30.8.15

O rosto e a máscara de Passos Coelho

Os contribuintes não vão pagar diretamente, mas (...) indiretamente... Consta que este enunciado foi proferido pelo primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho. Estes advérbios serão de predicado, com valor modal ou de frase com valor avaliativo?  
Se considerarmos o contexto da venda do Novo Banco (e da inerente responsabilidade do Governo), embora contrariando a norma gramatical, vejo-me obrigado a considerar estes advérbios de frase com valor avaliativo.
Como o que interessa é vender o Novo Banco, e Passos Coelho, que já sabe que os milhões da compra não pagam o valor investido pela Banca nacional, pública ou privada, na salvação do BES, decidiu agora colocar a máscara da honestidade, dizendo aos portugueses que estes terão que pagar, mas não de forma direta...
Que alívio! 
Na verdade, os portugueses, que já pagavam de todas as maneiras, ainda não se tinham apercebido de quão agradável é pagar de forma indireta
O que é que o honestíssimo primeiro-ministro nos reserva para a próxima legislatura? A venda ao desbarato da Caixa Geral de Depósitos?

« Dès que nous voulons distinguer ce qui se dissimule sous un visage, dès que nous voulons lire dans un visage, nous prenons tacitement ce visage pour un masque.»
                                                                                                Gaston Bachelard, Le Droit de Rêver, Le Masque, page 202, PUF

29.8.15

Ler 2666


Na tradução portuguesa, são 1030 páginas de peripécias e de personagens excêntricas, criadas a partir de espaços reais, como a Ciudad Juárez, na fronteira do México com os Estados Unidos, transformada em Santa Teresa: o expoente da exploração capitalista, do assassínio de mulheres, do narcotráfico, do crime em todas as suas facetas, da total perda de identidade…
De certo modo, a cidade das fábricas maquiladoras é a nova face do nazismo, como se, afinal, este tivesse saído da Alemanha para o Novo Mundo, lugar de reposição de todas as taras europeias…
Ler 2666 é também revisitar os infernos da guerra, da degeneração e da decadência intelectual ocidental ao longo do século XX.
Finalmente ler 2666 é ter como guia um narrador que se afasta dos academismos, dos críticos parasitas e sanguessugas, e que vive o mais longe possível dos centros de poder. Segui-lo é, para o leitor, uma verdadeira aventura que lhe consome as energias e que o obriga permanentemente a interrogar-se e a posicionar-se no mapa do mundo, na esperança de compreender por que motivos 2666 é o centro do mundo para Roberto Bolaño.
Talvez, porque o mundo se encaminhe a passos largos para o seu ocaso… 2666 lembra-me as profecias de Vieira e de Nostradamus, centradas no ano de 1666

28.8.15

Ter uma ideia...

Ter uma ideia é um processo difícil! Desde que acordo, realizo várias tarefas e ao fazê-lo ocupo o tempo, sabendo que essa é a melhor forma de não ter qualquer ideia...
No intervalo das tarefas, vou dando conta das ideias dos outros e com tal procedimento esqueço o processo de idealização. Por exemplo, se dou atenção à volta à Espanha, à droga que terá circulado na porta 18 (e em muitas outras portas e postigos!), à notícia de que Pedro Santana Lopes não é candidato a presidente da República, porque não tem dinheiro e teme a língua peregrina do putativo candidato Marcelo, aos sírios que terão sido abandonados num camião numa auto-estrada austríaca às portas da Hungria, à Líbia abandonada pelo Ocidente que lhes matou o ditador para agora aquele território ser a porta do tráfico humano para a Europa... se dou atenção a tudo isto, sem esquecer os familiares, os amigos e os conhecidos, fico sem tempo para ter qualquer ideia...
Claro que posso sempre declarar a minha revolta, o meu desconsolo ou, até, a minha alegria se Nelson Évora faz subir a bandeira nacional em Pequim, mas nada disto significa que tenha tido uma ideia...
E o pior é que quando as tenho, esqueço-as de tal modo que me sinto à deriva.   

