29.2.08

Devia haver um limite...

Devia haver um limite para a obstinação, para a desatenção, para a irresponsabilidade, para a desagregação, para a indiferença, para o ruído, para a cegueira, para a depravação, para a incompreensão, para a preguiça, para a intolerância, para a burrice da pontuação...

(a dificuldade, aqui, é o tom!)

Mas não há!

Há quem só pense em ir para o céu. Em suspender a respiração. Não importa o caminho!

Aqui, não! Enjoam e repugnam, o pragmatismo, a eficácia da letra morta...

O próprio dia (ente)dia... parece a mais no calendário.

Cresce a náusea sob o riso descontrolado e infantil dos estupefacientes... A prazo, surge a esquizofrenia, a esquizomania...

Basta um pé de liamba!

28.2.08

Ao acordar...

Acordo a pensar que me apetece passar o dia a ler A Sala Magenta de Mário de Carvalho. Ao mesmo tempo, penso obsessivamente em jogos de  guerra, de caça e tauromáticos. Nos primeiros, as primeiras linhas são abatidas, nos segundos, só pode haver  primeiras linhas colocadas por detrás de portas, e nos terceiros, a linha que separa os contendores anula-se até ao combate decisivo. Certamente que também poderia pensar na luta livre, no futebol e nos jogos de ficção, mas não, estes últimos não me atormentam as manhãs.

Daqui a três minutos, interrompo estas linhas, preocupado, sem saber se sou primeira linha e, por isso, pouco falta para ser abatido, porque a vitória é sempre negociada nos bastidores; se estou por detrás da porta e num lance de pura fantasia abato a presa; ou se a linha que me separa do inimigo diminui cada vez mais até que o corpo-a-corpo defina se é possível haver um vencedor.

Estes são os dias, não sei se tristes se alegres, que estou a viver. São duros, mas vou ter de encontrar uma forma de os vencer...

Como é possível alguém ter destes pensamentos ao acordar!? 

24.2.08

A nossa Conferência de Berlim / Lisboa

As fronteiras nacionais africanas nasceram da imposição da Conferência de Berlim: um estado orgânico colonial imposto pelas potências colonizadoras partilhando a África sem muitas preocupações quanto ao que já existia. Várias nações, no sentido da formações sociais antigas africanas, passaram a estar reunidas dentro de novas fronteiras. Tribos amigas e inimigas passaram a pertencer ao mesmo espaço colonial.

Esta estratégia, adoptada pelas nações europeias no séc. XIX, continua a alimentar o pensamento dos assessores do Governo actual: como é preciso adoptar medidas (receitas) para a resolução do atraso económico e cultural do país, consulta-se o catálogo das organizações internacionais que sobre estas matérias vão reflectindo, criam-se múltiplos grupos de trabalho (constituídos por indivíduos sem qualquer conhecimento do território físico e humano) que, obrigados a cumprir a agenda política (eleitoral), deixam cair sobre a mesa dos decisores um mapa de ocupação-cor-de rosa, ignorando por inteiro o passado e desprezando os efeitos imediatos e a longo prazo do receituário legislativo.

Tal como em África, em nome de interesses de partilha, estamos a destruir tudo o que, ainda, pode ser aproveitado, a gerar um clima de guerra transfronteiriça, e a hipotecar, por longos, anos o futuro.

Quanto aos governantes, incapazes de desenhar uma estratégia própria, continuam orgulhosos das medidas adoptadas, crendo que elas os imortalizarão, quando, de facto, deles deixam uma memória de extraordinário autismo.

(Hoje, sobre "medidas", vale a pena ler Vasco Pulido Valente. E sobre "autismos", recomenda-se Daniel Sampaio.

21.2.08

AVALiar

Nos dias que correm, o avaliador faz análise estatística de comportamentos e práticas, observáveis de forma binária, no pressuposto de que na linha de montagem todas as peças encaixam.

Se o caminho da avaliação é este, mais vale apostar nos robots, pois são mais fiáveis: não fazem nem mais nem menos do que lhes é solicitado; nunca faltam e raramente adoecem. E quando isso acontece, são, de imediato, substituídos e reciclados. Tudo a custo ZERO.

Um exército de controleiros, admiradores do rumo traçado pelo Grande Vaidoso, prepara-se para eliminar todos os que têm uma noção clara dos objectivos e dos caminhos que podem ser trilhados.

Ao avaliador devia exigir-se estudo, experiência pedagógica e humanidade porque, em causa, estão outros seres e não maquinismos. Sem carácter não é possível corrigir qualquer erro... e a mudança exige tempo e gradualidade...   

17.2.08

Ontem, enquanto circulava na A1

Ontem, enquanto circulava na A1, tive uma série de ideias que me pareciam sensatas e bem capazes de me anteciparem o futuro.

