31.7.19

Os abençoados fiéis

Só por ironia é que estes fiéis são abençoados, pois nem nome de igreja têm. Os nomes são de casa ou de vizinhança - e são emblemáticos como não poderia deixar de acontecer em meios pequenos. Alferce lembra-me a minha aldeia em que cada fogo abrigava uma linhagem de proezas, constantemente rebaixadas pelos vizinhos… É certo que lá não havia uma bruxa do calibre da da Corte da Pomba, mas havia umas bruxinhas capazes por o Demo em sentido, quanto mais o 'abade' itinerante, pois os indígenas andavam por terras mais férteis, de preferência na capital ou nas redondezas…
A composição de António Manuel Venda revela-se coesa, porque as ações de cada 'individualidade' se enredam de tal modo que o leitor consegue progressivamente recriar aquele espaço algarvio nos seus constituintes mais genuínos, a começar pelo decantar da língua, ficando com vontade de o procurar numa das próximas viagens, mesmo que pressinta que uma parte só a leitura no-la faculta…

29.7.19

Para fugir da redundância

No beco… sem saída.
A ideia que fica é que não é possível voltar para trás, fazer inversão de marcha. De qualquer modo, para esclarecer a redundância, é necessário identificar o sujeito da ação. Desde que o sujeito seja outro, que não o próprio, tudo parece possível.
Tudo o que caminha vai e volta ou, pelo menos, acreditamos que sim. Só o próprio é que caminha, o mais lentamente possível, até bater na parede, na meia-noite da Sintra pessoana - a tal inevitável metáfora do chevrolet, que ainda não entendemos que é nome de todas as figuras. 

28.7.19

No beco

Ao balcão, a senhora abre a mala. O lojista pergunta-lhe: - Quer alguma coisa? Ela, hesitante, responde: Sim, mas não sei o quê?
Paciente, ele diz: - Talvez um maço de tabaco! 
Ela confirma, mas parece perdida. Não compreende que deve pagar 4.90 € pelo tabaco ou, talvez, quisesse comprar O Sol… sem pombos!
Entretanto, afastei-me. Percebi que para o vendedor a situação não era insólita… e pensei que entrar no beco era isso, mas sem saber.

27.7.19

Saber viver com os achaques

«L'important n'est pas de guérir, mais de bien vivre avec ses maux.» Palavras do abade Galiani a Mme. de Épinay

Num tempo em que a cura é o primeiro objetivo de novos e velhos, e é prometida e vendida por mercadores de todo o tipo, as palavras do abade-economista fazem todo o sentido, mesmo se as das Épinay de hoje reduzem tudo ao ginásio e à farmácia…
Conhecer as limitações, não se deixar dominar por elas, testá-las é, afinal, o caminho… e, sobretudo, não acreditar em milagres de qualquer natureza - pensamento proibido a um abade!
E aproveitar o que se nos atravessa no caminho. Neste caso, por atalhos de David Mourão-Ferreira e de André Gide, voltei ao século XVIII, mesmo que seja mais fácil bater à porta de Mme. de Épinay do que de Ferdinando Galiano (1728-1787), autor de Della Monetta, 1750; Dialogues sur le commerce des bleds, 1770; Doveri del principe neutrali, 1782.

24.7.19

Desta vez, a prova 639...

Desta vez, na prova de Português (639, 2ªfase) não há nenhum crime lesa-aluno,  ao apresentar um excerto do Canto VI de "Os Lusíadas". Tal só teria acontecido se o excerto camoniano tivesse sido colocado na  Parte C do Grupo I , mobilizando conhecimento global da epopeia.
Se alguma crítica se pode tecer é ao modo como o fio temático é tratado. Creio que os jovens examinandos terão tido alguma dificuldade em situar-se nos cenários de Alegre e de Lobo Antunes, bastante neogarrettianos…
O universo familiar atual é bem distinto e falta-lhes o recuo necessário para cotejar "visões do mundo"...

