29.2.16

A Linha do Norte

«Porque todas as recordações são a mesma recordação.» Álvaro de Campos, Acaso.

Uma avó quase cega que vê cada vez melhor.
Um avó sorumbático que recorda os guardas alinhados à espera que o presidente do Conselho chegue ao destino.
Um pai que se imagina maquinista da automotora que devora a Linha do Norte.
Uma mãe que acredita que aquele filho a pode libertar da Cruz que carrega.

Detalhes! A recordação atravessa-se em mim com ou sem comboio...
(...)
Querer ser outro conforta! Tristes, os que vivemos sem Norte...

28.2.16

Em roda livre...

Preocupa-me que haja cada vez mais indivíduos em roda livre!

Aprendi com Freud e com os Surrealistas que a eliminação da 'censura' era um movimento libertador, capaz de combater o determinismo social e cultural, desmontar os recalcamentos e, sobretudo, gerar novas formas de vida, de arte...

Só que a ausência de 'travões' está a tornar-se praga. Cada um diz, em qualquer circunstância, o que lhe apetece, sem pesar a força ilocutória do que diz e apregoa, sem fundamentar o gracejo ou a convicção.

Não sei se é a este comportamento que outrora se chamava loucura, mas parece que anda tudo louco.
E aos loucos não se pode responder! Só ouvir, respirar fundo e procurar compreender.

27.2.16

Mosquitos por cordas...

O governador do BP não se demite "por um pequeno incidente"...
João Soares, ministro da cultura, avisa que vai demitir o presidente do CCB na próxima 2ª feira...
O PCP vai aos ministérios discutir o orçamento...
A CGTP já aprovou a subida do ordenado mínimo para 600 € em 2017...
António Costa discute Novo Banco com UGT...
A Maçonaria quer escolher o secretário-geral do SIRP (Serviços de Informação da República Portuguesa)...
O BE prefere Jesus a Maomé...
Uma juíza trata a ré por "querida"...
Um ex-procurador despachou um inquérito-crime (2011) em quatro meses, deixando os restantes visados em água de rosas. Leia-se arquivou a queixa contra o angolano Manuel Vicente. Só, agora, Orlando Figueira foi detido!
A DGS garante que o mosquito zika não quer nada connosco até ao fim do verão...
O Novo Banco foi oferecido ao Santander e ao La Caixa...

(Isto ainda acaba mal!)

26.2.16

São encantadores, quando nos desafiam!

São encantadores, quando nos desafiam!
De nós, pouco querem, embora procurem afirmar-se como chefes de horda.
Há muito que o professor perdeu o estatuto de mestre; mais não é do que o inimigo de ocasião que lhes permite mostrarem-se superiores, pois pressentem que a abelha-mestra foi expulsa da colmeia ou, então, vai definhando na sala de aula até que o coração ou o cérebro estoirem de vez...
E o professor nem é o verdadeiro inimigo, é apenas um ersatz da família em desagregação - aquela em que o desafio seria natural e construtivo.
Destruído o porto de abrigo, as palavras e os gestos tornam-se soezes, a simulação questão de honra, até que, aos poucos, tudo degenera em violência verbal, depois gestual, e, finalmente, física...

25.2.16

A brincar, sem imaginação

Já não sei se aprendemos, se passamos o tempo a brincar, sem imaginação.
Se aprendêssemos, se experimentássemos, não nos faltaria a memória essencial à imaginação.
A memória facultar-nos-ia as imagens, as impressões dinâmicas, que poderíamos combinar até que fossemos mais do que réplicas do Ser inicial...
(...)
Migalhas de conversas transviadas mais não são do que verbetes de um estéril dicionário - nelas, mora um código cuja chave alguém perdeu num dia aziago: o dia em que passámos a brincar, sem imaginação.

24.2.16

Uma narrativa estática ou será pantanosa?

