29.9.19

A pagela

À porta do Centro Comercial da Portela, por volta das onze horas, recebi um desdobrável com as caras de santinhas e de santinhos que anseiam pelo meu voto… 
Logo pensei na palavra «pagela», tendo tido a ideia de a escarrapachar numa mensagem… 
No entanto, desisti. 
Lembrei-me, a tempo, das decisões conciliares dos anos 60, apesar de ter ouvido o mordomo da arruada incentivar os camaradas a deslocarem-se para a porta das igrejas - Campo Grande e arredores - neste esplendoroso dia do Senhor.

27.9.19

Tudo o que queiram imaginar

"Isto" é tudo o que queiram imaginar… 
A definição é absurda, pois centra-se na ausência do nome, na ausência das coisas. O indefinido campeia não se sabe ao certo onde, ainda se fosse Deus, Ele andaria por perto e nós não teríamos razões para desabafar…Sobretudo, se vivêssemos despegados e despojados das coisas efémeras. Com Deus, seríamos eternos, verdadeiros, justos e bons… porque partilharíamos da sua bondade, da sua verdade e da sua justiça… 
Se estivéssemos com Deus, n'Ele encontraríamos a consolação, a misericórdia, em vez da desolação e da descrença…
"Isto" não é maneira de iniciar uma relação e muito menos uma conversação, mesmo que o Poeta se tenha deixado deslumbrar pelos boatos que ele próprio lançara.

26.9.19

Subertúgios reinóis

Uma coisa é saber, outra é ser conivente.
No exercício de certos cargos políticos, quando se dispõe de todas as ferramentas, é um crime não saber. 
No topo da hierarquia, não pode haver ocultação da informação. Se tal acontece, é porque há traição… e como tal, é necessário agir contra os traidores…
Do que vou ouvindo e lendo, parece que o principal problema é a falta de caráter. As demissões nunca são impostas, resultam sempre de razões pessoais que, como se sabe, são subterfúgios para iludir o vilão, na aceção medieval do termo.

24.9.19

À noite, ainda há almas...

Ainda não determinei a cor da chuva e ela, por aqui, tem sido tão pouca… O outono já chegou, cinzento ou, talvez, mais grisalho, só que, à noite, a cor do outono torna-se indistinta… 
Perguntam-me pela mudança - da manhã para a noite - e não sei bem o que responder, embora a luz noturna seja baça, o ruido sufocado e as almas ainda povoem as sombras…
As almas! Acabo de perceber que, à noite, ainda há almas que parecem procurar um rumo, sem, no entanto, terem tido qualquer notícia das calhas de outrora - da nora que jaz no quintal.

21.9.19

A cor da chuva

Às 8 da manhã, apanho o elevador, ainda com a ideia de que este não é seguro, mas que fazer quando se vive no 12º andar. Chego à rua, não chove, mas nas floreiras há gotículas da hora anterior e, de súbito, penso na cor, que não é de Sol. Será que a chuva tem cor?
Incompetente em questões de cor, como em tantas outras, fico a pensar nos jesuítas que já não querem salvar as almas. Agora o que importa é salvar o planeta, começando por sacralizar a vaca e eliminar o touro. Talvez, ainda haja lugar para o boi manso… há sempre um tasco, à porta da cantina universitária, ávido de vender um  suculento naco de carne!
O melhor é desligar antes que proíbam a Internet. Vou sentar-me a ler um livrinho cujo título é apelativo - La Divine Consolation - escrito por Maître Eckhart (1260-1328). Talvez ele me possa ajudar a compreender de que cor é a chuva.
(Antes ainda, vou tentar fotografar a cor da chuva…)

20.9.19

O valor dos homens na Rússia do Imperador Alexandre I

«L'Empereur a fait le Prince Kutusoff Maréchal, et lui a donné 100.000 roubles; sa femme a reçu le portrait, c'est de part et d'autre le nec plus ultra des honneurs. L'empereur a donné  plus de 100.000 roubles au Prince Bagration et 5 roubles à chaque soldat qui a combattu a Borodino.» Joseph de Maistre, Lettre à A. M. Le Comte de Front, Saint-Pétersbourg, 2(14) septembre 1812

Naquele tempo, um marechal valia 20000 soldados… a mulher do marechal tinha direito a retrato na galeria imperial… E um soldado, o que é que fazia com 5 rublos? Bebia-os.
E hoje, qual é a proporção, mesmo sem Napoleão?

17.9.19

Espero não ter de lá voltar

Não é que tenha grande significado, mas há um calendário a que nos habituamos e que, em certos casos, rege as nossas vidas. O calendário escolar, por exemplo.
Por estes dias, tem início um novo ano letivo, eu, porém, estou com a sensação de que o ano letivo de 2018-2019 só terminou hoje por volta das 13 horas.
O recuo no tempo é fisicamente impossível. Espero, contudo, não ter de lá voltar.

16.9.19

Precipitação

Por bastante tempo, convenci-me que Joseph de Maistre e (François) Xavier de Maistre eram a mesma pessoa… que Chambéry era um lugar da Saboia, quando, afinal, à época, a Saboia fazia parte do reino da Sardenha, com a capital em Turim… que quem escrevera du "Pape"… e "Voyage autour de ma Chambre" era a mesma personalidade… 
Afinal, Joseph e François eram irmãos, ambos ligados à Rússia, mas com histórias de vida bem distintas.
Joseph nasceu em 1753 em Chambéry e faleceu em Turim em 1821. O irmão, François, nasceu em Chambéry em 1763 e faleceu em 1852, em São Petersburgo.
Não é só a memória que nos atraiçoa. A pressa com que lemos e observamos o que nos cerca, precipita-nos no erro sem que, na maior parte das vezes, possamos corrigir a nossa perceção, quanto mais a daqueles, que, de algum modo, influenciamos.

