30.11.13

O pé de porco

Vou ao mercado e compro um pé de porco. De seguida, compro duas latas de feijão branco... e vou pensando "um indivíduo da minha idade condenado a mais sete anos de magistério, se come esta chispalhada, acaba mal, ainda por cima diante de jovens que não veem razão para aturar uma múmia....»
Na verdade, aquele pensamento era desnecessário porque há muito que ando arredado de tais comezainas. Bem sei que a vida são dois dias, embora o governo diga que são três, e que o melhor é aviar-se em terra antes que a pensão falte...
De qualquer modo, o pé de porco está a dar-me trabalho, pois não lhe tendo tirado as medidas, ele recusa-se a acomodar-se na panela de pressão. Pacientemente, vou o desossificando, mas a tarefa é árdua...
Quase tão árdua, como amortizar a dívida e, simultaneamente, classificar três turmas que, perante a tese de que o endividamento nacional terá começado com a necessidade de pagar à Europa, em especiarias, o empréstimo contraído para a construção da armada de Vasco da Gama, trocam a ordem das respostas deixando-me à deriva entre uma arca frigorífica que demora a descongelar e um osso barato, mas arrenegado...
Felizmente que uma boa parte destes jovens alunos percebeu que a causa da dívida também era endógena. De facto, os europeus, já no século XVI, fixavam o preço! Só que, por seu turno, a Corte evitava o pé de porco, preferindo outras iguarias, outros luxos... deixando, como hoje, o povo na miséria.   

29.11.13

Classificador da PAAC, não!

Em sete meses, Crato quer alterar "os cursos de Educação":
Serão as escolas a decidir-se. Depois de o decreto-lei ser aprovado, depende da data exacta da promulgação, mas as escolas que não quiserem fazer este ano terão oportunidade de o fazer para o outro ano.
Ninguém vai fazer estas mudanças com pressa, vamos fazê-las com calma e de maneira sólida”, assegura.
Crato tem pressa, mas o "democrata" transige. As escolas é que sabem!
O discurso ministerial é gramatical e semanticamente eloquente: Serão as escolas a decidir-se; mas as escolas que não quiserem fazer este ano terão oportunidade de o fazer para o outro ano; ninguém vai fazer estas mudanças com pressa, vamos fazê-las com calma e de maneira sólida...
Eu estou consciente que é preciso mudar a formação, mas ninguém me pediu uma ideia.. 
No entanto, o IAVE solicitou-me que classificasse 100 textos, de tipo expositivo-argumentativo, e, em consciência, recusei, porque sei que os avaliados, sem adequada preparação, irão produzir um discurso idêntico ao do senhor ministro da educação e ciência...
Como classificador, não gosto do papel de carrasco!

28.11.13

Não me apetece escrever

Não me apetece escrever porque 4 portugueses são donos de 9,6 mil milhões de euros... 
Não me apetece escrever porque, de manhã, não pude folhear o CM, vendo-me obrigado a comprar o i, e este não me trouxe a notícia que ansiava - ela passava, fugaz, na primeira página do DN. Só mais tarde, percebi que, não sendo bordadeira nem carpideira, para mim, era NÃO-NOTÍCIA...
Não me apetece escrever porque não quero "autossuicidar-me" às 8 horas da manhã num banco de escola diante meia dúzia de plátanos chorões...
Não me apetece escrever porque o metro fechou as portas e os de sempre ficaram à lareira, com ou sem teste.
Não me apetece escrever porque não sei utilizar "palavras fortes", isto é, desconheço o que é o calão, pois há muito tempo que não viajo para as Mercês ou para Rio de Mouro. Se por lá andasse, arriscava-me a escrever um romance cheio de "palavras fortes". Supostamente, aquelas gentes não conhecem outro registo de língua, tal como há quem desconheça que possa existir a localidade "Rio de Mouro".
Não me apetece escrever porque Gabriel García Marquez inventou "Cem Anos de Solidão" para que um qualquer genealogista elaborasse uma árvore que desprezava os avisos...
Não me apetece escrever porque o Moita Flores prometeu que ia desvendar o assassinato do Presidente Sidónio e, afinal, ficou-se pelo título porque o processo consultado não dava para mais.
Não me apetece escrever porque Ulisses queixou-se da perfeição e preferiu voltar para Ítaca.
Não me apetece escrever porque, nas palavras de um esclarecido discípulo, o mesmo Ulisses foi substituído por um excêntrico boneco japonês, frustrando o Eça...
Não me apetece escrever porque a TAP está tentar vender-me um bilhete de regresso da Turquia sem que eu sequer tenha partido...
Não me apetece escrever porque na Universidade Nova, os gabinetes de trabalho fazem lembrar os gavetões do cemitério de São Marçal...
Não me apetece escrever porque Portugal, aconteça o que acontecer aos portugueses, não vai parar.

Só a imperfeição me faz regressar...

27.11.13

O compromisso

No ar, o desânimo, a descrença. 
Se a crença delega na intervenção externa, a descrença mina a vontade.
Entre ambas já não há fronteira: não há esperança!

Por enquanto a casa é lareira, 
embora não se saiba durante quanto tempo...
Só por cegueira se fica até mais tarde...

A linha (in)visível deslocou-se sem que a vela se deslocasse.
Já não há arvoredo nem flores nem aves

Só a mentira beija o frio dos teus lábios...

26.11.13

A crença

Há sempre quem acredite numa intervenção externa!
O Tribunal Constitucional virou lugar de peregrinação. São 13 os apóstolos da fé, pelo menos, foi o que entendi logo de manhã: 7 votaram pelo horário semanal de 40 horas para os funcionários públicos; os restantes votaram contra. 
Argumento, em registo familiar: os funcionários públicos não devem beneficiar de um estatuto privilegiado em relação aos funcionários privados ou até por conta própria, se esta categoria pode ser considerada.

