30.9.15

Ser enfermeiro na urgência do Hospital de São José

Ser enfermeiro na urgência do Hospital de São José é uma missão deveras difícil, sobretudo quando o número é reduzido e o dos pacientes cresce a todo o momento. 
Hoje passei cerca de 9 horas no SOS, como acompanhante, e aquilo que observei merece uma palavra de apreço. Por mais que o pessoal de enfermagem procure responder às necessidades dos doentes, estes sofrem de problemas tão diversos que só uma equipa multidisciplinar alargada poderia responder a todas a solicitações.
Qualquer mediano observador dá conta de que os doentes que ali entram são idosos, com patologias muito diferenciadas e sobretudo mal acompanhadas - onde é que andam os assistentes sociais? - e indivíduos que se debatem com múltiplos episódios, uns crónicos e outros inesperados, mas todos necessitam de uma resposta personalizada.
E essa resposta é que não acontece por falta de meios humanos, por falta de celeridade no diagnóstico e na resposta dos médicos.
Ao fim de algumas horas, dei comigo a pensar na falta dos enfermeiros que saíram do país, não só na quantidade, como, sobretudo, na qualidade...
Ser enfermeiro na urgência do Hospital de São José (como nos restantes) exige um grau de estoicismo só alcance de muito poucos... e ainda por cima o doente espera um sorriso, uma esperança imediata e até uma mentira...

Para além de todos os partidos afirmarem que defendem o Serviço Nacional de Saúde, não sei o que é que pensam fazer para tornar as urgências menos dolorosas e os profissionais que ali trabalham mais respeitados. Não estou a referir-me a condecorações, mas a condições de trabalho...  

29.9.15

Para que serve o acidente quando a substância não existe?

Para que serve o acidente quando a substância não existe?

Na espécie humana, como noutras espécies, verdadeiramente, não há raças, e muito menos "puras" e "impuras", o que há são traços distintivos epidérmicos que, por razões de poder, são sobrevalorizados, dando origem a culturas segregacionistas e esclavagistas...

 O recurso à noção de "raça" foi sempre um pretexto para separar, escravizar, humilhar e eliminar.

Apesar da omissão do termo, no discurso político atual, os candidatos a deputados insistem em separar os "puros" dos "impuros", como se os "puros" pertencessem a um grupo nascido em estado de "graça", incapaz de sujar as mãos no lamaçal que é o exercício do poder...

( Por onde é que andam os anarquistas?)

28.9.15

Se Portugal ainda fosse uma nação...

Se Portugal ainda fosse uma nação - longe de mim, chamar-lhe 'pátria' ou 'mátria" - a campanha eleitoral seria de união e não de divisão como tem vindo a acontecer... 
Os problemas são antigos, diria que datam do tempo em que a Ordem de Cristo entrou em decadência. Apesar da apregoada multirracialidade, a nação nunca, em termos demográficos, foi capaz de suster o combate que lhe foi sendo movido por nações cada vez mais poderosas... Apesar do crescimento da diáspora nas várias partes do mundo, esta nunca foi efetivo parceiro cultural, económico e financeiro, ao contrário do que foi acontecendo, por exemplo, com os judeus...
Por outro lado, os vizinhos sempre foram considerados 'inimigos' e olhados com altivez e desprezo.

Até que, condenados ao isolamento, nos atirámos para o colo da Alemanha, verdadeiro pulmão da União europeia, convencidos de que poderíamos dormir descansados sob a asa do falcão germânico.

O que esta campanha eleitoral vai mostrando é a incapacidade dos partidos (todos) elaborarem um programa nacional capaz de nos libertar das opções erradas, não apenas do tempo de Sócrates ou do tempo de Passos Coelho, mas do século XVI para cá...
Será que algum dos candidatos a deputados leu o opúsculo de Antero de Quental "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares"? 
Provavelmente não leram, a começar pelos socialistas! Talvez seja esse o motivo que explica que oficialmente o PS tenha sido fundado na Alemanha, no século XX e não, no século XIX, em Portugal... Pode parecer que a diferença nada acrescenta, mas isso é ignorar que os partidos portugueses pós-25 abril, em regra, foram financiados por organizações partidárias estrangeiras...

