos o assobio do tanoeiro, o largo da aldeia e a ternura da alvorada... e o desvio torna-se pecado, não contra Deus, mas contra nós próprios.
A ciência está em saber compreender o que distingue o pecado contra Deus do pecado contra o Homem.
O pecado contra Deus submete, aliena.
O pecado contra o Homem compromete o futuro do próprio homem. Torna-o refém da sua  condição de bicho vil e pequeno.
Hoje, dia em que 115 cardeais escolheram o novo Papa, eles também decidiram da natureza do pecado.    
 

12.3.13

Aquilo que nos motiva...

Aquilo que nos motiva é frequentemente inexplicável! 
Com o «discurso do pastel de nata» pensava atrair uns tantos gulosos para o problema do amadorismo que faz de nós palhaços de um psicodrama coletivo.
Afinal, vejo-me na mesma situação que o ministro Álvaro quando nos convidou a exportar pastéis de nata...
Errei a aposta. Deveria ter preferido o bacalhau com natas! Há, no entanto, um problema. Esta opção agrava o deficit. Creio ter referido noutro «post» que, nos anos 30 do século passado, a importação de bacalhau já era um pesado encargo para o erário público.
Do mesmo modo, considero que a importação da avaliação externa dos professores, para além de sobrecarregar o contribuinte, mais não é do que um decalque do tipo de avaliação praticado pela Troika  em estreita articulação com o avaliador interno...
Só falta que os professores passem a ser avaliados trimestralmente!
(...)
Em alternativa ao «discurso do pastel de nata», poderia ter dissertado sobre a «programação do caos» de José Rodrigues Miguéis que, nos anos 70, alertava para o perigo de ignorarmos que a qualidade da visão externa é muito diferente da visão interna, pois a velocidade de processamento é distinta, porque a primeira é gulosa, apressada, e a segunda é sóbria e metódica.
E também poderia ter seguido o raciocínio daquela aluna que censurou o professor quando este, na aula de língua materna, a propósito do poema Amor, de Miguel Torga, se referiu à consciência moral. Esse conceito só poderia ser objeto da aula de Filosofia. Aliás, acabava de ser objeto de teste! O que é que um Poeta, acolitado por um triste professor de Português, pode ensinar sobre o despertar da consciência? Sobre a passagem da inocência à consciência? Sobre a descoberta do Amor? Sobre a paixão e a dor?  
É tudo tão fútil quando a visão externa aniquila a visão interna!
A jovem deusa passa
Com véus discretos sobre a virgindade;
Olha e não olha, como a mocidade;
E um jovem deus pressente aquela graça.
 
Depois, a vide do desejo enlaça
Numa só volta a dupla divindade;
E os jovens deuses abrem-se à verdade,
Sedentos de beber na mesma taça.
É um vinho amargo que lhes cresta a boca;
Um condão vago que os desperta e toca
De humana e dolorosa consciência.
E abraçam-se de novo, já sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
A queimar o que resta da inocência.
Miguel Torga, in 'Libertação'
    
 

11.3.13

O discurso do pastel de nata

«-Temos aqui a nata!»
O enunciado pretende adular o interlocutor. Colocá-lo, de imediato, num espaço de ocupação de tempo, responsabilizá-lo pelo insucesso da formação.
Hoje, foram 6 horas! Tenho aqui ao lado a declaração de que estive presente na sessão de formação sobre avaliação externa da dimensão científica e pedagógica...
Como pastel de nata, fui mais uma vez adulado e devorado!
Há mais de 30 anos que recebo declarações deste teor, em que sou submetido a uma metodologia de disparo aos tordos e saio mais confuso do que entrei...
A formação é entendida como psicodrama: cada um improvisa em torno de um tema que nunca chega a ser conceptualizado. O tema do encontro era a "avaliação externa"!
Supostamente, este tipo de avaliação visa uma observação limpa de cumplicidades, ódios, intrigas. Mas rapidamente, contrariando o decreto regulamentar, surgiram despachos e circulares a impor a ARTICULAÇÃO entre avaliador externo e avaliador interno. (...) Isto, sem falar, no artigo 21º, nº4, que reza: «A secção de avaliação do desempenho docente do conselho pedagógico atribui a classificação final, após analisar e HARMONIZAR as propostas dos avaliadores, garantindo a aplicação das percentagens de diferenciação dos desempenhos previstos.» Decreto Regulamentar 26/ 2012, de 21 de fevereiro.   
Neste psicodrama, o «coordenador da bolsa», por entre palavras de fraternidade,  bem queria o seu prolongamento para uniformizar procedimentos em relação à observação dos avaliados. 
Em 2013, a avaliação de docentes traz-nos, assim, novas figuras: formador de avaliadores externos; coordenador da «bolsa» dos natas (diretor do centro de formação); avaliador interno; avaliado em regime duplo... algures a DGAE...
Vale a pena lembrar que os "nata", também, são professores que, entretanto, deixam os seus alunos sem aulas para passarem a figurantes de absurdos psicodramas.
Já é tempo de acabar com o alijamento de responsabilidades, com estes psicodramas inócuos! Não basta sair à rua! Há um desperdício de recursos humanos e financeiros insuportável. Talvez a Troika possa um dia destes pôr termo ao discurso do pastel de nata.