Estou aqui às voltas com um suposto conto, escrito por Fernando Pessoa,  A Estrada do Esquecimento ou, para alguns, A Estrada da Escuridão.
Tomando como válida a hipótese de que no conto tem que ocorrer um acontecimento que transforme a ordem em desordem para gerar uma nova ordem, parece pouco provável que, mergulhados na escuridão ou afundados no esquecimento, possamos testemunhar individual ou multiplamente qualquer ocorrência. 
No primeiro caso, desapossados da visão, no segundo desapossados da memória, deixamos de saber como recuar ou avançar e, portanto, espectros, pairamos como os pingos da chuva. 
Estáticos, talvez, ainda possamos percorrer os atalhos da audição ou do tato, mas por pouco tempo. Recobrando, por instantes, a memória, vislumbro centenas de milhares de soldados nas trincheiras da Flandres que esperam que a morte os liberte da escuridão e do gás pimenta...

23.2.16

Por um instante

Como aquilo que eu vejo não é o que tu vês, como é que eu te posso ensinar a ver?
Como aquilo que eu oiço não é o que tu ouves, como é que eu te posso ensinar a ouvir?
Como o meu corpo não é o teu corpo, como é que eu te posso prender?

Por um instante, talvez possa ser o teu bordão no caminho que só tu podes percorrer!
O teu poder não está ao alcance do meu ser!

22.2.16

O dia está a ficar ilegível

«A noite estava ilegível. (...) Só havia escuridão, sem forma, lugar ou fundo. (...) Apenas por atalhos das sensações podíamos confiar na existência do céu, em cima,  e da terra, em baixo. (...) Como os meus olhos não podiam ver, eu via com os ouvidos.» Fernando Pessoa, in A Estrada do Esquecimento.

Há muito que a noite deixou de ser ilegível nas cidades. 
Só nos campos desertos, a escuridão insiste em persistir, a não ser que a lua se deixe esconder... Eu ainda atravessei essa escuridão que ecoava sob os meus passos apressados e desconcertados... passos que calcavam a terra num desafio ao medo que medrava sob os uivos da canzoada. 
A escuridão que me envolvia tinha um chão, tinha um teto, e eu só ansiava que do fundo eclodisse a luz. 
Nunca fui tão longe na noite, porque ainda assim raiava o dia, mas, hoje, a escuridão começa a adensar-se nos sons nocturnos, e o dia está a ficar ilegível. 

21.2.16

O Estado não paga...

«Na origem deste último erro detectado pelo Ministério das Finanças esteve o cálculo das contribuições imputadas à Caixa Geral de Aposentações (CGA), sabe o Económico. Os serviços públicos não pagam efectivamente uma contribuição pelos seus trabalhadores à CGA (apenas os funcionários fazem uma contribuição efectiva), mas em contabilidade nacional é-lhes imputado um valor.» 

Pois é, o Estado não paga, no devido tempo, a contribuição devida à CGA. E depois, mais tarde, queixa-se do peso excessivo do valor das aposentações. Ao contrário do patronato, o estado adia a despesa, impedindo que a CGA possa gerir autonomamente as contribuições dos funcionários públicos e do estado.
O que depois se torna ainda mais penoso é perceber que as equipas que preparam o esboço (?) de OGE parecem desconhecer o modo como o estado foge às suas responsabilidades sob o manto da "contabilidade nacional", conceito que, se não está, deveria estar consignado na "arte de furtar"...

20.2.16

De Umberto Eco recordo sempre...

De Umberto Eco recordo sempre a fábula do riso que ia envenenando os austeros conservadores da "arte poética" que, na verdade, não tinham qualquer motivo para zelar por uma morte inevitável, sem retorno nem passagem...
e
também recordo o grande e os pequenos inquisidores que preferiam o dogma à dúvida, atirando à fogueira todos aqueles que não eram suficientemente manhosos para se colocarem sob a proteção do magnífico Tribunal...
o que me traz de volta, não os fazedores de teses e nem os devotos da obra aberta, mas, sim, o António José da Silva, o Bernardo Santareno e o José Saramago...

