31.5.20

De costas

De costas e a cismar. Em quê?
Nos estafermos que proliferam por esse mundo fora…
Em comum, a falta de educação.
Em comum, o narcisismo.
Em comum, a megalomania.
Em comum, a vaidade.
Em comum, a vontade de destruir os valores que todos deveríamos prezar.

30.5.20

É estranha a vida neste final de maio!

Como se tivesse chegado a hora de redigir o testamento da burocracia cívica, os atos ordenam-se numa vertigem desinteressada…
De regresso à rua, o que mais enfeitiça é o jacarandá… o resto são vidas paradas e mascaradas, como se o todo tivesse desaparecido: fragmentos olham os teslas em movimento silencioso e pesaroso. 
Fujo do calor, incomodado, sem saber explicar por que motivo o termómetro do meu corpo regista 35 graus. E volto à leitura de textos filosóficos sem conseguir pensar o mundo…
Falta-me o método zetético! Já nem o mundo consigo julgar… E sobram-me os estafermos!

28.5.20

Um alerta descabido

Ana Mendes Godinho: “Com este Governo, os jovens não serão aconselhados a emigrar”

Talvez! Mas qual é o plano de reestruturação da economia nacional capaz de os integrar numa vida ativa e digna? Qual é o plano de formação capaz de os libertar do trabalho precário e mal remunerado?
O próprio conceito de emigração é falacioso, pois há muitas áreas de atividade em que o trabalho pode ser realizado sem deslocalização. Provavelmente, uma parte dos jovens mais empreendedores acabará a trabalhar para entidades transnacionais sem sair de casa…
Sozinhos não iremos a lado nenhum e os jovens muito menos!
A emigração, na maioria dos casos, sempre significou servidão, porque os emigrantes apenas são reconhecidos se forem pau para toda a obra, como aconteceu na Europa do pós-guerra ou mais recentemente, apesar da apregoada excelência dos nossos jovens…

27.5.20

Não os fotografo

Acabo de atravessar o Jardim Almeida Garrett na Portela de Loures. Oficialmente, neste concelho há 894 casos confirmados.  Neste jardim, grupos de familiares ou de amigos confraternizam alegremente. Não os fotografo para que não percam o anonimato - deixo-os com a insensatez de quem ainda não percebeu o problema... ou talvez o complexo nominal «distância social» não lhes diga nada ou não passe de absurdo verbal incapaz de representar a realidade.
Não é preciso imitar a vaca, mas bem podíamos aprender a afastar as moscas...

26.5.20

Ainda se soubessem florir!

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou para um «segundo pico imediato» do novo coronavírus em países onde a taxa de infeção por Covid-19 está a diminuir, caso sejam levantadas demasiado cedo as medidas de contenção.
Mike Ryan, diretor do programa de emergência da OMS, deixou o recado: Não podemos partir do princípio de que só porque a doença está a diminuir vai continuar a descer». «Temos alguns meses para nos prepararmos para uma segunda vaga», sublinhou, deixando claro que «podemos ter um segundo pico» da doença.
O aviso chega depois de, ontem, Maria Neira, diretora do departamento de Saúde Pública da OMS, ter dito que é «cada vez mais» improvável uma segunda grande vaga de Covid-19.

Todos falam em nome da OMS, mas cada autoridade tem uma opinião diferente sobre o problema. Ainda se soubessem florir!

24.5.20

Um touro confinado

Em Alcochete. O novo passeio ribeirinho continua interdito pela Proteção Civil - não falta espaço para cumprir o distanciamento social!
Em consequência, o povo vai-se atropelando nos passeios…, apesar de tudo estar mais ou menos às moscas. Neste caso, as moscas são os turistas que continuam ausentes…
Hoje, o rio mais não era do que um extenso lodaçal… Até o touro do parque infantil me pareceu farto do confinamento…

23.5.20

Um pavão irritante

Não é por causa dele, mas este pavão irrita-me. É que há tantos pavões por esse mundo fora que se torna impossível compreender o que está a acontecer à humanidade… 
A sedução é cada vez mais o caminho da aniquilação.
Gostaria de ser simpático com o pavão, mas não posso. Nele só vejo trapaça...