27.8.15

Chocados com a morte

A morte é a principal notícia dos dias. Os governantes europeus mostram-se chocados, mas a política que defendem e aplicam é a da morte - fecham as fronteiras, indo ao ponto de as murar; filtram as entradas dos refugiados e, ao mesmo tempo, condenam uma parte significativa da população do sul da Europa à emigração...
Em nome de particularismos de todo o tipo, os governantes europeus nada fazem para combater os inimigos das populações, porque o que lhes interessa é, afinal, o controlo das matérias-primas e manter abertos os corredores que lhes permitam exportar, exportar...
Exportar armas, drogas, medicamentos, metais, máquinas, vestuário e calçado, alimentos...
Os governantes europeus mostram-se chocados, mas a política que defendem e aplicam é a da morte.      

26.8.15

Os títulos são tão óbvios e fraldiqueiros

Por enquanto, ainda dou alguma atenção aos escaparates das livrarias. Só que perco a vontade de entrar: os títulos são tão óbvios e fraldiqueiros!
E quando entro, fico com a sensação de que caio numa das várias dornas que ali foram colocadas para me sufocar. A custo, liberto-me das aduelas, e passo os olhos pelas estantes, fixando-me sempre nos mesmos autores à espera de uma obra-prima... a vista turva-se, incapaz de distinguir a árvore do arbusto, e saio. Respiro fundo e sigo o caminho de regresso aos livros que já li e já esqueci ou, então, que ainda não li.
Saio com uma sensação de vazio e de perda. Mas, de certo modo, saio mais tranquilo porque, de facto, nunca tive o desejo de plagiar ninguém, de ser o que não sou. E como tal, conformo-me com as reflexões de Roberto Bolaño, romance 2666, pág. 901:

«A literatura é uma vasta floresta e as obras-primas são os lagos, as árvores imensas ou estranhíssimas, as eloquentes flores preciosas ou as escondidas grutas, mas uma floresta também é composta por árvores vulgares, por ervas, por charcos, por plantas parasitas, por fungos e por florezinhas. Estava enganado. As obras menores, na realidade, não existem. Quero dizer: o autor de uma obra menor não se chama fulaninho ou beltraninho. Fulaninho e beltraninho existem, disso não há dúvida, e sofrem e trabalham e publicam em jornais e revistas e de vez em quando até publicam um livro que não desmerece o papel em que está impresso, mas esses livros ou esses artigos, se você reparar com atenção, não estão escritos por eles.»   

25.8.15

Estado de anomia

ANOMIA é um daqueles termos que pode ajudar a caracterizar múltiplas situações. Por um lado, no que me diz respeito, 'anomia' define a dificuldade em selecionar a palavra apropriada ao objeto, à ideia, ao estado... Com a idade, a anomia vai-se agravando...
Por outro lado, a 'anomia' caracteriza o estado das sociedades em acentuada decadência, cujos membros deixam de respeitar as normas vinculativas; os indivíduos e, por vezes, as corporações passam a agir por conta própria desprezando os valores tradicionais. Aparentemente, os membros mais ativos parecem procurar uma nova ordem, criando situações favoráveis ao caudilhismo...

A anomia, de acordo com alguns teóricos, tanto pode trazer resultados positivos como negativos, sobretudo, em épocas de depressão financeira, económica e axiológica...
Eu, no entanto, quando olho para um país que, nas próximas eleições legislativas, apresenta a votos 3 coligações e 14 partidos, não consigo vislumbrar nada, para além de grupos e grupúsculos que procuram um lugar ao sol, porque, afinal, não sabem produzir nada.

E a prova do estado da anomia portuguesa é que não encontro uma única proposta que mobilize o país. Basta pensar nos milhões de euros consumidos pelos fogos de verão e de outono! Qual é a coligação, qual é o partido, que apresenta um plano concreto para limpar o mato, para limpar a floresta, para desimpedir e abrir acessos, para melhor aproveitar os solos?   Qual é a coligação, qual é o partido, que apresenta um projeto nacional concreto para demolir ou para restaurar o património rural e urbano deixado ao abandono?    




24.8.15

Veneno ambulante

La belleza no es un capricho de un semidiós, sino el ojo implacable de un simple carpintero.
                                                                                                          Osip Mandelshtam

No outono de 1912, um grupo de seis jovens reúne-se em segredo para debater o futuro da poesia: Gumilev, Gorodetsky, Ajmátova, Mandelshtam, Narbur y Zenkevich.

