31.3.19

A hora mudou!

A hora mudou! Será verdade? Estou a sentir-me roubado… E parece que amanhã vou ser enganado!
Já não há respeito pelas estações. Até há quem diga que elas estão a mudar. Não creio.
A mudança deve ter causa humana! A ração está atrasada. O arame farpado só pode ter sido inventado por uma mente perversa… a mesma que inventou os direitos e os deveres, sem esquecer os calendários…

30.3.19

Qualquer coisa

'Qualquer coisa' é expressão indefinida, vaga… afirmação 'empacotada'. É menos do que 'azul', cor do céu e do mar e da maioria das linhas que me preenchem o sábado.
Ao contrário de 'qualquer coisa', não desgosto do azul… Sei que há  quem veja nele ´qualquer coisa" de divino e quem o contraste com o rosa, como se a humanidade ignorasse o arco-íris… 
O curioso é que por causa de 'qualquer coisa', as linhas azuis estão a ficar avermelhadas, forma eufemística de evitar os cravos que deveriam macerar as carnes…
Em 'qualquer coisa' não há substância, nem forma, nem cor, mas pode tornar-se uma maçada. Para uma massada, tenho necessidade de algo mais sólido, mais definido, mesmo se empacotado…

29.3.19

Só a desaceleração

O fio de Ariadne pode tornar-se desesperante para quem não dá conta da mudança de protagonistas - ano após ano, o iniciado procura desenvencilhar-se dos obstáculos, com o erro aprendendo o caminho, pensar-se-á…
O problema é a inércia mental daqueles que fazem fé na evolução humana, ofuscados com o progresso que os embala.
(Só a desaceleração pode evitar que o fio quebre.)
Deixemos as mãos colher a terra, a água transformá-la em barro… e depois o sol, em dia de calor ou de forno…

28.3.19

A política da miséria

«Quem não sabe encontrar causas, gosta de encontrar culpados.» Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, pág. 119

Antero de Quental soube identificar as "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares". Punha de parte a política ultramarina e apostava no federalismo ibérico...
Até à data, a União europeia não soube (ou não quis) apostar no federalismo da União. Nós embarcámos sem avaliar as consequências... mas elas são evidentes: 
  • Remunerações de miséria.
  • Dependência absoluta da política de crédito.
  • Incremento de todo o tipo de subsídios com o inerente clientelismo, familiar ou outro, pouco interessa.

27.3.19

A perseveração

perseveração - manifestação de inércia mental que se traduz pela sustentação de uma forma de atividade quando uma forma diferente deveria tê-la substituído. (Porto editora)

São 10 horas!
O corpo move-se lentamente na galeria; latejante, a cabeça procura na névoa ocular uma explicação fisiológica - bem sei que existe um diagnóstico de  maculopatia da idade… 
No entanto, perseverante, procuro a causa fora do cérebro. Encontro-a no Dicionário, no verbete acima.
Confronto a definição com o que se passou nas duas horas anteriores e com o que se irá passar nas horas seguintes. Em cheio!
Em tempo de inclusão, só me resta ser contemporâneo…

26.3.19

Os figos de março

Os figos de março começam a amarelecer. 
Resta saber se estão com pressa de amadurecer ou se simplesmente já estão a definhar.
"Tanta vida" é expressão frequente de iniciativa, de dinamismo, de entusiasmo e, depois, inesperada a notícia da morte serôdia, injusta…
Mas porquê, se os figos despontam tantas vezes fora de tempo… 

25.3.19

Uma figueira extemporânea?

Estamos em finais de março! E a figueira carregada de figos parece estar ali plantada para chamar a atenção para o desnorte do Tempo que, benévolo e irónico, insiste em trocar-nos as voltas…
Há quem pense que este fervor da figueira é uma consequência das alterações climáticas. Por mim, este argumento é inconsistente.
Por mais que façamos, o Tempo (o que nos governa ou nos devora) ora é cruel ora é magnânimo para que não esqueçamos quão efémeros somos e, sobretudo, que estamos à sua mercê…
Entretanto, esperemos que o Tempo não nos dê cabo dos figos lampos.

