30.11.15

Hoje, não posso omitir o essencial

30 de novembro, dia do passamento de Fernando Pessoa, deixou de ser para mim uma página do calendário para se tornar um lugar: há 41 anos casei e assim me mantenho; hoje, a Susana concluiu o mestrado, defendendo " O paradoxo da questão curda - a autodeterminação e a negociação turca", no âmbito do Trabalho de Projeto em Direitos Humanos e Movimentos Sociais; e hoje,  desisti do pedido de aposentação. 
Do casamento, a vida dirá.
Da conclusão do mestrado da Susana, registo a sua capacidade de superação de todos os obstáculos, desde a odisseia turca ao capricho de quem, desconhecendo o terreno, se perdeu em atalhos que, por vezes, levaram a mestranda ao colapso físico e psíquico.
Finalmente, este 30 de novembro é o dia em que decido não pactuar com o tratamento desigual a que o legislador vai submetendo os funcionários e é, também, o dia em que assumo que ainda tenho condições para 'orientar' uns tantos jovens, procurando que não se percam nos atalhos da vida.
(...)
Hoje, talvez, fosse mais fácil omitir o essencial, silenciando as palavras, mas a verdade é que, por respeito por todos aqueles que prezam os direitos humanos, não o podia fazer. 

29.11.15

Tantos são os indivíduos e tão diversos!

Há quem guarde tudo, ou melhor, há quem atire tudo para longe da vista. Gavetas, prateleiras, baús, sacos, sótãos e, sobretudo para a garagem.
Com o tempo, torna-se difícil circular em casa: mesas pejadas de molduras de outro tempo, bugigangas de múltiplas viagens, e despejos de quartos e de casas dos filhos nómadas...
Há mesmo quem, insatisfeito com o que tem, ainda traga da rua cadeiras, bancos, mesinhas de chá e até pequenas cómodas, isto sem falar nos eletrodomésticos falhos de resistência...

Hoje, fui procurar na garagem alguns dessas relíquias empoeiradas, e até uma saca de medicamentos fora-de-prazo encontrei. Ainda pensei que aquela saca tivesse pertencido a um daqueles parentes hipocondríacos que tudo compram, mas que, como seguro de vida, nada tomam. Lida a bula, decidem que o melhor é guardar na gaveta. Mas não, não há memória de como chegaram à minha garagem!

Há uns tempos, decidi catalogar livros, revistas, coleções, DVDs, manuais; já devo ir nos 2500 registos. Só que esta a visita à garagem está-me a enervar.
Olho e fico incapaz de determinar as categorias, as classes, as espécies, tantos são os indivíduos e tão diversos.
(...)
Tantos são os indivíduos e tão diversos!
Sinto agora que estou mais calmo, porque acabo de entender que a luta em defesa dos direitos humanos deve começar por combater as categorias, as classes, as espécies e, sobretudo lutar para que os indivíduos não sejam atirados para longe da vista, arrumados em espaços identitários, tal como é consagrado pelo pensamento multiculturalista.


28.11.15

Confesso que o idealismo já fez o seu caminho

Agora que estou em reflexão, confesso que o idealismo já fez o seu caminho.
Doravante, passarei a ser prático e minimalista, não hesitando em recorrer aos expedientes mais comuns.
Seguindo o exemplo de um avô, irei ser parco nas palavras e circunspecto na avaliação das 'novidades'.
Afinal, como ele, já vi de tudo um pouco; nada me surpreende. Longe de mim, querer perturbar os nefelibatas que, a todo o momento, se me atravessam no caminho.

(...)

Entretanto, vou conter a ira que me mina há largo tempo. Pode ser que a contenção acabe por dar resultado, apesar do sacrificado coração.

27.11.15

Cuidado com os extorsionários!

Ontem, escrevi uma carta ao António, embora soubesse que ele não teria tempo para a ler. Aquela carta mais não é do que um esconjuro.
Entretanto, hoje recebi uma carta da Odete a informar-me que o Estado quer penalizar-se em 29,5%, embora já tenha 41 anos de serviço público. A simpática Odete concede-me dez dias úteis para me decidir... Entrei, assim, em período de reflexão...

