30.9.11

Inutilia truncat…



Se os discursos são tão planos que de nada serve tentar podá-los, pelo contrário, no tecido (in) produtivo português há um ilimitado campo de ação.

Em Portugal, há milhões de portugueses que beneficiam de regalias escondidas, e que se avolumaram nos últimos 30 anos na sequência de  desastrosas cumplicidades entre partidos, gestores e sindicatos. Empresas com dívidas insuportáveis continuam a alimentar as suas clientelas como se nada estivesse a acontecer e, despudoradamente, os seus representantes falam diariamente da necessidade de todos partilharmos esse despesismo.

Esta ideia de partilha mais não é que uma forma de punir quem trabalha honestamente e quem cumpre todas as obrigações que o Estado lhe impõe.

O direito à indignação precisa de ser revisto. Os indignados deveriam iniciar uma luta sem quartel contra prémios, horas extraordinárias, cartões de crédito pagos pelas entidades patronais, veículos oficiais ou de empresa, viagens gratuitas na tap, cp, carris, metro, cantinas corporativas, casões, sacos azuis, amarelos ou vermelhos, orçamentos privativos em escolas, universidades, hospitais, fundações sem capitais próprios, privilégios das múltiplas igrejas, misericórdias, sem esquecer os corvos que nos deixam as tripas ao sol.

28.9.11

As flores do Poeta…

Um poeta tradutor, se por um lado corre o risco de matar a criação, por outro arrisca tudo ao ocupar o lugar do feiticeiro que antecipa as chuvas que fazem a glória do rei.

Este tradutor é modesto, pois não se pensa singular, e, ao mesmo tempo, não abdica de dar voz (asas) a uma realidade de pés descalços, seca, sem hino e sem bandeira, mas que, no antigamente, transformava cada semente em flor. Tudo como se o presente tivesse perdido o rumo ao deixar-se formatar por estranhos lugares-comuns.

E quem poderá traduzir essa vontade de regresso ao tempo solidário?

Na verdade, só a semente / oferece flores, mas, para que isso aconteça, o chão (o poeta) terá de ser permeável às chuvas.

Ser ponte, voltar atrás, parece ser o caminho escolhido pelo “palavrador” Mia Couto, em Tradutor de Chuvas,  pois a verdade reside num tempo definitivamente perdido, a não ser que as chuvas façam germinar as sementes…

O papel / antes do poema, / é um chão depois da chuva. // O idioma do grão / lavra a caligrafia do pão.//

Em conclusão, apesar de nem todos os poemas serem flores, fica-nos a lição da semente…, embora haja quem nela tenha visto uma prova de machismo, que, creio, precipitado!  

25.9.11

À sombra…

Barro, plástico, cobre, latão, vime, flores, farturas, bifanas…tudo a pataco (euro) e à sombra da Ordem franciscana! (As gentes chegam mais tarde para o encerramento espiritual da Feira da Luz.) Por mim, faltam as peras cozidas. A dizer a verdade, já devo estar a pensar na Feira das Mercês…

E ainda há quem pense que Portugal não tem futuro!

24.9.11

Tempo malbaratado…

I - Para quem estuda na Escola Secundária de Camões, a leitura de Domingo de Lázaro deveria ser obrigatória. Aquilino Ribeiro retrata, de forma sarcástica, a vacuidade das opções ideológicas dos docentes do Liceu  durante o 1º conflito mundial. Por outro lado, mostra com crueza o comportamento indisciplinado de alunos que desprezam o trabalho…Finalmente, descreve o irrealismo e a fatuidade docentes, para além de deixar um olhar impiedoso  sobre a família portuguesa, sobretudo, rural.

II – Acabo de reler, em Estrada de Santiago, a novela A Grande Dona que introduz uma reflexão sobre a incapacidade do homem aceitar a sua condição, seja ela de pobreza ou de efemeridade. O filho do moleiro do Gorgulhão, afilhado da Morte, vai ao ponto de litigar com Ela para adiar o seu destino… À terceira refrega, o afilhado afunda-se irremediavelmente no pélago sem fundo… ( o outro lado do céu).

A demanda do padrinho rico é uma narrativa cheia de surpresas no que revela da capacidade argumentativa e indagadora de Aquilino. Nem Deus nem o Diabo servem como padrinhos! Os argumentos seriam mais tarde (?) partilhados por Miguel Torga. Só a Grande Dona!: «Alta, delgada como círio, de órbitas cavas e dentes alvíssimos, a cabeça toda uma mancha de calcário, a intrusa vestia um capindó da corte triste do luar.»