Como diria Fernão Lopes, em tradução livre, diz-me quem te encheu o bucho que eu digo-te a quem é que tu serves.

27.9.15

A certeza é menos falsa do que a verdade

Apesar de tudo, não creio que Almeida Garrett se tenha cansado da política, embora se tenha cansado dos barões - os asnos que, depois de expulsarem os parasitas dos frades, se abotoaram com tudo o que tivesse valor...
Depois do 25 de Abril,  Almeida Garrett foi varrido para o caixote do lixo pelos novos barões, amantes da propriedade e da sacristia e, em muitos casos, do avental e do compasso, deixando por isso nos programas escolares O Frei Luís de Sousa, obra de muitos méritos, mas sem qualquer perspectiva de futuro. 
Por entre a catalogação de livros e o início da leitura do romance TUNDAVALA de A. Rego Cabral, em nenhum momento do dia pensara em Garrett. Pensara, sim, no meu desconhecimento de quem foi Álvaro Rego Cabral (1915-2010) e, principalmente na razão que me levara a adquirir tal livro num alfarrabista lisboeta. O exemplar está autografado, mas não terá sido esse motivo... Entendo agora que o Senhor foi um engenheiro ilustre nos territórios ultramarinos, responsável por caminhos viários e ferroviários, sem descurar as minas e, sobretudo, amigo do seu amigo...
Nas páginas já lidas, dedicadas a Armindo Monteiro, Álvaro Rego Cabral ( que, também, publicou sob o curioso pseudónimo de Estorieira Santos), há, no entanto, uma linha de raciocínio que desperta a minha atenção: a História que nos ensinam é um cesto de mentiras, o romance, dito, histórico ainda é mais preconceituoso do que a História... 
A certeza é menos falsa do que a verdade, porque a primeira resulta da experiência individual, e a segunda tem origem no poder dos barões, dos novos barões, dos novíssimos barões...  

26.9.15

Um ou dois baldes de água...

Alimentar um blogue é um pouco como alimentar um burro: um ou dois baldes de água e uma mão cheia de feno; nos dias festivos, meia dúzia de favas... E aí o burro zurra e, em certos casos, dá um par de coices. 
O burro deste dia não teve direito a favas e viu-se obrigado a comer uma sopa de espinafres com grão, bem salgada. Mas nem tudo foi mau!
Por entre os afazeres - todos eles exigindo muita contenção, não fossem os cascos disparar sem aviso prévio - o burro, ao som dos tambores, deixou-se ficar parado à espera que o Bernardino Soares terminasse a conversão de uma senhora eleitora... A prédica foi tão longa que o burro acabou por seguir viagem, recolhendo-se na leitura do jornal i, apesar das testemunhas de Jeová terem tentado aliciá-lo para reinos mais espirituais, logo quando o pachorrento asno se deliciava com as aventuras do Manuel Maria Carrilho e da Bárbara Guimarães e, particularmente, com a entrevista dada pela Manuela Moura Guedes, que ama o Passos e o Portas, mas que desconfia da incontinência verbal do Papa argentino... Papa a sério, para ela, só o alemão!

25.9.15

A burra das finanças dança de contentamento

Nestes dias, só há boas notícias! 
Os cobradores de impostos andam felizes. O dinheiro entra a jorros na burra das finanças. Os juros e as dívidas baixam. A União Europeia aplaude!
Há dinheiro para as empresas, para os agricultores, para bolsas, para a música e até para a saúde...

Há, no entanto, um pequeno problema: para que a burra das finanças dance de contentamento é necessário que alguém tenha sido esburgado.

Resta saber se os esburgados, no dia 4 de outubro, vão votar na burricada. 

24.9.15

O ministro pergunta ao ladrão

Há um ministro português que dorme descansado, porque perguntou ao ladrão se ele lhe tinha assaltado a casa. O bom ladrão assegurou-lhe que não... (discurso relatado de uma conversa entre Pires de Lima e a administração da Autoeuropa.
Piedoso, o ministro acredita que nada de mau vai acontecer ao plano de investimento da Autoeuropa em Palmela. 
O problema, em Portugal, é que não é possível confiar nos conselhos de administração, presidentes, altos funcionários...

