30.4.19

Varado

Ao fim de 45 anos, Armando Vara decidiu abandonar o Partido «para evitar qualquer embaraço»... E eu que pensava que ele já tinha sido expulso!
São estas cumplicidades que vão dando cabo da Democracia. 
(…)
Diz o ministro das Finanças que o País não pode suportar encargos de 635 milhões de euros com os professores. Talvez! O número é de tal dimensão que tenho dificuldade em acreditar na palavra de Centeno. 
No entanto, o mesmo ministro está preparado para gastar mais de mil milhões de euros com o Novo Banco…

28.4.19

De plantão

Lembra-me aquele dia em que assentei praça no Quartel das Caldas da Rainha e, logo ali, fiquei de plantão. Nem os azulejos das casas de banho me escaparam…
Há dias assim! Cada vez mais, sempre a servir, caso contrário o caos instala-se definitivamente. Não se trata de uma condenação, mas de contenção da irracionalidade - o aluvião.
Fico-me por aqui! 
Se não me entendem é porque nunca estiveram de plantão. Explicar para quê?
Em Espanha, por exemplo, andam todos cheios de razão, porque nunca enfrentaram um pelotão de fuzilamento… Já passaram 80 anos!

27.4.19

O talento português

«... proponho que olhemos o talento como 'uma expressão concentrada de saberes e competências', dirigidas para a realização de algo concreto.» Luís Bento, O Prazer da Transgressão, pág. 26, On y Va, 2019

No entanto, com tanta gente jeitosa na montra, esperar-se-ia mais obra, mas, infelizmente, esta é pouca e de qualidade ranhosa.
Por exemplo, depois de nos dizerem que 'a europa é aqui' ou que 'nós somos a europa', agora querem convencer-nos que devemos 'gastar bem os dinheiros da europa'... 
Nem era preciso afixar cartazes com tais proclamações. 
Houve sempre quem revelasse um talento especial para se apropriar das especiarias da Índia, do ouro do Brasil, do bacalhau da Terra Nova, das remessas dos emigrantes, dos diamantes e do café de Angola, São Tomé e Timor, dos fundos estruturais europeus, dos empréstimos do FMI e do BCE…
Não nos faltam nem manhas nem ardis para fintar todo o mundo e ninguém. Não me venham é dizer que a 'europa é aqui' ou que 'nós somos a europa'. Por favor, não desvirtuem o glorioso passado!

26.4.19

Uma conversa esclarecida

«O António Barrasquinho, o Batola, não tem ninguém para conversar, não tem nada que fazer. Está preso e apagado ao silêncio que o cerca.» Manuel da Fonseca, Sempre é uma companhia.

Se me colocar no lugar do Batola, apenas conversarei sobre o tempo e, talvez, sobre a desertificação da planície sem pedir contas aos holandeses e aos franceses que alugam as herdades…
Se vestir a pele do António Barrasquinho, não o acompanharei no assombramento que o invade, mas estarei com ele no que respeita à inexistência de parceiro para conversar…
Uma conversa esclarecida sobre o que nos cerca faz falta. Por exemplo, sobre o que acontece por estes dias em Espanha, em França, em Marrocos ou na Argélia…
A novidade do que por lá ocorre seria uma boa ajuda para sacudir o marasmo que nos asfixia ou escrutar a «mão de vaca» do Centeno.

25.4.19

No 45º ano de abril

No ano passado escrevi:
«No 25 de Abril, continuámos a olhar para trás e, felizes, sentimo-nos superiores aos espectros do Estado Novo...
No intervalo, contentamo-nos com a devassa, sempre invejosos dos sucessos e das malfeitorias dos nossos semelhantes…»

Hoje, verifico que uns foram trabalhar e que outros aproveitaram para celebrar e passear. 
A novidade é que o 25 de Abril já não necessita dos espectros do Estado Novo. A cúria envelheceu de tal modo que o espelho que a reflete se desfaz em cacos, que se pavoneiam pelos palcos que lhes vão oferecendo à custa do erário público…
Interessante seria saber qual é a percentagem dos que trabalham, dos que celebram e dos que passeiam e como é que a atividade deste dia se materializa nas urnas.
Quanto à devassa, à inveja e às malfeitorias, não encontro nenhum indicador de mudança. 



