S. Martinho
Pobre -------------- Tiago
Martinho ---------- Ricardo
Rainha Dona Leonor ---------
Fiéis ---------------
3 Pajens ----------- Marco e
Pedro...
Morte ------------ Magda
Job --------------- Rui
Orvalho ----------
Local : Igreja das Caldas da
Rainha
No dia do Corpus Christi de 1504
Adereços: capa; espada.
À semelhança
da representação do Auto da Índia penso que, devido à comodidade de
representação e também devido à falta de recursos, se devia fazer um cenário
completamente despojado e minimal.
No entanto os
actores, principalmente o pobre, deviam estar um pouco mais cuidados para um
maior realismo da peça.
O pobre encontra-se em frente à igreja do hospital
das Caldas, no meio de uma multidão de devotos cristãos. Encontra-se quase
sem roupa e coberto de chagas. Vai avançando e falando com diversas partes do
seu corpo: mãos, pés...
Pobre:
Oh pernas
minhas! Levai-me nem que seja mais um passo!
Mãos, peguem
naquele pau e descansem, por um momento, as dores de tanta paixão.
Deixai-me
passar por este caminho, para poder procurar o pão que alimente meu corpo
doente até que venha a morte, que eu quero por minha companheira.
De seguida, e depois de ter interpelado algumas
partes do seu corpo, dirige-se à assistência, que quer fazer participar na
ação. A assistência representa, aqui, vários tipos de cristãos.
Pobre:
Devotos
cristãos, dai esmola a este desventurado,
Olhai como
estou triste e magoado,
Olhai estes pés
e estas mãos dilaceradas,
Contemplai
estas chagas, que não têm cura;
São incuráveis
para azar meu,
Ai que padeço
de dores de morte!
E a vida que
levo é contra natura!
Olhai
mais uma vez o triste,
Que ainda
antes de morrer é comido pelos vermes;
Olhai o mal
servido de pés e mãos,
Olhai a
miséria deste pecador;
Dai-me esmola
por Aquele Senhor
Que vos
protege de tantas dores;
Esmola bendita
me dai, senhores;
Pois eu não a
posso ganhar com o meu suor,
Tende
compaixão deste pobre doente
Que, em tempos,
foi um mancebo são e lúcido.
O pobre fala imaginariamente a entidades
abstractas que poderão, ou não, ter corpos próprios.
Pobre:
Oh
Mundo, a que tristes dias me
trouxestes,
Eu que era
vigoroso e valente,
Homem de bom
semblante
Elogiado por
toda a gente.
Oh
Morte que tardas, quem te detém?
Eu já não me
atrevo a ser mais paciente!
Oh
paciência de Job,
Que queres que
eu faça com tantos tormentos?
Perdoa-me tu que os meus sofrimentos
Não podem silenciar a miséria em que vivo!
Fértil
orvalho, que te fiz eu?
Que as ervinhas florescem em Maio,
E sobre as minhas carnes não lanças um
saio
Nem as dores deixam que eu o ganhe.
Pobre:
Morte,
deixa as meninas, as donas,
E as donzelas
viver louçãs,
Deixa as aves
cantar,
E deixa os
rebanhos
andar pelas penedias.
Leva-me a mim!
Porque me desprezas
E matas quem
merece a vida?
Tira-me a
minha triste alma desta podre prisão,
Não queiras
mais sinais.
O Pobre volta novamente a pedir.
Dai-me agora
uma esmola pela paixão
Do filho de Deus
que pobre se viu,
Daquele que
por nós foi morto: ferido,
Flagelado e
crucificado pela redenção.
Olhai, agora,
ricos que bem me podeis
Dar os vossos
bens, pois sois tesoureiros,
Sede, assim,
bons despenseiros
E as vossas
riquezas duplicarão.
O Pobre queixa-se das chagas, das dores e da fome.
Entretanto, surge Martinho. O Martinho de
Tours, o que reparte a capa... Martinho não é mais do que a máscara de Leonor.
Pobre:
Devoto senhor,
real cavaleiro,
Volvei vossos
olhos para tanta pobreza,
Que Deus vos
recompense de vossa gentileza,
Dai-me
esmola, que eu morro de fome.
Martinho:
Irmão, agora
não trago dinheiro.
E voltando-se para a sua escolta:
Vós outros
trazeis dinheiro que possamos dar em nome de Deus?
Pajens:
Não, de modo
nenhum.
Martinho:
Nenhum de
vocês tem nada que dê a este romeiro?
Pobre:
Não há dor que
eu não sinta,
Senhor, tende
compaixão de meus males.
Martinho:
Quem
agora tivesse dessa paixão
A parte que
mais te atormenta!
Pobre:
Guarde-vos
Deus de tão grande afronta,
Deus vos dê riqueza e muita saúde,
Dai-me esmola por vossa virtude,
Que a minha grande pobreza não há quem a
sinta.
Martinho:
Não te posso
dar nada para as dores,
Nem aos teus
males posso pôr cobro.
Pois não trago
outra esmola,
Partamos,
aqui,
esta capa ao meio.
Rogo-te irmão
que rezes por mim,
pois ao
sofreres dores nesta triste vida,
A tua alma em
glória será recebida
com doces
cantares.
Enquanto com a espada corta a capa ao meio,
Martinho canta o Lauda Sion Salvatore:
Laus et honor
tibi sit rex Christe redemptor
Cum puerile
decus prompsit hosanna pium.
Gloria, laus
et honor...
Saem em procissão... do Corpus Christi
- Adaptação do Auto de Gil
Vicente "Martinho". Autores João Miranda ( 10º A) e Manuel
Gomes (2002-2003)
- antiga veste larga e com
abas e fraldão.