A verdade é que eu preferia que o António, em vez de ler a minha carta, lesse a da Odete, e a comparasse com outras que a mesma 'coordenadora de unidade' enviou a outros zelosos cidadãos que, para além de serem mais novos, trabalharam e descontaram durante menos tempo...

(...)

Não deixa de ser sintomático que, neste mesmo dia, bem cedo, um "amigo" de Sintra me tenha abordado, contando-me que, em tempos idos, fora engenheiro na Renault, e que presentemente era director da Worten. Perante a minha desconfiança, o "amigo" de Sintra resolveu avançar com um produto de uma qualquer linha CR, que era oferta de amigo para amigo... No essencial, tratava-se de um extravio que estaria a ser colocado de forma personalizada.
Só que o "amigo" não teve sorte, porque eu estava com pressa e, sobretudo, não o reconhecia. Entretanto, quando me preparava para o deixar a falar sozinho, o "amigo" de Sintra saiu-se com a seguinte proposta:  " - ao menos adiante-me o IVA".

26.11.15

Caro António

Caro António,

Já és primeiro-ministro, sonho antigo, resta saber se consegues dar conta do recado.
E para tal não te esqueças que é feio mentir e deixar as promessas por cumprir. Se tiveres que o fazer, não faças como o Pedro, para quem a culpa era do malvado Sócrates...

Como irás ter pouco tempo para ler, apenas acrescento que concretos são os portugueses e não Portugal, como pensa o Aníbal - os portugueses podem viver melhor ou pior, e tal depende da tua lucidez, da tua capacidade de diálogo, que não deves confundir com qualquer jogo florentino...

Nada espero, nem nada peço, a não ser que sejas um verdadeiro primeiro-ministro.

CARUMA

25.11.15

O narcisista

Ai de quem cai nas mãos dum narcisista!

O narcisista desconhece a distância, o que o impede de incentivar a dissolução das fronteiras.
Pelo contrário, o narcisista gera limites cada vez mais próximos, mesmo se imaginários...
e obriga-nos a expulsar o outro da fronteira. Só que, por vezes, o outro também é narcisista!

Os narcisos antecipam múltiplos charcos donde vários nenúfares irão ser expulsos...

Quando o outro é narcisista, a batalha sem fim...
Se o outro não for narcisista, então acabará dissolvido na fronteira. 

24.11.15

De cavaco para costa

O Presidente olha para o interlocutor, aprecia-lhe as companhias, e cogita etimologicamente: a língua destes salafrários  não vai além do registo corrente, como tal, de cavaco para costa, recuso-me a indigitá-lo; vou indicá-lo como primeiro-ministro e é quanto basta... mais tarde, veremos se ele percebe alguma coisa de etimologia!

23.11.15

Ninguém gosta de ser cinza

Ninguém gosta de ser cinza; a verdade, porém, é que 'ninguém' é menos do que cinza.
A vontade de 'ninguém' é ser alguém, o que explica que, nestes dias, qualquer meio sirva para sair do anonimato.

A cinza é a expressão do anonimato.
Politicamente, o cavaco, que pensa ser alguém, recorre a todos os meios para adiar o dia da cremação, isto é, do anonimato.

22.11.15

A cinza somos nós!

Bem sabemos como um simples cavaco pode atrapalhar a vida de todos nós, embora me pareça que, nos últimos anos, muitos portugueses andaram amarrados à ideia de que a melhor forma de combater o desenvolvimento era asfixiá-lo, transformá-lo em cinza porque dela acabará por eclodir a fénix.

A ideia seduz, o problema é que a cinza somos nós num tempo e num espaço bem delimitados.

(...)

Podemos ainda pensar que um simples cavaco pouco terá a dizer sobre o que se passa à sua volta, porém enganamo-nos: sempre que outro cavaco, dentro ou fora, se sente acossado, o cavaquinho não perde tempo a clamar a sua solidariedade...

e a cinza somos nós!