Estes acmeístas russos defendiam a claridade apolínea, opondo-se ao delírio propagado pelos poetas simbolistas russos. 

Esta breve nota foi me imposta por Roberto Bolaño que, na página 843, do romance 2666 narra, de forma sumária, a vida de «um poeta acmeísta e a sua mulher reduzidos à miséria e à indignidade sem repouso», rejeitado pelos outros poetas russos, pois consideram  o acmeísmo «veneno ambulante».

Esta obra parece ter sido escrita para me confrontar com a minha ignorância!

23.8.15

A minha cruz

Não saio da rotina, a que a minha mãe chamava "a minha cruz". Múltiplas vezes, a ouvi falar da sua cruz, sem que tal eu interpretasse como "queixa". Quem é que iria queixar-se da "cruz", sobretudo em terra de cristãos velhos?
A verdade é que, ultimamente, tenho-me recordado das palavras, quase de rotina, de minha mãe. A terra continua a ser de "cristãos", cada vez em menor número, e a locução de certo modo tornou-se anacrónica... 
Já não sei se nisto tudo não há um misto de nostalgia, talvez a "cruz " da minha mãe lhe tivesse acelerado a passagem, ou, talvez, a nostalgia seja daquele tempo em que para mim não havia cruz a não ser a de Cristo. E essa era a vida que o Pai lhe dera...
A rotina prende-nos de tal modo que, quando damos por isso, já é demasiado tarde. No entanto, não é Deus nem o Fado nem o Homem que nos impõem a cruz, mas o Tempo, ou a falta dele...
(...)
Não saio da rotina nem me estou a queixar. Não estou é disposto em entrar em depressão nem a procurar o cirurgião plástico! 

21.8.15

No reino dos silvas, ainda há quem defenda que as figueiras são malditas

Figueira cercada 

As silvas matam a figueira
No país dos Silvas nem as figueiras escapam! E desta vez, nem posso atribuir a responsabilidade a outrem... sou eu que deixo que as silvas matem tudo o que lhes aparece pela frente...

Claro que se o Senhor Silva, no seu tempo de primeiro ministro, não tivesse desinvestido na agricultura, talvez eu, hoje, não me sentisse tão incomodado com o que observei ao querer apanhar uma dúzia de figos...

Porfiei e consegui apanhar uns tantos figos, sem esquecer as pobres pêras, também elas cercadas pelas malditas silvas, mas não escapei à fúria do silvado.

Em conclusão, estou disposto a vender o Vale do Oceano a quem queira erradicar as silvas e os Silvas deste país. 

Quem ler este desabafo, pode pensar que nunca se sabe se estou a falar a sério ou a brincar. Confirmo, no entanto, que já não estou em idade para brincadeiras.

20.8.15

Poupas às portas de Lisboa

Portela, LRS
Estas aves despertaram a minha atenção, porque não esperava vê-las aqui, na Portela...
Parece que vão estar por cá entre Agosto e Outubro e quando partirem far-se-ão acompanhar pelas crias que, entretanto, já estarão a crescer nalgum tronco de árvore da Quinta do Seminário. Será?
Estas aves são persistentes, pois no dia em que as descobri estiveram pelo menos duas horas a alimentar-se no mesmo lugar. Pobres das minhocas!

19.8.15

Sinal positivo, sinal negativo

Jardim do Campo Grande (Lisboa)
Limparam e repararam as brechas do lago. Sinal positivo!
Agora que ele está a encher de água límpida, há logo quem não resista a profaná-lo. Sinal negativo!
O homem é assim mesmo: não descansa enquanto não marca o território, não deixa a pegada da sujidade.
Paciência! Pode ser que, neste caso, a água de amanhã já não seja a de hoje, e, então a profanação já estará esquecida.

( Por cima do lago, a estátua mira-se num espelho mudo.)