24.3.19

Aprender com as térmitas

Aprender com as térmitas
Vus à hauteur d’homme, les termites ne sont rien d’autre que des petits êtres nocifs : de médiocres fourmis blanches, tout juste bonnes à dévorer nos charpentes et à nourrir d’autres insectes. Mais qui s’est rendu un peu plus au Sud, sur le continent africain, et a admiré les cathédrales de 6 à 8 mètres érigées par certaines colonies pour y cultiver les champignons dont elles se nourrissent, abandonne immédiatement tout mépris.(…)
Pois é, parece que o nosso desprezo quase instintivo não passa de soberba precipitada… Os nossos sentidos, embora essenciais, revelam-se fonte de enganos. A nossa pressa de vencer derrota-nos a cada momento…
(…) De manhã, dois mestres concordavam na ideia de que conquistar países é uma caraterística humana. Nem sequer punham a questão em termos de necessidade de alargar o território…
A cegueira humana é desesperante. Veja-se o caso do Reino Unido que insiste em arrastar o processo "brexit" até à véspera das eleições parlamentares europeias… Quem é que pode confiar na lucidez humana?
Talvez as térmitas nos possam ensinar a resolver as nossas idiotices…


23.3.19

Neste terreiro de papel

Aqui estou eu a descer e a subir páginas, sem me cruzar com qualquer marquês nem respirar o carbono da avenida, dita, da liberdade… 
No centro da página, não há vestígio de imperador - apenas súbditos - e nas margens, vão-se acumulando hieróglifos vermelhos em perda de intencionalidade…
No paço, apenas o cavalo, apeado, por força de uma austeridade cuja origem continua encoberta, porque, à época, o que interessava eram os fundos de coesão.
De qualquer modo, neste terreiro de papel, o futuro parece esconder-se numa linha invisível pronta  a sumir-se com ou sem palha…

22.3.19

Esta notícia só pode ser falsa

Uma notícia fere-me a vista.

Cerca de 23 mil euros (18,943,20 euros + IVA) foi quanto custaram a mesa de reuniões e as 22 cadeiras que o gabinete do ministro de Educação adquiriu.
Espero que o senhor Tiago Rodrigues não tenha sido ouvido nem achado na decisão. Seria paradoxal caso ele tivesse encomendado tal mobiliário para o seu gabinete, já que, até ao momento, o ministério da educação tem sido governado pelo ministério das finanças. 
Em matéria de gestão do orçamento, o senhor ministro tem sido tão cumpridor e submisso que provavelmente a notícia será falsa.

21.3.19

Os escritores

Parecem um nadinha pálidos, redundantes, confusos, densos, lentos - os escritores.
Não percebem nada de pontuação! Nunca respiram! Uns totós sedentos de atenção! Têm a mania que são profundos, que percebem de filosofia e de religião, de história e de geografia, e, em particular, de política…
Vivem em jarras de flores murchas e nutrem-se de paraísos perdidos…
E depois todos os anos deitam cá para fora dois ou três livrecos para nos martelar os miolos… sem perceberem que o resultado final é uma massa consistente, fétida…
Peço desculpa, no dia da Poesia, deveria ser proibido deitar o lixo pela janela. Só que os Poetas não são escritores…

«Um génio antipatriota é um fenómeno, não direi vulgar, mas aceitável. Um operário antipatriota é simplesmente uma besta.» Fernando Pessoa, Em arte tudo é licito desde que seja superior.

20.3.19

Insatisfação... quântica

Peso as palavras.
Cansaço. Esgotamento. Impaciência…
Um grama a mais, um grama a menos. Um problema de género, jansenista.
Insatisfação semântica… quântica, outro modo perdido de distribuir e combinar as partículas.
Talvez saturação, quem sabe, desorientação, realidade tão pesada que nem a fuga conseguirá fazer recuar…Nem o sorriso escarninho que ilumina o gaveto me serena - nem o silêncio.
Peso as palavras ruidosas.

19.3.19

No dia de S. José

O meu pai não se chamava José e era agricultor.
S. José não era pai de verdade, e consta que era carpinteiro.
Eu também não sou carpinteiro nem sou José.
Sou pai, mas não quero que seja o meu dia, esse já foi, e já pouco interessa, ficou noutro lugar bem longe de Belém sem ter tido necessidade de me esconder de Herodes… 
A verdade é que não quero ser o Orfeu que perdeu a Eurídice, irremediavelmente.
Estou em crer que S. José detesta pombas e que lho recordem.