Parece que vamos finalmente conhecer os factos de que Sócrates vem sendo acusado! A curiosidade é que a informação chega em plena campanha eleitoral. 

23.9.15

A transparência alemã

A Hungria é um não-lugar, distante, cujo arame farpado fica ainda mais longe. A Hungria só ganha vida quando o turista chega a Budapeste e ignora as botas cardadas que irrompem da mente vigilante que a Europa alemã acarinha como guarda avançada contra a imaginada "barbárie fundamentalista" que lhe ameaça a fronteira.
Aqui, neste lugar, também ele fronteira dessa mesma Europa alemã, ainda não percebemos que a mentira, se fosse apenas dos pinóquios, seria inofensiva. A mentira que nos avilta é também ela alemã e circula na tecnologia que subservientemente continuamos a comprar. Sabemos agora que a mentira alemã nos destrói os pulmões e mata a flora e a fauna.

A chanceler pede transparência e está disposta a pagar chorudas indemnizações. Mas a quem? Às vítimas? Será possível identificar as vítimas?      

22.9.15

O arame farpado húngaro

Antigamente, os muros eram de pedra. Depois passaram a ser de cimento e hoje são de arame farpado. Muda a matéria, mas os muros continuam. Um dia, abate-se o muro de Berlim; no dia seguinte, caem as muralhas da União Soviética, e até a China se desdobra em dois sistemas, mas tal não significa que a batalha das fronteiras tenha terminado... 
Pelo contrário, as fronteiras, durante um certo tempo, pareceram imateriais, mas, na verdade, continua-se a combater com as armas do capitalismo internacional: o saque das matérias primas, a especulação financeira e a destruição do trabalho humano.
Acordamos, entretanto, espantados com a audácia do Governo húngaro, mas o que a Hungria está a fazer é guardar a fronteira da União europeia. Os húngaros não temem os refugiados sírios ou iraquianos, porque para estes a Hungria é apenas um lugar de travessia - os refugiados procuram a Europa rica e não a Europa pobre. E é compreensível que o façam: para miséria e flagelo já lhes chegam os territórios esventrados donde são obrigados a fugir!
O que os húngaros temem é a Europa rica que lhes impõe que sejam a sua guarda avançada. O resto é embuste.  

21.9.15

As pitangas maduras estão do outro lado do arame farpado

«Que tristeza: as pitangas do lado de fora, ao alcance da mão, sem trabalhos e sem perigos, nunca amaduram!» António Jacinto, Fábulas de Sanji, in Comportamentos, pág. 42, ed. União de Escritores Angolanos.

Ontem, na Grécia, 44,05% dos gregos não foram votar. À primeira vista, não votar parece ser uma opção democrática, mas é essa opção que legitima a vitória daqueles que dão o dito pelo não dito e assim vão continuar.
O argumento de que já não há nada a fazer é insustentável! As pitangas maduras estão do outro lado do arame farpado, e o mínimo que o ser humano pode fazer é saltá-lo, mesmo que o risco espreite. 
O resultado das eleições só é convincente e capaz de assustar os credores, se todos cumprirmos o dever de votar. Mais do que um direito, votar no dia 4 de outubro é um dever.
(...)
Li, entretanto, uma "opinião" de António Ribeiro Ferreira, chefe de redação do jornal i, que me deixou, não direi escandalizado, mas perplexo: Sócrates e Costa são as duas faces de uma má moeda.
Não sei qual está a ser o impacto da "opinião" de A.R.F., espero, porém, que nas Faculdades de Comunicação Social, alguém ensine a diferença entre informação, devidamente comprovada, e propaganda.
Felizmente, no mesmo jornal, é possível ler uma entrevista a Eduardo Paz Ferreira, cuja "opinião" é bem sustentada, não enlameando quem quer que seja, apesar da mediocridade reinante...

20.9.15

Aquém da TROIKA

Tsípras ganhou as eleições. A coerência ideológica foi derrotada. O dia de amanhã será de maior miséria do que os anteriores, embora haja a esperança de que ainda é possível ficar aquém da TROIKA.

Por cá, há quem não queira voltar a ver a TROIKA e há quem também queira ficar aquém da TROIKA.
O problema é que a questão não é de VONTADE. O capital é quem mais ordena! Para ricos e para pobres! Afinal, os Gregos acabaram por aceitar o terceiro regaste, por causa dos milhares de milhões... 