No entanto, hoje (futuro-de-ontem), parecia-me que já tudo esquecera: o presente era mais do que a soma dos factos, incluía possíveis narrativos infinitos, capazes de deslocalizar o paralítico mais indefeso e, sobretudo, esse presente era feito de uma ausência absoluto daquilo a que costumamos chamar realidade. Apetecia pensar que se tratava de uma fantasia bem real, de coerência total:

- Acabei de chegar. Não te posso dizer nada sobre estes meus vizinhos. Deles, sei tanto como tu. Afinal, creio que insistes em perguntar o que andas aqui a fazer!? Já, agora, diz-me o que é que estás aqui a fazer? Olhando para ti, vestido de negro, será que perdeste alguém? Não teria sido melhor teres-te concentrado no Largo do Rato, em frente da sede do PS? Se queres saber, nunca percebi por que motivo nunca foste bispo, ministro, general, qualquer-coisa-assim? De verdade, estas tuas visitas já me começam a irritar. Perdes deliberadamente tempo, o teu tempo, porque o meu já chegou ao fim! Se ainda aqui continuo, é apenas na expectativa de te ver na TV, a arrasar este povo faminto de ideias. Agora, a minha cabeça reduz-se a um movimento vertical, do tecto para a TV e da TV para o tecto, à espera de te ver cumprir, como diria aquele teu amigo, o Pessoa, outro falhado... ao lado, espreita, o António que insiste em ser o Lobo que abocanha o Antunes e para quem o povo deixou de ter redenção por causa dos malandros que há séculos nos governam...

- Bem sei que estas minhas palavras te desagradam, que esperavas que te falasse do passado daquelas tias solteironas que conheceste a ler o Retrato de Ricardina, eternas frustradas porque pai-e-mãe as proibiram de namoriscar o encanto-dos-olhos-delas... onde elas viam encanto, eles viam miséria, promisquidade, e por isso o anátema tornou-se prisão húmida e bolorenta, donde se elevava uma tosse assassina que desfez pulmões e rebentou o coração. Mas, afinal, o que é que isso te pode interessar? Pareces doente, só falas de doentes-a-caminho-da-morte... Bem sei que é difícil encontrar assunto para falar comigo e esperas que eu te possa preencher esta hora com o meu baú das memórias. Mas eu já não tenho baú, leváste-o quando tinhas 10-11 anos e, ainda agora, lembro o que te disse: Nesse baú vai o teu derradeiro enxoval...

- Ao olhar o tecto, surpreende-me a cor das ideias; ao baixar à TV, fugazes imagens soltam-se de não te ver... estas minhas ideias são tão brancas como as tuas. Do tecto à TV, é lá que espero ver-te, ouvir-te... e não aqui.

- Sabes bem que eu já deixei de ser de aqui! Livra-te desses teus amigos maçadores, sobretudo, do Pessoa e do Lobo, e não insistas em convencer os teus alunos... há muito que deixaram de te ouvir. O que eles esperam de ti é que morras, breve... está claro que se souberem destas palavras se irritarão contigo, se esforçarão por te dizer como és magnífico! Mas não acredites! Daqui, donde estou, entre o tecto e a TV, vejo aquele olhar perturbado de quem teme que lhe revelem a inveja, a ambição, a histeria febril, a volúpia e a preguiça assassina...

- Gostei que nos encontrassemos aqui, mas vou parar de dizer o que penso de ti, o quanto me traíste, ao dar-te aquele enxoval e, por favor, desperta, essa carrinha aí, ao lado, parece-me ser do Pepetela, outro dos teus projectos adiados...

12.2.08

O que é que eu faço aqui?

Entre distanciar-me e envolver-me, hesito.

Se me distancio, o corpo respira melhor, a memória recupera, a palavra flui. Basta recostar-me na cadeira, para que o horizonte se alargue, o rosto se abra à ironia. E nesse momento, os pássaros escondem a voz...

Se me envolvo, o corpo enrodilha-se, a memória soluça, a palavra torna-se ameaçadora. A cadeira diminui, as margens tornam-se tensas, o rosto fecha-se sobre o écrã... os parágrafos, desnorteados, gritam de desdém...

Por detrás da letra, antevejo um sonhador que ainda acredita que é possível mudar o homem: o paradigma escancara-se de gozo para nada. A letra quer eliminar a punição, mas a tradição acredita na força da exclusão...

Os argumentos deixaram de ser convincentes, extasiados na suspensão... ficaram, por hoje, nas prateleiras grávidas de solidão.

(Por um instante, pensei ficar, ali, sobre o armário do fundo, à espera que a letra desabrochasse..., mas uma súbita rosa negra rasgou-me o olhar e perguntou-me: - O que fazes aqui?)

10.2.08

Não falemos mais deles...

Fama di loro il mondo esser non lassa;

misericordia e giustizia li sdegna:

non ragioniam di lor, ma guarda e passa.

Dante Alighieri, Divina Comédia, Livro III

Tanto lamento, tanta dor!

São filhos de Abril.

Acreditam na imortalidade e invejam a própria sombra.

Deles nada sobrará e tanto a misericórdia como a justiça os desprezam.

Aprendamos a ignorá-los!

Olhemo-los de soslaio, e passemos adiante!