22.7.19

Em defesa dos bombeiros



Não falta combustível, como agora se diz, o que falta são acessos que permitam a rápida deslocação dos carros de bombeiros.
No caso concreto, para aceder a este terreno, necessito de fazer mais de 500 metros a pé… 
Dizem os autarcas e os populares que os bombeiros chegam tarde. Do povo, compreendo a queixa, agora dos presidentes de junta de freguesia ou da câmara, censuro a atitude, porque uma das suas atribuições é precisamente abrir caminhos onde sejam necessários. Ou será que estou enganado?

21.7.19

Para quê o rabisco?

Tudo o que escrevo é inútil. Para quê, então, o rabisco mais ou menos quotidiano?
No fundo, é um pouco como no tempo pós-vindima - há sempre alguém que dá a volta à vinha, não tanto porque tenha fome, mas porque o esgalho esquecido se torna guloso…
O que me leva a pensar que escrever é do âmbito da gulodice e não da utilidade, pelo menos, na aceção anglo-saxónica.

O que a seguir vou rabiscar é inútil, porém não o vou calar. 
Alguns dos meus vizinhos homens são humanos como eu, só que vestem túnicas, uns, brancas, outros, acinzentadas. Deixam crescer as barbas, como eu, mas muito mais do que eu (ainda não percebi porquê). Calçam sandálias, poupando nas peúgas…, e deslocam-se em mercedes, volvos… não os vislumbro nos transportes públicos. Cruzamo-nos uma ou duas vezes por dia e raramente nos saudamos. 
Detesto-me quando penso que eles são árabes, muçulmanos, magrebinos, estrangeiros, ricos ou pobres, simpáticos ou antipáticos…  O que eu gostaria era de conhecer o nome próprio de cada um…

20.7.19

Por entre aparas

No geral, as borrachas, que utilizo, sujam mais do que apagam. O primeiro ato é, assim, de limpeza para que possa eliminar o que não convém, embora a conveniência possa ser problema alheio.
- Vá lá, meu menino, passa a limpo que fica melhor!
Ser cortês é isso - aprender a limpar, aprender a apagar.
Tanto apagamos que pouco sobra! 
Ser cortês aprende-se a limpar, a apagar, a rasgar… de tal modo que as aparas se amontoam sem nos apercebermos do vazio que criamos…
Até que um dia, nos exigem que refaçamos o que apagámos - «o peito oculto», como se ele não tivesse sido eliminado antes, mesmo, de termos nascido…Nós, os que crescemos por entre aparas...sem acesso ao peito das reticências nem das metáforas e muito distantes das anástrofes da vida.

17.7.19

As dúvidas adensam-se

Ao contrário de quem «só sabe», eu sei cada vez menos… as dúvidas adensam-se a toda hora - as certezas esmorecem.
Oiço, mas fico sem saber se as palavras que me chegam refletem o pensamento de quem as profere, máscaras simpáticas do momento… que também podem ser odiosas… só porque não satisfazem os caprichos…
Emudeço na dúvida.

15.7.19

Desligar

Não sei se vai ser fácil desligar…
Há anos que o procuro fazer sob a forma de distanciamento, mas acabo sempre enredado… pois continuo preocupado, sobretudo quando a vaga de sabotadores vai engrossando… Uma vaga cuja retaguarda é constituída por encarregados de educação incapazes de distinguir quem recorre à disciplina para poder instruir de quem apenas os lisonjeia… porque vivem na ribalta política, académica, artística, ou ainda usam monóculo ou pingalim…
No próximo ano, vou trocar a luz pela penumbra.
Pode ser que, assim, desligue de vez…

13.7.19

Tudo é efémero

Continuo atento, mas a energia falta. As pernas já não acompanham a vontade e mesmo que as obrigue a cumprir a caminhada, elas encontram sempre forma de me lembrar que as não posso utilizar a meu belo prazer…
Entretanto, tudo convida as que lhes dê descanso ou que as substitua - o negócio da preguiça está por toda a parte, mesmo que saibamos que, daqui a um ano ou dois, os novos empreendedores consigam a salvífica declaração de falência. 
As offshores resolvem… Dizem-me que 30.000 milhões de euros atravessaram a fronteira!