Os textos de Aquilino são verdadeiras lições de história, geografia, política, antropologia, religião, mitologia e costumes… mas o que me seduz é o vastíssimo conhecimento da língua, testemunho de um tempo que se perde a cada dia que passa.

Com a morte da língua portuguesa, morremos todos!

23.9.11

No lugar do céu…

O que eu vi,/ à nascença, foi o céu.” Mia Couto, Tradutor de chuvas, 2011

Só um poeta poderia afirmar tal coisa. Eu, que nunca fui poeta, não me lembro de quando é que vi o céu pela primeira vez, embora desconfie que, quando atentei na palavra “céu”, deva ter pensado que ela seria demasiado pequena para o que escondia. No meu frágil entendimento, “firmamento” representava melhor a abóboda que me cobria…

Por outro lado, à nascença, mais do que sujeito terei sido objecto. Fui  visto, e não sei com que olhos! Pressinto que o que de mim era esperado não seria muito diferente do destino dos homens daquele dia…

E ainda agora me parece que o céu é demasiado estreito e, no entanto, sinto que o firmamento substituiu melhor o ventre que durante algum tempo me acolheu.

Por isso, sempre que posso, olho o firmamento na esperança de adiar as contas com o céu.  

21.9.11

A responsabilidade

Irrita-me o comportamento de quem, na atual situação de descalabro, faz de conta que o problema é dos outros…

A saída da crise obriga a que cada um assuma as suas responsabilidades sem tergiversações.

As decisões unilaterais podem ser simpáticas a curto prazo, mas a médio prazo revelam-se ruinosas.

Os adiamentos têm custos irrecuperáveis!

( Os exemplos são cada vez mais inúteis!)

18.9.11

O acordo ortográfico de 1990

Quem é que beneficia com o acordo?

Num país deprimido, ganho o humor. Basta pensar na hipótese de  o acordo ter sido feito com os pés – acordo ortopédico!!! Os humoristas portugueses têm matéria até à próxima revisão se, entretanto, a nação não tiver sido extinta.

Num país ecológico, ganha a floresta. Sempre que o felino informático (Lince) converter um documento menos árvores serão abatidas.

Num país poupadinho, ganham a cultura e a língua. As universidades estrangeiras que queiram ensinar a língua portuguesa, deixarão de ter duplicação de professores, dicionários, manuais, gramáticas…Portugal pode deixar a tarefa aos brasileiros, angolanos. Por sua vez, os milhares de professores desempregados podem aventurar-se nas margens do atlântico sul e até do índico…

No país de abril, de cepa anglo-saxónica, que, a cada passo, diaboliza os gregos, os linguistas, obrigados a explicar o ‘factor etimológico” irão, finalmente, redescobrir o latim, o grego e até o árabe, se não tiverem morrido afogados no caldeirão da ambiguidade ou sugados pelos humoristas.

17.9.11

Eu desbasto…

 O pessimismo de nada serve! O melhor é deixar que a onda se desfaça e desbastar a realidade, se tomada no sentido etimológico, e, logo, tudo será mais límpido, apesar dos carrapatos…

Hoje, descobri um ninho vazio, situado a menos de um metro de altura, e que terá cumprido a sua função, porque, se o homem se afasta, a avezinha do céu deixa de ter inimigos em terra…

E foi o bastante para desbastar três ou quatro pereiras já que não me é permitido desbastar os jardins que nos sufocam.




16.9.11

Em terra de matilhas…

Quem acorda cão dormido vende paz e compra arruído.

Que o homem é resmungão, já sabemos, e por isso quem pode deve agir rápido. Deve demiti-lo ou levá-lo à demissão, caso contrário a ilha da Madeira arrastará, de vez,  o ‘continente’ para o abismo… (sem esquecer os Berardos que, servindo interesses escondidos, deixaram a banca nacional a descoberto!)

Infelizmente, a propaganda continua a cegar os portugueses, habituados a correr atrás de ‘manhãs radiosas’, sem fazer contas à vida!

Ultimamente, até nos querem convencer que o Plano Nacional de Leitura tem contribuído para a redução da iliteracia. Mesmo quem nada lê de substancial defende o artifício! Mas, de facto, o objectivo  é evitar que interesses instalados sejam postos a nu e eliminados.

Se a iliteracia tivesse diminuído, a situação do país seria bem diferente e as matilhas não se teriam constituído.