18.8.15

Encalhado

A única palavra que me assombra verdadeiramente é o particípio passado do verbo encalhar. O estado de quem sofre a ação de ficar sem  saída... Até hoje, sempre consegui contornar, recuar ou mesmo avançar sobre o obstáculo. 
De noite, o que sobra são resquícios de objetos e de pessoas que surgem encalhados nos meus sonhos... mas não sou eu, pois o meu sonho não se transforma num pesadelo, a não ser se considerarmos a multiplicação onírica dos precários que se arrastam pela vida, como se a  precariedade fosse um estado natural...
De dia, avanço passo a passo, linha a linha, crime a crime. E estes são tantos!  Já pensei em seguir o exemplo do autor de 2666, que em cerca de 300 páginas, estando-se nas tintas para a economia da narrativa, decidiu dar conta de todos os assassínios de mulheres em Santa Teresa, no México... o leitor acaba encalhado em tanto assassinato, mas talvez tome consciência da violência que os homens exercem diariamente sobre as mulheres. 
A verdade é que hoje encalhei por volta das 11 horas e espero desde essa hora que a maré suba. Talvez, amanhã, consiga desencalhar, mas não vai ser fácil...

(O problema da palavra não existe a não ser que a utilizemos de forma errada. Nesse caso, vai ser necessário defini-la com rigor e paciência, muita...)

17.8.15

A certeza de Maria de Belém

Maria de Belém, ex-presidente do Partido Socialista, anunciou nesta segunda-feira que se vai candidatar às eleições presidenciais de 2016.
"Apresentarei publicamente a minha candidatura após as eleições legislativas de 4 de Outubro", disse Maria de Belém, numa nota enviada à agência Lusa.

Maria de Belém já sabe que o Partido Socialista vai perder as eleições no dia 4 de outubro de 2015. Entretanto, António Costa, em vez de partir a loiça toda, vai adiando, vai dançando ao sabor do tambor da nova coligação.

Incapaz de romper definitivamente com os socratistas e com os seguristas, António Costa vai confirmando que lhe falta o perfil de estadista. 

Tenho pena!Não por ele, mas pelo país!

16.8.15

As eleições e o critério da vizinhança

Como, até ao momento, nem familiares nem amigos decidiram candidatar-se a primeiro-ministro ou a presidente da república, sinto-me à deriva: não sei se me devo abster ou votar em branco. 
Ao ouvir os candidatos, pressinto que me estão a querer enganar: uns surgem mais louros, outros mais brancos, outros ainda mais informais, sem falar daqueles que, invisíveis, querem fazer crer que a Luz está quase a chegar.

Houve tempos em que me norteava por um critério ideológico e votava sempre do mesmo modo; depois, comecei a pensar que os valores dos candidatos deveriam determinar as minhas opções, mas a pouco e pouco fui descobrindo que a honestidade, o rigor, o profissionalismo tinham perdido espaço, sendo substituídos pela mentira, pela corrupção, pela incompetência e pela propaganda...

Deste modo, só me resta o critério da vizinhança: Um dia trabalhei numa escola frequentada por um jovem cheio de iniciativa que hoje se candidata a primeiro-ministro; presentemente, vivo num bairro, onde reside uma mulher que sonha ser presidente da república.

Lançados os dados, uma coisa posso, desde já, garantir: Se o jovem chegar a primeiro-ministro, a minha vizinha nunca será presidente da república; mas se o jovem do Liceu Passos Manuel perder, a minha vizinha ainda tem uma hipótese...

Em conclusão, este critério assegura-me que, no futuro, não teremos um primeiro-ministro e um presidente da república saídos do mesmo berço...

14.8.15

Não é que eu sofra de qualquer fobia

Durante o Estado Novo, havia quem preferisse os gatos aos cães. Atualmente, todos estes bichinhos passaram a animais de estimação, dependendo apenas dos caprichos do Senhor Coelho - nuns dias são sobrestimados; noutros, abandonados...
Eu próprio, vítima do Senhor Coelho, vejo que na gaiola já só tenho dois mandarins, mais ou menos tontos, que passam os dias a responder a todos os estímulos sonoros - parece-me que entoam uma espécie de rap, característico de mentes suicidas, pelo menos em zonas de fronteira. Por exemplo, entre o México e os Estados Unidos, no território das maquiladoras*...
(...)
Não é que eu sofra de uma qualquer fobia, nem sequer da mais genuína, a sacrofobia, o que me trouxe a esta linha tortuosa foi uma outra questão: saber se a telepatia é ou não anterior à comunicação verbal. Convém explicar que a telepatia a que me estou a referir é desconhecida do homem ou talvez o homem se tenha esquecido dessa forma de comunicação - mental - típica dos outros animais, dos minerais e dos vegetais: a imagem seria a matéria primordial e propagar-se-ia sem necessidade de recorrer a símbolos, a signos e qualquer tipo de palavra babélica.
(...) 
Para ser mais claro, esta matéria primordial nada tem a ver com qualquer outdoor, selfie ou até reflexo aquoso, tudo manchas narcísicas da ignomínia que nos governa ou nos quer governar... 
(...)
Finalmente, a outra questão que aqui poderia trazer já não interessa a ninguém, mas fica registada: a arbitrariedade de quem classifica e reaprecia provas de exame nacional - uma aluna brilhante viu baixar a média em dois valores, sem qualquer justificação escrita. Quando se ganha ou se perde, bom seria que os fundamentos fossem consultáveis...

