29.1.21

sonhos e pesadelos

Esta noite, já de madrugada, fartei-me de andar às voltas na cidade - qual cidade? - impedido de chegar a Coimbra… esqueci o lugar onde estacionara o carro… subi e desci, uma a uma, as ruas e as ruelas… e nada, sem pôr a hipótese de que o carro tivesse sido roubado. Minuto a minuto, hora a hora, e nada! E o prazo, que não era meu, a esgotar-se. Cheguei a pôr a hipótese de apanhar um táxi - ia e voltava… e talvez acabasse por me lembrar… mas nada…

Lembro-me agora que, muitas vezes, sonhara que chegava atrasado e que esquecera a sala a que me dirigia. Dava voltas sobre voltas, espreitando pelas janelas à espera de ver alguém conhecido, mas nada… 

O que parece é que a sala foi substituída pela cidade, talvez Leiria, e os alunos por um lugar onde terei deixado o carro que, para mim, só para mim, se tornou invisível… as ruas eram inclinadas e serpenteadas, estreitas e desertas... com arcos de outras memórias, janela aberta para o terreiro onde a justiça de Pedro crescia no sangue do assassino de Inês.

27.1.21

O que pensamos...

 


«O mundo não é o que pensamos.» Carlos Drummond de Andrade

O mundo não tem passado nem futuro. O mundo só tem presente e, ao contrário do que insinuamos, pouco sabemos sobre o mundo…

Falamos ao desafio, narcisos do momento, incapazes de abraçar o mundo, sem perceber que, sem ele, nem sequer existimos… De nada serve olhar para trás -  nem sequer os monstruosos crimes de ontem voltaremos a repetir… outros, mais novos e mais desesperados, se encarregarão de o fazer, se o mundo lhes conceder um último instante…

Narcisos do momento, fingimos arrependimento e atiramos a culpa para os oportunistas da Hora.

26.1.21

Em janeiro

Flor de medronheiro
                                                   

 A flor desperta a vida que ainda subsiste, apesar dos abutres que se vão multiplicando em territórios onde a esperança de abril morreu.

As meias-vitórias de 24 de janeiro só terão seguimento se o Poder continuar a esquecer aqueles que um dia sonharam viver melhores dias, aqueles que acreditaram que a Liberdade os libertaria dos desmandos dos Senhores da Terra.

Os pretextos que, agora, foram avançados são a expressão da incapacidade de tratar caso a caso cada situação, são a expressão da ignorância de quem governa…

Decidir exige avaliação e cautela.

24.1.21

O Padre Campos


O padre Fernando Campos da Silva, que foi reitor do Seminário de Santarém e vários anos vigário-geral da Diocese de Santarém, morreu este domingo, 24 de Janeiro, no seu quarto da casa sacerdotal.

Morreu aos 93 anos, vítima de covid-19.

O padre Fernando Campos nasceu na freguesia da Pena, Lisboa, no dia 20 de Março de 1929. Foi ordenado sacerdote em 29 de Junho de 1952, para o serviço do Patriarcado de Lisboa, pelo Cardeal Patriarca D. Manuel Gonçalves Cerejeira, após ter frequentado os Seminários do Patriarcado: Seminário de Santarém, onde entrou com 10 anos, São Paulo de Almada e Cristo Rei dos Olivais.

Se aqui registo o óbito é porque, apesar da distância temporal, foi uma daquelas pessoas que nunca deixou de estar presente na minha memória. 

Dele guardo o modo como soube lidar com a minha dúvida, que, na verdade, nunca me abandonou. Segui o caminho que me preparou, mesmo que, à data, anos 70, eu não tivesse consciência de que a porta que atravessava seria definitiva… 

22.1.21

Piripiri

 

Não podendo estar parado no jardim, fui caminhando sem convicção. Fechados, o parque infantil e a escola adjacente; nem os melros baixavam à cata de gramíneas…
Apenas dois ou três velhos aceleravam o passo, em círculos mal desenhados; as árvores despidas suportavam a hostilidade da ventania - ideia, evidentemente, fantasiosa. 
O que seria das árvores sem os ventos? E de mim?