O orçamento geral do estado acaba de ser aprovado pela maioria parlamentar, e logo, em coro, se roga ao Tribunal Constitucional que intervenha, que defenda a Constituição. O problema é que esta não proíbe os cortes nem  nada determina sobre a aplicação do princípio da retroactividade. Os legisladores eram homens sérios e, como tal, pensaram o texto constitucional como suporte do regime democrático, não imaginando que uma maioria eleita democraticamente pudesse fazer tábua rasa de princípios fundamentais...

Nesta situação, o pior inimigo do cidadão é a crença. Acreditar que os juízes irão fazer frente ao governo é o mesmo que pensar que, no Estado Novo, os tribunais plenários eram imparciais. Os juízes são homens e mulheres, têm família, amigos, partido e igreja, e acabarão por claudicar... 
A crença atual não é diferente da crença messiânica ou sebástica! Ela existe sempre como forma de compensar a inação, de manter o statu quo por muito precário que ele possa ser...

Por outro lado, é bom não esquecer que a maioria parlamentar é suportada, em grande parte, por um grupo significativo de cidadãos que continua a enriquecer, sem que os seus rendimentos sejam molestados... e desta vez não parece que eles façam parte do funcionalismo público.

25.11.13

O herói da futilidade

«A experiência é o terreno de prova.», Harold Pinter, Os ANÕES

Esta velha ideia já não encontra seguidores. 
Hoje, somos governados por homens e mulheres sem conhecimento e sem experiência. Estes governantes desprezam a experiência e, sobretudo, são um péssimo exemplo para as novas gerações...

Se os governantes maltratam os juízes, os professores, os médicos, os idosos, os doentes, os deficientes, o que é que poderemos exigir aos mais jovens? O que é que poderemos exigir às famílias? 
O que é que poderemos exigir...

A resposta surge sob a forma de notícia de:

a)  polícias que desrespeitam os pilares da democracia;
b) homens que agridem as mulheres até à morte;
c) assédio sexual e violação de menores e de idosos;
d) crimes de sangue por dá aquela palha;
e) assaltos, sequestros e vandalismo um pouco por toda a parte;
f) desfalques e tributação abusiva;
g) usura e tortura;
h) tráfico e consumo de droga a céu aberto e a coberto de opulentas mansões...

A notícia até tem jornal e TV para a amplificar, de preferência em direto!

( Na sala de aula, um professor não fala dos governantes sem conhecimento e experiência, não fala da notícia em direto! O professor procura que os alunos compreendam o pensamento de Vicente, Camões, Vieira, Garrett, Pessoa, Saramago... mas eles chegam naturalmente atrasados, sorridentes, pedem desculpa e sentam-se tranquilos como se fossem pedir uma cerveja ou charro, e ficam ali a desfiar um rosário de sensações, à espera do toque de uma campainha que, também, ela desistiu da sua função...)

«Se realmente sou um deus, sou o deus da futilidade e do remorso.»

Dito de outro modo, o herói já não é o Nuno de Camões nem de Pessoa, nem o deus de Harold Pinter, que esse ainda conhecia o remorso. 
  

24.11.13

OS ANÕES. Não vale a pena querer recontar...

Não vale a pena querer recontar o romance "OS ANÕES" de Harold Pinter, porque falta a intriga ou, no mínimo, pode dizer-se que faltam as  peripécias. 
Quatro personagens - LEN, MARK, PETE e VIRGINIA - circulam num espaço fechado, discorrendo sobre comportamentos, em que a amizade e o amor mais não são do que um lugar de traição, de sadismo e de exibicionismo... As personagens, na verdade, não dialogam: acusam-se por vezes, bajulam-se outras...
Neste romance, a ação é puramente verbal: paroles, paroles, paroles... Parece haver nele um desafio ao leitor, como se este, ao ler, recriasse à mesa, na cama, à janela, na rua, num ou noutro bar, com os amigos, uma vida absurda, limitada à bebida, ao sexo, ao palavrear... tudo em discurso direto.
No essencial, estamos perante romance do absurdo em que todos queremos ser heróis ou deuses: «Se realmente sou um deus, sou o deus da futilidade e do remorso. Nunca fiz nada por ti. Gostaria de o ter feito
Neste romance, a fronteira que o separa do drama é muito ténue, talvez, apenas, uma convenção de época - 1952 -1956.
Confesso que li Os ANÕES até ao fim, não porque esperasse um qualquer desfecho, mas porque nasci no tempo da escrita, e as minhas memórias mais antigas situam-se também elas num espaço fechado em que as palavras teciam os seus próprios muros...

23.11.13

A pátria mesta

«Em virtude do Rei, da pátria mesta,
Da lealdade já por vós negada,
Vencerei não só estes adversários,
Mas quantos a meu Rei forem contrários!»
                 Os Lusíadas, Canto IV, estância 19

Este Nuno Álvares, que não tem dúvidas sobre qual deve ser o seu papel no combate aos inimigos externos e internos, em nada se assemelha a Nuno Crato que serve a todo o tempo interesses privados, sejam nacionais ou internacionais. Claro que Crato também serve o seu rei, vassalo da Troika!

Triste tempo, em que, não sendo mais possível nem aconselhável erguer a Excalibur, insistimos em jogos de poder, em  vez de desenhar uma estratégia de unidade que nos permita senão superar pelo menos imitar a Irlanda. 

'Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!
                 Mensagem, Nun'Álvares Pereira


22.11.13

PACC - modelo - componente comum. Um incidente crítico?