15.9.11

A qualidade de decisão…

A Nuno Crato, não lhe faltam nem concisão nem clareza! Vamos ver se com sofríveis recursos financeiros, consegue aumentar a qualidade de decisão.

Também é bom indicador a disponibilidade do presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República, José Ribeiro e Castro, manifestada, hoje, na Escola Secundária de Camões, para problematizar, de forma clara e concisa, os problemas vividos no terreno…

Impedir que a escola se transforme num factor de desigualdade, mais que uma opção ideológica, é uma via que exige conhecimento do terreno, ponderação e decisão casuística e rigorosa.

É preciso sair dos gabinetes! Por exemplo, por onde é que anda a Inspeção-Geral de Educação?

14.9.11

Memória desfocada…

Quando alguém faz 89 anos, ao revisitar um lugar onde outrora passou férias,  ainda que as ruas sejam as mesmas,  os edifícios surgem-lhe diferentes – mais altos, deslocados e, sobretudo, despersonalizados.

No passado havia um senhor, proprietário das almas e dos corpos. Agora, o largo enviuvado abre em esplanadas e passeios ronceiros, servindo transeuntes de ocasião e aposentados que matam o tempo, convencidos que são o mundo…

Nem o casino cumpre a sua razão de ser! Evidência de fausto artificioso, o edifício serve a presunção dos senhores ignaros que lançaram as mãos aos milhões dos fundos europeus…

13.9.11

Nós não somos o mundo!

O calor das 15 horas desespera-me. Viajo no autocarro 83 e, entrementes,  descubro no i uma entrevista a Helena Roseta que leio atentamente. As respostas parecem-me sinceras, revelando uma pessoa verdadeiramente preocupada com a polis. Há na Helena Roseta esperança e, ao mesmo tempo, tristeza, pois percebe-se que muita da actual pobreza resulta de sermos governados por pessoas que não conhecem o outro e, sobretudo, vivem para satisfazer os seus interesses e caprichos…

E de repente, oiço em mim: “Nós não somos o mundo!”e termino a viagem a interrogar o título de uma obra de Mia Couto “Cada homem é uma Raça”.

11.9.11

Babelianos!



Dez anos depois, as torres continuam a simbolizar o poder. Em seu nome, ignoramos as vítimas anónimas de cada dia, e fingimos que tudo acontece por força de um mal invejoso do nosso engenho…

Se em vez de procurarmos o céu, enxergássemos as vidas que calcamos!

9.9.11

Ericeira com Ministro





Na Ericeira, nada é imutável! Olho a terra, o mar e o céu , e descubro sempre novidade. E por aqui  há um Ministro que governa há longos anos sem dar nas vistas, se exceptuarmos a embirração com o José Saramago que, entretanto, lhe deve ter servido de emenda…

Quando atravesso o concelho de Mafra, fico sempre com a sensação de que entro noutro país. Um país de pombas, gaivotas e cogumelos, cercado de praia e campo, e que, ao fim da tarde, se liberta da cerração imposta pelo denso nevoeiro. Um país de construtores, descoberto pelos desportos radicais, que passa ao lado da dívida…

Ou será um jardim, como a Madeira de Alberto João?

8.9.11

A desigualdade…

A desigualdade instalou-se na escola pública. Novas e velhas escolas vivem o mesmo desafio: promover o sucesso escolar e na vida, independentemente do estado dos edifícios, dos equipamentos instalados, da formação dos docentes e dos restantes funcionários

Mas como?

Para além das escolas em que as velhas canalizações foram colonizadas por raízes que obstruem a circulação da água ou de outros efluentes, ovulando paredes líquidas e bolorentas, sem que o Estado ponha travão à ruina e ao desperdício, e contrastando com o novo-riquismo introduzido pela Parque Escolar, assistimos agora a uma ação de propaganda que visa convencer a opinião pública que vivemos num país em que cada sala de aula dispõe de um quadro interativo, um datashow, um computador na secretária do professor, terminais para os alunos e wireless…e de professores devidamente preparados para ensinar com os novos recursos.

Sem motivação e sem interesse, tal como sem saídas profissionais, não é expectante que o espaço escolar degradado seduza os jovens estudantes, por isso mais valia que o ministério da educação e os sindicatos se empenhassem, com os parcos recursos existentes, em reduzir as desigualdades em vez de manterem o braço de ferro em torno da avaliação do desempenho docente.