21.11.15

Sempre que passo por um mercado municipal

Sempre que passo por um mercado municipal, concluo que há bancas de venda que não afixam os preços dos produtos. Em particular, as bancas de peixe.
Pessoalmente, a ausência do preço tem uma consequência: viro as costas e vou-me embora, de mãos a abanar. E frustrado.
Dois exemplos: Mercado 31 de Janeiro nas Picoas, Lisboa, e Mercado de Moscavide. Refiro estes porque foram aqueles em que entrei na pretérita semana.

Será que há alguma norma municipal que isente os vendedores de peixe de afixar os preços?

20.11.15

Exigimos quase tudo

Exigimos quase tudo, e damos tão pouco. E o mais grave é que não percebemos o risco que corremos.
Habituámo-nos a fazê-lo, seguindo padrões de outro tempo, como se tivesse chegado o momento da desforra...

A consciência pressupõe que o fazer seja partilhado, mas a verdade é que esta ciência está reduzida ao amor-próprio.

19.11.15

Cansados

Cansados de serem postos de lado, procuraram outro deus e começaram a disparar em nome dele...
Cansados de serem alvos fortuitos, esqueceram o seu deus e desataram a disparar em nome deles...
Cansados do terror, deixaram a terra a outro deus e partiram convencidos de que ainda há um deus...

Um deus, senhor de uma terra onde não haja cansaço...

(As águas de inverno abrir-se-ão e os cavalos do senhor...)

18.11.15

Atos nefandos

O problema dos atos é que, aos olhos de quem os pratica, eles estão sempre justificados. O resto é juízo do outro, da comunidade. Esta pode aceitá-los ou rejeitá-los, reprimi-los conforme os seus interesses, os seus valores...
Deste modo, há que procurar compreender a génese das pulsões de morte e não aceitá-las, rejeitá-las, exaltá-las ou condená-las...e, sobretudo, há que evitar que as condições propícias à sua eclosão se disseminem.
Os atos nefandos, infelizmente, para além do executante e do eventual mandante, resultam de circunstâncias a que a comunidade não pode eximir-se. 

(Este comentário tem o objetivo de contrariar a tese de quem pensa que é possível erradicar o mal, como se este fosse uma entidade estática de natureza individual.)

17.11.15

Sou apenas um alcatruz

Por vezes, convenço-me que o Acaso determina os acontecimentos. O certo é que sempre tive relutância em aceitar que o Fado pudesse anular o livre-arbítrio, fazendo de mim um autómato iludido ou paranoico.

O facto é que, nestes últimos anos, tudo o que me acontece surge como se eu apenas executasse um guião de que não me posso furtar.
Cada dia parece diferente do anterior, no entanto o tempo de escolha vai-se diluindo de tal modo que apenas resta a obrigação de servir...

E nem o Acaso surge para me provar que a roda da Fortuna cai por um segundo para o meu lado - sou apenas um alcatruz, de raiz árabe...

16.11.15

Não, não vou por aí!

«Aquele que se mata faz morrer a sua vida, mas também mata a sua morte, ele anula o tempo situando a sua morte agora.»Patrick Baudry, Abordagem do Suicidário, in O Não-Verbal em Questão, Revista de Comunicação e Linguagens, nº 17/18.

O suicida é aquele que não quer morrer, que recusa que a morte seja uma inevitabilidade determinada pela desigualdade e pela segregação... O suicídio, mais do uma questão individual, é um problema cuja génese é social.

Como tal, repugna-me o discurso de que o suicida é um fanático instrumentalizado - um ser demoníaco que não hesita em arrastar consigo dezenas, centenas ou milhares de cidadãos anónimos... numa lógica maniqueísta...

Como se a solução estivesse na eliminação sucessiva dos bombistas suicidas, e não na eliminação dos factores que conduzem à desigualdade económica, social, política...

O argumento religioso só serve para encobrir uma abordagem errada desta problemática suicidária.

Je ne suis pas François Hollande!

Lembrando José Régio: 

«Não, não vou por aí! Só vou por onde 
Me levam meus próprios passos... 

Se ao que busco saber nenhum de vós responde 
Por que me repetis: "vem por aqui!"?»

Cântico Negro, in Poemas de Deus e do Diabo



15.11.15

Depois... mais cinza!