19.2.16

Só os abutres vivem da morte do outro

« - Impossível. Você sabe, tanto quanto eu sei, que a morte é sempre nova e sempre pessoal. Se assim não fosse, já a tínhamos tornado científica.
- Aí está, señor. Sempre nova e sempre pessoal, diz bem. Ao fim e ao cabo, foi só a mim que eles condenaram a morrer por fuzilamento.
- Por isso mesmo é um ato novo e pessoal. Você vai ter de começar tudo pelo princípio. E, se mais alguém morrer, não terá aprendido nada com o seu exemplo. Eu próprio, como nunca morri, não posso nem sei dizer mais nada.» Excerto de um diálogo entre o filósofo e o condenado, in Sombra de Touro Azul, de João de Melo. 

Não aprendemos nada com a morte do outro.
Não aprendemos nada com a notícia da morte do outro.
Não aprendemos nada com a repetição da notícia da morte dos outro.
Não aprendemos nada com o comentário obsceno da morte do outro.

Só os abutres vivem da morte do outro. E não se pode dizer deles que sejam hipócritas, pois a morte do outro é o seu próprio sustento.

18.2.16

Juíza de Carrilho e Bárbara

Juíza de Carrilho e Bárbara é fascinada pelo nazismo - fonte: CMTV

Ingenuamente, pensava que o juiz deveria ser o fiel da balança.
Parece que não! Esta juíza, de acordo com o CMTV, inclina-se para o lado do carrasco.
A situação noticiada é muito grave: ou o CMTV manipula deliberadamente a informação e deve ser sancionado ou, então, a juíza  não deve julgar este ou qualquer outro caso de justiça.
(...)
Embora não tenha a certeza, desconfio que o Centro de Estudos Judiciários tem vindo a prestar um mau serviço à causa da justiça. Não basta conhecer a lei, é necessário que o juiz quando a aplica o faça, regido por valores bem definidos, como, por exemplo, o da isenção. 
(...)
Espero não estar a incorrer em qualquer juízo de apreciação. Creio, no entanto, que a crise de valores se manifesta cada vez mais na educação e na formação... dos políticos, das polícias, dos magistrados, dos médicos, dos professores, dos bombeiros... E quando tal acontece não há estado de direito que resista. 

17.2.16

Ao contrário das obras de Santa Engrácia

O Liceu Camões vive uma situação sui generis: As obras nunca mais começam! Entretanto, o ME prometeu à comunicação social que os estudos e o projeto vão avançar em 2016, tendo feito saber que o financiamento está assegurado. 
Gostava de saber quem financia e qual é a verba disponibilizada.
Nos anos anteriores à chegada da TROIKA, já tinham sido gastos dois milhões de euros no projeto da obra que nunca chegou a arrancar.
Finalmente, custa a acreditar que a informação tenha chegado à comunicação social sem que o Diretor da Escola tenha sido previamente informado.

16.2.16

Liceu Camões: Novos estudos? Novo projeto?

«Segundo o ME, a reabilitação da Escola Secundária Camões “foi já identificada como prioritária” pela actual tutela, estando previsto que ainda em 2016 se proceda “à fase de estudos e projectos de arquitectura”. O ministério refere ainda que existe “fonte de financiamento assegurada” para esta fase. Quanto ao início das obras propriamente ditas o ME informa que estará dependente da "tramitação" deste processo e da adjudicação posterior da empreitada.» (sic)

O quê? Mais estudos? Novo projeto? Novo arquiteto? Mais despesa? Quem é que paga todos os «avanços e recuos»?
Pensava que o projeto já apresentado publicamente tinha sido suspenso, mas, afinal, parece que no ME reina a ignorância... 
Infelizmente, em matéria de educação, passamos os dias a fazer de conta... E o contribuinte sempre a pagar!

