31.12.22

À porta de 2023


O que pensar?
De 2022, a memória é claramente negativa. 
Incapazes de negociar a paz, continuamos a festejar como se nada estivesse a acontecer...

Desejar o quê?
Só a paz! No entanto, quem pode não a quer.
O rebanho continua a pastar... 

Espero, assim, que, em 2023, seja possível afastar do poder os tiranos que espezinham a humanidade.

27.12.22

Foi Tudo e hoje é Nada


Poder-se-ia pensar que partiu no princípio do inverno, mas não: deixou de haver princípio e a ideia de retorno é-lhe absurda.
Nem sequer o tempo lhe pode abrir outra via.

Foi Tudo e hoje é  Nada. 
NIHIL!

As palavras costumeiras deixaram de fazer sentido... 

Que a sua lucidez não nos falte!

24.12.22

O milagre chegou mais cedo

Mais valia estar de olhos fechados a ver se os aranhiços somem de vez... dizem-me que eles são de curta duração - talvez três dias!
Mesmo que tal não aconteça, não tenho motivo para agravo, pois o milagre chegou mais cedo - já lá vão 10 dias depois de ter sido atropelado sobre uma passadeira e nada de grave terá acontecido - o impacto foi violento, mas o corpo defendeu-se bem.
De pouco serve acusar a condutora, que de nada se apercebeu, pois também ela foi vítima do mau funcionamento da chauffage. 
A culpa é, afinal, das condições de vida: chega-se do Brasil a Portugal na expectativa de trabalho bem remunerado que permita deslocar-se facilmente, mas tudo não passa de logro...
Solução: arranja-se um automóvel a cair aos bocados por umas centenas de euros, a pagar logo que a vida melhore… e depois é o que se sabe: a engrenagem cega… e pode matar.
Desta vez o milagre chegou mais cedo!

22.12.22

Desenfreados

 

Pensei que algo teria mudado no presépio dos Bombeiros Voluntários de Portela e Moscavide, mas tudo continua na mesma. Nem podia ser de outro modo. Afinal, de Belém para cá o que é que mudou?
O ser humano não tem cura por muito que pregue o contrário. Por ora, nem a pele natalícia consegue vestir... e não precisava de ser a lobo,  bastava a do cordeiro...
A verdade é que as armas não se calam e nem o frio as consegue travar.
Resta-nos o consumo, desenfreado.

16.12.22

Não estamos a falar...

Bombeiros voluntários de Moscavide e Portela
«Perde-se muito não falando com as pessoas.» José Saramago, Viagem a Portugal, pág. 89.

Escrever não é falar, mesmo que Saramago tenha sido exímio na arte de escrever como se estivesse a falar... 
Na escrita e na leitura não há interação entre as pessoas. Cada interlocutor fica sozinho com os seus pensamentos…
Faltam as 'presenças' e, consequentemente, faltam as réplicas e os seus efeitos - a ação verbal torna-se indireta e facilmente manipulável.
Já não há diálogo e onde este falha deixa de haver vida.
Apreciamos os símbolos, mas também eles são a expressão de um diálogo cada vez mais sem sentido.

12.12.22

É só olhar para o mapa...

Não há muito mais a dizer: Marrocos eliminou Portugal; Putin continua a destruir a Ucrânia, a seu belo prazer; no Irão, a liberdade de expressão abre a porta à forca; a Turquia ameaça bombardear Atenas... Enfim, é só olhar para o mapa, pois em cada canto há esbirros com ganas de destruir a torto e a direito…
Por cá, em tempo de rebofa, o preclaro caçarelho vai iniciar o périplo das 'urgências', com o ouvido na bola.

Com votos de Festas sossegadas, vou 'deliciar-me' com a Viagem a Portugal, de José Saramago, apesar do excesso de igrejas, mas a culpa não é do Viajante, mas, sim, das sombras que nos guiam...

10.12.22

A táctica falhou

(Marrocos eliminou Portugal no Mundial de Futebol.)

Eles sempre foram em maior número. Pelo menos, é o que nos ensinam desde as primeiras letras.
Perdemos mais uma vez e a culpa não foi da areia…
Deixámos o Cristiano no banco e atirámos os soldadinhos contra a muralha. De pouco serviu! Faltou-nos a Cruz de Cristo, mesmo se nela crucificado...
Ainda não é desta que El-Rei regressa!