Par LIBERATION, avec AFP — 15 novembre 2015 à 21:53

Les chasseurs français ont largué dimanche 20 bombes à Raqqa, ciblant un poste de commandement et un camp d’entraînement de l'Etat islamique.

Depois... mais cinza! 
A França não resistiu à tentação. Avançou para a retaliação, escolhendo o caminho mais fácil com o objetivo de eliminar o inimigo externo.
Falta, no entanto, saber como é que vai eliminar o inimigo interno.

A França, como a civilização ocidental, age em nome da Liberdade, mas descura o princípio da Igualdade.

Por algum tempo, a França continuará a ser o alvo da Solidariedade daqueles que desprezam a Igualdade, mas mesmo essa fraternidade será efémera.

14.11.15

Ponto final

Caruma entrou em combustão. Por algum tempo, será cinza.

Depois...

A imaginação destruidora (cábula para um jovem desorientado)

Ontem, alguns indivíduos acrescentaram à "cábula para um jovem desorientado" uma terceira ideia - a imaginação destruidora.
Uma imaginação que serve um princípio que poderíamos pensar que fosse absurdo, doentio, mas que, de facto, serve uma causa cujos protagonistas consideram criativa. Por exemplo, a construção de um "estado islâmico" ou a refundação de califados há muito extintos...
Em Paris, ontem,  a imaginação deu à MORTE tal protagonismo que, hoje, o MEDO campeia, pondo em primeiro plano solidariedades proibidas e ruinosas. 
Do Irão à Turquia, passando por Israel, pela Rússia, pela China e pelos países ditos democráticos, mas que se alimentam da indústria do armamento, todos proclamam o seu apego à Liberdade..., fazendo rigorosamente o contrário.

13.11.15

Cábula para um jovem desorientado

Tema: A imaginação

Introdução (2 ideias, 1 parágrafo)

A - A imaginação como processo de fuga, de libertação de situações constrangedoras.
B - A imaginação como processo criativo.

Desenvolvimento (2 situações, dois parágrafos)

Situação primeira: explicitação de casos em que o indivíduo recorre à imaginação para se evadir - imaginação estéril e primária. Exemplos: sala de aula; vida familiar, social e política...
Situação segunda: explicitação de casos em que o indivíduo recorre à imaginação para criar alternativas (ideias, ferramentas, artefactos...) - imaginação artística, científica, tecnológica... Exemplos de acordo com o plano de estudos do jovem desorientado...

(Metodologia: na primeira situação, o indivíduo recorre à experiência; na segunda recorre à investigação, à indagação.)

Conclusão (1 parágrafo)

O escrevente confirma se o desenvolvimento do tema cumpre o estabelecido na introdução e, sobretudo, se contribui para uma melhor compreensão do processo imaginativo.

12.11.15

... como a lesma

Tudo na mesma, como a lesma!

Segurança Social, 28/10/ 2015:

"Informamos V. Exª que nesta data foi a C.G.A informada do valor correspondente à nossa comparticipação."

Caixa Geral de Aposentações, 12/11/2015:

Informamos V. Exª que, à data, a C.G.A. não recebeu qualquer informação da Segurança Social...

Fui, entretanto, informado que estas duas instituições estão ligadas por uma plataforma informática que lhes permite editar e consultar os processos em simultâneo...

Apesar de tal ferramenta, estes organismos continuam a tentar comunicar por fax...

11.11.15

Já não há empresários portugueses!

Não sei se os empresários têm voz, mas, apesar daquilo que vou ouvindo, custa-me acreditar que eles se deixem influenciar pelo poder político, a não ser que vivam do favorecimento dos governos...

Oiço, no entanto, que, neste último mês, os pequenos e médios empresários suspenderam os investimentos ou deslocalizam o negócio ou a sede das respectivas empresas. Quanto aos grandes empresários, parece que não há notícias...

A única ideia que me assalta, de momento, é que já não haverá empresários portugueses... embora haja médicos portugueses, enfermeiros portugueses, professores portugueses, funcionários portugueses, trabalhadores portugueses, pescadores portugueses, agricultores portugueses, artistas portugueses, polícias portugueses, militares portugueses... - todos eles a exercer os seus ofícios, independentemente do poder político do momento.