15.2.16

Toldado

O Centro Escolar de Lordelo I, no concelho de Paredes, já funciona desde o ano lectivo 2013/2014, mas é inaugurada esta segunda-feira, às 18h00. Quem a inaugura? O ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. (sic)

Não tenho nenhum dicionário à mão, mas, ao ler a notícia, fiquei confuso, perplexo, toldado. Bem sei que o melhor é deixar de ler, ignorar as estações do ano... deixar que a imaginação me transporte para outro clima, mesmo assim estou convencido que as sinapses dos meus neurónios foram desligadas por falta de irrigação sanguínea.
E a responsabilidade é minha, pois procuro dormir sempre para o mesmo lado para evitar transformar-me no roncador de Vieira.
Não fosse uma jovem aluna ter-me confessado que apreciara «o fio lógico» de uma lição sobre o pessoano Ricardo Reis, eu próprio solicitaria que me internassem na Casa de Saúde Mental da Avenida do Brasil...
Haja decoro!  

14.2.16

Azar!

O meu Anjo não prevê qualquer alinhamento favorável dos astros.
Como tal, não necessitam de me consultar nem de fazer qualquer donativo para as obras piedosas das irmãzinhas do caruncho.
(...)
Eu já me tinha esquecido que o Céu me atribuíra um Custódio. Por maior respeito que o Céu me inspire, cedo descobri que a minha importância era tão insignificante que o divino Céu nem sequer se lembraria da minha existência...
Por mais tola que esta ideia possa parecer, a minha situação não é muito diferente da de Portugal. Ao ler Le Monde Contemporain, de J. Bouillon, P. Sorlin e J.Rudel, acabo de verificar que, apesar da participação trágica na Primeira Guerra Mundial, só, na página 82, surge a primeira referência a Portugal: 
«Au sortir de la guerre, qui ne lui avait valu que de minces avantages coloniaux, le Portugal traversa une crise agricole et monétaire qui ne purent résoudre les libéraux...», isto no subcapítulo: Les autres régimes autoritaires d'après-guerre,   

13.2.16

Falta-nos um ministério da Chuva!

Quando a chuva se prolonga, as notícias de inundações têm, pelo menos, um ponto em comum: a geografia. 
Há anos que por esta época ouvimos as mesmas reclamações das populações e das autoridades locais. Há anos que as autoridades nacionais prometem resolver os problemas decorrentes da acumulação das águas...
Há anos que ouvimos falar de programas de intervenção que ponham termo a esta fatalidade.
No entanto, abre-se o Céu e, afinal, tudo continua na mesma, à exceção do país que fica cada vez mais pobre...
Falta-nos um ministério da Chuva!

12.2.16

Não sei se estais tristes...

Eu estou triste. 
Nós estamos tristes.
Não sei se estais tristes...
Os mandarins estão tristes. 
O dia esteve triste.
A noite acabará por ser triste - ganhe o Benfica; ganhe o Porto; se o jogo acabar empatado, o Sporting ficará triste... O Sporting também ficará triste se o Benfica ganhar. Quanto ao jogo em si, pouco importa...
(...)
Até o alemão Wolfgang Schäuble confessou que está triste com o destino dos portugueses - os juros da dívida portuguesa estão a aumentar e a responsabilidade é da nova esquerda que ousa questionar a vassalagem a que estaríamos obrigados...
E o mais extraordinário é que o colapso escondido dos bancos alemães é, afinal, culpa dos países periféricos que insistem em defender os direitos mais elementares dos seus cidadãos.
O alemão Wolfgang Schäuble nunca soube o significado da termo 'cidadão'. Para o Senhor Wolfgang Schäuble, os povos periféricos não podem a aspirar a ser mais do que vassalos... 
              A ideia é antiga. Já tem bem mais de 100 anos, e, de tempos a tempos, agudiza-se... 