8.12.22

Os sinais de inverno

 



Os sinais já são de inverno. No entanto, nunca se sabe, pois ninguém sabe o que o futuro nos reserva. Por outro lado, há quem insista em que só o presente é que conta...

Da Padroeira pouco se acrescenta, o que se entende, se até o Cristiano Ronaldo já começa a ser esquecido, por mais que ele esbraceje…

Nós somos assim! Bons garfos e beberrões, em estado de profunda amnésia.



6.12.22

Esmorece a circunstância

 

(Em dia de Portugal vs Suiça ou será ao contrário? 2 - 0 ao intervalo, com Cristiano Ronaldo a assistir.)

A informação é tanta que, às tantas, deixa de ser possível processá-la. Não há arquivo que a disponibilize quando necessária...
E depois surge a dúvida sobre se o conceito é adequado: os dados visuais e auditivos que vamos interiorizando são, na maioria, inúteis e prejudiciais à nossa saúde mental e financeira ou, em alternativa, guardamos nas memórias dos discos internos e externos.
Quando lá regressamos, parte da informação desapareceu, pois perdeu-se a circunstância.
Foram tantos os ficheiros que nos vimos obrigados a guardar sem critério legível: ou parávamos a identificar, a situar, a catalogar ou cumpríamos obrigações mais imediatas.
Suspendê-las não teria justificação, pois há necessidades que não podem ser adiadas. 

(Entretanto, Portugal já está a ganhar à Suiça por 4-0, com três golos do jovem Gonçalo Ramos... Resultado final: 6-1.)

1.12.22

Uma nova 'leitura' do 1º de Dezembro de 1640

“O ‘cavaleiro fidalgo’ Jerónimo da Costa e muitos dos duzentos e cinquenta outros ciganos que serviram nas fronteiras ‘procedendo na forma de traje e lugar dos naturais’ tombaram por Portugal“, recorda Marcelo, frisando a “homenagem” e “gratidão” que quer deixar expressa.

  • D. João III – 1538: “… que nenhum cigano, assim homem como mulher, entre em meus reinos e senhorios…” e “… entrando, sejam presos e publicamente açoutados com baraço e pregão”;
  • Regência de D. Catarina – 1557: repete-se a ordem de expulsão e acrescenta-se a pena de condenação às galés para os que não obedecerem;
  • D. Sebastião – 1573: repete as determinações anteriores, mas acrescenta que as mulheres não podem ser condenadas às galés, sendo-lhe aplicadas todas as outras penas;
  • D. Henrique – 1579: determina que se façam pregões em todos os lugares públicos, ordenando que os ciganos saiam do reino dentro de 30 dias; acrescenta que “qualquer um que seja achado fora deste tempo seja logo preso e açoitado publicamente no lugar onde for achado e degredado para sempre para as galés”;
  • Filipe I – 1592: faz nova ordem de expulsão do reino, a cumprir no prazo de 4 meses. Em alternativa, os ciganos deveriam fixar residência e deixar a vida nómada. Determina a pena de morte, sem apelo nem agravo, para todos os que se encontrassem, depois daquele prazo, a vagabundear pelo reino;
  • Filipe II – 1606: verificando-se o não cumprimento das leis anteriores, determinava-se novamente a expulsão dos ciganos. Acrescentava-se, para os prevaricadores, a pena de degredo e condenação às galés;
  • Filipe II – 1613: proibição de aceitar os ciganos como residentes no reino e determinação de expulsão de todos os que se aí se encontrassem, no prazo de 15 dias; acrescentavam-se penas idênticas às anteriores;
  • D. João IV – 1647: autorização para que os ciganos pudessem fixar residência nas seguintes localidades: Torres Vedras, Leiria, Ourém, Tomar, Alenquer, Montemor-o-Velho e Coimbra. Ficavam, no entanto, proibidos de falar a sua língua e a ensinarem aos filhos, bem como de usarem os seus fatos. Determinava-se ainda a obrigatoriedade de trabalharem. E os filhos com mais de 9 anos seriam tirados aos pais, indo servir para casas de não ciganos;
  • D. João IV – 1650: os ciganos foram aceites para servir nas fronteiras, respeitando as normas de fixação já impostas; determinava-se a pena de condenação às galés para os homens e degredo para Cabo Verde e Angola para as mulheres que não cumprissem a lei;
  • D. João IV – 1654: ordem de prisão para todos os ciganos que fossem encontrados no reino a vadiar;
  • D. Pedro II – 1689: os ciganos nascidos no reino eram novamente proibidos de vagabundear ou trazer trajes ciganos; deveriam fixar-se e viver como os restantes naturais do reino. Pena de morte para os incumpridores;
  • D. João V – 1707: decreto de expulsão de todos os ciganos do reino;
  • D. João V – 1708: nova decisão de expulsão, mas aceitando que os ciganos nascidos no reino e sedentarizados pudessem ficar;
  • D. João V – 1718: ordem geral de prisão e degredo para a Índia aos prevaricadores;
  • D. João V – 1745: nova lei de expulsão;
  • D. José – 1751: repetição das leis de expulsão total;
  • D. José – 1756: decretada pena de prisão a todos os ciganos perturbadores da ordem; obrigatoriedade de trabalharem nas obras públicas da cidade, até haver navios que os transportassem para Angola;
  • D. Maria – 1800: nova perseguição aos ciganos. Determinação de que se lhes retirassem as crianças, que seriam entregues à Casa Pia.
  • 1822 – Era concedida a cidadania a todos os ciganos nascidos em Portugal.
Apesar dos 200 anos que agora vencem, a discriminação ainda é grande, tal como a dificuldade de integração. Porque será?