22.5.20

De ontem e de hoje

De ontem, ficou-me a sensação de que os códigos sociais de nada servem. O egoísmo arrasa qualquer convenção humana - dá cabo da cultura já em si cada vez mais relativizada…
De hoje, o recato da gestação - o isolamento como ato construtivo.
De qualquer modo, está em curso a estupidificação da sociedade - a sua infantilização, a que nem a ciência consegue esquivar-se.

21.5.20

Semáforo vermelho

Ministro do Ambiente explica normas: Semáforo vermelho não proíbe entrada nas praias. É UM CÓDIGO DE CORES!

O ambiente do senhor ministro, João Matos Fernandes, não se rege por códigos… 
Se a floresta está a arder, para quê interromper o caminho?
Se o vulcão entra em atividade, para quê abandonar o local?
Se no cruzamento abre o semáforo vermelho, para quê parar?
Nunca percebi por que motivo este senhor foi elevado à categoria de ministro do ambiente! Ainda pensei que fosse porque já não havia mais ninguém disponível, mas não, foi porque o exercício político é tão mais profícuo quanto mais ... for o titular. 
(Falta-me o atributo ou, em alternativa, a analogia - borboleta, talvez…)

20.5.20

O êxodo

Se o teletrabalho, se a teleaprendizagem estão para ficar, então as grandes concentrações humanas parecem ter os dias contados…
Viver em torres de babel será o futuro dos pobres, porque os ricos e os remediados perceberão que a vida nas zonas, por ora, mais esquecidas é mais sossegada, isto é, mais feliz…
As metrópoles serão ocupadas pela periferia, num combate suicida - a violência, a doença e a fome tomarão de assalto as sobras do capitalismo até ao seu colapso definitivo.
Dentro de 50 anos, a humanidade terá sofrido uma redução drástica, permitindo, assim, que a Terra renasça.

19.5.20

Na fase cínica

Estamos a entrar na fase cínica. Somos convidados a viajar, a ir à praia e aos restaurantes, para satisfação do fisco. Saídos da fase de solidariedade mediática, ficamos por nossa conta e risco… se só os velhos morrem, qual é o prejuízo?
Como escreveu Saramago: «os velhos calados e sombrios, mal seguros nos pés, babam-se, dia de bodo é o único em que se não lhes deseja a morte, por causa do prejuízo que seria. E há febres por aí, tosses, umas garrafinhas de aguardente que ajudam a passar o tempo e espairecem do frio. Se volta a chover, apanham-na toda, daqui ninguém arreda.» O ano da morte de Ricardo Reis, pág. 77, Porto editora.
Até já deixou de chover e o calor está aí, convidativo… quanto ao vírus, terá hibernado… 

18.5.20

Que ave é esta?

Garça noturna
Observei-a hoje no Jardim da Gulbenkian. Confinada como estava, não passava cavaco a ninguém. Ainda não era hora de almoço, e creio que ela se escondeu pois temia ser obrigada a almoçar com os nossos ilustres governantes.
Era lhe insuportável ouvi-los a vangloriarem-se do presente e a anunciar o futuro - todos juntos numa traineira no alto mar, a cumprir o esquema descoberto pelo líder supremo…
Que tristeza! Só pensam em ir a banhos e encher a pança… e ainda nos querem convencer que é esse  o caminho para nos salvar da bancarrota.
Pareceu-me triste, a ave! E eu gostava de lhe conhecer o nome...

17.5.20

A pinha está ali escondida...