24.4.19

No desconcerto

Cansado. Física e mentalmente.
Passo e palavra desconcertados.
Revê o passado e nota que as vozes de hoje não passam de réplicas de outras vozes, agrestes e acusativas - rejeita o determinismo, mas a evidência insiste em contrariá-lo.
Hesita entre a primeira e a terceira pessoa do singular. O plural desenha-se como arquipélago para onde nunca viajou. Até o género o faz titubear - a hora é de preposição; isto é a 'loja é de cidadão' - dizem que a redução dá votos…
No desconcerto, vislumbra que talvez possa aprender, que 'talvez' é imprescindível, e que ensinar é adiar… porque ao servo apenas lhe é mudado o dono: a herdade continua lá; na herdade já não há ratinho, mas há nepalês… o indígena gasta os dias no jardim autárquico…
E depois, chega a unidade - a grande mentira - nem no início! 

23.4.19

Atordoado

Dizem que o tordo, na época em que as uvas estão maduras, anda quase sempre atordoado.
Esta manhã, olhando aqueles jovens rostos, comecei a pensar que uma boa parte estaria alienada - a consciencialização de que há vida para além do EU tornara-se impossível! Como explicar a 'alienação'? 
De repente, pensei que estariam simplesmente atordoados. Quis acreditar que aqueles jovens eram vítimas de excesso de informação, de notícias falsas… Vítimas? Como os habitantes da Alcaria de Manuel da Fonseca?
Também eu já macerado, sentia-me atordoado. E o meu atordoamento agravou-se ainda mais quando compreendi que não fora informado do falecimento da Isabel Rodrigues… A Isabel que conheci com outros apelidos em tempos distintos - que conheci no ITAU em 1973... A Isabel que se esgotava no seu perfecionismo… e a quem fui dando a mão em tempos difíceis… partiu, para mim, inesperadamente, sem um singelo aceno…

22.4.19

Não vejo a chama...

O medalhão de pescada, apesar de se encontrar no centro da frigideira, não aloura como os que o circundam. Viro-o e o resultado é o mesmo. Não faz sentido… Só depois de observar a posição da chama, percebo que o centro não corresponde ao que eu vejo…
Ainda pensei que a minha labuta tinha um sentido: reduzir o caos. Recordo que, há mais de 40 anos, José Rodrigues Miguéis apostava na «programação do caos»... Ora, a experiência pessoal ensina-me que, na maioria dos casos, a realidade não corresponde nem ao que vejo nem ao que anseio…
Talvez seja por isso que lido mal com as celebrações privadas e públicas, se a distinção ainda faz sentido…
Sinto-me afetado pela desproporção, tantas são as evidências… e por aqueles que, por estes dias, agitam bandeiras de um tempo morto.  

21.4.19

Um dia que fugiu do calendário

Tudo um pouco diferente, sem chuva nem vento, com alguma família mais ou menos azafamada.
Um dia de árdua satisfação, apesar do peso nas pernas e da leve irritação que me assalta as meninges - mesmo agora me vi forçado a destrinçar quem era o Mário Emílio Forte Bigotte Chorão, tudo porque José Régio o menciona na sua correspondência… Começo a pensar que o Régio seria hipocondríaco, versão portuguesa do amado Marcel Proust.
Olho para o que falta, e pressinto que a azáfama ainda não terminou. Os dias de festa são assim: há uns que aproveitam e outros que amargam.
(…) E agora que é tempo de Páscoa, mandou o governo devolver o IRS que cobrou indevidamente…
Ou como escreveu Saramago: «Agora que veio o tempo da Páscoa, o governo mandou distribuir por todo o país o bodo geral, assim reunindo a lembrança católica dos padecimentos e triunfos de Nosso Senhor às satisfações temporárias do estômago protestativo.» O Ano da Morte de Ricardo Reis, pág. 306, Porto editora.