30.11.22

Mais uma vez...

«Nascemos sem saber falar e morremos sem ter sabido dizer. Passa-se nossa vida entre o silêncio de quem está calado e o silêncio de quem não foi entendido, como uma abelha em torno de onde não há flores, paira incógnito um inútil destino.» Pessoa Inédito, No Jardim de Epicteto

Lembro mais uma vez que Fernando Pessoa nos deixou a 30 de novembro de 1935. O Tejo continua o mesmo do amanhecer e do entardecer do Livro das Horas. Embora o Poeta tenha dito que do Tejo se vai para o mundo, a verdade é que o Tejo no-lo devolveu inteiro para que nele pudéssemos descansar nas boas e nas más horas...
Com ou sem flores, continuamos à espera que o gládio se ilumine e nos faça descortinar a praia da Verdade. De tempos a tempos, o sino tange, e nós apressamos os passos inúteis...
Queremos falar, mas não sabemos o que dizer. Esvoaçamos apenas!

Lembro mais uma vez o tempo em que, juntos, encetámos um caminho sem lhe conhecer o rumo. Deu os frutos esperados da «besta sadia». Já decorreram 48 anos em que fomos falando mas, na verdade, ainda não sabemos o que dizer... e provavelmente nunca saberemos. A vida não passa de um INTERVALO no caminho que só os deuses podem antever.

Nota: O texto primeiro data de 30-11-2014. De lá até hoje, pouco foi acrescentado, a não ser o cansaço da Humanidade... e não, apenas, o cansaço do Ser.

26.11.22

A corrupção das verdades

«O que têm de mal as verdades é que, para se tornarem claras, acabam por ser corrompidas. A verdade é incompatível com a mística da sua utilidade.» Agustina Bessa-Luís, A Peste Emocional, Alegria do Mundo II.

Por exemplo: A Rússia está a destruir a Ucrânia. Outro exemplo: os Direitos Humanos não são respeitados em Portugal.
À força de quererem clarificar o conflito, os comentadores acabam por obscurecer a verdade.
Ir ao Catar falar de Direitos Humanos e das Mulheres é uma manobra de diversão, quando se é Presidente  de um país, onde a violência contra as mulheres cresce diariamente e os imigrantes 'vivem' em condições degradantes.

23.11.22

Não há alternativa

 

«Sempre os povos tomaram o ruído como manifestação de força...» Agustina Bessa-Luís, Alegria do Mundo II, 3-01-1973.
O título da crónica de Agustina 'Estrondo' é cada vez mais atual. Não há alternativa - vivemos num tempo ruidoso, em que o poder se constrói através do grito, do míssil, do atrofiamento do ouvido... 
Viver em silêncio deixou de ser opção. Ninguém quer ser dado como morto e por isso vamos assistindo a manifestações de afirmação cada vez mais disruptivas, em nome da glória pessoal.
Só o passado mergulha no esquecimento ou quem insiste em fugir do ruído.

