31.1.20

O professor e o Louco

O professor e o Louco, 1998, de Simon Winchester ( geólogo, jornalista e escritor , a viver nos Estados Unidos. Nasceu no dia 28 de setembro de 1944, em Londres. Naturalizado como cidadão norte-americano a 4.11.2011.)
Durante o mês de janeiro li esta obra, fascinante pela sua forma narrativa de 'não-ficção, sobre a elaboração do Oxford English Dictionary, e fiquei a compreender como o trabalho do lexicógrafo exige disciplina, rigor e, sobretudo, capacidade de mobilizar recursos humanos devidamente habilitados e apaixonados pela vida da palavra... de tantas palavras que constituem cada idioma.
De todas as personagens, a que mais me cativa é a do "louco" - o Dr. Minor. Um ser intensíssimo, capaz de abonar milhares de palavras, mas que carrega um crime 'coletivo' que o torna num assassino, preso até à morte, sempre às voltas com um imaginário que o confina e o leva à sua própria castração, num desesperado combate contra as forças do mal.
Quanto ao professor, sempre no fio da navalha, mas sem nunca desistir nem do projeto nem do amigo..., sobretudo o James Murray.

30.1.20

O ovo flutuava e não estava podre

Surpreendentemente, o ovo flutuava...
Disseram-me que estava estragado, que o melhor seria deitá-lo fora antes que contaminasse os restantes. Assim mandava a tradição!
Desconfiado, decidi verificar o que a NET me poderia ensinar. Logo encontrei uma resposta bem diferente. 
De acordo com a investigadora Paula Teixeira do grupo de investigação em Microbiologia e Segurança Alimentar da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto:

"Não há maneira de saber se um ovo está contaminado por bactérias, porque elas não se veem". "Se um ovo flutua, isso significa que já tem algum tempo, mas não que está contaminado. Já um ovo que se afunda pode perfeitamente estar contaminado com bactérias".

Desconfiado, agora, dos ovos que se afundavam, deixei-os cozer, por igual, durante 10 minutos. Entretanto, chegou o momento de os descascar e, aí, aconteceu a verdadeira surpresa - o ovo flutuava porque lá dentro não havia nada! 

29.1.20

Sem grandeza

O que é feito da 'grandeza'?
Agora é só 'grandiosidade' que não rima nem com 'beleza', nem com 'riqueza' nem com 'pobreza'...
Será que na 'incerteza' seguimos a linha inglesa?

A verdade é que 'grandiosidade' rima com 'superioridade', com 'singularidade' - termos que podem ser associados a um certo 'transtorno de personalidade'...

Esta incursão verbal visa apenas mostrar a minha estranheza pela morte da 'grandeza', talvez expressão de qualquer fobia... associada a megalomania.

28.1.20

O grande e-fabulador

Despejam-nos em cima toneladas de informação supostamente verdadeira. No entanto, logo surge quem defenda a nulidade desse amontoado de mensagens, descontextualizadas e alinhadas numa narrativa digna de um grande e-fabulador... 
Por outro lado, mesmo que a informação possa ser tomada como verdadeira, coloca-se o problema  da qualidade da fonte. Ultimamente, a idoneidade das fontes é de tal modo questionada que o melhor é desconfiar de todas...
Por cá, à  mínima suspeição, há quem mande prender o mercúrio - deus pouco escrupuloso, mas bem informado dos desmandos de todas as horas.

26.1.20

O culto do dinheiro

«Uma das revelações mais inesperadas (ou talvez não) dos Luanda Leaks é a extensão inusitada em Portugal do fenómeno de cobardia e hipocrisia moral suscitadas pelo dinheiro.» Vicente Jorge Silva, 26-01-2020, Público

Vicente Jorge Silva deve estar a ironizar! O culto do dinheiro não é compatível com qualquer outro comportamento que não seja o da voraz apropriação, seguida de desenfreada ostentação...
E se por algum motivo mais ou menos ignóbil, a embarcação começa a meter água, os portugueses sempre souberam como fazer-se de mortos... A coragem de assumir a culpa é um bem raro...
Por outro lado, nesta fase da vida política nacional, qualquer escândalo vem a calhar para esconder a incompetência que campeia de norte a sul.