19.9.15

José Lello, o socialista amigo

 «Em 1979 fui candidato à Assembleia, mas não quis ser deputado...» Porquê? « Ganhava-se mal. 48 contos ou isso. Eu tinha comprado casa, estava a ganhar dinheiro no privado.»
(...)
«Sempre estive nas minorias, mas nem por isso deixei de ter cargos relevantes. Mas é nessa altura, estava o Ferro na liderança, que começamos a fazer a campanha do Sócrates. E ele não queria; era do secretariado do Ferro... Estamos na altura do Durão Barroso, fazíamos uns jantares, começou-se a colocar coisas na imprensa... E ele ficava furioso, achava que era uma coisa indelicada. Mas nós não tínhamos nada a ver com isso, éramos claramente contra o Ferro.» 
(...)
«Era um grupo forte e onde estava o Serrasqueiro, o Renato Sampaio. O Costa também vinha aos nossos jantares. O Pina Moura. Foi aí que surgiu o "menino de ouro"... E, de repente, o Santana cai e o Ferro demite-se. (...) E pronto, ele apareceu, nós já tínhamos feito o levantamento das federações todas - é assim que se trata da mercearia partidária. E ele ganhou claramente as eleições
        (Transcrições da entrevista dada por José Lello ao jornal i, 19 de setembro de 2015)

José Lello, um homem de princípios socialistas, incapaz de trair os camaradas e que assegura que nunca foi um terratenente... Apesar de desprezar as remunerações principescas, cedo viu no cândido José Sócrates, o menino de ouro. Agora, está um pouco aborrecido com o António Costa, pois não vê «necessidade de passar ao lado de Sócrates» e sobretudo, de afastar das listas de deputados, o Fernando Serrasqueiro, o André Figueiredo, o Mota Andrade, o Paulo Campos... o José Lello... 
Perdão! José Lello, aos 71 anos, 32 depois de ter entrado no parlamento, «mostrou-se disponível para sair. Só aceitaria voltar num caso muito relevante.»  Só não disse qual! Nem explicou por que motivo viu em José Sócrates o menino de ouro. Espero que a razão seja bem distinta da de Carlos Alexandre...  

18.9.15

Premiar ou condicionar?

Geir Lundestad, historiador, que participou no Comité para o Prémio Nobel da Paz, em 2009, reconhece agora que a atribuição do Nobel da Paz a Obama visava "fortalecê-lo", mas que "tal não aconteceu".

(Qualquer dicionário explica que o termo "prémio" significa: «distinção conferida por certas trabalhos ou certos méritos».)

No caso da atribuição do prémio a Obama, o que o Comité para o Prémio Nobel da Paz procurou fazer foi "dirigir", condicionar a ação do Presidente dos Estados Unidos. 
Daqui se infere uma alteração significativo do sentido do termo "prémio" e, principalmente, desrespeito por todos aqueles que defendem os direitos humanos e a paz.

Se o referido Comité considera que Obama não é um homem de paz, melhor seria que explicasse porquê e apresentasse desculpas àqueles que se sacrificam diariamente pela paz.

17.9.15

Estive a ouvi-los

Estive a ouvi-los na rádio, até porque não gosto de os ver. Longe da vista, longe do coração!
O problema é que um não sabe o que prometer, e por isso promete continuidade; e o outro promete quase tudo, como se tivesse acabado de descobrir poços de petróleo e minas de ouro...
Ao ouvi-los, fico com a ideia de que a TROIKA vai voltar. 

Ao ouvi-los, percebi que, de momento, estas vozes só querem embalar-nos. Para o futuro falta-lhes uma estratégia de desenvolvimento científico, cultural e económico. Sem ela, não haverá sociedade que resista...

16.9.15

Narrativa especulativa

«Uma ciência que não encontrou a sua legitimidade não é uma ciência verdadeira, ela cai no nível mais baixo, o de ideologia ou de instrumento de poder, se o discurso que a devia legitimar surge como relevando de um saber pré-científico, semelhante, a uma «narrativa vulgar». Jean-François Lyotard, A Condição Pós-Moderna, pág. 80, Gradiva.