Fui ler a Prova modelo e fiquei esclarecido. 
O objetivo é afastar, numa 1ª fase, todos aqueles que ainda encaram a escola como um lugar de aprendizagem responsável e que pensam que podem construir o ensino, tendo como âncoras não só o conhecimento atualizado, as novas tecnologias e, sobretudo, o aluno e as suas circunstâncias...

Há muito que defendo que a orientação do ensino está entregue a burocratas de gabinete partidário ou, em último caso, a arrivistas que desprezam tudo o que não tem origem nos modelos pavlovianos mais retrógrados. Só assim se justifica que o "modelo" apresentado seja o mesmo que já é aplicado tanto ao 4º ano como ao 12º ano de escolaridade. A matriz é a mesma!

O que mais intranquiliza é não se saber qual é o organismo (o IAVE.I.P?) que decide quais são «os conhecimentos e capacidades considerados essenciais para a docência». Qual é o papel das universidades? Qual é o papel das unidades orgânicas que se dedicam às ciências da educação?
Quanto ao objeto da prova, a sua especificação é vaga, citando os tradicionais estereótipos. Nada é concreto! Quem espera uma orientação, o melhor é começar a procurar um explicador formatado numa academia maoísta, se ainda existe alguma...
Há ali, no entanto, uma locução reveladora da doutrina subjacente: «um pensamento crítico orientado». Alguém deveria ter informado o relator que "pensar" sem capacidade de discriminar e valorar é absurdo. Pensar pressupõe orientação e capacidade crítica. Sem elas, caímos na fantasia ou, pior, no despotismo. De nada serve acrescentar adjetivos ao pensamento...
Os itens de escolha múltipla apresentados só podem ser pasto de humoristas pouco inspirados!
E quanto ao item de resposta extensa, se quisessem abordar o tema da tolerância em contexto escolar, então teriam escolhido um «incidente crítico"...   

Omissões e enigmas

«Em 1959, data do início da correspondência, já Miguéis era tido como um autor consagrado, recebendo nesse ano o prestigioso prémio Camilo Castelo Branco pela publicação de Léah e Outras Histórias, para não falarmos no prémio da Casa da Imprensa atribuído a Páscoa Feliz, cuja 1ª edição remonta a 1932, ou Onde a Noite se Acaba (contos, 1946)...»José Albino Pereira (organização e notas), José Rodrigues Miguéis - correspondência 1959 - 1971 - José Saramago, Caminho, 2010

Entre 1959-1971, Saramago desempenhou funções de «diretor literário» na Editorial Estúdios Cor, Lda que publicou a maioria das obras de Miguéis em Portugal.
Saramago "obrigado" a ler as obras do seu exigente amigo Miguéis, desse longo convívio terá certamente recebido alguma influência.Veja-se,a propósito, A VIAGEM DO ELEFANTE (2008), em que o autor se interroga sobre «umas pequenas esculturas de madeira posta em fila» alusivas à viagem do elefante que em 1551 foi levado de Lisboa para Viena, e agradece a Gilda Lopes Encarnação, leitora de Português na Universidade de Salzburgo, o convite que lhe fizera... 
O que Saramago não refere é que o seu amigo Miguéis já nos tinha presenteado, no conto ENIGMA , que integra a obra ONDE A NOITE SE ACABA, com um elefante e respetivo cornaca.

«Aquela noite não foi porém tranquila. Ch. Brown sonhou, coisa inquietante, embora nem tudo fosse propriamente sinistro nos seus sonhos. Sentiu-se a dada altura deliciosamente balouçado, quase com suspeita volúpia, no fofo palanquim dum elefante em marcha. (...) De repente, a um grito do cornaca - mongol de olhinhos pequenos, irónicos e vivos, no qual reconhecia disfarçado, o antiquário Fishbein - o elefante estacava, punha o joelho em terra, e o professor pulava com ligeireza no chão macio, encantado com o passeio.»

Elefantes e cornacas fervilham nas Mil e Uma Noites, por isso o melhor é seguir-lhes o rasto...

De facto, o mais fácil é omitir e, em Portugal, esquece-se com facilidade a obra de José Rodrigues Miguéis! Na última semana, e sem pensar no assunto, dei conta de pelo menos três omissões... Em matéria de educação literária, não colhe esquecer Miguéis, um homem formado em pedagogia, mas que se viu impedido de a aplicar no seu país, tendo, contudo, votado a vida a escrever histórias de «exemplo e proveito»
Ultimamente, os sinais são todos anti-pedagógicos! Basta ler a proposta de Metas e de Programa da disciplina de Português para o ensino secundário, sem esquecer a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, que, por si só, destrói qualquer intuito pedagógico...
O elefante e o cornaca eram bem mais inteligentes!  

21.11.13

Em dia de protestos

I - Em dia de protestos, passada a euforia do apuramento para o mundial e da divinização do CR7, promovido a comandante boliviano, Mário Soares regressa à Aula Magna para defender a violência como solução.
No entanto, Soares deveria saber que a solução não passa pela violência, mas, sim, pela união das forças políticas, até porque a adesão à União europeia por ele conduzida é causa direta da atual situação, pois os dirigentes da época não souberam gerir a riqueza que, entretanto, inundou o país.
A apropriação dessa riqueza pela nova classe política e financeira não escandalizou os sucessivos governos que, preocupados com a conservação do poder, foram alargando as desigualdades, deixando-se corromper pelo ouro europeu que iam trocando pelo desmantelamento dos sectores produtivos.
Habituado ao endeusamento, Mário Soares cavalga a onda do descontentamento, imaginando que ainda vai a tempo de reescrever a História que lhe ditou a derrota perante o seu inimigo maior - Cavaco Silva - político medíocre e medroso, o que não abona nada a seu favor.