25.1.20

O remédio de Xi Jinping

«Face à la situation grave d’une épidémie qui s’accélère (...) il est nécessaire de renforcer la direction centralisée et unifiée du Comité central du Parti », a affirmé samedi le président Xi Jinping lors d’une réunion du comité permanent du Bureau politique du Parti communiste, l’instance de sept membres qui dirige le pays. 
https://www.lemonde.fr/
Contra o coronavirus, é necessário reforçar a direcção do comité central do Partido... Fechar as cidades, destacar centenas de médicos militares, construir novos hospitais em tempo inacreditável... Para grandes males, grandes remédios!
Por cá, é tudo mais suave! No entanto, parece que o coronavirus já aterrou em Lisboa. Terá chegado num voo internacional, incógnito...
Esperemos que o controlo das deslocações aéreas, terrestres e marítimas seja levado a sério.

24.1.20

Proscrito

Hoje, encontrei à venda por 2 euros dois volumes novos, imaculados, da obra "Pensar o Mundo" de Manuel Maria Carrilho..., com dedicatória a (?) - "este meu Pensar o Mundo obras 1982-2012, pelo que foi ficando, e admiração e amizade"...
Não queremos saber se o autor pensa acertadamente; preferimos que do seu pensamento nada fique... quanto à admiração e amizade, o gesto de deitar fora diz tudo. 
Na arena da opinião, ninguém sobrevive, nem a OBRA!
Estupefacto, encontrei estes dois volumes na Fábrica de Braço de Prata (Ulmeiro), pensados por um homem que, por vezes, vejo caminhar, escalavrado, e que, de todas as vezes, me faz pensar em todos aqueles cuja ação tornou proscritos...
E claro comprei por dois miseráveis euros uma obra que creio merecer melhor sorte... 

23.1.20

Agitemos a malta!

Não é que me apeteça ver o estilo caceteiro na Presidência da República, no entanto gostaria de ver a Ana Gomes como candidata nas próximas eleições.
Apesar do mau feitio, a Senhora sabe do que fala e isso é muito importante. Quanto ao António Costa, creio que essa candidatura até viria resolver-lhe muitos problemas, dentro e à esquerda do Partido Socialista...
O que faz falta é agitar a malta! 
Valete, fratres!

(À dr.ª Ana Gomes não falta a coragem, como noutros tempos, embora em estilo diverso, também não faltou à engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo.)

22.1.20

Em fissão

sobre o que esqueço, não sei que dizer
por mais rigoroso, descubro desatenção
sobre o que erro, não tenho perdão
o que ontem era certeza, hoje é escuridão
poderia dizer incerteza, mas seria dúvida sem remissão

nesta vida parece ser tudo em -ão
até a fissão...
me acelera o coração

vai por aí grande confusão?
espero que não.

Se ao menos eu conhecesse o átomo|

20.1.20

Iniciativa virtuosa

Há iniciativas virtuosas, como esta de comemorar os 50 anos da criação do Liceu de Sintra, antiga secção do Liceu Passos Manuel.
Eu que fui professor no Liceu Passos Manuel durante 3 anos, depois de um ano na Escola de Mafra e de fugaz passagem pela Dona Maria I, prestei serviço durante 20 anos na Escola Secundária de Santa Maria de Sintra (até 31 de Agosto de 1998). 
Um tempo rico, mas que as circunstâncias, em grande parte, apagaram. Rememoro por estes dias nomes e situações que pensava terem definitivamente ficado para trás. Mas não, afinal, há estímulos capazes de nos devolver não o tempo mas a memória, apesar das lacunas e dos equívocos... E até é possível tomar conhecimento de episódios que nos passaram ao lado... 
Já agora para os mais curiosos, informo que ainda lecciono na Escola Secundária de Camões, precisamente desde 1998 - Liceu inaugurado a 16 de outubro de 1909.

19.1.20

As musas

As musas trabalham intensamente antes que as pétalas murchem.
Não têm tempo para se queixar - no aproveitar é que está  a vida...
A literatura representa-as de modo distinto - em regra, amorosas e ociosas. Vivem nas margens dos rios, espreguiçam-se a sonhar com rouxinóis e filomenas, e só abandonam o salgueiral se enamoradas de algum poeta que lhes prometa imortalidade...
Como não sou poeta, não lhes faço promessas, limito-me a observá-las, enquanto a luz não nos deixa.
Entre elas parece não haver nenhuma filha de Mnemosine, a deusa que personificava a memória, apesar de cumprirem zelosamente a função que a Sorte lhes determinou.