11.7.19

O passageiro esturricado

O painel informativo regista um intervalo de 15 minutos entre o 783 Prior Velho e o 783 Portela. O passageiro prepara-se para na paragem do Aeroporto abandonar o primeiro e esperar pelo segundo autocarro, quando, na Rotunda do Relógio, se dá conta de uma outra alternativa - o 722 vem na roda. Afinal, com o calor das 14 horas, a mudança inesperada alivia da canícula…
Entretanto, o 783 Prior Velho liberta o passageiro na paragem do aeroporto… e o autocarro 722, numa ultrapassagem vertiginosa, deixa-o a esturricar mais 15 minutos à espera do 783 Portela… 

Os factos aqui ficam. Dos comportamentos é melhor nada dizer.
O que é curioso é que o passageiro há dias que se interroga se os comportamentos podem ser considerados factos…

9.7.19

Se fosse neutro

«Que o verbo seja um espelho…» David Mourão-Ferreira

Se fosse neutro, o verbo poderia ser o reflexo de uma escada que ligasse a terra ao céu…
Em baixo, o grotesco; no topo, o sublime; no intervalo, a diversidade…
Em baixo, o sublime; no topo, o grotesco; no intervalo, a diversidade…
A escadaria poderia ser bela, não fosse a soberba que nos faz discriminar a cada passo…
Não fosse a soberba (…) a escadaria poderia ser bela.

7.7.19

Um homem deve ler de tudo

«Um homem deve ler de tudo, um pouco ou o que puder, não se lhe exija mais do que tanto, vista a curteza das vidas e a prolixidade do mundoJosé Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, pág. 159.

Por estes dias, 'de tudo' é a locução adequada. Todo o tipo de folhas, a maioria caduca… Por vezes, uma centelha, outras, uma orientação na floresta desavinda… sem esquecer o rigor do David Mourão-Ferreira do Motim Literário, textos dos anos 50 e 60 do século passado… 
(Um destes dias, volto a falar do crítico literário…)

5.7.19

Entrei em julho

Entrei em julho muito cansado, a precisar não sei bem do quê, pois nos meses de julho e de agosto sempre me vi em trabalhos inesperados.
Doravante, o que preciso é de serenidade, de traçar um rumo e alhear-me da realidade imediata - um metódico fechar de olhos e de ouvidos… como se nada estivesse a acontecer.
A ilusão é agradável, mas os dias não se deixam enganar… e eu já ficaria contente se nada tivesse a relatar. 

3.7.19

Ainda vai sobrar para nós

Em comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), os 'encarnados' informam que o Atlético de Madrid “pagará a pronto um valor de 30 milhões de euros e que a Benfica SAD efetuará uma operação de desconto sem recurso dos restantes 96 milhões de euros, sendo os custos financeiros associados a esta operação de seis milhões de euros”.

Afinal, quem é que «paga» o João Félix?
Espero que não tenha sido a Caixa Geral de Depósitos (ou o BCP) a financiar a negociata… Ainda vai sobrar para os contribuintes portugueses.

2.7.19

Águas revoltas

Hoje já há acordo: a França e a Alemanha acordaram e dividiram. As migalhas ficam para os belgas e para os espanhóis… Os portugueses contentam-se com o Centeno e com alguma sobra que venha a cair… 
De tudo o que li até ao momento, só me agrada a escolha da federalista Ursula von der Leyen e preferia que a senhora Christine Lagarde se mantivesse no FMI - quanto mais longe melhor!
Entretanto, parece-me que o António Costa deve ter saído bastante frustrado desta cimeira europeia… 


1.7.19

Sem sal

«Foram muitas as reviravoltas, mas no final ficou tudo como estava: em águas de bacalhau.» Desacordo de líderes europeus

Coitados, falta-lhes o tempero!
E dão um péssimo sinal ao não se entenderem na partilha dos tachos… O problema é que nos vão dar cabo da cabeça por muito mais tempo, pois parece que quanto menor for a quantidade de sal maior é a esperança de vida...deles, que não a nossa.