*Maquiladoras (also known as "twin plants") are manufacturing plants in Mexico with the parent company's administration facility in the United States. Maquiladoras allow companies to capitalize on the less expensive labor force in Mexico and also receive the benefits of doing business in the United States. Companies operating in the United States can send equipment, supplies, machinery, raw materials, and other assets to their plants in Mexico for assembly or processing without paying import duties. The finished product can then be exported back to the United States or to a third country.
http://www.sandiego.gov/economic-development/sandiego/trade/mexico/maquiladoras.shtml


13.8.15

Albarde-se o burro à vontade do dono

Albarde-se o burro à vontade do dono.

Um provérbio português, de tipo filosófico...
Uma forma simples, na perspectiva sensata de André Jolles. Paradoxalmente, o livro anda perdido nas estantes, também elas cada vez mais longe da vista. De tal modo que já pensei em vendê-las... para não incomodar...
Também não tenho dúvida: o provérbio é uma forma simples tal como o mito. O que isto significa para mim, é que estas formas guardam, em poucas palavras, uma sabedoria ancestral... ao contrário das formas complexas, como o  romance, que podem ter centenas de páginas a tentarem albardar o burro sem o conseguirem...
O que me preocupa na definição é que este provérbio possa ser do tipo filosófico, porque, na verdade, essa vertente filosófica surge-me como anátema (maldição), isto é, como expressão de resignação...

Curiosamente, na letra do provérbio, nada é dito sobre o burro, apesar de sofrer a ação de um sujeito indeterminado, que até posso ser eu(?)... E tudo é dito sobre o dono: tem vontade, poder - o poder de mandar fazer, a não ser que o dono seja o sujeito indeterminado...

No caso que me conduziu a esta reflexão, posso assegurar que não vou revelar o nome do dono, mas ele bem merecia, e que o sujeito é determinado, albardando-se a si próprio. E eu, resignado, lá vou caminhando página a página...  



12.8.15

Dúvida inesperada

«Woody Allen é do (Ku Klux) Klan? É, confirmou Khalil, repara nos filmes dele, já viste lá algum mano? Não, não vi muitos, disse Fafe. Nenhum, disse Khalil.»  Roberto Bolaño, 2666, Parte III, pág. 340.

Sempre vi Woody Allen como um judeu com um aprimorado sentido do ridículo. Capaz de nos fazer rir dos mitos burgueses ocidentais, este realizador vê a sua obra ser melhor acolhida na Europa do que nos Estados Unidos e tal facto sempre me deixou perplexo. Chega a parecer que os psicodramas, tantas vezes encenados, são uma excrescência para os americanos, à exceção dos das trepidantes metrópoles multiculturais dominadas pela grande finança...

Hoje, porém, invadido pela acusação da Irmandade de Maomé, dou comigo a desconfiar das leituras que vou fazendo, apesar de uma das personagens de 2666 - Barry Seaman - me devolver o sossego:

«Ler é como pensar, como rezar, como falar com um amigo, como expor as nossas ideias, como ouvir as ideias dos outros, como ouvir música (sim, sim), como contemplar uma paisagem, como sair para dar um passeio na praia.» op. cit., pág. 299.

11.8.15

Esta manhã no restaurante O Tabuleiro...

