28.4.15

Saramago explica o rapsodo que há na sua obra

15 de fevereiro de 1994

Regresso a um tema recorrente. Todas as características da minha técnica narrativa atual (eu preferiria dizer do meu estilo) provêm de um princípio básico segundo o qual todo o dito se destina a ser ouvido. Quero com isto significar que é como narrador oral que me vejo quando escrevo e que as palavras são por mim escritas tanto para serem lidas como para serem ouvidas. Ora, o narrador oral não usa pontuação, fala como se estivesse a compor uma música e usa os mesmos elementos que o músico: sons e pausas, altos e baixos, uns, breves ou longas, outras. Certas tendências, que reconheço e confirmo (estrutura barroca, oratória circular, simetria de elementos), suponho que me vêm de uma certa ideia de um discurso oral tomado como música. Pergunto-me mesmo se não haverá mais do que uma simples coincidência entre o carácter inorganizado e fragmentário do discurso falado de hoje e as expressões “mínimas” de certa música contemporânea.

José Saramago, Cadernos de Lanzarote

Hoje, recorro a José Saramago para combater o argumento da ilegibilidade, por exemplo, de MEMORIAL DO CONVENTO.
Apesar do parágrafo ser curto, continuará a haver quem prefira nem OUVIR nem LER em VOZ ALTA.

No âmago da rejeição estará certamente o modo como na infância o contador / inventor de histórias foi substituído pelo leitor, matando definitivamente o NARRADOR ORAL - o rapsodo (poeta popular, ou cantor, que ia de cidade em cidade recitando poemas épicos).

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