19.11.22

O Futebol e os Direitos do Homem

 

Os Direitos do Homem estão magistral e presidencialmente suspensos.

Prioridade ao futebol!

De facto, já há muito que os Direitos do Homem eram uma causa perdida... como o Clima, de resto... e a Terra...

16.11.22

A democracia é uma empresa difícil


mcg /94 

(Da intenção pouco ou nada terá sobrado... a não ser registos esquecidos.)







 

Vetusta casa de madeira-e-zinco
castelo de esconderijos na Mafalala.
Nem a mim confiaste
onde a bom recato esconderas
" A Mãe " do Gorki.
Dos esbirros à paisana
inúteis foram as mil perguntas
sobre segredos absolutamente só meus
e livros por ti guardados
onde nem eu sabia.
.............................
Teu sigilo valeu-me.

José Craveirinha, Maria, 1988

A Camões
Quando nalma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e beleza.
Génio purificado  na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.
E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,
Não morrerá sem poetas nem soldados
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.
Manuel Bandeira, A cinza das horas

Hoje a realidade é de cristal
Duma delicadeza transparente
que mete medo
quando os olhos atravessam as coisas
até ao fumo do sal.
Continentes com tentáculos
esqueletos de sangue,
enlace
do Sol com o verde-mar esmaecido...
De vez em quando
alguém toca nas árvores,
nas flores, na pele 
- e é como tudo se quebrasse
em flores de vidro. 
José Gomes Ferreira, Poesia V

14.11.22

De Costa à contracosta

A falta de decoro acentua-se.
Em democracia, governa quem recebe o mandato do povo. No entanto, em Portugal, sob a capa da luta política, o voto significa cada vez menos... 
O Ministério Público tem uma agenda própria cujo objetivo principal é gerar instabilidade. E a oposição, bem informada, aproveita, apesar dos rabos-de-palha...
Por seu turno, o Costa Primeiro há muito que se deixou enredar nas malhas clientelistas do Partido, imaginando que a maioria absoluta lhe permite passar pelas brasas sem se chamuscar. Agora, ameaça processar o Costa Banqueiro, porque este perdeu o decoro que a função lhe exigia... Sem esquecer o Costa Economista que, por estes tempos, terá voltado as costas ao petróleo e lá vai apoiando uma juventude que quer defender a Terra, mas de forma cómoda... bem agasalhada e nutrida.
Só falta o Costa de Educação vir defender que o melhor é acabar com os exames porque os jovens merecem surfar a onda do momento...

Em matéria de falta de decoro, parece que o Cristiano Ronaldo também decidiu navegar de costa à contracosta, esperando que o mundo se ajoelhe a seus pés. De qualquer modo, vamos ver se ainda se redime no Catar, onde, não fosse a falta de decoro, ninguém deveria pôr os pés  no 'mundial de futebol'...

11.11.22

Estava longe de imaginar, o Duarte...


Talvez Ela já soubesse, mas no momento em que a fotografei,  estava longe de imaginar que iria reencontrar o Duarte e conhecer o Frei Bartolomeu de Santa Maria... (Ela, pensativa, expressava um certo desdém ou seria apenas surpresa?)
O Duarte, jovem cheio de convicções, sempre pronto a mostrar a sua admiração pela monarquia espanhola e a sua proximidade com o amigo Marcelo Rebelo de Sousa...
Encontrei-o numa nova fase da vida, preparando-se para o sacerdócio, que, naquele momento, esperava Frei Bartolomeu para o levar a almoçar ali ao lado, no Seminário dos Olivais...
Por instantes, a figura do frade fez-me regressar ao século XIX, a certos personagens de Almeida Garrett que, apesar de tudo, animavam a paisagem. (Apenas o smartphone destoava.)
Quem é que ainda se lembra desses tempos!?

8.11.22

Da resolução...