16.1.20

Quando a prospetiva falta

Quando há uma alteração radical da estrutura do sistema educativo, como aconteceu nos anos 60 e 70 do século passado, ou quando há falta de prospetiva, como tem vindo a acontecer no ministério da educação desde os anos 80, o resultado só pode ser mobilizar recursos não preparados para as tarefas educativas.
Face à inevitabilidade da falta de professores, só há uma solução: reconverter os milhares de jovens com frequência do ensino superior, dando-lhes formação científica e pedagógica para que possam exercer a docência sem prejuízo para os alunos e com a devida gratificação profissional e pessoal.
No passado, o ministério da educação, só em parte, assegurou a formação pedagógica, deixando ao jovem professor  o encargo de completar a formação científica - muitos o fizeram, mas ainda há quem nunca tenha completado as necessárias habilitações.
Hoje, o que se anuncia não revela qualquer seriedade. Remenda-se, à espera que a solução caia do céu…É a mais barata e a mais mesquinha!

14.1.20

Janeiro avança...

Frio, pouco chuvoso, este janeiro preocupa e aconchega.
Longe e perto, a classe política continua a fingir que tem rumo, mas o que melhor sabe fazer é desarrumar as vidas e, em muitas situações, destruir a vida, seja ela humana ou não… e não tanto o planeta que esse está preparado para sobreviver. Planetas não faltarão!
Entretanto, para os lados do Monte da Lua, começa a organizar-se, no Facebook, um 'encontro' dos antigos alunos, funcionários e professores do Liceu, digo, Escola Secundária de Santa Maria, por ora Agrupamento…. Já estão identificadas mais de 7000 almas, apesar de umas tantas já nos terem deixado, muitas sem aviso prévio… e outras sem que lhes tivéssemos dado  atenção...
Pelo que me diz respeito, confesso que, apesar da neblina e da humidade, lá passei parte da vida ativa - 20 anos. De 1978 a 1998. Foram tempos de realização profissional intensa. Tão intensa que a memória se ressente da vertigem desse tempo… Pode ser que este reencontro aqueça os dias que vão escorrendo...

12.1.20

Sem exemplos não há abonação

O problema da qualidade da abonação atual depende dos exemplos escolhidos e sobretudo do critério. 
Será que ainda distinguimos os bons dos maus exemplos? Será que o que é um bom exemplo para uns é mau para outros e vice.-versa?
No passado, a abonação tinha em consideração a origem e as transformações, entretanto, ocorridas. E hoje?
Com tantos vira-casacas à solta, torna-se perigoso emitir um juízo de valor quanto mais abonar quem quer que seja, a começar pelo autor destas linhas…
Valha-nos o entendimento que da abonação tem Simon Winchester: «As abonações deviam mostrar exatamente o modo como uma palavra foi empregue ao longo dos séculos, como foi sofrendo mudanças subtis de significado, de ortografia ou de pronúncia e, talvez o mais importante, como e mais exatamente quando cada palavra entrou para a língua.» in O Professor e o Louco.

10.1.20

Por uma questão de coerência

A partir de hoje, decidi renomear a Caruma,  regressando ao tempo anterior… a nós.
Não querendo confundir aqueles com quem fui gastando os dias, este blogue passa a reconhecer os nomes pelos quais fui sendo nomeado - cabeleira; cabeleira gomes; gomes…
Em diferentes lugares fui sucessivamente tratado de modo distinto. Chegou a hora da síntese, já que a heteronímia me é avessa…
O gesto pode parecer incoerente, mas creio ser a melhor forma de deixar um fio condutor, a extinguir com o autor...
Melhor seria, talvez, evitar a ideia de autoria e cingir-me à criatura que foi rabiscando aqui e ali… O rabisco com as videiras lá longe, em latadas, no entanto, nunca chegou a ser para mim…


9.1.20

O ninho

Nenhum vento, nenhuma chuva. Nenhuma mão traquina. Nu, resiste à luz e, na sombra, espera o retorno, ciente de que não vai ficar, ali, ignorado…
Ainda há quem necessite do seu abrigo para que da casca possa eclodir a vida que, por ora, parece distante…
Só ele sabe que a vida é bem mais do que o tempo proclama… embora não saiba porque resiste ao vento, à chuva, à mão traquina.

(Há semanas que o observo, mas só hoje o ninho falou comigo.)