II - As polícias, provavelmente ao subirem as escadarias da Assembleia da República, não estariam conscientes de que, no mesmo momento, estavam ser "utilizadas" na Aula Magna por alguém que nem sempre as respeitou.

III - De Seguro, não se conhece o paradeiro. Vai, contudo, ter que se o mover. Se o não fizer, acabará na voragem...

20.11.13

Partitura inacabada

Há dias que não se sabe quando começam e muitos menos quando acabam! Dias preenchidos por uma sucessão de atos, uns domésticos outros públicos, que, de comum, têm a noção do dever, apesar da exaustão e da incompreensão...
Insiste-se num caminho de rigor e de seriedade, mas, como contrapartida, recebemos gestos de enfado e de abandalhamento. 
Apesar de ainda encontrarmos almas cândidas, tudo não passa de um jogo de silêncios e de palavras comprometidas...
As horas esgotam-se, a vista cada vez mais turva, a língua presa, tudo letras de uma partitura inacabada...

19.11.13

A PACC e a situação

Apesar das horas agitadas que passei esta esta tarde, agora que o silêncio impera, recordo a colega que me abordou durante a manhã, perguntando-me, de chofre, o que eu pensava sobre a situação. Abri os olhos, surpreendido, pensando que estava de regresso ao Estado Novo.
Na verdade, a colega queria que lhe dissesse o que pensava sobre a nova PACC - Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades. De súbito, compreendi que aquela senhora com cerca de 40 anos se via obrigada a prestar uma prova sobre matérias indefinidas e de resposta unívoca. Conheço-a há anos, tendo como função acompanhar alunos com dificuldades específicas de aprendizagem... Durante todo esse tempo entregaram ao seu cuidado alunos com todo o tipo de problemas, mantendo-a como contratada, condenando-a à precariedade e, sobretudo, pondo em questão todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos.
Quando a colega me interpelou, encontrava-me a analisar a legislação que, entre outros efeitos, altera o Estatuto da Carreira Docente, abrindo a porta à arbitrariedade. De futuro, é possível sujeitar todos os docentes a este tipo de prova, facilitando o despedimento, fundamentado numa avaliação episódica de conhecimentos e de capacidades... 
E duas questões se me colocavam: 
- Qual foi a autoridade científica e pedagógica que certificou o IAE.IP?
- Como é que se explica a ordem dos termos na sigla PACC? Primeiro, Conhecimentos e depois Capacidades?
 Finalmente, o que é feito da autonomia científica e pedagógica das Universidades que formam milhares e milhares de docentes? Como é que se explica o silêncio dos conselhos científicos?

18.11.13

Salpicado pelo mafarrico

Não sei se indique primeiro o lugar se a hora nem sei se isso importa. O facto é que às 7h30 já estava sentado na mesa do canto do Nortex. Ou será Nortada? Com a idade, vou deixando de ter certezas, para gáudio dos meus alunos, esses, sim, sempre seguros, pois na memória deles há sempre um professor - verdade, uma espécie de crato dos tempos modernos.
Lembro que, por hábito, me sento mais perto da porta de saída. Ou será de entrada? Mas hoje a mesa estava ocupada, o que não me incomoda, ao contrário de um ilustre antecessor que tinha sofá reservado no velho Liceu Camões. Esta ideia de reservar lugar já lhe era habitual, pois em Évora, também tinha uma mesa do canto para si, à semelhança dos latifundiários que assentavam arraiais no Arcada...
(Esta última referência cai aqui porque, na última terça feira, o existencial fantasma sentou-se não numa cadeira ou num sofá mas num canapé em pleno Coliseu lisboeta. Curiosamente, nessa noite assisti, divertido, a um jogo de cadeiras e carteiras que me deu que pensar.. saídas das salas, vi-as nas galerias, nos pátios... cheguei a pensar que o Ionesco teria assaltado o Camões, não o que não tinha onde cair morto, mas o outro, em E, por enquanto aberto... as vogais portuguesas são, como a mãe, traiçoeiras! Boa pergunta! Quem será a mãe destas caprichosas vogais?)
De regresso ao lugar de partida e respeitando a ordem dos acontecimentos, ainda sem o inspirador Correio da Manhã, dei comigo ( com quem havia de ser?) a olhar televisivamente para "treze toneladas de agricultura biológica" colocadas em pontos de venda, semanalmente, e pensei que a agricultura está cada vez mais pesada. Diz a cristas que a agricultura tem cada vez mais peso na produção nacional! Talvez por isso apeteceu-me sair dali e ir comprar uma dúzia de galinhas poedeiras e dedicar-me à produção de ovos biológicos...
Claro que ainda não é desta, pois comecei a pensar no escoamento dos ovos, se haveria ovos sintéticos; comecei a pensar nas velhas lagartas biológicas  da minha infância que me davam cabo da horta. 
Sim, porque, antes do horto e da vinha do senhor, os meus dias eram passados a mondar e a regar a horta... Dias salpicados pelo mafarrico!    

17.11.13

Bendita austeridade, benditos credores

Não sei o que se passa no país! Da última vez que liguei a televisão apercebi-me que a capital se mudara para Cantanhede (?)... O Passos dirigia-se a um auditório invisível que, creio, ser o povo de Cantanhede, ameaçando-o com mais austeridade. Lembrou-me o Seguro que passa o tempo na província, ao rabisco...  

Entretanto, enquanto me dirigia à Rua da Quintinha, mesmo ao lado de São Bento, acabei por ouvir, na rádio, o ministro Branco, inebriado com a receção que lhe estão a fazer nos Emirados Árabes. Parece que os anfitriões lhe abrem as portas, sem nada lhe perguntar sobre a crise... Apesar dos simpáticos emires estarem dispostos a comprar o CR 7, o pobre do ministro da defesa compreendeu tudo ao contrário. Pensa ele que vai fazer negócio com os credores! Ou será ao contrário?