11.2.16

O novo real - subjetivo e cruel

Aprender a ver o que nos cerca podia ser um projeto de vida. Podia ser o princípio da revolta e da denúncia. E em tempos assim foi.
Para que a objetividade não nos escape, descrevemos minuciosamente a paisagem, o corpo, o objeto. Insatisfeitos, fotografamos; filmamos não, apenas, o objeto ou o corpo, mas a situação, o curso do acontecimento...
E depois, quando pensávamos na plenitude, na captura da flagrância, retomamos a imagem, a cena, e começamos a montagem, e tudo o que lá estava inicialmente mais não é do que pretexto para a expressão de um novo real - subjetivo e cruel...
Cruel, porque a realidade de pouco serve, pois o nosso anseio está agora nas mãos do programa que tudo permite manipular...
E nós gostamos!
(...)
Regressado à plenitude da sala de aula, fiquei neste triste estado - marioneta de um filme por estrear.    

10.2.16

Um silogismo manhoso

Não nos é permitido  aumentar a despesa pública. Porém, para fomentar a economia, a aposta principal centra-se no aumento do consumo, sem agravar a dívida...
Para atingir o objetivo, o Governo propõe-se reduzir o número de horas de trabalho, sem prejudicar o serviço prestado - em regra, mau. Propõe-se, também, só contratar um funcionário por cada dois que deixem a função pública e, sobretudo, defende que as escolas devem acolher as crianças e os jovens, de manhã e de tarde. E porque não à noite?
Eu, por exemplo, vivi em regime de internato durante cinco anos e meio e quero crer que lá em casa ninguém deu pela minha ausência. Não sei se o Governo da época também apostava na diminuição de funcionários para reduzir a despesa, mas ainda me lembro que havia um número razoável de prefeitos (ou similares) que zelavam pela disciplina. Sim, porque o importante era a disciplina!
Por aquilo que vou ouvindo, a disciplina hoje já não será um problema, desde que a criança e o jovem estejam ocupados a fazer aquilo para que têm natural inclinação que, como se sabe, anda longe da aprendizagem do português, da matemática, das línguas estrangeiras, da filosofia, da programação, da física, da biologia...
Estou, no entanto, sem saber se o Governo pensa reciclar os professores, transformando-os em animadores infantis, culturais, políticos, religiosos... ou se pensa contratar quem se ocupe de vigiar os interiores e as imediações das escolas...
Para contratar sem aumentar a despesa, o melhor é despedir os professores ou aposentá-los com vinte ou 30% do vencimento...

9.2.16

Não digo que o Céu esteja zangado

Não digo que o Céu esteja zangado, mas parece. A Igreja Católica inventou o Carnaval de três dias, seguido da Quaresma, para dar cabo das Maias demasiado primaveris e libertinas..., embora atualmente esta não se pronuncie quando os corsos são deslocados para o primeiro domingo da Quaresma.
O Céu nunca gostou que lhe alterassem o projeto genesíaco, mesmo que o tenham feito em seu nome... Já a ideia da existência de quatro estações lhe desagradava - a flores florescem durante todo o ano, cada uma a seu tempo... E nós próprios nascemos e morremos para além das estações.
O Céu apenas reconhece, como princípio estruturante, a semana de trabalho, com direito a um dia de descanso. O mês e o ano são invenções de papas e de imperadores, preocupados com o registo da sua efemeridade que confundiam com a"imortalidade"...
No que me diz respeito, já deixei de andar pelas estações e aborrece-me falar delas, porque há tantos lugares onde o Sol deixou de brilhar e a Chuva de cair ou, então, quando a enxurrada chega, fingimos que a culpa é do Céu.

8.2.16

O único vício que me resta...

