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21.5.15

Desfasado da vida

Gradiva
(...) «la démarche de Gradiva, telle que l'avait reproduite l'artiste, était-elle conforme à la vie?» Jensen, Gradiva

Norbert Hanold, fascinado por uma escultura, artisticamente mediana, batiza-a de Gradiva, em honra de Marte Gradivus, o deus da guerra avançando para o combate...
O que lhe interessa não é a vulgaridade da figura feminina, apesar de a imaginar de estirpe nobre, mas o movimento dos pés e, particularmente, comprovar se o movimento representado está conforme ao movimento dos pés de uma mulher real...

Há 40 anos li esta obra, no âmbito da cadeira de Literatura e Psicanálise. Como a maioria dos estudantes da época, fascinado pelas teses freudianas, que tudo explicavam, li de rajada a novela de Jensen, e, agora, percebo que dessa leitura nada ficou, a não ser, talvez, pulsões contraditórias que faziam bem ao ego e matavam definitivamente a alma.

Tal como Norbert Hanold, sinto que a arte  continua desfasada da vida, só que eu já desisti de procurar a conformidade entre ambas...
Doravante, vou seguir o esforço do arqueólogo, sabendo, de antemão, que o único prazer está em não trocar os pés... 

16.5.15

Freud mudou de prateleira

Apercebo-me agora quanto me irrita que o Freud tenha mudado de prateleira. Durante anos, esteve à mão, apesar de com o tempo ter caído fora do olhar. Passou a ser citado de cor, para mais tarde deixar de estar presente nas palavras que iam suportando o discurso... A leitura de Freud fora longa, durara cerca de dois anos, ora em francês ora em espanhol...
E Freud é apenas um entre as centenas que mudaram de lugar e jazem num recanto da parede do fundo, como se esta sala se tivesse transformado num cemitério de autores...
Nada do que acabo de anotar teria surgido se a minha mente não estivesse submetida ao princípio da CENSURA. Continuo sem saber lidar com a proibição de fazer perguntas, isto é, de dar sequência ao DIÁLOGO, e apesar de tudo, o Platão mora mais perto; bastam alguns passos para que Sócrates possa sair da prateleira e dar a volta à sala, deslumbrando os interlocutores, sempre prontos a colocarem-lhe as perguntas adequadas...
Por outro lado, as reticências também começam a aborrecer-me; parecem pressupor que, do lado de lá, está alguém capaz de reconstituir o fluxo dialogístico, e não assinalar um qualquer modo de pausa de escrevente cansado; já sem falar no ponto e vírgula que se vai instalando só para  impedir que eu desate a transcrever frases outrora sublinhadas:
  • « Selon le proverbe antique, les favoris des Dieux sont ceux auxquels ils font quitter la terre à la fleur de leur âge
  • «Nous dirions que c'est en gage d'un prochain retour que Gradiva a oublié ici son carnet car nous prétendons qu'on nous oublie rien sans un mobile secret ou un motif caché.»  
Ao citar Freud, Délire et Rêves dans la grande "Gradiva" de Jensen, mais não faço do que suspender a preguiça que me impedia de me empoleirar no canto da sala; como faltou o escadote, saltou para aqui a vaidade não consumada de poder ter sido escolhido pelos Deuses ou o desejo secreto de ainda conseguir voltar a ler o que, entretanto, já esqueci...
(...)
Freud e Platão, colocados involuntariamente longe um do outro, só estão aqui porque continuo a braços com a leitura de O MEU IRMÃO e, sobretudo, com uma questão que estou proibido de fazer: Será que Afonso Reis Cabral começou a desconfiar que o papel que atribuíra ao narrador ganhou tal autonomia que, enquanto Autor, se viu desapossado da narrativa, vendo-se assim na necessidade de introduzir um segundo narrador que controlasse o primeiro? Isto é, o Autor é, afinal, um Censor!