8.1.20

Da instrução do remoto infante

Os Lusíadas, canto III, 6 …

Entre a Zona que o Cancro senhoreia,
Meta setentrional do Sol luzente,
E aquela que por f ria se arreceia
Tanto, como a do meio por ardente,
Jaz a soberba Europa, a quem rodeia,
Pela parte do Arcturo e do Ocidente,
Com suas salsas ondas o Oceano,
E, pela Austral, o mar Mediterrano.

Da parte donde o dia vem nascendo,
Com Ásia se avizinha; mas o rio
Que dos montes Rifeios vai correndo,
Na alagoa Meótis, curvo o frio,
As divide: e o mar que, fero e horrendo,
Viu dos Gregos o irado senhorio,
Onde agora de Tróia triunfante
Não vê mais que a memória o navegante.
(…)
Eis aqui se descobre a nobre Espanha,
Como cabeça ali de Europa toda,

Em cujo senhorio o glória estranha
Muitas voltas tem dado a fatal roda;
Mas nunca poderá, com força ou manha,
A fortuna inquieta pôr-lhe noda,
Que lhe não tire o esforço e ousadia
Dos belicosos peitos que em si cria.
(…)
"Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa,

E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floresça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora, e lá na ardente
África estar quieto o não consente.

Esta é a ditosa pátria minha amada,
A qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela então os Íncolas primeiros.

Fernando Pessoa

 O DOS CASTELOS
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.


5.1.20

O frio não apaga a luz da manhã

Jardim Guerra Junqueiro
O frio não apaga a luz da manhã nem faz esquecer o desassossego da viagem interminável de quem, num ímpeto solar, se lançou ao caminho do mar...
Os trabalhos dos dias de regresso nem seriam assim tantos, não fosse o incómodo da vida safada daqueles que desconhecem o compromisso, o respeito e a responsabilidade…
A safadeza colou-se de tal modo à pele que é cada vez mais difícil distinguir a ignorância da maldade, se não forem consanguíneas…
Não fosse essa inclinação atávica, a luz desta fria manhã colheria em nós o fruto destes cactos, mesmo que alguns espinhos continuassem na nossa memória…
Entretanto, na Rua dos Navegantes, as grades corridas. Por perto, João de Deus - a referência cada vez  mais esquecida!
(…)
Ah! Parece que a Sagres zarpou. Só volta em 2021... vai em busca do Encoberto… ainda a tempo de entronizar Sua Alteza.

3.1.20

O atraso como regra

A partida estava agendada para 6 horas da manhã de ontem, na estação rodoviária do Oriente. Ao certo, não se sabe qual é a empresa nem o local de embarque - minutos antes das 6, chegam dois autocarros da Ibercoach… Entretanto, o passageiro lá conseguiu perceber que faz parte da lista afortunada de viajantes com destino a França, Luxemburgo e Alemanha…
No controlo e no arrumo de bagagens a cabo do motorista, somem-se 50 minutos… passageiros há que chegam às 6:30, como se fosse habitual! 
Enfim, o autocarro nº 100 lá parte às 6:54...
A viagem é longa, a passageira esperava chegar a Hamburgo por volta das 24 horas de hoje, necessitando de estar em Frankfurt (como previsto) por volta das 18 horas… Mas não, vai perder a ligação. Vai ter de comprar outro bilhete. Talvez chegue amanhã, a Hamburgo, às 6 h da manhã!

1.1.20

O trabalho do leitor

«Um biógrafo não deve nunca elaborar e enfeitar, mas um leitor que faça o seu trabalho consegue formar, com base num punhado de pistas deixadas aqui e ali, um retrato completo do retratado e do que o rodeia. Dos nossos murmúrios, ele extrai uma voz; muitas vezes, mesmo se nada dizemos a esse respeito, vê nitidamente como era esse que estamos a retratar, e, sem uma palavra que o guie, adivinha precisamente o que lhe iria na cabeça. Ora, é mesmo para leitores assim que escrevemos, pelo que um tal leitor facilmente verá que Orlando era uma estranha mescla de estados de espírito…» Virginia Woolf, Orlando, pág. 55, cavalo de ferro, 2019

(Biografia. Retrato. Estado de espírito.)

Ao leitor, mais do que elaborar retratos, cumpre especificar e interpretar a incongruência dos estados de espírito gerados pelo apagamento da Memória, resultante da descontinuidade das vidas e da evolução tecnológica.
Um destes dias, a Orlando, pouco interessa se macho se fêmea, nada necessitará de fazer e, sobretudo, ver-se-á liberto da necessidade de pensar… talvez possa mergulhar na Natureza e por lá ficar até ser submerso.