Alimentar um blogue não é fácil! A maioria das postagens não consegue despertar o interesse do leitor de ocasião, sobretudo quando o escrevente não se limita a um tema e insiste em dar opinião sobre tudo o que mexe...
E o que mexe, sem ser a bola, é a política que finge servir, mas que, afinal, se serve de nós. Os políticos parecem ser (são) perversos por nascimento e têm sempre à mão o argumento de que nós é que somos os responsáveis pela nossa triste situação: somos nós que fumamos; somos nós que consumimos a crédito; somos nós que preferimos o automóvel ao transporte público...
No meu caso, o argumento não me convence: utilizo o automóvel, porque a Carris encurtou a carreira 22 - se ela, pelo menos, chegasse à Praça José Fontana!; não fumo há mais de 30 anos; e bem gostaria de não utilizar o único cartão de crédito que possuo - bastava que não fosse obrigado a suportar as consequências da austeridade, em matéria de desemprego e de remunerações amputadas..
O único vício que me resta é este de preencher um espaço em branco, até que um cometa me liberte...

7.2.16

Inverno

A furgoneta estaciona em segunda fila, encobrindo o automóvel cuja porta à força de ranger me convenceu a oleá-la, socorrendo-me de um lubrificante multi-usos, no qual deposito mais fé do que na classe política... Diz a embalagem que «lubrifica e penetra, remove ferrugem e limpa metais, repele humidade do sistema eléctrico». Por um momento, chego a pensar que talvez pudesse aplicar este produto a mim próprio...
Enquanto cumpro a tarefa, procuro o dono da furgoneta e vejo-o do outro lado do muro a abrir e  a fechar contentores de lixo, sem que nada retire do interior - ato mecânico e aparentemente inútil. Entretanto, decido descer a rua, aproveitando para caminhar um pouco mais, apesar do cansaço das pernas e da leveza estomacal... 
A rua e as seguintes, quase vazias, deixam o vento à solta, afastando os mascarados da quadra, sem impedir que a natureza troque as voltas às estações: as aráceas (os jarros) florescem verticais, à sombra das sebes que cercam os prédios de doze andares que predominam na localidade, sem esquecer os cogumelos que se escondem nos troncos e nas redondezas das árvores.
Avanço no labirinto e verifico que, na quinta do Seminário, os trabalhadores «guardam o dia do Senhor», obrigando o bispo a pernoitar noutros aposentos - confesso que nunca por aqui vi o bispo do Senhor; ele é ainda mais raro do que os agentes de autoridade... Descubro, todavia, a furgoneta, desta vez bem estacionada, e no seu interior não um, mas dois respigadores de papel - o que é curioso é que hoje não é dia de recolha de papel... Mas eles sabem-no certamente!
E para terminar, que não a caminhada, vislumbro um placard NÃO DEIXE QUE O SEU CÃO SUJE OS NOSSOS JARDINS! Acabara de ver um a sujar a calçada... Contudo, o que me veio à cabeça foi NÃO DEIXE QUE OS POLÍTICOS SUJEM A SUA CONSCIÊNCIA!
Por exemplo, não deixe que, num tempo de decisões políticas precárias, o convençam a consumir mais, sobretudo, produtos importados, e com recurso ao crédito... 

6.2.16

O dinheiro quanto mais circula

«O dinheiro, quanto mais circula, mais quem não o tem vive de esperanças.» Italo Calvino, Marcovaldo (no Supermercado)...
Marcovaldo foi publicado, primeiro em 1958 e depois em 1963. É um romance realista fantástico, cujo autor deve ter inspirado muito escritor que anda por aí como inventor do realismo fantástico, mágico, animista...
Muitas das histórias que integram esta obra bem podiam integrar o «corpus» de leituras das nossas escolas, pois ajudariam a educar a sensibilidade.
(...)
Em 2016, quem não tem dinheiro não é ninguém. Talvez seja por isso que a maioria dos crimes tem como causa primeira o dinheiro. Os próprios governos, para se legitimarem, passaram a gerir as expectativas da população, prometendo-lhe, a qualquer custo, o vil metal... E aqueles, que deixaram de confiar na governação, recorrem a todos os expedientes para se apropriarem do eldorado, mesmo que por uns tempos possam ser alvo da atenção da justiça e dos cobiçosos. 

