31.8.20

"Pura gelatina política"


Os filósofos podem ser cansativos, no entanto há que não desesperar, pois alguns acabam, efemeramente, por se dedicar à política, mesmo se da Cultura… Refiro-me a Manuel Maria Carrilho, cuja obra vou percorrendo com algum vagar - PENSAR O MUNDO, vol. I

Na página 818, encontrei a seguinte pérola:

«... ao contrário do PSD que é permanentemente ziguezagueante, com Marcelo Rebelo de Sousa a apresentar uma política de manhã e outra à tarde. À noite, em geral não tem nenhuma, porque está a pensar na do dia seguinte: Marcelo é, do meu ponto de vista, pura gelatina política.»

Ambos, Manuel Maria Carrilho e Marcelo Rebelo de Sousa, atribuem supremo valor à política cultural, mas… Ambos são cultos, mas… vivem em estado líquido.

28.8.20

O futuro

 

L'avenir n'est plus ce qu'il était. Paul Valéry

Era esperança, solução. Era vida!

Hoje, fechou-se a janela…  É um ponto de fuga, numa estação de serviço ocupada por mutantes…

Todos querem ser bruxos e curandeiros, dispondo da vida a seu bel-prazer…Enredados, pensamos que caminhamos, mas não - alcatruzes de uma nora de outrora, falhámos o pomar e, embora oiçamos a ave, deixámos de a ver...

Quanto à Festa do Avante, continuo a não ter nada a dizer, embora não perceba a preocupação da rapaziada do CDS - lembra-me aqueles jovens da linha de Cascais que, logo a seguir ao 25 de Abril, vinham atacar os alunos do Passos Manuel. 

27.8.20

A maré pouco importa!

Cada um segue os seus instintos. Pouco ou nada há a acrescentar. No fim do dia, nem sequer há a perceção de mudança, a não ser que a fome aperte ou que o frio incomode…
Crises para quê? Os sobressaltos já são em demasia e ninguém quer perder o tacho, grande ou pequeno…
(Todos os dias escrevo aqui, para depois recuar, sobre a Festa do Avante. E até hoje nenhuma ideia me pareceu razoável!)

26.8.20

À espera que a maré suba


À espera que a maré suba, que a noite chegue ou nem por isso. Mas se assim for, já não é espera, nem sequer do Godot. 
Dizem que saber esperar é uma virtude. Por exemplo, o alentejano é virtuoso porque sabe esperar. Espera no banco à beira da casa…
O alentejano, no entanto, só sabe esperar no banco da rua. Se o mandam para casa esperar, morre de tristeza. Não sabe o que fazer ao olhar...

24.8.20

Conversa adiada

Durante uns anos, o professor Carlos Eduardo Nunes Diogo colaborou comigo na formação de professores na Universidade Autónoma de Lisboa - a relação foi sempre cordata, apesar de parca em palavras… Mais tarde, encontrei-o na escola Secundária de Camões, como colega diligente e quase sempre sorridente. E as palavras continuaram raras, como se houvesse uma distância intransponível…

Hoje soube que o Carlos Diogo partiu, adiando as nossas palavras. Talvez, com mais tempo…

23.8.20

Está lá quase tudo...

Não creio que as palavras possam acrescentar o que quer que seja. Por elas, o silêncio é mais esclarecedor… O absurdo está em querer dizer por palavras o que nos escapa.  Ou em insistir em dizer por outras palavras. Metáforas para quê?

22.8.20

Agradeçamos! Vinde e dizimai-os!

O Reino Unido anunciou hoje um aumento do número de novos casos de covid-19, com o país a registar 1.288 infeções nas últimas 24 horas. Já em Itália, foram registados 1.071 casos de contágio, o maior aumento diário desde maio.

Ávidos da moeda do estrangeiro, abramos os mãos e acolhamo-lo nas nossas casas, deixemo-lo usufruir do pão e da cerveja e, no fim, revigorados da sua presença, dancemos até ao nascer do dia... se a ira divina não se tiver, entretanto, abatido sobre as nossas cabeças…

20.8.20

Não ter a quem servir

Não é um juízo! Pelo menos, livre. Apesar da rebeldia, que imaginava legítima, tudo o que dizia, mais do que fazia, era sempre uma resposta, embora não fosse confrontado…
Se a morte do estímulo acontecesse, a revolta perdia motivação e, no lugar dela, sobejava somente desorientação ou, em muitos casos, teimosia que, por vezes, era lida como convicção.
Não ter a quem servir aborrece-o!
Falta-lhe um rosto, mesmo se irado, mesmo se oculto. 
Paradoxalmente, hoje, serve um bicho invisível que o obriga a cumprir um dos objetivos da retórica - instituir a distância, estar atento aos movimentos do outro para que haja lugar para o confronto. 
O confronto e não o consenso! Como se a vida da Terra dependesse da eliminação quotidiana da memória…

19.8.20

Tudo sossegado

É assim! Uns correm para o litoral, outros para o interior. Aqui ao lado, poucos se movem. Nem as canas de pesca se agitam; descansam pensativas na corrente... Talvez as aves lhes tenham desviado o cardume! A maré vai cheia - a água do mar sobe, ali, para os lados da Póvoa de Santa Iria, ao contrário da mártir, que do Nabão foi dar nome às areias do Tejo… para, depois, continuar o seu caminho para lá da foz.
 