13.9.19

Cuidado!

Cuidado com os Simuladores! (CGA, Segurança Social, Bancos…)
Ninguém sabe quem é que introduziu os dados nem se são verdadeiros.. Nem em que data foram introduzidos, num quadro legislativo em permanente mudança… E depois há a velha preguiça de quem toma a decisão final!
Estes simuladores que  têm vida própria podem dar cabo da vida - a verdadeira - de muita gente com grande proveito. Resta saber para quem…
Atrevo-me a questionar a inteligência e o anonimato dos Simuladores, porque vou ouvindo cálculos de pensões muito diferentes para pessoas do «nosso tempo», com carreiras contributivas muito semelhantes, mas com valores finais muito distintos.

10.9.19

Só o mar...

Já nada é insignificante. 
Tudo é mais do que parece…
Quem cumpre é facilmente acusado, mesmo que seja sempre bem educado…
É preciso caminhar com um olho no peixe outro no gato…
(E procurar não subir às cegas a árvore-ouriço.)
Ser equidistante é tramado,
pois todos sabem para que lado anda o rabo alçado.

Um destes dias, o sangue descerá a Avenida e só o mar lhe atalhará o passo.


6.9.19

Resposta a um jovem inquieto

Lembro-me do professor responder “Não, o sentimento é sempre o mesmo. A “tristeza” é a “tristeza.”” Acontece que dou por mim a ler livros onde, por exemplo, a palavra “soturnidade” é usada em detrimento da palavra “tristeza” e tenho a perceção que por isso não consigo perceber o livro da mesma maneira. Julgo que seja uma tristeza que eu não tenha vivido, e por isso se encontre escrito com uma palavra mais “colorida”. Só que isto parece reforçar a ideia de que esta “tristeza” não é a tristeza e que existem vários tipos de tristeza… (de um jovem inquieto)

O modo como exprimimos o sentimento é que varia… 
Sentimos antes da representação, verbal ou outra. E essa representação é que é determinada pelo objetivo que queremos atingir…  Ao anunciarmos que o sentimento foi de "tristeza" ou de "soturnidade", já estamos a pensar num efeito mais genérico ou mais sensorial… 
A sinonímia ajuda-nos a tipificar sensações, a graduá-las segundo conveniências, por vezes, inconfessáveis.
Na verdade, nós não lemos sensações, esforçamo-nos por interpretar representações, verbais ou outras, de alguém que tem o poder de nos enganar. 

5.9.19

A história de uma cor

Não sei se este meu amigo gosta da cor verde, mas, depois de sair da Estufa Fria, entrei na Livraria Francesa, e dei de caras com um livrinho de Michel Pastoureau, Vert, Histoire d'une Couleur… 
Pensei, talvez este meu amigo goste mais do azul ou, até, do amarelo, de qualquer modo ainda vai a tempo de ensaiar uma ou mais crónicas sobre o efeito da cor na vida do ser humano…
Entretanto, enquanto não recebe o livrinho, este meu amigo pode começar a alinhavar umas tantas memórias e a ordená-las de modo a criar um efeito de surpresa no futuro leitor.
E, claro, o editor pode começar as esfregar as mãos, ele que tanto valoriza a cor...

4.9.19

Da impiedade

«Ce ne fut donc que dans la première moitié du XVIII è siècle que l'impitié devint réellement une puissance.» Joseph de Maistre, in Essai sur le  principe générateur des constitutions politiques

Na minha abordagem, a impiedade não é traço de qualquer programa. É, apenas, a expressão irónica de rejeição da sabujice que vai alastrando… 
Está na moda  publicar listas de todo o tipo de objetos e de pessoas. O objetivo, no primeiro caso, é mercantil e, no segundo, é devassar…
Por exemplo, pela enésima vez, é publicada a lista das pensões vitalícias, sendo os seus beneficiários julgados na praça pública, como se delas se tivessem apropriado ao arrepio da Lei...
Estou em crer que quem as recebe as terá merecido ao prestar um serviço publico por nós solicitado… 
Se houve apropriação indevida, não sei... De qualquer modo, não me parece razão suficiente para que o jurista André Ventura faça uma vigília à porta do Tribunal Constitucional, mesmo que alguns membros do mesmo tenham beneficiado de tal prorrogativa...
Esta estratégia não passa de um modo de nos atirar poeira nos olhos em tempo de campanha eleitoral.

1.9.19

O interior

Até tem uma certa beleza, ígnea.
Uma beleza que tudo envolve, indiferente à mão humana…
Se nela nos perdermos, ela enlear-nos-á como se lhe pertencêssemos, como se fossemos o ouro inicial...
De regresso a um tempo anterior, ígneo, onde
nunca houve poeta, nem biblioteca, nem cardeal...
No palácio, o presidente já sonha que o poeta seja eleito pontífice...
Até tem uma certa beleza, ígnea, o interior - sem remorso.

Em setembro

Dormi mal, às voltas com um velho sofá, preocupado com as medidas - talvez não caiba no elevador!
Em setembro, regressa o sofá que, agora, alguém quer trocar por 'um bacalhau assado no forno' ou, talvez, gratinado...
Mas o problema de setembro não é o sofá, mas, sim, a dificuldade em libertar o presente do passado - estas horas já tão esfíngicas...
E a propósito de setembro, está na hora de voltar aos figos de outras idades - sem qualquer espécie de nostalgia, até porque a canícula derretia as juvenis esperanças de sono eterno.