5.2.16

'Os animais docentes' e o escritor emplumado

No Saldanha Residence, em Lisboa, há uma livraria que coloca à venda livros a preço reduzido. Quase todos os dias por lá passo e observo a oferta, variada e, por vezes, de qualidade... Embora isto da qualidade seja subjetivo, como o prova o José Rodrigues dos Santos que se considera o melhor escritor português da atualidade...
Hoje, decidi comprar por três euros, o livro Entre Pássaro e Anjo, de João de Melo. Trata-se de uma colectânea de 10 contos, de que destaco, desde já "Os animais docentes"... 
Num ápice, li o conto, não só pelo registo autobiográfico, mas porque ele espelha fielmente o universo dos docentes e dos discentes da província portuguesa nos anos 70 e 80 - um mundo fechado, hierarquizado, preconceituoso e distante dos ventos que sopravam da Europa... De certo modo, este conto fez-me lembrar as viagens de camioneta para Mafra, por entre vendedores e aves de capoeira, sem esquecer a guerrilha local entre o PSD e o PCP, isto nos anos 70... Sintra chegou depois, mas já se sentiam os ares da capital, apesar das desconfianças e das suspeições. 
(...) Seja como for, não consigo compreender que ninguém diga, de viva voz, ao JRS que ele não é o Eça, nem o António Lobo Antunes, nem o Mário Cláudio, nem o Mário de Carvalho, nem o João de Melo, nem a Lídia Jorge, nem o João Tordo e outros tão vivos como ele, mas que não colocam a RTP ao seu serviço...
Um destes dias, o próprio candidata-se ao prémio Nobel da Literatura!

4.2.16

Noutras circunstâncias...

Às 14 horas, abro a porta da sala 19, e espero....
Vinte minutos mais tarde, chegam as 'assistentes' que depositam sobre as mesas a parafernália de filmagem. 
A formadora chega às 15h30 e, de imediato, manifesta a sua estranheza face às ausências... Ainda pergunta se alguém tem o número de telefone de K, X ou Y...
Os aprendizes (ou será aprendentes?) entram um a um, e só por volta das 15 horas é que se pode considerar que metade do grupo está presente, faltando precisamente os que têm o trabalho mais atrasado.
Entretanto, surge uma candidata que quer fazer parte da oficina, mas que acaba por confessar que às 15h15 tem aula... A formadora dissuade-a, apelando ao sentimento de frustração - afinal, a candidata, apenas estaria presente num período morto... Um pouco a despropósito chegou uma outra jovem que vinha pedir autorização para divulgar a existência desta oficina de cinema, com base na experiência adquirida, durante três anos, na Escola Marquesa de Alorna...
Finalmente, às 15h 30, os presentes saíram para fazer "planos" do Sol em torno da ESCamões. Mal aqueles saíram, chegaram  mais dois jovens que disseram desejar integrar o 'grupo'... e lá foram a correr atrás dos primeiros...

A falta de pontualidade e de explicação para a ausência têm  sido uma constante. De qualquer modo, hoje, quero crer que a publicação no JL da reportagem Aprender (com o) cinema, da autoria de Catarina Letria, terá tido influência nestas vontades serôdias de integrar a Oficina de Cinema...

(Enquanto eles se debatem com a luz, eu vou me debatendo com o relato da ocorrência que, noutras circunstâncias, designaria de 'incidente crítico'. Às 15h55, continuo à espera, embora, de momento, tudo pareça correr normalmente. Resta acrescentar que K, X e Y ainda não deram sinal de vida.)

3.2.16

Esboço de país

Embora de forma forçada, podemos 'apagar o quadro' e 'apagar a luz', mas não podemos apagar as contas por pagar. Em princípio, porque há quem esqueça completamente os calotes e nos faça pagar por conta...

Por outro lado, há ' artigos´ publicados e outros por publicar, mas, convém saber que artigos queremos comprar, quando entramos na loja, na mercearia ou no supermercado, caso contrário saímos de lá depenados. A novidade dos últimos anos é que, quando consultamos a Gramática, os  'artigos' foram secundarizados pelos determinantes...