20.4.19

Chegada à Portela

Chegada ao aeroporto da Portela, logo perguntou pelo mar - pela cor, pela areia, pela água…
Partimos de imediato para a Ericeira. Chegámos rápido, com a sensação de que a chuva de abril poderá vir a ser insuficiente - apesar do amarelo e do verde, a terra parecia seca, arenosa.
Na Ericeira, muita gente espraiava-se pelas ruas, pelas amuradas e pelas esplanadas… e alguma, deitada nas exíguas línguas de areia, desfrutava o sol e o vento da tarde deste ameno sábado.
(A penumbra esbatera-se!)
Ela desceu ao areal, mergulhou, por momentos, os pés nas águas atlânticas, e regressou em silêncio como se São João Batista acabasse de a libertar de todas as impurezas da Alemanha imperial…

19.4.19

Penumbra

A única palavra-síntese que me dá conta da luz do dia é 'penumbra'. 
Lá fora, o rio-cinza espreguiça-se, incapaz de seguir o seu destino. Preguiçoso, contorna a única língua de terra que avisto, embora a afirmação não seja totalmente verdadeira, pois uma via rápida dá-me conta do fluxo do trânsito que se dirige maioritariamente para Sul… para lá da penumbra…
Nesta sexta-feira, para uns tantos, santa, eu até gosto desta quase sombra, prenúncio de acalmia mesmo se efémera.
E se, afinal, a ressurreição mais não fosse do que a passagem da luz para a sombra? 
Sei que a hipótese é um pouco herética, mas já estou cansado de tanta 'aleluia'...

18.4.19

Mais perto do chão

Nada tem avançado, mas dizem-me que estou mais perto.
Talvez por isso, hoje decidi aspirar a casa. O Kirby foi contemplado com dois novos acessórios, o que me levou a querer pô-lo à prova. 
A publicidade diz que o Kirby é o Ferrari dos aspiradores! Pensa-se que com ele 'tudo será mais fácil, tudo será mais rápido, mais leve', mas, no meu caso, não tendo recebido formação - na rua dos Soeiros, Lisboa, propuseram-me umas aulas para melhor manuseamento do protótipo - acabei derreado…
Estou mais perto do chão… Porém, não estou só! 
Ainda ontem, ouvi que a Ilha da Madeira não dispunha dos sacos funerários necessários, apesar dos milhões gastos em fogo de artifício no Funchal.
Em 2018/2019, foi estabelecido um novo recorde madeirense, com mais de 174.000 fogos de artifício lançados com um total de 26 toneladas de explosivos.

17.4.19

Não se incomodem!

Uns pagam o mínimo possível e ninguém lhes põe a vista em cima.
Outros são mal remunerados, são manipulados… dizem o que lhes mandam: todos adoecem, têm família, e nesta páscoa querem um futuro melhor; na próxima logo lhes dirão o que fazer…
O governo zela pelo cumprimento da lei da greve, mesmo que esta afecte sectores vitais da atividade económica, da vida doméstica - os indicadores apontam todos na mesma direção: não incomodar o capital, público ou privado.


16.4.19

Oremus pro nobis!

Dentro de cinco anos, a catedral de Notre Dame estará restaurada. Os milhões de euros necessários não faltarão. Os ricos já estão a reservar o lugar na catedral e no céu, e os pobres também querem ajudar para garantir a vida eterna… 
Cá nesta vida, daqui a cinco anos, as vítimas do Ciclone Idai já terão morrido ou continuarão sem habitação, sem pão, sem educação, sem os devidos cuidados médicos...

15.4.19

A Catedral

«Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois não se dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que não se sente.» Álvaro de Campos

A catedral arde em Paris.
Não resiste à voragem do fogo e, provavelmente, à imperfeição humana, para lhe não chamar incúria ou mesmo malvadez…
A hora é de emoções para muitos.  A hora é solene para uns tantos… mas, neste caso, fingir (não) é conhecer-se…

«Os cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria. Sem as montadas, os cavaleiros seriam peões. O lugar é que faz a localidade. Estar é ser. // Fingir é conhecer-se.»

14.4.19

D. João III em Portalegre

Nunca gostei muito do D. João III! Sempre o associei a uma inflexão negativa do rumo político, em que o homem se viu obrigado a submeter-se à Igreja mais conservadora e inquisitorial…
De qualquer modo, em 1550, elevou a vila de Portalegre a cidade… e pela observação que pude fazer ao percorrê-la, na segunda metade do século XVI, havia suficiente riqueza para edificar um vasto património, consolidado nos séculos seguintes, mesmo durante a ocupação vizinha…
Não sei se a Contra-Reforma já foi extinta nestas terras, tantas são as extensões de terra de tão poucos proprietários. 
Os Cristos de José Régio, por outro lado, despertam em mim a ideia de que o colecionador, mais do que um penitente, era um libertador das mentes retrógradas que por ali habitavam, resignadas e submissas.