18.3.19

fora de qualquer pontuação

(…)
Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa
(…)
João Cabral de Melo Neto

eis uma sensação antiquíssima 
cada vez mais pesada 
explosiva que de tão contida
se deixa cair pelos dedos abaixo
fora de qualquer estação
fora de qualquer pontuação
apenas o ainda branco respira 
apara a queda das pétalas 

17.3.19

A cela é tudo

Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo? Bernardo Soares, 23-3-1930


'Em fuga' parece ser o apelo irresistível de quem imagina a vida como um oásis - a viagem do neófito ávido de novas sensações em paisagens distantes… Mesmo que o intelecto antecipe que o desejo não passa de ave passageira, a vontade caprichosa não se importa de hipotecar o corpo, como se ele não fosse o único bem…
Escancarada a cela, nada nos espera… nem mesmo a brisa nos arrastará para o mar.

16.3.19

Estamos a facilitar a radicalização

- «Nós estamos aqui. Nós viemos aqui para dizer que sois culpados. Nós repetimos aqui que sois responsáveis pelo que nos está acontecer. Nós prometemos aqui que vamos voltar, até porque não temos plano B...» 

'Nós, a juventude, viemos até aqui convencidos de que a melhor arma é a frase-martelo. Reconhecidos no aplauso coletivo e institucional, estamos prontos, ou quase...'

Um destes dias, o Ato ignóbil bater-nos-á à porta. Então, não haverá quem explique a radicalização dos protagonistas…
No entanto, bastava no tempo certo ter ouvido o martelo e ter analisado as imagens para perceber o que aí vem. 
Sem aplauso!

15.3.19

Conversa arrevesada

Com o petróleo chegou o plástico facilmente moldável. Em 100 anos, as aplicações do plástico multiplicaram-se com vantagens em muitas áreas da atividade humana. Entretanto, o plástico caiu em desgraça, pois será responsável por grande parte da destruição da Natureza… 
As cruzadas estão em marcha… Neste domínio, como em muitos outros, convém ter à mão um bode (balde?) expiatório e deixá-lo imolar, de preferência, pela juventude… O problema é a grande indústria que há muito tempo aprendeu a acarinhar os movimentos contestatários…
Pena é que, no meio de todo este empastelamento secular, se tenham esquecido de fabricar os livros em plástico, embora, em muitos casos, a plastificação de cadernos e livros tenha sido um bom negócio…
Aposto que se o papel dos livros tivesse sido substituído pelo plástico, hoje, o dia seria de enorme satisfação…  - Para quem?

14.3.19

E um aluno pergunta, ainda...

E um aluno pergunta, ainda…
e o aluno espanta tão óbvia parecia ser a resposta… (A. S., plátanos desafiantes)

Próximo dos plátanos, só na distância, porque raro é aquele que pergunta o nome da árvore que em certos dias  lhe magoa as narinas e os olhos, lhe intumesce a garganta… e ensombra o estio…

… só o trinado dos pássaros em voo catabático antecipa a primavera e já nem as estações são óbvias… por vezes, um besouro esquecido de que deveria anunciar as chegadas, em vez de assombrar aqueles corpos tão assustadiços… 

13.3.19

O caminho da gratuitidade

A citação exemplifica, ilustra uma ideia. A citação fundamenta um argumento.
No entanto, a citação pode, se parodiada, reverter os princípios que sustentam uma cultura ou fazê-la cair na gratuitidade. 
No geral, a blasfémia prefere a alusão, fértil em solos arenosos percorridos por ventos desenfreados  por prestidigitadores verbais quase sempre idolatrados por uma sacerdocracia volúvel e calaceira...