Também há várias maneiras de fazer caldo verde, mas o que conta é o paladar do freguês...

De momento, nada mais tenho a acrescentar a não ser que nas farmácias há quem goste de inquirir o cliente sobre o destino do medicamento e os modos de o tomar, e quem se limite a vender o artigo, não se sentindo minimamente responsável se o doente acabar por se apagar...

Finalmente, sinto-me frustrado porque ainda não sei se o esboço de orçamento já agrada à comissão europeia e aos partidos da coligação, embora creia que já não somos mais do que um esboço de país, pronto a apagar-se ou a ser apagado...

E eu estou em consonância ( ou como diria um sabido, em ´conivência') com o estado da nação...

2.2.16

Meias de vidro

Ainda não acordara, e já, de forma repetida, tinha a sensação de que o carro fora roubado da garagem. Interdito, nem punha a hipótese de que não o parqueara na garagem. Apenas uma sensação de estranheza: Quem é que se ia dar ao trabalho de arrombar dois portões? 
A obsessão onírica só cessou quando a antena dois irrompeu no quarto com uma daquelas melodias que costumam deliciar quem se arrasta no tempo... 
Não se sabe se Freud teria alguma coisa a dizer sobre o sentido do roubo e do derrube dos portões. Provavelmente, falaria de uma pulsão sexual recalcada, ou, então, de um aviso: - se te roubarem o carro, não te queixes, pois preferes deixá-lo estacionado na rua a guardá-lo na garagem...
(...) 
As meias de vidro enrolaram-se de tal modo nos suportes do estendal da roupa que ele viu-se obrigado a subir ao parapeito da janela para as salvar. A acção foi demorada e não sem riscos: a janela de vidros duplos não abria completamente, o banco de plástico deu de si, desequilibrando o serviçal, a vassoura perdera a magia dos contos de antanho...
(...)
Pelo meio, uma atrapalhada e tímida aluna, proveniente do Brasil, que colocava a hipótese de trocar a Literatura Portuguesa pela Filosofia, na esperança de que esta última fosse mais acessível. Talvez, tenha confundido a parte com o todo, isto é, que a Literatura Portuguesa continue a ser escrita no português medievo, anterior a Pedro Álvares Cabral...
(...)
Finalmente, os meteorologistas do ar condicionado insistem em anunciar a chegada da Primavera, porque não necessitaram de salvar umas meias de vidro enfunadas pela nortada que ensandece os estendais...

1.2.16

Houve tempo em que comprava livros...

Houve tempo em que comprava livros, jornais e revistas. Fui deixando de os comprar à medida que tive que começar  a contar os tostões para pagar as dívidas alheias, sem esquecer a luz, o aquecimento e as comunicações... O que me não me impede de entrar em livrarias e percorrer-lhe os escaparates e as prateleiras, minuciosamente.
Ainda agora venho da Almedina (Atrium, Saldanha), impressionado com a profusão e o volume dos livros, mas revoltado porque não consegui vislumbrar a obra do amigo Silva Carvalho, autor.
Sim, do autor! Porque, para mim, um autor é quem é capaz de compor, de criar de dentro das palavras, e não, apenas, quem reproduz a realidade por demais sabida ou desinteressante...
Nas nossas livrarias, só é exposto quem está na ribalta, quem é flácido ou defunto recente.
(..)
E a propósito de autor, ando um pouco abalado com os cogumelos urbanos do Italo Calvino. Parece que, em Itália, os cogumelos germinam na Primavera... Aqui, em Lisboa e arredores, é fácil encontrá-los no Inverno, e não consta que deem origem a qualquer intoxicação alimentar, com direito a lavagem ao estômago... Sempre que os revejo, acastanhados ou esbranquiçados, estão destroçados, talvez porque nas cidades portuguesas não haja pobres. Só energúmenos!