13.4.19

Da criação do José Régio

Ainda há quem viva noutro país - o atual está cheio de sinais de proibição! - entre a igreja e o pasto. Hoje, é mais pasto para turista consumir! 
As ruas são íngremes e estreitas, com memórias restauradas para forasteiro ou, então, em ruína com promessa de requalificação para gentes que hão de vir de fora…
Também eu pareço ser da criação do José Régio - os sinais multiplicam-se como se eu  continuasse a viver noutro tempo…
Só a pé consigo dar conta desse tempo … O problema é que para o conseguir, necessito do silêncio monástico que me está, de todo em todo, interdito.
Ao visitar a Casa Museu de José Régio, pensei que os professores, a partir de 1927, em Portalegre, deveriam ser muito bem remunerados… No entanto, sei que a explicação terá que ser outra… a começar pela ignorância dos campónios…

11.4.19

O lenhador

Apesar do ar decrépito da árvore, o lenhador terá decidido que a hora dela ainda não soou. Por ora, serve de abrigo às aves que, ao anoitecer, nos embalam nos seus finos trinados, apesar dos finórios que se nos atravessam no caminho…. e que se multiplicam a cada dia que passa.

10.4.19

Em três sílabas

«Ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato.»
          Alexandre O'Neill

A opção de Alexandre O'Neill pelo plástico revela-se hoje politicamente incorreta. Azar de Poeta! Com três sílabas, bem poderia ter optado pela 'cortiça' ou pela 'madeira', certamente mais caras…
Teríamos, de qualquer modo, um Portugal florestal prestes a arder em três sílabas, deixando atrás de si nuvens de cinzas ecologicamente incorretas…
Como não entendo o empolgamento do comissário Carlos Moedas com a primeira imagem de um buraco negro, fico-me a ouvir A última fantasia
                                      

9.4.19

... a tentar perceber...

… a tentar perceber o que é que move os  políticos - os sinais são contraditórios: uns agarram-se com unhas e dentes à família, outros procuram afundá-la; há quem não queira sair da europa, embora também haja quem procure entrar para a desmantelar…
… a tentar perceber o que é feito da prometida regulamentação das promessas eleitoralistas…
… a tentar perceber aquela brasileira que, chegada a Portugal, descobriu que 'o regime é socialista e que se soubesse não tinha vindo'...

… a tentar perceber se a senhora may é mesmo tola ou se o brexit é, afinal, um sinal da queda da europa…
… a tentar perceber se o militarismo do bolsonaro é a expressão da incapacidade da classe política…

… a tentar perceber tanta crise existencial juvenil, tanto laxismo parental, tanta burrice institucional… 

8.4.19

As eleições europeias

«Os Europeus têm de escolher entre continuar no atual mergulho em direção a um sistema internacional entrópico e destrutivo, ou inverter o rumo, deixando frutificar as sementes federais que sempre existiram nos projetos de construção europeia. A escolha é entre a desordem de Behemoth e a esperança de paz e progresso de Leviatã.» Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, pág. 207-208.

Até à data, ainda não ouvi (nem li) nenhuma proposta de clarificação do rumo europeu. Parece que o importante é assegurar o lugar… 
Os candidatos a eurodeputados deveriam prestar provas escritas sobre o pensamento político de Thomas Hobbes (1588-1769) e Immanuel Kant (1724-1804).
Aos candidatos portugueses, considerando as suas limitações, recomendo a leitura da Obra «Portugal na Queda da Europa».

7.4.19

Porque será?

O número de tolos é infinito.
Ninguém é tão tolo como um tolo intencional.
Ninguém é tão tolo que não possa ensinar…
                             … a verdade é que a maioria prefere 'viver debaixo da vassoura'. Porque será?
Quem começa pela 'verdade' acaba a mentir… 
O melhor é seguir a lição de Pieter Bruegel, O Velho.


6.4.19

Come un Gatto...

Come un Gatto in Tangenziale, filme de Riccardo Milani, 1977 (12ª festa do Cinema Italiano)


Uma comédia divertida sobre políticas de integração. 
Dito de outro modo, tudo começa a mover-se no dia em que o intelectual Giovanni, defensor da integração social negociada em Bruxelas e Estrasburgo, se vê obrigado a entrar num bairro dos subúrbios de Roma, por causa dos amores da filha…
Apesar das dificuldades encontradas, Giovanni sempre acaba por aprender alguma coisa, ajudando a salvar (a integrar) algumas almas, muito por força da 'angélica' Mónica...