De súbito, pensei na inutilidade do piripiri que colhera num jindungo. Juntara-o no bolso à chave do carro… 
E ali, no jardim, sobre a luminária, associei o inútil piripiri à inútil chave do que poderia ser a vida…

21.1.21

A literatura é o país dos pobres

Cruzeiro Seixas
A literatura é o país dos pobres. Enquanto a realidade for insuportável, deve competir ao imaginário dos livros conceber essa porta de saída para o ideal social. João de Melo, DN 26 de março de 1989
Agora que a realidade voltou a ser insuportável, qual é o papel da literatura (e da cultura) para escaparmos à crise sanitária, social e económica? 
No entanto, neste país cada vez mais pobre, a atividade cultural é a primeira a ser encerrada e varrida para os bastidores. 
Pensar-se-á que talvez a fruição literária possa suprir essa maldição. Mas como se a educação literária vive há muito acantonada?

19.1.21

A culpa não é do Bicho!

 

Dizem que a culpa é do Bicho, mas não me parece…

Entre as 8 e as 9 horas da manhã, estive a observá-lo de longe, e ele não se mexeu. Creio mesmo que ele não me viu! Ainda pensei que o Bicho fosse uma coruja esquecida naquela varanda, no entanto duvido.

Só não digo que o Bicho está exausto, porque ele não perdeu a altivez que o carateriza, embora esteja certo que ele agradece que não o incomodem…

Pois é! Não incomodar, não criar problemas, não ser irresponsável - a dificuldade maior!

Tenho para mim que todos somos responsáveis, mas só até um certo ponto.

Quando o mau exemplo vem do topo, desatamos todos a imitá-lo. O próprio Bicho já não sabe o que fazer e, então, de cabeça perdida, ataca a torto e a direito, sem olhar a quem..

17.1.21

Máscara para que te quero!

 


Se levo o cão à rua, não preciso de máscara!

Se saio acompanhado, não preciso de máscara!

Se me apetece fumar, não preciso de máscara!

Se decido ir correr, não preciso de máscara!

Se encontro um conhecido, não preciso de máscara!

De bicicleta e cabelo ao vento, não preciso de máscara!

(Sou um ator que deitou fora a máscara, porque no meu palco sou o protagonista!)



16.1.21

Os intocáveis!

As portas vão sendo encerradas, mas nem todas. 
À porta das que ficam abertas, formam-se pequenos grupos mascarados, mas sorridentes. Não se compreende porque estão ali, contentes de si, talvez, e lastimando a desgraça alheia, sempre com o mesmo argumento: não cumpriram e agora pagam.

Naquele sol, gozam a liberdade de desafiar a regra que, com tantas exceções, lhes permite circular permanentemente, pois há sempre uma necessidade premente de ir aqui e ali… e ficar na montra…

Sim, porque o mais importante é a montra que ajuda a fazer prova de vida e de intocabilidade.

Até que o diabo bata à porta… E aí é um ai jesus de que a culpa é dos que nunca cumprem.
 

14.1.21

No tempo morto


Estava a pensar que, quando fosse ao supermercado, poderia comprar um livro para ocupar o tempo morto, mas não é possível. Em alternativa, posso-me empanturrar de carnes e de bebidas mais ou menos espirituosas... que me adormecerão os sentidos e me atrofiarão a mente...

Parece-me uma estratégia acertada, pois, lá pelo meio do confinamento, terei de passar pela mesa de voto, e, nesse dia, comprenderei certamente que a leitura só me teria emperrado o discernimento…

E a propósito de palavras soltas, quero testemunhar, aqui, que, nos últimos meses, entrei por duas vezes numa igreja e não senti que o vento frio tivesse afetado qualquer um dos participantes na cerimónia - respetivamento, um funeral e um casamento…

Fiquei até com a sensação que, se desligarmos o ar condicionado e abrirmos as portas, tudo correrá de feição. 

No entanto, sempre que entro numa igreja, lembro-me dos comediantes que durante séculos se viram impedidos de deixar os ossos em solo sagrado. 

Talvez seja em nome dessa memória que respeitamos o Templo e deixamos que a Cultura definhe...

13.1.21

Em resumo...

 Em resumo, os inúteis vão ter de ficar em casa. Evitam-se, assim, males maiores, designadamente, o cavaco na esplanada, o exercicio no ginásio, o pasmo nas casas de espetáculo, a gula nas pastelarias e nos restaurantes … e a circulação de todos os morcegos - perigosos agentes de Mefistófeles.