Considerados os exemplos, só nos resta servir o capital ou sermos contratados pelo Durão, pelos serviços prestados. O Gaspar já deixou a quarentena no Banco de Portugal, indo a caminho de Bruxelas! Bendita austeridade!

Falta explicar o motivo desta minha desinformação. Há dois dias que ando a inventar um teste que avalie a capacidade argumentativa e interpretativa dos meus alunos, sabendo, de antemão, que eles preferem que lhes faça perguntas de gramática, que isto de argumentar e de interpretar nada tem a ver com o conhecimento da língua. Basta ter opinião!
Por exemplo, se lerem este texto e encontrarem o termo "anfitrião", passam à frente! Para quê saber o significado? Deve ser qualquer coisa como porteiro! Afinal, quem é que está encarregado de abrir as portas e de carregar as bagagens?
Como lhes vou fazer a vontade, lá terei de rogar que identifiquem e classifiquem o(s) sujeito(s) na frase: Parece que os anfitriões lhe abrem as portas...
Quem souber que responda!

16.11.13

O feiticeiro, o amigo e o carrasco

Por mais que eu explique que a frase e o enunciado são coisa distinta, que a primeira pode ser autopsiada, classificada, desmembrada, sem incomodar o locutor, e que este será fortemente afectado se submetido a tais tratos, há sempre quem faça orelha mouca...

Vem isto a propósito de uma noticiada e citada «frase enigmática» proferida, em 1998, no Congresso do CDS, por Maria José Nogueira Pinto tendo António Lobo Xavier  como interlocutor: «O senhor sabe que eu sei que o senhor sabe que eu sei» (...) As reticências escondem a forçada cumplicidade dos interlocutores que só um enunciado pode obrigar.

O referente desta nova cumplicidade era Paulo Portas ou a natureza da ação do amigo de António Lobo Xavier.
De lá para cá, o segredo ficou esquecido, mas a frase reaparece, sobretudo, no discurso político, com uma carga enunciativa de desafio, de ameaça.

- E afinal se não venho revelar o segredo de Paulo Portas, com que objetivo é que desenterro o enunciado?
- Simplesmente, porque ao ler OS ANÕES, de Harold Pinter, descobri a fonte onde, provavelmente, Maria José Nogueira Pinto bebera: 

- Quem é o Pete?
- Um amigo meu.
- Um membro do teu clã?
- Membro? Ele é o feiticeiro.
- E tu quem és?
- O carrasco. Mas vai haver nova eleição no Outono.
- A sério?
- E então - disse Mark - quem sabe? Podemos ficar todos à procura de novo emprego.
- Ouve lá - disse Sonia - queres dançar ou quê? Senão vou arranjar alguém que queira.

Eu sei que tu sabes que sabes que eu sei.
                             edição D. Quixote, pág.171-172.

15.11.13

Obnubilações

Não sei o que dizer... estou cansado. Ainda ouço o ministro, paladino do conhecimento... enquanto que o ex-ministro lastima a falta de ética daqueles que decidem sem qualquer pudor...

Lembro-me do Poeta que criou uma epopeia para celebrar o tempo da glória (1498), mas que se viu obrigado a escrevê-la em tempo de tristeza. Na verdade, a epopeia transforma-se em elegia e ninguém ousa proclamá-lo. 
Uma triste epopeia guerreira!

Nesta terra, a simples ideia que acabo de registar não vale um cêntimo, pois não se conforma com metas e programas. É uma ideia inaceitável em termos de educação literária e, sobretudo, antipatriótica.

Houve tempo em que do outro lado da voz havia um ouvido atento, pronto a procurar na epopeia o argumento de validação. Agora a voz, pela janela em frente, atravessa o coreto por entre a peçonha que obnubila a mente.

Entretanto, ligo a televisão e as vozes são de glória e sem qualquer pudor...

No rescaldo, via facebook:
Conceição Coelho: Mas a epopeia não serve para que, em tempo de descrédito, as almas se elevem? Contudo, nas entrelinhas interagem muitas ideias antagónicas... A educação literária tem de fazer ouvir a voz dessas entrelinhas e ser ela própria um olhar transformador e crítico. Se não o faz para que servirá?

Manuel C. Gomes: "Cantando, espalharei por toda a parte" a ALEGRIA e a GLÓRIA - pensava o Poeta no início do projeto (ou cumpridor do protótipo?), mas o seu (nosso) TEMPO TRAIU-O.

    

14.11.13

Não é fácil ouvir o ministro da educação

Não é fácil ouvir o ministro da educação! 
Para este sofista, tudo pode ser reajustado desde que seja ele a determinar a doutrina.

Eu até admito que o Estado necessite de reestruturar os equipamentos escolares e de ajustar o ensino às necessidades do tempo que atravessamos, defendendo que as estruturas pesadas e estáticas devem ser substituídas por unidades dinâmicas e flexíveis.

O problema é que o atual ministro da educação está a executar um modelo que visa desmantelar a escola republicana, entregando-a  a uma rede de "amigos" para quem a educação é uma negociata.

À medida que o ministro Crato vai clarificando o seu pensamento, torna-se clara a matriz doutrinária que formatou o Estado Novo: uma pátria miserabilista, uma família conservadora, um isolamento altivo. Na base, a língua dos tempos de glória e o cálculo dos onzeneiros!

E neste regresso ao passado, só falta restaurar a filosofia do espírito... Por enquanto, temos ideólogo!