A pinha está ali escondida, tal como Caruma. Talvez seja a sua dita!
Da pinha poderá cair uma semente, iniciando novo pinhal com muita caruma...
De Caruma pouco há a esperar, perdido na floresta virtual. Nem uma borboleta se vislumbra!
Hoje é domingo, mas poderia ser outro dia qualquer. O que todos querem é que os não aborreçam e os deixem fugir para o areal, com ou sem pinhal.
Sob as agulhas já vejo fagulhas, mas não faz mal!

16.5.20

Num jardim de Lisboa

A chuva que foi caindo deixou um belo quadro de verde líquido. 
Neste jardim, há mesas e cadeiras, mas ninguém se senta... Não há café, pastel de nata... nem sequer um jornal ou uma revista...
Há dois gansos com a respetiva ninhada - parecem ter chegado do Nilo! Uma idosa olha-os, sem arredar pé...
E depois há famílias, pares de namorados, todos sentados na relva... e também há solidão escondida em recantos sobrevoados por aves exóticas que insistem em ficar por Lisboa...
E lá por detrás, há bairros de que ninguém quer ouvir falar!

15.5.20

Numa avenida de Lisboa

Nesta avenida - que exagero, não passa de uma rua com dois sentidos!- por volta do meio-dia, torna-se difícil circular, de carro ou a pé…  Há veículos em segunda fila um pouco por todo o lado, e nos passeios, amontoam-se pessoas de todas as idades para comprarem o almoço pronto a devorar… Parece que já ninguém se dá ao trabalho de cozinhar!
Como não se entra nos estabelecimentos, fica-se nas imediações a cavaquear… as máscaras sobem e descem, de acordo com o grau de estranheza. Se caem ao chão, depois de uma sacudidela, voltam a ser colocadas ao pescoço e depois, sobem à boca e ao nariz, mas não totalmente, não vá o ar esgotar-se.
Nesta avenida de Lisboa, os comportamentos não divergem dos, por exemplo, da avenida de Moscavide. E curioso, quando penso nisso, apercebo-me que ambas são encimadas pela respetiva igreja…, uma mais rica, outra mais pobre, tal como os fregueses do estômago e dos deuses.

13.5.20

A morte dos macróbios

Neste blogue, nunca utilizei as palavras 'micróbio' e 'macróbio'. Aqui, desde 2006, terei repetido tantos vocábulos, a propósito e a despropósito! No entanto, apesar do termo me ser familiar, o 'micróbio' nunca despertou o meu interesse. Por sua vez, o 'macróbio' chamou a minha atenção ao ler a seguinte afirmação de José Saramago: «ceia melhorada nos asilos, que bem tratados são em Portugal os macróbios»... O ano da morte de Ricardo Reis, pág. 29. À época consultei o dicionário Aurélio, e fiquei esclarecido: aquele que vive muito ou tem idade avançada
Não pensei mais no assunto até que, com a chegada do Covid 19, percebi que este vírus vitimiza principalmente os longevos, provavelmente, os que têm ceia melhorada nos asilos, se bem entendermos a ironia saramaguiana. Em Portugal e no resto do mundo, sobretudo naquelas partes onde os mais velhos são colocados em depósitos bem rentáveis…, frequentemente clandestinos…
Os macróbios incomodam, mas enriquecem muita gente que, agora, vai sacudindo a água do capote.

11.5.20

Ideia absurda

De tanto ouvir, acabo por me interrogar sobre o significado de certas expressões. Por exemplo: 'regressar à normalidade'.
Se regressar já é, em si, prova de irrealismo, e não vale a pena voltar à água do rio, então, regressar à normalidade é uma monstruosidade...
Se antes do COVID-19, o planeta estava à beira do caos, do abismo, para quê voltar a esse estado de total desvario, de perdição?
O que sempre definiu o homem foi a sua capacidade de adaptação, ou melhor, de transformação da realidade.
Parece assim que este é o momento certo para nos reajustamos mais em função das necessidades do planeta do que dos nossos interesses. Ora o que ouvimos, a cada momento, é a voz do interesse egoísta - individual e coletivo.