12.1.21

Já não sei...


Já não sei se devo olhar de cá para lá, se de lá para cá. Sei, no entanto, que a escolha não é gratuita.

Num tempo em que a decisão se estribar, a todo o custo, no parecer  de cientistas, em franca divergência, o que vemos é que a escolha é cega - voltamos ao confinamento geral…

Hoje, mais 155 óbitos devido à Covid-19! Contudo, nos últimos 7 dias, morreram mais de 500 pessoas por dia... Parece que ninguém olha para esta face da realidade…

Do que oiço, uma das causas do acréscimo dos contágios reside na indisciplina em certos contextos. 

Como bem se sabe, disciplinar não deve ser um ato irracional. Exige vigilância e sanção... de proximidade. 

9.1.21

É DE PASMAR!

Ontem, 118 óbitos! E, hoje, quantos serão?

Gastam-se milhões, mas a evidência é que a ação é avulsa. A ação é reativa, está entregue a gente que não sabe enfrentar o problema.

Os lares continuam a não estar devidamente equipados. 

As populações, que não têm meios para proteger os seus velhos, continuam entregues a si próprias...

Os trabalhadores não são devidamente acautelados nos seus movimentos quotidianos

Os hospitais continuam a não ter os meios necessários para enfrentar situações de calamidade. 

A saúde continua a ser vista como um negócio altamente lucrativo.

FECHAR O PAÍS NÃO É SOLUÇÃO!

Chegamos ao ridículo de andar preocupados com as próximas eleições quando os candidatos sabem, de antemão, quem será o vencedor, aproveitando o tempo de antena para nos estupidificar um pouco mais… Por outro lado, em vez de defender o voto eletrónico, continuam a partilhar o erro de que a saída dos lares ou de casa para votar não trará mal ao mundo... ou que a recolha de voto poderá ser feita sem prejuízo para os mais fragilizados.

É DE PASMAR!

6.1.21

3 graus

 

Leiria
Faz frio, mais do que o habitual. O rio é outro! Mesmo que a imagem tenha sido capturada noutro dia, não tenho notícia que a neve o cubra, ao contrário de outros lugares, distantes, onde os corvos não param de voltear - pelo grasnido os reconheço…

Dos candidatos a PR não sei que dizer! Grasnam sobre a presa descuidada, à espera de lhe tomar o que resta da alma - o que, como é sabido, é o nada…

Não fosse a carcaça, e os corvos já teriam retirado…

Os números não enganam - nunca pensei tal dizer! Os velhos, com este frio e com estes corvos, estão condenados a morrer… a morrer, absurdamente.

O resto é  propaganda! 

4.1.21

8 graus

 

Leiria
Não nevou! Choveu noutro lugar qualquer. No alto ventou um pouco…

Movimento, só nas rotundas. Parece que servem para afunilar… e para glória de suas excelências…

Brigadas sob os viadutos silenciosos. Esperam os aceleras incautos!

As notícias insistem na mentira do ministério da justiça por causa do currículo do senhor Guerra. 

E eu a pensar que o responsável pelo currículo era o procurador…

2.1.21

Ponte sem serventia

 

De que me serve esta ponte? E todas as outras pontes para que servem por estes dias?

Do lado de cá, percorro a margem a pensar na inutilidade da travessia.

Por perto, a fila de carros cresce à procura de uma prova de que os excessos da quadra não despertaram o monstro que se esconde em cada toque, em cada gotícula inadvertida…

 A crença no efeito salvífico de um teste... substitui o Circo, obrigado a refugiar-se, inútil, na outra margem. 

1.1.21

Cedo a palavra

 

Foto de Daniel Gomes

Correm turvas as águas deste rio,
que as do Céu e as do monte as enturbaram;
os campos florecidos se secaram,
intratável se fez o vale, e frio.

Passou o verão, passou o ardente estio,
umas coisas por outras se trocaram;
os fementidos Fados já deixaram
do mundo o regimento, ou desvario.

Tem o tempo sua ordem já sabida;
o mundo, não; mas anda tão confuso,
que parece que dele Deus se esquece.

Casos, opiniões, natura e uso
fazem que nos pareça desta vida
que não há nela mais que o que parece.

Luís Vaz de Camões