13.11.13

Da referência ou falta dela

Ao assistir à Gala "Camões A Nossa Escola", ia-me dando conta da quantidade de vultos que frequentaram o Liceu / Escola Secundária durante mais de um século e, ao mesmo tempo, ia pensando no modo como se constrói / destrói uma instituição. Ou seja, dei comigo a pensar nas omissões e nas promoções que voluntária ou involuntariamente fazemos...
Em 100 anos, é fácil destacar e esquecer!
Em 100 anos, a opinião tende a ocupar o lugar dos factos e quando isso acontece a referência dilui-se. Isto é, quando privilegiamos uma época ou uma individualidade, estamos a criar as condições para a menorização da instituição.
Em 100 anos, os antagonismos tendem a ser duais, e mesmo que saibamos que uma oposição é constituída por múltiplas expressões, acabamos por colocar do lado da "liberdade" quem se digladiava, desde que fique clara a frente de combate e, pelo caminho, vão ficando todos aqueles que, por convicção, não colaboravam com qualquer das partes...
Em 100 anos, a "liberdade" e a "opressão" tendem a cavar vias sinuosas, em vez de deixar que as avenidas se encham de todos aqueles que cavaram a terra e seguraram as escoras.
Quanto maior é o combate, maior é a necessidade de reunir todas as referências, sem artificioso unanimismo.


Camões, a nossa escola

A Grande Gala no Coliseu correu bem!
Os convidados, os professores e os alunos que participaram nos vários números foram inexcedíveis, a começar pelo apresentador Júlio Isidro que deixou claro que o objetivo é angariar 13 milhões de euros para recuperar o edifício da Escola, símbolo da arquitetura escolar do início do século XX.
No geral, o espectáculo foi sóbrio, sobretudo na primeira parte. A segunda parte acabou por se alongar desnecessariamente, gerando alguma ambiguidade e alusões, na minha opinião, desnecessárias. 
O momento menos conseguido terá sido o da entrevista simulada por dois conhecidos apresentadores de televisão, em que, na verdade, terá faltado o entrevistador.
O diretor, os professores, os alunos e os funcionários que com ele colaboraram estão de parabéns.
Quanto a António Costa, gostaria de conhecer o motivo que o impediu de dirigir duas palavras ao público. Afinal, o arquiteto responsável pelo projeto de construção do Liceu Camões, Ventura Terra, foi vereador da Câmara Municipal de Lisboa... 

12.11.13

O Eleito

O eleito, mesmo que não acredite em si, tem sempre quem acredite nele, quem o empurre ou quem espere que ele seja capaz de resolver qualquer problema por muito grande que seja.
Em tempos, Camões, descoroçoado, ungiu o Príncipe, já Rei, e prometeu-lhe: 

«Só me falece ser a vós aceito, 
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
Dina empresa tomar de ser cantada,
Como a pressaga mente vaticina
Olhando a vossa inclinação divina,
Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter enveja.» 

Assim termina a EPOPEIA, incentivando o Rei a partir para o norte de África, e contrariando todos aqueles velhos do Restelo que, mais do que a Fama, a Glória, a Vaidade, a Cobiça, estimavam a vida humana...
E o Poeta acabou desempregado, embora por pouco tempo...
Este desejado e ungido Rei era, ainda, o guerreiro que sonhava apagar o nome de todos os Alexandros e que esperava ser o herói de NOVA EPOPEIA. E foi esse sonho que o matou, apesar do Super Poeta, séculos mais tarde, lhe profetizar o regresso, depois do Nevoeiro, pois acreditava que o Mito era suficiente para despertar a Alma de um Povo, não percebendo que este Povo deixara de acreditar no Senhor e que, por mais que Ele quisesse, o sonho se desvanecera num fim de tarde...

PS. Dentro de momentos, também eu partirei para o COLISEU! Mas não levo armadura nem cavalgadura...

11.11.13

Até quando?

Mais de dez mil pessoas pessoas podem ter morrido nas Filipinas, mais de quatro milhões de crianças podem correr risco de vida, de violação, de colheita de órgãos que, aqui, na Terra, o importante é o resultado de um jogo de futebol, o novo gadget, a cor dos olhos, a conversa safada...
Aqui, na Terra, pouco interessa a fome, a violência doméstica, o despotismo dos credores e seus apaniguados, a quotidiana lavagem ao cérebro, desde que possamos regressar a casa em segurança, dormir na caminha sem pesadelos, e acordar, de preferência, na 1ª página de um diário nacional ou na página central de um semanário, sem falar na abertura do telejornal e no alinhamento contínuo do face... 
Aqui, na Terra, é dia de festa! Não há tufão, nem terramoto, muito menos maremoto! Há quem diga que o degelo ameaça a Cidade, mas que interessa! Enquanto ele não chega, as Filipinas ficam longe, o Congo ninguém quer saber o que lá se passa, a Síria já não existe, no Iraque a morte já não é surpresa... e no bairro vizinho alguém deixou de lá morar... Mas que importa!
... E claro que há sempre alguém que pergunta se eu ando a ler um livro de ficção! Porque, na verdade, tudo passou a ser ficção! Tudo se passa antes ou depois e bem longe daqui. Aqui, na Terra, é dia de festa...
Até quando?

PS. Acabaram de me oferecer 3€ por cada resposta de 250 a 350 palavras, com a garantia de classificar 100 respostas. Não dizem qual é a parte do fisco! Sei, também, que o autor da resposta irá pagar 20€ pela prova a que é obrigado... Tudo devidamente supervisionado, não se sabe a que preço!  
Aqui, na Terra, é dia de festa! Lá longe morreram mais de 10.000 pessoas...
    

10.11.13

Folha em branco...