Não espero que o homem político seja cientista, mas espero que ele seja capaz de expor de forma clara a ideologia que defende, porque a sua legitimidade exige que o eleitor vote devidamente esclarecido. Infelizmente, a clareza é o que mais tem faltado. Os golpes baixos multiplicam-se. A própria linguagem soçobra na vulgaridade...
Inimigo da ciência e sem ideologia, o homem político vive na fantasia e no logro.
(...)
Sem ciência, não é possível ensinar! Assim, quando falta a legitimidade ao docente, este acaba por mergulhar na ideologia ou, em alternativa, no entretenimento... 
A verdade é que é na escola que nasce o homem político.

15.9.15

Preso por ter cão...

Talvez por preconceito, sempre aceitei que o cão pudesse não gozar de total liberdade, pois com alguma frequência abocanha as canelas de quem não deve...
O que me espanta é que o dono possa pensar que alguém o pode prender por simplesmente ter cão. E já agora também é descabido que alguém se considere dono do que não tem...
Os jogos de linguagem, por vezes, roçam o absurdo, tal como Passos Coelho que espera que o não prendam por ter ou não ter cão.
No caso, o que Passos quer dizer é que não pode ser preso porque, tal como Pilatos, há muito lavou as mãos da falência do Espírito Santo, deixando aos iscariotes a tarefa de resolver o problema.  

14.9.15

Refugiados, desempregados e emigrantes

Portugal necessita de acolher dignamente os refugiados, mas não pode condenar ao desemprego e à emigração centenas de milhares de portugueses. 
Qualquer política, que favoreça os refugiados e, simultaneamente, vote ao ostracismo os seus naturais, gerará focos de dissensão e, a médio prazo, de xenofobia.

Como tal, é necessário que os partidos esclareçam devidamente que medidas tencionam tomar para diminuir o desemprego e a emigração, assegurando, consequentemente, a integração harmoniosa dos refugiados.

De nada serve apregoar solidariedade com as vítimas da guerra e do despotismo para depois as deixar ao abandono.  A União Europeia não se esquecerá de nos enviar os refugiados mais pobres, sejam eles sírios, iraquianos ou outros...

Entretanto, multiplicam-se as imagens de terror, apelando à compaixão. Só ninguém diz, de forma clara, quais as medidas a tomar depois do próximo ato eleitoral.
A continuar assim, o absentismo irá aumentar! É que já não faz sentido continuar a responsabilizar o passado. 
Quem ganhar as próximas eleições, terá que resolver os problemas do presente, minorando os do futuro.

13.9.15

A dissolução do vínculo social

 «Muitas vezes se diz melhor calando do que falando em demasia.» Provérbio oriental

(Num supermercado.) A caixa recebe de um cliente, já idoso, uma nota de 10 euros para pagar 6 euros e 5 cêntimos. Mecanicamente, pergunta-lhe se quer colocar o número de contribuinte na fatura, ao que o senhor, de forma pouco audível, responde: - só quero a 'demasia'! A menina, perplexa, volta a insistir no NIF, e o idoso na 'demasia', gerando-se o impasse...
Perante a indecisão, decidi explicar à jovem caixa que 'demasia', no contexto, significava 'troco'. Fixou-me, de modo interrogativo, e explicou-me que nunca ouvira tal palavra. Não perdi a oportunidade de lhe explicar que a sua avó certamente conhecia o significado do vocábulo...

Entretanto, fiquei a pensar que, provavelmente, a jovem caixa não teria tempo para ouvir os avós. Na verdade, os mais velhos hoje já só servem para pagar as contas.

Incapazes de ouvir e de falar, dissolvemos o vínculo social. E essa destruição instala-se prioritariamente na língua materna e, a todo momento, somos convidados a abandoná-la, a tornarmo-nos falantes de uma única língua - a língua das praças financeiras, mas também a língua dos apátridas.
Sobre essa mudança, nada dizemos. E vamos (ou não ) votar em quem há muito já deixou de ouvir os mais velhos, e se prepara para os asfixiar, roubando-lhes as pensões e taxando-os a toda a hora. É para isso que serve o número de contribuinte. Agora até nos novos jogos de fortuna e azar é preciso indicar o NIF...  