5.4.19

A questão não está em saber quem cunhou a ministra

Vieira da Silva sobre filha no Governo: “não tenho interferência nenhuma” 
Nem S. José, o carpinteiro, ousou blasfemar de tal modo sobre o filho que Deus lhe outorgou.
A questão não está em saber quem cunhou a ministra, mas em perceber se não havia ninguém mais qualificado…
Num país de gente desqualificada, quem tem meio-olho é rei!



4.4.19

Um olvido demolidor

Face ao alarido que se abateu sobre a classe política, designadamente a governamental, concluo que não tenho família ou, pelo menos, não tenho familiares colocados na área política… a não ser que a família tenha concluído que me faltam requisitos para motorista, porteiro, chefe de gabinete, secretário…
Numa época, em que o propósito parece ser o de demolir as instituições, creio que esta balbúrdia se justifica. Sendo a 'família' um pilar do Estado Novo que entrou em convulsão na Terceira República, o que não se compreende é este favorecimento, a coberto de um olvido demolidor… embora, pessoalmente, não estranhe a situação, pois raramente os meus interlocutores se lembram do que era suposto terem feito no dia anterior ou até no próprio dia…
Na semana passada e nas anteriores, eram os banqueiros e os governadores, todos amnésicos, e já me esquecia do excelentíssimo da fonte termal / Boliqueime. De acordo com a lenda, quem nela mergulha passa a sofrer de distorção da memória.

3.4.19

'Quase pouco'

«Talvez porque o escuro junta as coisas, costura os fios do disperso.» Mia Couto, O pescador cego

Logo pela manhã contaram-me a estória de um pescador que perdera um olho porque se esquecera do isco para a pescaria… A razão pareceu-me não ser da ordem do esquecimento. No entanto, o esclarecimento não chegou. O peixe não resistiu ao engodo vítreo… A estória amputada acabou nos braços da esposa outrora rejeitada, como se Jocasta tivesse, de novo,  acolhido no seu seio filho e marido pelos peixes do olimpo castigados…
Com a chegada do escuro, lá fui revisitar o pescador de Mia Couto e, afinal, trata-se da estória de um CEGO MACHO e não de qualquer Édipo freudiano, mesmo se «quase pouco»...

2.4.19

Ainda há «engenhos"...

Ótimo aproveitamento dos componentes de computadores atirados para a sucata, que, desolado, fui observando sob as escadarias laterais que dão acesso ao primeiro piso…
Por ali passou algum zéfiro que decidiu brincar com o velhinho maltratado que persiste à entrada do Liceu Camões…
Afinal, ainda há "engenhos" capazes de interpretar o tempo em que vivemos - metálico e digital…
Os meus parabéns aos estatuários!

1.4.19

A mentira

O povo está feliz! Já pode inverter o percurso e ir viver para o campo ou para a praia. 
Vem aí a boa vida! A semana de trabalho de três dias e trabalho para todos, mal remunerado - que importa? 
Com a poupança no passe, já é possível pagar o infantário e o colégio das crianças e até amortizar umas tantas imparidades familiares.
Anuncia-se, entretanto, que a taxa de casamentos vai aumentar e a de divórcios diminuir, sem esquecer a multiplicação de carrinhos de bebé nas faixas criadas para os velocípedes…
O metro já começou a acelerar, reduzindo em 5% o tempo de espera; nos cais, os cachos humanos diluem-se. 
Nas paragens de autocarro, a vontade de conviver intensifica-se; afinal, os atrasos não passam de uma abordagem subjetiva de quem não compreende a mudança em curso…
E depois há os novos comboios, as novas carruagens, os novos catamarãs, os novos autocarros a gás e a hidrogénio… tudo novinho, a baixo custo, a chegar dentro de momentos...
E se esperarem um pouco mais, também não faltarão os novos hospitais, as novas escolas, os novos presídios, as novas barragens, os novos albergues, os novos fontanários. Tudo novo!
Tal qual como no Estado Novo!
Eu por mim, já encomendei o passe! Só não sei é se irei chegar a horas! Pouco importa!