Este texto é dedicado a um ministro que foi a Paris declarar que em Portugal ainda há muito por fazer na área do ensino. Espero que ele não estivesse a pensar na Educação!

Folha em branco... porque um deus desconhecido (ignoto deo) se instalou no ecrã, impedindo-me de qualquer gesto que não fosse autorizar a instalação do internet explorer 11.
Consciente do erro, o deus desconhecido passou mais de 20 horas em processo de reversão, proibindo-me de encerrar a atividade que, afinal, não podia iniciar.
O update automático é tão voluntarioso que, apesar de o forçar, ele não desiste da instalação e mesmo agora espreita no rodapé. Já tentei controlar-lhe o automatismo, mas ele acusa-me de pôr em perigo a segurança da máquina...
A sorte deste windows update é que eu passei o dia em manobras que me levaram a Porto Alto. Lugar que conheci há oito anos como início de um ciclo a que um deus desconhecido (ignoto deo) insiste em pôr termo.
Bem! Neste último caso, não se trata de um deus totalmemente desconhecido, trata-se de um avatar diabólico com pouca cabeça, mil patas e uma cauda serpenteada...
Pelo meio, ainda tive tempo para registar uma oportuna reflexão de Harold Pinter sobre a recepção da poesia: « O problema  com este tipo de pessoas é que quando lêem um poema nunca abrem a porta e entram. Contentam-se em inclinar-se e espreitar pela fechadura. Não fazem mais nada.» Os Anões, 1952-1956.

Esta ideia de só espreitar pela fechadura traz-me, também, à lembrança os resultados dos exames nacionais de uma certa escola secundária: Português - 10.43; Matemática A: 10.46; Biologia e Geologia: 8.41; Física e Química A: 8.45; Todas as 8 disciplinas: 10.13. Público, sábado 9 novembro 2013.Uma comunidade

8.11.13

Um funcionário público qualquer

Este texto é dedicado ao ministro que, na Assembleia da República, me tratou como «um funcionário público qualquer». A partir desta data, sempre que vir um agente da autoridade irei lembrar-me que o meu corpo não tem nada de especial e que a minha profissão, na atual república, é desprezível. 
(...)
Deveria poder aceder por uma de três portas. Mas não, só por uma, e de lado. O automobilista é assim mesmo, não respeita a lei da boa vizinhança. Não o faz por má vontade, porque esta não chega a ter tempo de se pronunciar: o automobilista espreita o lugar, arruma o carro e vira as costas sem olhar à esquerda ou à direita.
 
A porteira chega a horas: abre a porta que dá para o pátio das traseiras, enche de água um balde, mergulha o esfregão, e desaparece, deixando a vassoura apoiada na ombreira... Talvez me tivesse emprestado o comando que abre o portão que dá acesso à garagem! Só às 16h30 lhe vejo os olhos de quem por nunca os despegar do trabalho parece numa infindável viagem.  
 
Neste dia em que decidi libertar a autocaravana do recheio, percebi que a crise pode ser libertadora: liberta-nos de tudo o que fomos acumulando, deixando-nos as pernas mais pesadas e as expectativas goradas... 
 
(No início da frase, cheguei a escrever "minha autocaravana", mas desisti. Neste país, nada é nosso, sobretudo se a posse resultar de demorado e honesto trabalho.)
 
Quantos países ficam por visitar e, sobretudo, os lagos cimeiros, os campos de alfazema, as estepes russas e as chanas africanas...
Esta ideia do caminho que fica por percorrer deixa-me, hoje, uma dor difusa, mas aguda. E, principalmente, fica a certeza de que o esforço despendido é inútil. Ou talvez mais não seja do que a expressão do meu tempo, pois, neste caso, o único tempo que vivo é o meu...
 
Entretanto, sei que, hoje, houve greve! Mas não sei o que se passa para lá da rua que percorro da autocaravana à garagem, com uma breve deslocação à agência  da Caixa Geral de Depósitos, nos Olivais. Lá, as máquinas automáticas tinham secado! Penso, todavia, que o facto nada teria a ver com a greve: Simplesmente, os reformados e pensionistas acorreram ao banco, antes que o Governo lhes roubasse, em nome da crise, as parcas mensalidades...
Agora já só ligo a televisão na hora de adormecer. Até lá, estou a tentar perceber Os Anões de Harold Pinter. 
 

7.11.13

Que a onda já me leva

A onda não tem cor, mas basta vestir uma camisola para ganhar coloração. E quando um grupo veste a camisola,  refulge a cor mesmo sem convicção.
O grupo serpenteia em melopeia e a onda retrai-se em fímbrias de espanto...
Eu, cego e surdo, fico indistinto no aroma do fado...
 
Nada mais posso dizer que a onda já me leva
Que a onda já me leva
Indistinto no aroma do fado...

6.11.13

Um cemitério de palavras

Estou a preparar-me para passar o resto dos meus dias a dialogar com o passado.
Um passado quase milenar que me permitirá revisitar as campas de trovadores de partidas sem regresso e de jogos de sombras palacianas.
Um passado quase milenar de clérigos goliardos, de déspotas régios e de ordens devassas.
Um passado ao serviço de uma fé fundamentalista e argentária, de uma fé censória e inquisitorial.
Um passado de capitães aventureiros, mercenários, traficantes e... de abril...
... mas, agora, reparo que me enganei nas campas.
 
Coitado de mim que, impedido de dialogar com o presente, me enganei no cemitério. 

5.11.13

Metas curriculares de Português e educação literária

I - Aos quinze anos, em termos de educação literária, o jovem deve:

a) Ler textos literários portugueses dos séculos XII a XVI, de diferentes géneros.
b) Reconhecer os valores culturais, éticos e estéticos manifestados nos textos.
c) Contextualizar as obras e os textos literários: por exemplo, época, autor, movimento estético-literário (quando indicado no Programa). 
 