Lutar por um modelo de avaliação, que quer uniformizar critérios e aplicá-los do mesmo modo a escolas desiguais, não passa de capricho de burocratas para quem a resolução dos verdadeiros problemas da  escola pública pouco interessa.

7.9.11

Estou farto!

O novo ano escolar começa com os mesmos problemas de sempre: número excessivo de alunos por turma; turmas-fantasma; descaracterização da autoridade do professor e dos restantes funcionários; esvaziamento da autonomia de decisão; avaliação regulada por critérios de raiz ideológica e nepotista; esbanjamento de recursos; inumeráveis capelinhas…

Entretanto, o ministério da educação e os sindicatos mantêm o braço de ferro quanto ao modelo de avaliação do desempenho docente, sem que se perceba quais são os verdadeiros objectivos de cada um… Sei, no entanto, que os resultados negativos alcançados pelos alunos nos exames nacionais são já uma consequência  da desistência de muitos professores…

No que me diz respeito, continuo a pensar que a avaliação dos funcionários deve ser uma competência do diretor de cada escola…e que nos últimos anos tenho canalizado para problemas laterais milhares de horas que deveria ter colocado ao serviço dos alunos…

Estou farto!

6.9.11

Tempo de relego…

Este ano, o relego foi tempo de agitação causada pela mediocridade  de quem nos desgoverna. Pagamos, a cada minuto, o desregramento dos salteadores que se apropriaram dos capitais depositados nos bancos e os hipotecaram definitivamente.

Para que os salteadores continuem a beneficiar do relego, isto é, do privilégio de vender as ações compradas antes que a falência seja decretada, o zé povinho é esbulhado que nem no tempo das invasões francesas.

Para aliviar a vilania, confesso que este ano o meu tempo de relego foi, em grande parte, consumido a ler Aquilino Ribeiro:

«Era a hora em que, de sol a dobar para o ocaso, aparece nos horizontes um fuminho ligeiro, baço, movediço e surdo, que é o avental da noite. Por detrás vem ela, para camponeses e bichos realidade mais táctil que a asa de um morcego. Em horas de crise a sua aproximação torna-se tão crucial que não há esperanças, nem consolações trocadas que lhe balsamizem o negror. Pesadume às toneladas.»  Aquilino Ribeiro, Valeroso Milagre, in Estrada de Santiago.

4.9.11

Cúmulos e bibliónimos…

P1010013

Escrevo “a partir de hoje vou adotar O novo acordo ortográfico da língua portuguesa” e logo surge a dúvida da correta ou incorreta redação. Acabo de registar um bibliónimo ou não?

Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa o que é que designa? - Um topónimo? Um antropónimo? Uma instituição? Um ponto cardeal? Um título? Um axiónimo? Um hagiónimo?

Já agora como é que se explica a presença do /h/ nas palavras “hoje” e “hagiónimo”? E porque é que o “cardeal” não troca o /e/pelo /i/?         

Será por respeito à etimologia?        

                                              hodie”> “hoje”; “cardinales”> “cardeais”…No último caso, a etimologia deveria, pelo menos, ceder o lugar à tradição cardinalícia!

O que é extraordinário é que os defensores da manutenção, de forma aleatória, do critério etimológico são os mesmos que eliminaram o grego e o latim dos programas nacionais…, sem falar do árabe.

3.9.11

Na gáspea!

Olho e interrogo-me: - O que é que nos falta? Inteligência? Aplicação?

A distância deixou de ser obstáculo! No entanto, estamos cada vez mais longe!

De facto, o único instrumento que sabemos usar é a tesoura! Já nem os guindastes nos salvam!


2.9.11

Setembro

Olho e não entendo. O Outono ainda parece longe, mas as chuvas de Setembro chegaram para amadurar o figo e a uva, reduzindo a colheita, apesar de haver quem defenda que a água-ardente e o vinho serão mais encorpados. De qualquer modo, que interessa a qualidade!

E é esta falta de entendimento que incomoda: não querer saber que o Outono quando chega traz prejuízo, mas, também, pode ser um tempo de qualidade.

Sem pressa e sem egoísmo, é possível reavaliar as situações e encontrar novas soluções…

Entretanto, não compreendo para que serve um Governo que ceifa e não semeia!

Quando o terreno é pedregoso e seco, há que aproveitar as chuvas de Setembro e lançar as primeiras sementes à terra para que, pelo menos, algumas possam germinar.

Ontem e hoje, choveu… mas só vi e ouvi reis magos…

/MCG