18.8.20

Mestre da inquietação

Uns afrontam-se alheios à condição. Outros, em nome de uma essência bacoca, descontextualizam tudo, como se fossem os únicos portadores da verdade... 
E depois há os apressados, formados na escola do oportunismo, que pensando agradar a gregos e a troianos, se dedicam a criar mamarrachos e a plantá-los um pouco por toda a parte.

E esta semana, sob pretexto de uma homenagem no dia em que Miguel Torga faria 113 anos, na quinta-feira, a junta de freguesia de São Martinho de Anta, lembrou-se de usar a raiz (do negrilho) como base para uma escultura do rosto do escritor transmontano, uma intervenção feita por Óscar Rodrigues. De acordo com o presidente da junta, José Gonçalves, a raiz estava a entrar em podridão, e houve, assim, uma súbita urgência de fazer alguma coisa. 

. Martinho de Anta, 26 de Abril de 1954

Na terra onde nasci há um só poeta.
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.

Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!

16.8.20

Preocupado

 

 
Li algures - no caso, talvez me acompanhem na alusão - que a retórica tem como objetivo assegurar a superioridade à causa mais fraca… No entanto, a formulação deve ser bem antiga, pois, no presente, observo precisamente o contrário… Exemplos todos conhecemos… O melhor é não os mencionar!
O que me intriga, de momento, é que haja gente tão inteligente e, ao mesmo tempo, tão estúpida - os termos deveriam ser antitéticos. Mas não: são compatíveis.
De qualquer modo, aceitamos ser governados por gente tão estúpida e que não tem pingo de inteligência. Entretanto, alguém me explica o que é que está a acontecer ao António Costa. Estou sem notícia dele desde o dia 11 deste mês!

14.8.20

Voa facilmente, a libelinha


Parece saber para onde vai e voa facilmente. Procura a água e as flores. Vive mais anos do que é suposto, mas só se deixa observar meio ano de cada vez...
Estranha forma de vida, colorida, e que obedece certamente a leis que lhe são naturais. Nós, que nos exibimos durante todo ano, não só definimos as leis, como as fazemos desiguais…

12.8.20

O retorno ao 'tempo normal'

O retorno ao 'tempo normal' não faz sentido. Se, no presente, suspeitamos a cada momento das ações, nossas e alheias, isso não é expressão de 'anormalidade'. Pelo contrário, a suspeita exige que olhemos à nossa volta, reconhecendo que no 'tempo normal' nos habituáramos a viver como se a terra fosse toda nossa.

Infelizmente, a procura desenfreada de uma vacina mais não é de que um sintoma de que não estamos preparados para abandonar o estilo de vida capitalista que, desde o final da guerra fria, foi derrubando fronteiras, enriquecendo uns, cegando outros, e condenando  à morte milhões de seres de todas as espécies…

O retorno ao 'tempo normal' é uma ideia insensata.

9.8.20

Só há ida, não há retorno

O enunciado "só há ida...", descobri-o em Manuel M. Carrilho. Não sei se é do próprio, mas serve para questionar as noções de identidade, de saudosismo, de messianismo… O regresso a um outro tempo individual ou coletivo não passa de uma fantasia por muito apegados que vivamos...

O que vamos fazendo é que nos define em cada tempo, sempre descontínuo. O relógio que carregamos é uma prisão inventada por quem nos quer condicionar o caminho. 

O ciclo das horas mortifica.

6.8.20

A capital desfalece

 A Avenida da Liberdade, às quatro da tarde, de pouco serve. Pouca atividade, trânsito reduzido. Turistas, meia dúzia…
No Jardim da Estrela, uma outra faceta da cidade. Muitos lisboetas espalhados pelos relvados; alguns turistas nas esplanadas; toilettes encerrados e os lagos, com muito pouca água. Um deles parece ter secado há uns meses… Os peixes têm os dias contados; os patos e os gansos estão em extinção.

3.8.20

O ruído mediático

A força do ruído mediático é avassaladora! 
Os media repetem entre si ocorrências, resultantes da falta de preparação profissional dos protagonistas do momento, visando transformá-las em acontecimentos, em vez de si referirem à miséria do amadorismo que se vai instalando - todos estamos aptos a desempenhar qualquer tarefa…
Entretanto, o país exulta com os resultados dos exames nacionais. Em determinadas disciplinas, as notas subiram três valores, porque, a partir do Covid-19, passou a ser possível obter 20 valores, mesmo se as respostas falhadas (opcionais?) correspondessem 6 valores. 
Correspondessem! Sim, porque, quando se ignora um sinal vermelho numa linha férrea, os efeitos não devem ser levados a sério - errar é humano… e, doravante, estimulado.
Espero que o pensamento de Karl Popper não tenha em nada contribuído para este ruído e para esta euforia.
E também espero que ninguém tenha decretado a morte da ironia…

1.8.20

No país dos inteligentes

"Estúpido é aquele que prejudica os outros sem obter benefícios para si…" (Carlo Cipolla)

Bem verdade! 
Como dos estúpidos não reza a Filosofia, estou em crer que vivo no país em que inteligência não escasseia. Basta observar a quantidade de processos que se arrastam na Justiça para perceber que muitos portugueses sabem como tirar proveito de toda e qualquer situação favorável ou desfavorável…
Nunca esqueci um livro de ensaios do Jorge de Sena - 'O Reino da Estupidez'. Nele, 'o estreitamento mental' era uma consequência do confinamento político e não um traço genuinamente português.