10.3.13

Sem imaginário possível

Os não inscritos, na língua do filósofo José Gil, vivem, pela primeira vez, o drama de não terem nem passado nem futuro, pois o Governo lhes rouba o presente.
Sem imaginário, estes milhões de portugueses manifestam-se, esfíngicos, num grito surdo que, subitamente, pode desencadear energias incontroláveis..
Sem ideologia ou, seguindo o exemplo de José Gil, revendo-se numa esquerda sem rosto e incapaz de definir uma alternativa, a procura de inscrição pelas vítimas desagua na nulidade.
Assim sendo, os caminhos estão traçados: ou as vítimas se insurgem e derrubam os muros que as cercam, ou, uma a uma, encontram forma de se libertar da nulidade em que o poder as afoga.
Sem imaginário possível, os não inscritos caminham, ainda não sabem é para onde! E nesse aspeto diferenciam-se da abulia que caracterizou as gerações anteriores.
( Texto inspirado na entrevista radiofónica feita a José Gil, e transmitida pela TSF entre as 11 e  as 12 horas deste domingo.)

9.3.13

A Cinemateca em tarde de Mikio Naruse

Hoje, regressei à Cinemateca. Não sei o que se lá passa, mas parece que alguém terá feito uma viagem ao sótão ou às arrecadações. As galerias estão cheias de velharias colocadas aleatoriamente. Ou será uma instalação? O restaurante, encerrado. A livraria deserta...
 
Na Sala Félix Ribeiro, ONNA GA KAIDAN O AGARU TOKI ( Quando uma Mulher Sobe as Escadas / 1960). Filme do japonês MIKIO NARUSE!
Apesar de Mikio Naruse, 1955, ter afirmado que nos seus filmes «se passa pouca coisa» pois «terminam sem se concluírem, como a vida», a intriga centrada em Keiko é extremamente interessante, pois retrata a luta de uma mulher que procura um lugar ao sol num mundo de homens, aparentemente, bem sucedidos - uma luta diária em aberto, no caso de Keiko, mas fechada para muitas outras, como a de Yuri, a antiga empregada.
No essencial, Mikio Naruse assume a luta das mulheres, mostrando-as a subir repetidamente as escadas, mas sem fechar a história, porque na vida só a morte a encerra definitivamente.
 

8.3.13

Carreira contributiva e contrato social

Em Portugal, há um equívoco no que respeita ao cálculo das pensões, porque não se distinguem as situações de quem trabalhou 38-40 anos, fazendo os descontos exigidos, daqueles que, por razões várias, descontaram muito menos.
O cálculo da pensão de reforma deve incidir sempre, e apenas, nos  valores cativos ao longo  da carreira contributiva.
As restantes situações deveriam ser vistas à luz do contrato social que o país, a cada momento, puder sustentar.
É necessário distinguir o direito à reforma do direito a outros subsídios como, por exemplo, os de sobrevivência, de invalidez, de reinserção...

Não é por acaso que a Troika vem exigindo a redução das pensões. Em termos globais, a exigência faz sentido. O que ninguém lhe explica é como é que se chegou aqui. E sobretudo o governo não quer encarar o problema de modo diferente, porque dá trabalho e deixaria a nu a quantidade de gente que viva à custa do trabalho alheio.