Não creio que os portugueses estejam disponíveis para suspender o trabalho à espera que o Governo caia ou tome posse.

10.11.15

Ao cuidado do Presidente Aníbal António Cavaco Silva

Vistas a circunstâncias, considerando a situação do Presidente Aníbal António Cavaco Silva, e não querendo afastar-me do que, ontem, aqui escrevi, vou continuar a citar João Ubaldo Ribeiro, O Feitiço da Ilha do Pavão, pág. 188-189:

«Ouviu então, com o sobrolho franzido e momentos em que, pasmo, abria a boca e erguia os olhos para o alto, a espantosa descrição do estado a que chegara a ilha do Pavão, praticamente uma oclocracia independente, às vésperas da anarquia, onde não tinham vigência, ou mesmo se conheciam, os éditos e ordenações da Coroa, nem as regras da Igreja; onde o elemento servil já praticamente não existia, onde, se se dissera oclocracia, governo do vulgo e da gentalha, melhor se dissera dulocracia, governo dos escravos, pois que se ombreiam com seus senhores, comprando propriedades, comerciando, vestindo-se como brancos e até casando com brancos, tanto negras quanto negros...»  

Glossário facilitador: 
- OCLOCRACIA - sistema de governo em que predominam as classes inferiores.
- DULOCRACIA - sistema de governo em que predominam os escravos.

9.11.15

Cansado de pavonadas

Ainda não percebi bem se o sentimento é de alegria se de tristeza. De qualquer modo, o recurso ao termo "sentimento" obriga-me a pensar que me estou a afastar da autenticidade - na esfera do sentimento há sempre uma certa dose de encenação...
Talvez por isso, hoje, só vi rostos fechados, expressões de incerteza.
(...)
Afinal, quem é que vai pagar a conta? A Europa? Os ricos?
Os ingénuos e os matreiros pensarão que há mil maneiras de "apagar" a conta. A forma mais simples seria não pensar mais nisso, mas a História ensina que a conta é sempre paga pelos pobres. 
Convém relembrar que o "estado de pobreza" não é uma noção estática: nasce-se pobre, mas, também, se cai e morre na pobreza. 
Atalhar a tal fatalidade exige que se produza riqueza.
(...) 
Nos rostos fechados, expressões de incerteza, não vi, hoje, qualquer indicador de produção de riqueza. Só sinais de despesa! 
(...)
Cansado de pavonadas, termino como uma citação de João Ubaldo Ribeiro, O feitiço da Ilha do Pavão, pág.126, Editora Nova Fronteira: 

«- Aqui neste reino há cativos, sempre haverá cativos. Enquanto o mundo for mundo haverá cativos, pois sempre existirão os que nasceram para isso e os que nasceram para mandar, esta é a voz verdadeira dos grandes filósofos e a voz verdadeira da vida.»

Por estes dias, prefiro ler João Ubaldo Ribeiro!

8.11.15

Até à data

«Às palavras que descem pelo rio
deito a rede em que me deito,
e se adormeço então,
acordo
de olhos muito abertos.»

Pedro Tamen, Dentro de Momentos, 1984 

Ainda pensei que poderia ser poeta, mas cedo descobri que me faltava o rio, e quando o encontrei, logo percebi que as canas corriam para o mar, umas vezes devagarinho, outras, apressadas... Quanto às palavras, elas sempre foram mais demoradas... 
Das poucas vezes que a rede lancei, se as palavras aconteceram, elas perderam-se antes de eu adormecer...
Até à data, o mais que já observei foram trutas que subiam o rio, e não me apeteceu lançar-lhes a mão. Fiquei ali, de olhos muito abertos, a vê-las saltar os obstáculos ou a contorná-los como se aquele fosse o último dia, o último luar...

7.11.15

Sobretudo as serventias

Tudo o que poderá ser importante decorre nos bastidores. Nada se sabe sobre os verdadeiros negociadores, sobre os respetivos valores, competências, interesses e serventias... Apesar de haver quem afirme que estamos a viver um tempo novo - o regresso à política  -, a verdade é que já não basta afirmar que se defende um governo em nome do povo, quando esta entidade não passa de um conceito oco, pois a estratificação social e económica do povo é por demais evidente...