10.5.20

Em casa

«Ce ne sont pas les informations qui font le journal, mais le journal qui fait l'information."Umberto Eco

Ficar em casa é deixar de ver a realidade, é ficar refém da mediatização.
No rio não se especula, não se intriga… as aves procuram o sustento, respeitando as distâncias...
Em casa, o mundo encolhe, deforma-se... torna-nos amorfos…
Saia de casa, aprenda com as aves.

9.5.20

Viajo com os suspeitos do costume

Em casa. Viajo. Nas últimas semanas, por Lisboa, com José Saramago. Ontem, iniciei nova viagem, por Milão, com Umberto Eco…E assim, sem sair de casa, retomo viagens já realizadas, mas que, vistas desta minha janela, estavam por concluir…Estas viagens, por vezes exigentes, têm o condão de me fazer avançar por lugares que julgara perdidos ou sem sentido...Quando viajo, não perco nada, ao contrário do Poeta que andava perdendo países para os poder, simplesmente, fingir.

7.5.20

Movimentos

As aves passam, levam consigo o arroz integral. Fazem-no em movimentos sôfregos e fortuitos… como se temessem a voracidade felina ou até humana…
Não sabem o que é o medo, mas pressentem o perigo, antiquíssimo, muito anterior à própria vida…
E nós, parece que não temos medo, deslocamo-nos em movimentos sinuosos, silenciosos, sabendo, de antemão, que as bombas de outras guerras foram suspensas - que não há razão para nos recolhermos nas caves…
No entanto, o que mais tememos é não ver nem ouvir o tracejado das gotículas assassinas, seletivas - antiquíssimas, muito anteriores à própria humanidade.
Arroz integral? E se fosse trigo roxo? Provavelmente, as aves afastavam-se, perdiam o apetite, deixavam de chamar a família para o repasto...
E nós? Ansiamos pela família e servimos-lhe trigo roxo!

5.5.20

O recolhimento

Voluntariamente, tenho vivido no ano de 1936, seguindo o caminho de Saramago. Não é fácil! Mas liberta-me do discurso sentencioso de quem não sabe recolher-se e, desta vez, não me estou a referir à prosa do nobel…
O confinamento como dever cívico soa-me a astúcia política de quem não quer perder ou  quer ganhar votos…
Creio que o recolhimento é a atitude mais sensata e mais desafiante. E, afinal, o José viveu uma parte da sua vida numa ilha vulcânica!

3.5.20

A cor de hoje

Amanhã, sem sair do lugar, o Tejo fica mais perto.
Embora haja quem pense ser possível voltar atrás - viver no passado - eu fico-me com a cor de hoje.
Agora, que passei a ler com a ajuda de uma lupa, sinto que a repetição está a tornar-se fastidiosa, porque mata a novidade…
O fulgor não se repete, apenas acontece.
Talvez seja por isso que me apetece partir, fazer o caminho sem olhar para trás.

O Tejo só ao longe!

Hoje é um daqueles dias em que descer até ao Tejo é proibido. 
Porquê? Por causa da delimitação de freguesias. Quem mora na Portela está obrigado a não atravessar a linha férrea até à meia noite.
Por ignorância ou por vontade de corrigir o destino, muitos desafiam a ordem instaurada… Censurável, talvez! 

1.5.20

Frutos de maio

Abril foi um mês absurdo! Não fosse a fome das aves, a clausura teria virado pesadelo…
Os gráficos de abril, apesar de animadores, foram desesperantes, porque, no essencial, servem para anunciar uma segunda onda… e, apesar de muitos sonharem com o regresso à praia, não estamos prontos para enfrentar este novo bojador.
Talvez maio nos possa evitar o mergulho na outra metade da laranja!
De qualquer modo, maio regressará! Resta saber se queremos voltar com as fores e os frutos ou se preferimos soçobrar no areal.