29.8.14

Lanço de escada no Hospital dos Capuchos

Sempre que vou ao Hospital dos Capuchos, saio a pensar naqueles idosos, muitos, diabéticos e quase invisuais, armados de próteses, umas visíveis, outras invisíveis que, diariamente, são obrigados a subir um lanço de escada, situado à direita da porta que dá acesso à consulta de oftalmologia.
Sentados, em duas filas, os pacientes falam do atraso do respetivo médico, do desrespeito pela ordem de marcação: há quem chegue mais tarde e seja atendido primeiro, apesar de não ter sido recentemente operado. Alguns falam da surpresa de serem obrigados a pagar atos médicos anteriores, como, por exemplo, a dilatação dos olhos. Cada gota tem um preço!
Só ninguém dá atenção àquele lanço de escada que uns tantos, em função do diagnóstico, acabarão por subir trôpega e lentamente...
Há, apesar de tudo, uma enfermeira que valoriza a leitura e que acabou por me dizer que eu devo ser uma pessoa que gosta de livros. Ao colocar-me as gotas, ela olhava repetidamente para o livro que eu colocara na cadeira vizinha...
E aí eu aproveitei para lhe recomendar a leitura de Os Memoráveis, um romance muito bem construído e, sobretudo, capaz de nos questionar sobre o passado recente, tal como acontecia com a personagem Margarida Lota sempre que entrevistava um dos "heróis" do tempo perdido.
Finalmente, a escada surgiu-me como uma bela metáfora do ato de ler. E se, em cada degrau daquele lanço de escada, estivesse aberto um livro?

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