12.9.15

Todos apátridas

T. Parsons (1957): «A condição mais decisiva para que uma análise dinâmica seja boa é que cada problema seja contínua e sistematicamente referido ao estado do sistema como um todo (...) Um processo ou um conjunto de condições, ou 'contribui' para a manutenção (ou o desenvolvimento) do sistema, ou é 'disfuncional' na medida em que atenta contra a integridade e a eficácia do sistema.» Citado por Jean-François Lyotard, A Condição Pós-Moderna, pág. 34-35, Gradiva.

Como o atual sistema já eliminou a luta de classes, sobra o capitalismo internacionalista. À exceção do velho pcp, já ninguém ousa falar em luta de classes.
As classes, aos poucos, foram-se diluindo, sobrando apenas os pobres e os ricos, todos apátridas. É por isso que a Coligação tem como objetivo lutar contra as desigualdades. É um objetivo coerente, pois o que está em causa é o empobrecimento geral, destruindo as classes intermédias, fortalecendo, deste modo, a casta dos ricos, novos e únicos cidadãos do mundo. 
Aqueles que lutam pelo poder já fizeram a sua opção: apanhar o comboio dos ricos! Se algum disser o contrário, é porque é 'disfuncional': ao atentar contra o sistema, está a pôr a nu a sua «paranóia».
Num mundo em que o 'global' foi capturado por oligarquias desregradas, das diversas máfias aos múltiplos cartéis, fazer política exige visão global e, sobretudo, uma estratégia de mudança devidamente partilhada pelos eleitores - exige verdade. E não propaganda!

11.9.15

Robots ávidos

«Numa sociedade em que os nossos desejos são constantemente estimulados pelo consumo, pela hierarquia social, pelo estatuto dado pelo que se possui, os homens são convidados a serem robots ávidos.» Roger Garaudy, APELO AOS (PORTUGUESES) VIVOS, Raiz e Utopia 11/12.

A ideologia de cada um (sim, porque agora cada um de nós tem uma ideologia!) é transparente: consumir mais e melhor, e encontrar o atalho que leve ao enriquecimento rápido e sem esforço. E enquanto isso, deixamos para trás a consciência que nos permitia destrinçar se o desejo era moralmente aceitável ou se, pelo contrário, este era fruto do instinto mais irracional...
Hoje, somos robots que reagimos a estímulos manipulados por verdadeiras agências de intoxicação.
(...) 
Acabo de dar conta de que Passos Coelho vai ganhar as eleições, porque o eleitorado é maioritariamente feminino. Pelo menos, é o que corre nos media... Qual será a fragrância que ele emana?

10.9.15

Os Tsípras portugueses

Embora tenha prometido não seguir o debate Passos / Costa, acabei por ouvir os últimos 20 minutos. Fiquei com a sensação de que o jogo da democracia estava a ser travado por dois homens com atitudes bem distintas. O primeiro vestira a máscara da seriedade e da responsabilidade; o segundo escolhera uma farpela mais atraente. Ambos, no entanto, estavam conscientes de que o poder, independentemente do vencedor nas urnas, nunca esteve nem estará nas suas mãos... 
(...)
Não posso deixar de estranhar a atitude dos entrevistadores: parecia que queriam domar feras que mais não eram do que cordeirinhos.
(...) 
Este é um jogo democrático que será sempre decidido na secretaria.

Se não formos capazes de olhar para nós, porque nos falta distanciamento e discernimento, então, olhemos para a Grécia!

Definição de Tsípras: alguém que, no contexto do capitalismo internacionalista, promete o que não tem, e acaba a fazer o contrário do que prometera.

9.9.15

De joelhos

Não vou seguir o debate entre Passos e Costa. Porquê?
Pela simples razão de que nenhum surge como alternativa válida.
Apenas vão debater qual deles está em melhor posição de servir o capitalismo internacional. Desde a entrada de Portugal na União Europeia e, particularmente, desde a entrada no "euro", que os auto-intitulados partidos do eixo da governação nos colocaram de joelhos...

Ouvi-los mentir tornou-se-me intolerável. Não há luz, nem cor, nem máscara, nem tom, nem argumento, nem promessa que me possam persuadir que o debate desta noite é mais do que uma pantomina...