Não sei se aplauda o regresso ao passado! Já em 1970, era assim!
 
II - Ao ler o Programa e Metas Curriculares de Português, em discussão pública, fico com a sensação de que o interregno (1974-2013) se tornou insuportável!
 
... e nem vale a pena referir os autores rasurados, designadamente do séc. XX! Todos os que se tenham evidenciado pelo espírito crítico: Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Miguéis, Carlos de Oliveira, Miguel Torga, José Gomes Ferreira, O'Neill, Sophia, Al Berto... e todos os vivos, a começar pelo Lobo Antunes, Mário de Carvalho...
 
Em termos de educação literária, estamos entendidos!

4.11.13

Kant explica

Não entendendo o alarme noticioso que, na última semana, se instalou na comunicação social em torno de um casal mediático, decidi dar-lhe alguma atenção.
Inicialmente, o caso pareceu-me irrisório. No fundo, a desavença lembrava-me um reposição de uma novela de Camilo, entre uma burguesa balzaquiana e um velho da horta severo...
No entanto, a falta de decoro e o excesso de linguagem revelados em monólogos claramente encenados, acabaram por me conduzir a Kant... agora muito em moda na província política e filosófica portuguesa:
 
«De tudo  o que é possível conceber no mundo e, mesmo em geral, fora do mundo, há somente uma coisa que se pode considerar boa sem nenhuma reserva: uma boa vontade. A inteligência, a argúcia, o juízo e os talentos do espírito (...) são sem dúvida, coisas boas e desejáveis sob muitos aspetos; mas estes dons da natureza podem tornar-se extremamente maus e perniciosos, quando a vontade que se tem de usá-los, e cuja disposição própria se chama, por isso mesmo, carácter, não é boa.» Kant, Fundamentos da Metafísica dos Costumes.
 
Parece, assim, que a única coisa verdadeiramente boa sem nenhuma reserva - a boa vontade - anda muito arredia do carácter de certos portugueses, por muito inteligentes, argutos e talentosos que pareçam ser...
Nem sempre, a Filosofia é boa conselheira, mesmo se cultivada em Paris!

3.11.13

Ler a tristeza

Há anúncios sobre tudo, até sobre seguros. Mas não há seguros contra os riscos provocados pela leitura de um livro triste.
Os livros do meu país são tristes, todos! E querem que os jovens os leiam, eles que se acham alegres e sedutores.
Os mais obedientes ainda ousam iniciar a leitura, mas acabam por desistir porque não suportam a leitura de livres tão tristes. Alguns confessam a desistência, e, pesarosos, procuram uma explicação, mas a tristeza sufoca-lhes a palavra. São genuínos, estes jovens, chegando a ter pena do professor...
Há muito que não encontro um leitor que compreenda a tristeza que percorre os livros de Miranda, Camões, Bernardim, Vieira, Garrett, Herculano, Nobre, Cesário, Camilo, Pessanha,  Eça, Aquilino, Pessoa,  Brandão, Florbela, Almada, Miguéis, Sena, Rovisco, Belo, Agustina, Alberto, Saramago...
Há muito que não encontro um leitor que compreenda que a tristeza não é uma propriedade dos livros. A tristeza existe em nós, portugueses! Existe em nós desde que partimos... para a Índia.
A sorte destes jovens é que ainda não descobriram que, também, eles são portugueses!    

2.11.13

Ler a estranheza

A "rotina" é a expressão do hábito de seguir sempre o mesmo percurso. Na verdade, trata-se de uma  palavra proveniente da francesa "route". A estranheza inicial desapareceu completamente e pode afirmar -se que, de certo modo, amamos a rotina.Vem isto a propósito da motivação para a leitura, para a escolha de um livro pelos alunos do ensino secundário. 
Apesar do ministério da Educação ter definido um corpus de leitura, constituído por obras de referência, muitos alunos fogem dele como o diabo da cruz.
De preferência, não leem e caso sejam "obrigados", procuram obras cujo mínimo que delas se pode dizer é que são estranhas. Estranhas na língua, na distância temática, geográfica e até temporal. 
Em termos temáticos, a maior estranheza é que não equacionam qualquer problema. Em termos geográficos, raramente, a ação se situa na Europa. E quanto ao tempo, o preferido é o futuro e, por vezes, um passado tão inverosímil que chego a pensar que a humanidade já terá sido extinta...
E há ainda um aspecto que não devo ocultar: as obras escolhidas vêm rotuladas de "best-seller" e foram todas escritas em tempo recorde.
Para o caso de ainda haver por aí um jovem que procure uma obra estranha na língua, na distância temática, geográfica e até temporal, mas que o possa ajudar a conhecer melhor a adolescência no mundo rural, as raízes do Portugal provinciano e atual, a relação com a terra, a pujança da língua, a seriedade do trabalho do escritor, aconselho-o a ler Cinco Réis de Gente (1948), de Aquilino Ribeiro.

1.11.13

As ruas de Portugal


Enquanto se orçamenta o estado e se liquida a administração pública, eu, longe de S. Bento, caminho atento aos sinais de vitalidade económica. Em Sacavém, não preciso de alargar o passo. De um lado da rua, a QUINTA DA VICTÓRIA, em ruínas; do outro lado, uma igreja, ao abandono… Esquecida pelos fiéis, a igreja reconverteu-se! Em vez de vitrais, uma pujante figueira debruça-se sobre os transeuntes, anunciando suculentos figos para o próximo verão…
Desconfio, no entanto, que, em concluio com S. Bento, lá dentro não haverá nenhum enforcado…