Este é um exemplo de reforma estrutural que continua por fazer: separar as águas, começando por distinguir a carreira contributiva do contrato social e modos de financiamento deste último.

7.3.13

O regresso de Salazar

Porque nasci durante o Estado Novo, não me custa compreender o atual objetivo de baixar os salários. 
Salazar desenhava e controlava o orçamento do estado com mão de ferro. O equilíbrio das contas era assegurado da forma mais primária: grande parte da população era esquecida; vivia isolada; emigrava clandestinamente... O povo mais não era do que bala para canhão...
Salazar tinha o seu galinheiro privativo e não consta que apreciasse as importações.
 
Na verdade, Coelho, Gaspar, Borges e Moedas não pensam de modo diferente: reduzir e congelar salários e pensões é a forma mais simples de contentar os credores, sem olhar aos efeitos.
 
E ainda há quem defenda que vivemos em democracia. Triste democracia! O pensamento é o de Salazar e não consta que ele apreciasse a democracia...
 

6.3.13

Tribunal arbitral decide serviços mínimos

Amanhã, 07.03.2013, deverão ocorrer perturbações nos autocarros, em Lisboa, já que foi convocada uma greve na Carris, entre as 8h e as 16h. Neste caso, o tribunal arbitral definiu como serviços mínimos a realização integral de 11 carreiras (703, 735, 736, 738, 742, 744, 751, 758, 759, 760 e 767).
 
Seria bom que o Tribunal arbitral esclarecesse o critério para definir os serviços mínimos na greve da Carris.
Por exemplo, amanhã,  os habitantes da Portela (Lisboa Norte) deslocar-se-ão para a Lisboa: a pé, em veículo de duas rodas, ou de automóvel.
 
A bem da higiene e da poluição!
 

5.3.13

Enfado

Se pudesse apagar-me...
    sinal seria de que a minha presença tacitamente se esbateria
    deixaria de responder à vaidade matinal e à soberba crepuscular

Esconderia o olhar
    escutaria as vozes límpidas
... mesmo se uma parte dos fonemas se esbatesse no ar

Constrangem-me a vaidade e a soberba
    a responder à soberba matinal e à vaidade crepuscular

Se pudesse apagar-me...
... mesmo se uma parte dos fonemas se esbatesse no ar

4.3.13

Na Toca

Hoje, o Governo continuou na toca à espera que a trovoada passe. Talvez lá para a Primavera o tenhamos de regresso e nos venha dizer que a intempérie passou…

Com um pouco de sorte, o céu poderá regressar ao azul, o sol poderá voltar a incendiar os corpos, e, aí, os portugueses avançarão pelo oceano sem regresso.

3.3.13

Abra-se a vala!

Em tempo de aluvião, há quem não pense duas vezes. Abre-se a vala e depois logo se verá... O coveiro já desistiu de olhar para o Céu! O Grande Arquiteto parece ter abandonado a Obra...
Mas há, em Portugal, decisores capazes de atribuir oito euros e noventa cêntimos (8,90 €) de rendimento social de inserção.
Abra-se a vala!




2.3.13

Xikeliwu 细颗粒物

Finalmente, o nevoeiro desapareceu dos céus de PEQUIM!  A capital está, a partir de agora, coberta  por "matéria de partículas finas" (PM 2,5)...
Para a criação da nova palavra « xikeliwu», foi necessário o contributo de meteorologistas, ambientalistas e linguistas.
Finalmente o nevoeiro desapareceu, mas continua a morrer-se da mesma causa... 
 
O que me faz lembrar o sonho acalentado por grande parte dos portugueses, governo inclusive: Abaixo a Troika!
Desaparecida a Troika, o país continuará literalmente coberto pela atávica «matéria de partículas finas».
XIKELIWU! Com passo ou sem passo!


1.3.13

Com passo ou sem passo...

E o Céu vai-se cobrindo de cinza fria!
Talvez, amanhã, o sol brilhe por um instante!
Claro que os fiéis respiram esperança e a Grândola irá cumprir a sua função, mas, ao cair da noite, o «clássico» impor-se-á...
De qualquer modo, com passo ou sem passo, o Céu cobrir-se-á de cinza fria para as vítimas.
Só que elas ainda não sabem...