A não ser que os farsantes nos dissessem que estão acorrentados de pés e mãos e que, na verdade, apenas ali estão a jogar à democracia para tranquilizar o capitalismo internacional.

8.9.15

O meu mapa cognitivo

Um ponto.
Um ponto cujo sentido da totalidade começou por ser pré-capitalista: a aldeia, a igreja, o burro, o trabalho não remunerado; o romantismo e o realismo utópico...
Outro ponto cujo sentido da totalidade foi sendo moldado pelo capitalismo nacionalista e colonialista: a cidade, a igreja, o autocarro e o comboio, o estudo dos heróis, o emprego e a remuneração crescente, baseada na progressão académica e, sobretudo, na antiguidade; o modernismo incompreendido...
Derradeiro ponto cujo sentido se vai perdendo no capitalismo internacionalista (na chamada pós-modernidade): a viagem, as novas tecnologias, a estagnação profissional e a perda de remuneração; a ideologia confinada à representação de «la relación imaginaria del sujeto com sus condiciones reales de existência». Fredric Jameson, 1984, El posmodernismo o la lógica cultural del capitalismo avanzado.
Um ponto que vai perdendo a distância crítica, porque incapaz de compreender a cultura gerada pelo capitalismo internacionalista - o pós-modernismo. Este, mais do que contracultura, é a forma avançada da alienação do ser, cada vez mais à deriva.
Um ponto.

7.9.15

É difícil explicar

É difícil explicar o que não nos oferece explicação. Perante a pergunta inevitável, vou repetindo um motivo artificioso: "divergências". 
O termo parece mágico, pois ninguém se interroga sobre a causa, o quê ou sobre quem é que diverge de quem...
(Nos próximos dias, a situação vai repetir-se.)
Entretanto, parece que a minha espera deixou de ser solitária. Das palavras dos meus interlocutores irrompe uma certa solidariedade ou, pelo menos, comiseração.
(...)
Sob os plátanos, a brisa esmorece. Só uma mosca procura células em decomposição. Incomoda: ainda há quem, como quem não quer a coisa, saiba jogar com a lei, sem a contornar.

6.9.15

Preferia ficar calado

Preferia ficar calado, porém, perante certos comportamentos, entendo que o melhor é não os ignorar. Vem isto a propósito da dificuldade em destrinçar a mentira da verdade. 

Todos os dias, nos confrontamos com uma informação de tal modo tendenciosa que, no meu caso, me leva a não ler revistas nem jornais e, sobretudo, a fugir das televisões. Nos media, há quem ganhe a vida a empastelar... há quem construa uma carreira profissional a explorar mexericos, há quem, à custa da fama obtida nos estúdios de televisão, cobre honorários proibitivos...

Querendo, apesar de tudo, acreditar que o ser humano é naturalmente bom (J.J. Rousseau),  a espaços procuro na Internet informação menos poluída. Ora, hoje, dei conta de que uns tantos jovens resolveram celebrar publicamente a sua "entrada" no curso de medicina.

Na verdade, o que estes jovens fizeram foi enganar "os amigos". Dirão que se trata de uma brincadeira (mais uma!)... De facto, a brincar não se aprende a dizer a verdade. Só a mentir!

Como sabemos, a mentira é provavelmente o maior cancro que mina as relações humanas. Mas também é um excelente trampolim para a conquista do poder. Infelizmente!


5.9.15

Batalha sem tréguas

«L'effroi, la dissonance, ils sont partout ici. Qu'un rossignol chante, et il a la voix du désespoir.» Jacques Borel, in Fêtes galantes Romances sans paroles précédé de Poèmes saturniens, de Paul Verlaine. 

O dia de hoje podia ser de festa, mas não! Cedo, as palavras revelaram ser de «déperdition» do ser. Um conceito que, até ao momento, descurara, embora pressentisse a vida como «dissonância». Um pouco como se, a cada instante, se tivesse instalado uma batalha desgastante entre Eros e Tanatos...

Percebo, agora, que o Ser (certos seres, pelo menos) se obstina em não aceitar a "perda" que o devir acarreta, pois o amanhã deixou de surgir como uma nova aurora...

Tudo é baço! Tudo é lívido!