12.3.19

À volta dos estereótipos

«Vestidos de preto que matavam pessoas, degolavam»…

Ainda pensei que fossem os sarracenos. Mas não, a versão é mais recente e mediática. Supostamente, a imagem permanece na memória juvenil ou está ao alcance do olhar vagabundo, delinquente, pronto a diluir-se numa inocência desamparada. Ou será revoltada?
Ainda procurei uma explicação mais fina, mas não, a definição não deixa pontas soltas: «o preto é a ausência de toda a cor ou luz e, em todo o mundo, está associado ao mal. É a cor do mistério, da penitência, da condenação, da angústia e representa o submundo.»
Olhei à volta, não eram muitos os que vestiam de preto, mas lá estavam dois ou três, sem albornoz nem cimitarra, creio…
Eu por mim, vou ler "Os sinais da infâmia e vestuário dos mouros em Portugal nos séculos XIV e XV".Os sinais de infâmia

11.3.19

O besouro

Nada fica. Porquê?
Será apenas desinteresse? Ou será uma nova forma de estar, desmemoriada, para poder esticar a vida?
As conexões antigas diluem-se, talvez para que outras, inocentes, possam libertar-se…
Esta rutura assusta, e há quem a explique com a falta de empenho ou, em alternativa, com as portas arrombadas, perdidas as chaves do presente.
A própria ideia de um texto fechado à chave, que fosse preciso escalonar, apavora, embora de forma distinta do terror que assalta a sala quando o besouro desorientado pela luz se projeta sobre a vidraça…
Não sei se o besouro poderia ficar… De qualquer modo, aproveitei o intervalo para o libertar para a tília sem futuro. Sorte a do besouro!

10.3.19

A moeda

Uma língua de terra com contornos de água - parecem margens, mas não são. As margens poderiam ser as faces da moeda, opondo-se como se cada uma representasse a escolha certa, mas não.
As duas faces não são antinonómicas.  Cada uma, no entanto, é assumida como representação do Bem e expressão da Luta contra o Mal... Invertidas, traçam cruzadas mortíferas, em nome da Razão. Ou será de uma outra Fé? Porém a Fé, embora iluminada, é a expressão da cegueira humana.
Viro e reviro a moeda, e apetece-me deitá-la fora.

9.3.19

Incompreensível desfasamento

Questionado como explica ter usado a Bíblia para fundamentar uma sentença em que desculpabilizavam dois homens que agrediram com uma moca de pregos uma mulher, Neto de Moura afirmou que não foi "despropositado", uma vez que considera que a "sociedade é muito influenciada pela cultura judaico-cristã", assim, a citação da Bíblia "aparece como uma mera referência histórica" e "faz parte da fundamentação".

O argumento parece pertinente, só que o juiz  Neto Moura está a necessitar de visitar uma sala de aula de uma escola pública para perceber que esse caldinho de cultura já viveu melhores dias. A não ser o ímpio Saramago, mais ninguém cita a Bíblia… 
O tempo em que vivemos, na prática, faz tábua rasa dos valores judaico-cristãos e se alguma coisa herdámos foram as sementes de violência…
O argumento, afinal, só espelha  incompreensível desfasamento.

8.3.19

Talvez fosse mais sensato

Não sei se há algum rio que tenha apenas uma margem, talvez, mas longe, desenhado pela imperfeição humana…
Os rios regulados acabam por saltar a margem a que os confinamos, destruindo as sombras a que nos poderíamos acolher… 
Talvez fosse mais sensato fluirmos juntos, visto que o mar que nos acolherá não faz distinções de espécie, de cor, de classe, de orientação sexual, religiosa, política…
Infelizmente, os sinais são de divergência… 

7.3.19

Porque...

“... porque para os professores este Governo morreu”. Fenprof

No que me diz respeito, o Governo de António Costa continua em funções, e avaliá-lo-ei pelo (in) cumprimento das promessas…
Por outro lado, não aceito que a Fenprof se arrogue o direito de falar por mim, muito menos o senhor Mário Nogueira…
É bom não esquecer que algumas causas da atual situação resultam de opções erradas impostas pelos sindicatos dos professores.

A violência é uma consequência

A violência doméstica não terá fim, pois é apenas uma das faces da violência gerada pela desigualdade e pela injustiça que minam a sociedade portuguesa.
Nas últimas décadas, a governação só contribuiu para o acentuar da pobreza e para a degradação dos valores.
Quando a pobreza cresce e a corrupção aumenta, não há propaganda que nos salve, não há comissões multidisciplinares que possam por cobro à violência nas famílias, nas escolas, nas ruas, nas prisões, nos hospitais…
A violência é uma consequência.