Esta manhã, no restaurante O TABULEIRO, fui interpelado: - «Então, ontem, o senhor não escreveu nada? Não deu notícia de nada?»
Até hoje, ninguém se tinha queixado! Desculpei-me como pude: na verdade, as notícias que poderia ter registado já são antigas, apesar de se repetirem diariamente. Aproveitei para informar o meu interlocutor (o senhor Eduardo) de que ando a ler um livro que esgota a minha atenção, um livro de difícil manuseamento (pesa 1300 gramas!), um livro sobre a geografia da terra e dos comportamentos humanos - alemães, espanhóis, mexicanos, americanos (USA), chilenos... de ditadores e de acólitos e, finalmente, das suas vítimas; um livro cru e cruel, um livro que ainda não entendi como foi possível escrevê-lo em tão pouco tempo, sob o cutelo da morte iminente...

Para que se entenda que escrever pode ser um caminho tortuoso, Da PARTE DE ALMAFITANO, transcrevo:

«Bom, disse o jovem Guerra, se quer saber mesmo o que penso, eu não acredito que seja verdade. As pessoas veem o que querem ver e o que as pessoas querem ver nunca corresponde à realidade. As pessoas são cobardes até ao último alento. Digo-lhe isto confidencialmente: o ser humano, falando grosso modo, é a coisa que existe mais parecida com uma ratazana
                                                                                                             Roberto Bolaño, 2666
 

9.8.15

Arrumar

Em tempo de arrumações, acabo de encontrar uma foto que me faz lembrar como tudo é volátil...
O portátil, que me permitia continuar a trabalhar ligado ao mundo, ainda existe, mas cada vez mais bloqueado pelo lixo das atualizações quase diárias. Os óculos já foram substituídos, mas o efeito é o mesmo - sempre que escrevo ou leio, ponho-os de parte.
O resto esfumou-se ou, para não ser tão pessimista, transformou-se.
(...)
Arrumar é uma tarefa titânica em que se desarruma para posteriormente apagar, como se diz na linguagem informática. 
De facto, é o que tenho andado a fazer - a apagar. Em alternativa, já pensei em abrir uma loja de venda de tralha... Talvez, desse modo ainda sobrasse alguma coisa que pudesse ser útil aos outros...
(...)
Arrumar é também não querer incomodar sob o pretexto de que fizemos alguma coisa de útil nesta vida. Como tal, o melhor seria tudo apagar... 


7.8.15

Água, enquanto espero...

Enquanto espero pelo avião, começo por descobrir que parte da água que consumi, em Porto Santo, era dessalinizada. (Há sempre um taxista capaz de explicar a nossa ignorância!) Por outro lado, a internet assegura-me que este tipo de água faz bem à saúde até de quem sofre de alzheimer... Na perspetiva do mesmo taxista, o melhor é comprar água do Pingo Doce com origem no Continente do que deslocar-se às fontes da ilha. É mais barato!
Por outro lado, se em Porto Santo chove pouco, terei que cá voltar mais vezes, pois este fim de tarde foi bafejado por copiosa chuva.
Chuva e vento no aeroporto, de tal modo que desconfio que o Calatrava também desenhou estas instalações...
Enfim, enquanto continuo retido, vou relendo A Europa dos Cidadãos, de Maurice Duverger, obra publicada em 1994, sob o título EUROPE DES HOMMES...
Até parece que me vou tornar num homem político! Pensamento típico de um ilhéu...

6.8.15

Amanhã

Amanhã, a hora de saída do hotel termina ao meio-dia,  porém a partida do aeroporto de Porto Santo é às 23 e 55... 
Nesta terra, onde raramente chove, parece que a chuva vai surpreender os portossantenses e os forateiros, como eu... 
De acordo com a pesquisa efetuada, o aeroporto pouco oferece aos viajantes, como tal é preciso ter alguma imaginação para ocupar o tempo, sem falar da necessidade de encontrar um lugar para guardar as malas...
E claro vai ser necessário recorrer aos táxis, pois, quanto a transportes públicos, ainda não percebi se existem... Descobri, no entanto, que na ilha há um condutor mais ou menos omnipresente, taciturno, mas simpático.
O lugar oferece um clima apetecível, águas quentes, praias extensas, apesar de rochosas nalgumas zonas.  Quanto à organização, Porto Santo parece entregue aos empreendimentos turísticos e a alguns empreendedores privados que beneficiarão da proteção laranja... A proteção é extensiva! (Por agora, só ficam de fora as rolas..., consta que, em tempos, a moléstia terá acabado com os coelhos, mas deve ser engano...)
Finalmente, dado não desprezível, a imprensa do Continente só chega a Porto Santo a desoras. Por exemplo, a revista VISÃO só chegará amanhã, 6ª feira, depois das 18 horas.