Volto atrás. 
Hoje, tratei de uma série de questões. Pensara escrever 'resolvi' ..., mas dei conta de que a resolução é um ato de ilusionismo.
Por exemplo, pensava que o Biden tinha resolvido o problema 'Trump', mas não, este está de volta para alegria dos destemperados deste mundo.
'Resolução' e 'solução' rimam, mas não mais, a não ser que estejamos a pensar em extermínio, individual ou coletivo.
Por agora, sinto  uma vibração que não vem da alma... um zumbido persistente - sem insectos - o que acaba por me sossegar...
Acreditar na mudança não passa de um ato ímpio de quem perdeu a noção do tempo.
No entanto, ainda chove. De vez em quando, copiosamente.

5.11.22

Na Trofa, o Presidente saiu do cargo

Este é um dia super feliz, mas há dias super infelizes. E verdadeiramente super infeliz para si será o dia em que eu descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que eu acho que deve ser. Nesse caso não lhe perdoo  (dirigindo-se à ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa). Espero que esse dia não chegue, mas estarei atento para o caso de chegar”, acentuou Marcelo.
Hoje, o Presidente saiu do cargo e vestiu a pele do cabo de esquadra. Pouco mais há a acrescentar... o homem desce a escada cada vez que abre a boca...

2.11.22

Cemitério de automóveis

Ainda a pensar 'nos corpos pesados do seu próprio esquecimento', hoje atravessei um cemitério de automóveis. De nada serve localizá-lo, pois todos os que procuram peças de substituição sabem a onde ir...
Cercado por estradas e viadutos, entra-se num mundo fechado, onde a cada passo somos olhados como intrusos. Várias ruas não têm saída, por isso o melhor é fazer de conta que se procura alguma lápide ou algum jazigo...
A vida não parece ser muita intensa, apesar de um ou outro forasteiro se aventurar a perguntar pela peça que lhe falta... No geral, a resposta é muda, apenas um gesto desprendido...
De qualquer modo, percebi que este cemitério abriga os restos de milhares de veículos, em tempos tão idolatrados, e não gostei do que vi... 
Entretanto, não pude deixar de pensar naqueles milhares de camiões que atolam o Brasil... Em nome do quê? Ainda não percebi bem!

31.10.22

A propósito ou, talvez, não

Quem se pronuncia é mais uma vez Agustina Bessa-Luís, como ela tanto gostava e sabia:

«Quando dos centenários arrastamos corpos pesados do seu próprio esquecimento, devemos pensar se eles foram autênticos desesperados; se eles tiveram no sangue essa fecunda frescura das chuvas novas, ou se levantaram apenas iras, próprias dos melancólicos.
Só os amados se devem ressuscitar. Outros, ainda que ávidos do seu século, rigorosos com o saber e o ajuste dele à ocasião e ao meio, não se chamem, não se convoquem, não se recuperem para outras eras e costumes. Pois o ódio nunca se extingue, se uma vez foi descoberto; ele é como a esperança, mistura-se a tudo o que é disponível, à beleza mesma e ao desejo do bem.» Alegria do Mundo II, Argila e Bronze...

Se a verdade e o amor podem ser extintos, o ódio nunca prescreve. 

27.10.22

Cito Natália Correia

Exercícios nucleares russos foram um ensaio para “obliterar” a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, garante responsável
(...)
EUA antecipam envio de bombas nucleares ‘melhoradas’ para as bases da NATO na Europa. Começam a chegar em dezembro

«Eu não tenho certezas, mas tenho convicções, e uma das minhas convicções mais firmes é que nascemos para a liberdade. E, no entanto, veja o paradoxo: essa liberdade, esse caminho para a liberdade está ser cada vez mais obscurecido por aquilo que observamos no nosso mundo de hoje. Nós chegamos a esta coisa terrível, o chamado equilíbrio nuclear, que é o jogo de escondidas de duas disponibilidades criminosas para suprimir a humanidade. A humanidade está hoje pronta (parece que está sempre pronta!) para pôr luto por si própria. Isto não é uma forma humana de viver.» Natália Correia, em entrevista do DN de 11-9-1983. 

25.10.22

Da sujidade

Caminho pela direita, a pé. Em sentido contrário, aproxima-se um indivíduo que vem na minha direção e não se desvia...
Fico a pensar que o cidadão, talvez,  seja originário das ilhas britânicas.
(...)
No lago a limpeza das águas continua já lá vão dois meses. O número de patos não diminui... mudaram-se para a margem oposta àquela em que os trabalhos decorrem.
(...)
As eleições decorrem no Brasil. O que é que leva os governantes lusitanos a interferirem na guerra política de outro o país?
(...)
Cá no prédio, há quem se entretenha a enviar os elevadores para o 12º andar com paragem em todos os pisos...
(...) E depois há a questão da 'bomba suja' ucraniana, queixam-se os russos. E que pensar da 'invasão suja' russa?