4.9.15

Contenção

Há temas de que evito falar, embora me apetecesse abrir o livro. Contenho-me ao pensar nas causas de certos comportamentos, numa tentativa de adiar os efeitos...
O problema é que não destrinço os motivos. Por vezes, penso que o envelhecimento traz consigo atos absurdos... 
E fico a ruminar. De tal modo que começo a visualizar os gravetos já diluídos que vão caindo, espumosos, sobre o estrume que, em tempos idos, servia de adubo nos campos esquecidos.

Em dias como o de hoje, as palavras jorram do passado sem que eu as tenho solicitado. Estéreis, não cumprem  a missão inicial - nem ideia nem som; apenas sequência sem sentido.

(Ou talvez ainda não tenha chegado a hora, se ela existe! Creio, no entanto, que essa hora nunca chegará. Ou porque o bom senso acabe por vencer ou porque a contenção irá comigo... Nunca conheci o efeito terapêutico das artes marciais, mas é como se sempre as tivesse praticado.)

3.9.15

Desafio


  1. «C'est pour construire un instant complexe, pour nouer sur cet instant des simultanéités nombreuses que le poète détruit la continuité simple du temps enchaîné.»
  2. «Le temps ne coule plus. Il jaillit.»
  3. «Le poète anime une dialectique plus subtile. Il révèle à la fois, dans le même instant, la solidarité de la forme et de la personne.»
                      Gaston Bachelard, Instant poétique et instant méthaphysique, in Le Droit de Rêver, PUF, 1973.


Tudo o que registo dá conta de que tempus edax rerum (Ovídio). As palavras correm num ribeiro que que há muito deixou de ser afluente... a seca, no entanto, não estanca o fluxo do tempo. Um tempo contínuo que nunca chega a implodir a terra gretada, libertando as palavras da prisão que as asfixia...
O meu insucesso poético encontra assim uma justificação, humana. 

O que eu gostaria de saber é o que pensam, da tese de Gaston Bachelard, os poetas, vivos e, certamente, divinos: António Souto, Hugo Milhanas Machado, Mia Couto, Porfírio Silva e Silva Carvalho...
Espero que não me levem a mal! 

2.9.15

A máscara

«Dès que nous voulons distinguer ce qui se dissimule sous un visage, dès que nous voulons lire dans un visage, nous prenons tacitement ce visage pour un masque.» Gaston Bachelard, in préface de Phénoménologie du Masque, de Roland Kuhn.

A leitura de um rosto pressupõe tempo - o tempo de admitir que o que observamos é uma máscara, e que, caso persistamos na observação, para além da primeira máscara, se sucedem outras máscaras...

Ao contrário do que acontece com os encenadores (teatro, cinema) com os psicólogos, os psiquiatras, os psicanalistas, os padres, os fotógrafos e os escritores que se atribuem o tempo necessário à exploração da necessidade humana de disfarce e de dissimulação, eu perco-me na floresta dos rostos, deixando-me a braços com a autenticidade fugaz...

Este comportamento revela uma timidez, um medo inicial, que acaba por inviabilizar o conhecimento genuíno da alma humana. E o que é mais extraordinário é que o medo inicial já é a máscara que combate a solidão...
Como tal, a máscara simula a aproximação e exorciza o horror do nada, o que explica que na hora da partida haja especial cuidado com a máscara derradeira... 

1.9.15

Há um mês...

Mar azul, ondulação fraca; um barco a motor vai sulcando o cerúleo das ondas...
Três palmeiras, cercadas por vegetação rasteira que, em dias húmidos, desabrocha em minúsculos caracóis...
Do lado direito, três casas à sombra de um palmar. E mais à direita, um parque de estacionamento cuja utilidade estará limitada aos meses de verão.
Mais perto, meia dúzia de vivendas, cercadas por jardins bem cuidados, onde crescem palmeiras, figueiras, dragoeiros e outras espécies, preguiçosamente, inomináveis...
A espaços, um ou outro balido desperta quatro galinhas que procuram, sem descanso, as minhocas do dia.
Eu estou sentado diante de um esgalho de uvas, e leio, por algum tempo, Le Réveil des Nationalismes, de Gilles Martinet...

Hoje, verifico que há um mês estava à espera que algo mudasse, mas não: tudo continua na mesma, apenas o mar azul está mais longe...