5.8.15

Apesar do tempo ser de férias...

Apesar do tempo ser de férias, voltei a ler um livro que, por razões académicas, já lera em julho de 1994: Le Réveil des Nationalismes Français, de Gilles Martinet.

Escrito com uma clareza assinalável, este ensaio aborda de forma pertinente a diferença entre o patriotismo e o nacionalismo, no âmbito da tradição francesa, e, sobretudo, em relação ao projeto europeu - federalista ou mosaico de pátrias...

Já decorreram 21 anos, no entanto, a maioria das ideias revela-se certeira, neste tempo de indecisão e, particularmente, de construção de uma Europa cada vez mais alemã...
Gilles Martinet enuncia os desafios, alerta para os perigos e, finalmente, mostra que o caminho pode ser de irremediável decadência se a Europa se deixar arrastar pelos nacionalismos identitários e outros...
Neste tempo de férias, os candidatos a deputados bem poderiam ler esta obra, porque "Si le patriotisme, est comme on le dit, l'amour des siens, le nationalisme se nourrit de la haine, du mépris ou encore de la peur des autres."

4.8.15

Do estado arenoso ao gasoso

Pela manhã, as nuvens ameaçam, mas o sol rapidamente põe cobro à ousadia.
Consta que pouco chove em Porto Santo. Talvez a culpa seja dos picos que não chegam aos 400 metros, se medidos a partir da linha de água. 
De facto, uma simples caminhada pela ilha põe a nu a aridez da terra, embora as  instalações turísticas pareçam dizer que o que há mais é água...
(...) 
A manhã começou e acabou na praia: uma longa caminhada - a parte que me faltava para calcorrear todo o areal; um banho para comprovar que a temperatura oceânica pode, em certos momentos, superar a da terra.

Na praia, não pude deixar de reparar no predomínio da cor laranja... e no ritual coletivo da elevação e do agachamento. Por momentos, ainda pensei que estivesse a avistar algum grupo de magrebinos...

3.8.15

Um dia em Porto Santo


Da multiplicidade de estímulos que carregam os sentidos e que facilmente podemos colocar, por exemplo, no Facebook, ou atirar para o arquivo digital, sobram-me, afinal, as imagens que, aqui, registo. 
São de outro tempo, mas ainda moram no imaginário popular... 
E com isto quero dizer que as reações necessitam de tempo, caso contrário não chegam a afectar a alma, nem a individual nem a colectiva...
Do tempo aqui vivido pouco sobrará, ao contrário do que terá acontecido com Cristóvão Colombo pois, segundo reza a lenda, foi em Porto Santo que aperfeiçoou a arte de marear... 

2.8.15

Pela atenção que dá à areia...

Curvado, o homem caminha, em equilíbrio precário. Será do peso da mochila ou dos sapatos?
Pela atenção que dá à areia, que vai calcando, tudo parece indicar que o seu único objetivo é não sair da linha que lhe foi traçada - parece que a não quer perder!
Para trás, vão ficando sulcos, e pontos que já não são seus. Talvez sejam vestígios de outros seres à espreita de uma oportunidade.
E esse é certamente o maior problema: há cada vez mais seres que ou nunca têm uma oportunidade ou, pelo contrário, desperdiçam todas as oportunidades de que dispõem.  

1.8.15

Em Porto Santo


497 anos depois de João Gonçalves Zarco e de Tristão Vaz Teixeira, cheguei a Porto Santo. Do que vi até ao momento, a paisagem é o reflexo da típica falta de ordenamento do génio português. 
Hoje, embora repetindo o percurso por caminhos diferentes, caminhei durante três horas e o que mais me chamou a atenção foi a estátua de Cristóvão Colombo. Pareceu-me um tanto efeminado. Vou ter de descobrir quem é que o imaginou e esculpiu... Será vingança?
Em Agosto, Porto Santo parece ser terra de muito ruído! Não faltam os aceleras...
E o negócio, pelo menos para o Pingo Doce, deve ser interessante. Às 15 horas, abarrotava...