Aquilo que eu gostaria de conhecer neste período crucial é quais são os valores, as competências, os interesses e as serventias dos negociadores. Sobretudo quais são as serventias, no momento em que o país ainda não conseguiu sair dos escombros, porque, como a História ensina, a rapina e o saque costumam ser as primeiras etapas do assalto ao poder.

Relembro que não há serventia sem Senhor! Não esqueçamos o Eduardo Catroga de 2011 ou o Carlos Costa mais recentemente... Nenhum deles ficou a perder, porém muitos portugueses perderam quase tudo.


6.11.15

Afronta-me este país desigual

Afronta-me este país desigual!

Hoje, vou voltar ao tema do tratamento da doença em Portugal a partir de uma situação familiar. Um indivíduo necessita de ser operado com urgência, por exemplo, no Hospital Curry Cabral; é visto pelo cirurgião que, face ao diagnóstico comprovado por um especialista, confirma a urgência no "processo"; a marcação do ato, no entanto, não pode ser feita de imediato; 15 dias, mais tarde, o referido indivíduo recebe uma simpática carta da Unidade Hospitalar de Gestão de Inscritos para Cirurgia, em que é informado:

«A partir deste momento, assumimos o compromisso de o (a) operar num máximo de espera de 9 meses (270 dias).»

Como se sabe, em muitos casos, a celeridade é fundamental para atalhar a evolução da doença. A vida do indivíduo em causa fica, assim, nas mãos de um gestor de "espera", a não ser que possa fugir do Serviço Nacional de Saúde...
E aqui é que a desigualdade se manifesta. Se o indivíduo for, por exemplo, beneficiário da ADSE ou de outro subsistema de saúde, poderá ser operado num prazo de 15 dias num Hospital Privado...

Agora que corremos o risco de vir a ter dois governos, pouco me importa qual deles governa, a não ser que um deles acabe com esta fronteira que acelera a morte de uns, apenas porque não têm recursos financeiros ou não descontaram para subsistemas que, entretanto, são subsidiados pelo Estado, com vantagens inconfessáveis para quem apoia, gere e executa este tipo de discriminação.

5.11.15

A primeira mulata loira do Jardim do Equador.

Na obra Novela Africana (1933), Julião Quintinha ficciona a vida de uma Maria Correia da Ilha do Príncipe, apresentando-a como "mulata e bastarda de fidalgos de Portugal, viúva de três maridos, senhora de toda a ilha, que tinha suas fazendas marcadas com pirâmides de pedra e se tornara famosa pela riqueza das suas baixelas de prata e cristal..." in A Primeira Mulata Loira.

A mulata Maria Correia tornou-se lendária, porque sabia como seduzir os ingleses que manhosamente combatiam a escravatura, para favorecerem o seu «comércio e monopólio com a Índia»... E essa estratégia permitia-lhe proteger o negócio de escravos, que os seus próprios barcos transportavam para Havana...

Apesar de Julião Quintinha, por vezes designado como Julião Quintanilha, ser considerado um escritor "menor", não deixa de ser curioso que Arlindo Manuel Caldeira o não tenha referido no "estudo" MESTIÇAGEM, ESTRATÉGIAS DE CASAMENTO E PROPRIEDADE FEMININA NO ARQUIPÉLAGO DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE NOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII. Maria Correia

Arlindo Manuel Caldeira apresenta como principal fonte o livro de José Brandão Pereira de Melo, Maria Corrêa - A Princesa Negra do Príncipe (1788-1861), Lisboa, Agência Geral da Colónias, 1944.

Há casos em que a Ficção não deve ser descurada...

«Quando os marinheiros ingleses recolheram a bordo já luziam as estrelas da madrugada. E não puderam ver, no alto mar, um ponto escuro - a sombra do barco negreiro, carregado de carne humana, que tomava o rumo das terras do Brasil...
Foi aquela a última leva de escravos que partiu na Ilha do Príncipe. E dizem que, dessa aventura do lord, daí a meses, nasceu uma linda flor exótica, que foi a primeira mulata loira do Jardim do Equador.» 