6.3.19

A experiência consumada

Não é que queira mudar o mar de lugar ou sugar-lhe todo o lixo que o mata, tento, todavia, esvaziar dezenas de pastas que fui acumulando, rasgando faturas e comprovativos de despesas que, vistas à distância, dão conta do consumismo gratuito para que fui empurrado ou confundi com a necessidade do momento… 
A experiência consumada diz-me que me tornei num mar de plástico quando me imaginava de sargaço. Enredado, vi na novidade a solução para um problema que eu próprio ia criando, colocando a carroça na frente dos bois…
A verdade é que a vida parece mais não ser do que a acumulação do lixo em que nos vamos transformando.
Talvez por isso Giovanni di Pietro di Bernardone tenha deixado Assis, longe de imaginar que um dia seria patrono de um mar que as cidades há de afogar… se não reduzirmos significativamente o consumo… 

5.3.19

Por este andar

Chegar ao topo é ótimo, o problema são as escorregadelas!
Não faltam exemplos de júbilo provocado pelo sucesso, em regra, efémero, mas que insistimos em imaginar como consistente… 
Sem a comunicação social e as redes sociais, a glória inconsistente seria momentânea. Talvez seja por isso que acabo de ler que o primeiro-ministro 'vai ao programa da cristina no dia de carnaval'...
Por este andar, a quaresma será tempo de tormento e durará muito para além da páscoa...

Perdigão perdeu a pena
Não há mal que lhe não venha.

Perdigão que o pensamento
Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
Asas com que se sustenha:
Não há mal que lhe não venha.

Quis voar a uma alta torre,
Mas achou-se desasado;
E, vendo-se depenado,
De puro penado morre.
Se a queixumes se socorre,
Lança no fogo mais lenha:
Não há mal que lhe não venha.
 Luís de Camões

4.3.19

Não vá o caldo entornar-se

Esta noite, um vizinho resolveu colocar umas prateleiras no espaço comum das garagens, e sem dizer água vai, entrou na minha boxe e mudou-me o arquivo para o espaço público - ignoro a intenção. Desconfio, todavia, que nada aconteceu e que ando a delirar como toda a gente. Até me passou pela cabeça, ao raiar da manhã, que o melhor seria transformar o arquivo num livro temático…. Bem sei que na quadra ninguém leva a mal, vou, no entanto, antecipar a quaresma… não vá o caldo entornar-se e cair na alçada de algum neto.

2.3.19

Borrões, aquelas cartas

Borrões, aquelas cartas… Melhor seria que não tivessem sido escritas.
Que se saiba, desapareceram todas. De qualquer modo, resta ainda uma memória zangada, apesar do interlocutor também ter tido razões de sobra para se sentir ultrajado. Lá no fundo, a indecência nascia de um acerto de contas irracional, como se o outro, anterior ou coevo, pudesse determinar o caminho… 
A página azulada, mais do que expressão da solidão, corria vergastada de vingança não do passado mas da separação… nesse tempo em que tudo se esvaziava no sono quase diurno do que poderia ter sido a primavera…
Borrões de dor desnecessária, aquelas cartas melhor seria que nunca tivessem sido escritas… Essa primavera que nunca chegou a acontecer… ou que se chegou, foi tarde e com outras cores...

1.3.19

A tinta de Cesário Verde

Fui ver se o João Cabral de Melo Neto ainda continuava com dor de cabeça, e encontrei-o a discorrer sobre a  tinta de Cesário Verde:

Cesário Verde usava a tinta
de forma singular:
não para colorir,
apesar da cor que nele há,

Talvez que nem usasse tinta,
somente água clara,
aquela água de vidro
que se vê percorrer a Arcádia.

Certo, não escrevia com ela,
ou escrevia lavando:
relavava, enxaguava
seu mundo em sábado de banho.

Assim chegou aos tons opostos
das maçãs que contou:
rubras dentro da cesta 
de quem no rosto as tem sem cor.
(…)

Nem dor de cabeça nem aguarela, apenas pomos de ouro num mundo sem cor... Amanhã é sábado! E hoje, que dia foi? Entre a primavera e o outono a escorrer para o inverno, um muro ou será uma muralha? Antiga, muda, sem queixume… só a água a pode colorir.