4.11.15

Sobre a 8ª conferência internacional do PNL

«A oitava conferência internacional do PNL, que acontece na quinta e na sexta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, debruça-se sobre a importância da leitura, em particular entre os mais novos, e sobre os valores que podem ou devem ser transmitidos através do livro e do ato de ler.»O valor do ato de ler

  1. Importante é poder aprender a ler.
  2. Importante é saber ler.
  3. Importante é poder escolher o que ler.
  4. Importante é ter os meios para aceder à leitura.
  5. Importante é que a leitura permita destrinçar os valores presentes nos textos, sejam eles quais forem.
  6. Importante é perceber que os valores resultam de opções que não são neutras.
  7. Importante é compreender que a escrita programática perdeu a inocência há muito tempo.
Quando o PNL seleciona as obras ( e os autores), porque nelas (es) estão presentes determinados valores, lembra-me a "filosofia do espírito" do Estado Novo.

3.11.15

Escrever sobre nós

Começo a sentir que escrever sobre nós é um pouco como abrir uma janela e ficar lá parado à espera que alguém dê conta da nossa presença.
Nos últimos dias, não tenho saído da janela, apesar de ter calcorreado os bairros antigos desta Lisboa que, por pouco, tinha especificado como "nossa Lisboa"... 
A verdade é que regressei a espaços e a tempos em que outrora vivi. 
No tempo mais antigo, o espaço é jesuítico, austero, filipino: a escadaria exterior, a fachada, o pórtico, a escadaria interior, os azulejos, embora diferentes e bem cuidados; faltam, todavia, os santos retidos noutra (ou na primeira, a verdadeira) fachada... 
No tempo menos antigo, de há 40 anos, o espaço de iniciação, a quem chamaram de Passos Manuel: o Liceu restaurado, imponente, portão fechado, alunos na rua... quase tão jovens como eu seria à época, apesar de professor imberbe, parecem-me diferentes, embora muito iguais, enfezados, contando cigarros ou qualquer outro derivado, substituto... sem revelarem particular interesse pelas lutas de hoje, e muito menos pelas de ontem...
A 500 metros, os ferroviários, uma centena, protestavam contra as privatizações: a polícia olhava-os com indiferença; só os turistas paravam por breves momentos... e seguiam caminho. Eu que procurava um jornal, não encontrei quem mo vendesse. Talvez se tivesse entrado na Assembleia da República...

2.11.15

Merecem que eu lhes sorria...

O sorriso só chegou já a noite era posta. A tensão, por um instante, diminuiu, mas a ansiedade ainda não desapareceu por inteiro.

Fica, no entanto,  a convicção de que ainda há mulheres e homens capazes de se entregarem por inteiro a uma causa. Via-se no olhar o cansaço e, talvez, algum do desespero com que se terão confrontado durante a intervenção cirúrgica...

E amanhã estarão de regresso, mesmo que o dia não se distinga da noite. Merecem que eu lhes sorria...

1.11.15

Sorrio

«O Sorriso (este, com maiúscula) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário.» José Saramago, Deste Mundo e do Outro, O sorriso, pág. 228, Caminho, 1999.

Cansado dos dias, taciturno por fatalidade, só a espaços sorrio. No tempo de sobra, recorro à ironia e até à paciência, que é, em mim, uma forma dolorosa de resignação tão antiga como a vida, embora saiba que a paciência e a ironia são máscaras da revolta calada...
(...) 
Ontem, sorri quando, pouco antes da meia-noite, recebi um email de um ex-aluno preocupado, porque tudo o que escrevo se situa nos antípodas das suas convicções.  E, de certo modo, ainda continuo a sorrir, porque parece haver quem se interrogue sobre o absurdo do meu pensamento...
Ora, na minha perspectiva, só sorri quem é capaz de estar atento a tudo o que é contrário à razão, porque esta, por estes adias, anda muito acomodada...
(...)
Amanhã, espero voltar a sorrir. De forma espontânea...