23.10.22

Adriano Moreira e a política de integração

(Adriano Moreira. Foi meu professor, no sentido mais absoluto da palavra, sem que nunca tenha ousado dirigir-lhe a palavra. Bastava ouvi-lo, lê-lo... Aqui ficam algumas notas de 1993-94 na Universidade Aberta.)

Política de Integração

  Adriano Moreira[1]:
 
                1. Emigração e povoamento[2]
                2. Integração Multirracial[3]
                3. Estatuto dos Indígenas
                4. Assimilados
                5. Regedorias rurais[4]
                6. O problema das terras[5]
 
                Legislação[6]
 
                Decreto de 18 de Nov. de 1869 pôs em vigor no Ultramar o Código Civil ... ressalvou os usos e costumes das regedorias, e ainda dos emigrantes orientais, como os baneanes, bátias, parses e mouros (velha prática de séculos).
                Ver a acção do ministro João Belo em 1926.
                Lei orgânica do Ultramar, de 27 de Junho de 1953 [ S. Tomé e Príncipe e Timor deixaram de estar abrangidas pelo estatuto dos indígenas, tal como sempre acontecera com o Estado da Índia, Macau e Cabo Verde ].
                Estatuto dos Indígenas - dec.-lei 39666 de 1954 [ estatuto do direito privado dependeria do estatuto político ].
                Revogação do estatuto dos indígenas - dec.-lei 43893, de 6091961
                Dec-lei 43894 de 6091961 - regulamento de ocupação e concessão de terrenos nas províncias ultramarinas.
                O Dec. Lei 43895 de 6091961 sobre o povoamento (...) "independentemente da modalidade de povoamento e seja autóctone, natural ou imigrante o elemento povoador."[7]
        Dec.-lei 43896 de 6091961 regulamenta a organização das regedorias: organizam-se as regedorias, de modo a fazer intervir na gestão dos interesses comuns, de acordo com os processos tradicionais pelos quais sempre manifestámos o maior respeito.[8]
                O Dec.-lei 43897 reconhece os usos e costumes locais.
                Dec.-lei 43898 de 6091961 sobre a ocupação judicial do território.
                O Dec.-lei 43899 de 6091961 legisla sobre os serviços de registo.
 
                Livros: 
            * Ensaios, de Adriano Moreira
            * Angola do meu coração, de João Falcato
         * Actas do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos (Dr. Gilberto Freire; Prof. Damião Peres e Prof. Adriano Moreira)
           * Coleção Autores Ultramarinos (Lisboa)
           * Coleção Imbondeiro [9]
 
                Bibliografia:
           * Azeredo, Guilhermina de Brancos e Negros (1º prémio do concurso de Literatura ultramarina), 1955, A-G do Ultramar.
            Belchior, Manuel Dias ( prefácio pelo Dr. Marcelo Caetano), Compreendamos os Negros, 1951, A-G do Ultramar
                Cidade, Hernâni, A Literatura Portuguesa e a expansão ultramarina, 1943, A-G. do Ultramar
                Correia, Elias  História de Angola, 2 volumes, 1937, A-G do Ultramar
                Dias, Gastão Sousa, Os Portugueses em Angola, 1959, A-G. do Ultramar
                Galvão, Henrique, Dembos, col. "Pelo Império", nº3
                Guimarães, Pina, Campanha do Humbe, col. "Pelo Império", nº44
                Lavradio, Marquês do, A Campanha do Bailundo, col. "Pelo Império",nº2
                Monteiro, Armindo Governação de Angola, 1935, A-G. do Ultramar
                Morais, Belo, Operações militares de 1904 - o Bailundo, col. "Pelo Império", nº 91
                Oliveira, José Osório, Literatura Africana, 1944, A-G. do Ultramar
                Pires, António, Sangue Cuanhama, (1º prémio do concurso literatura colonial), 1949, A-G. do Ultramar                   
                Santos, Afonso Costa V. T., Angola, Coração do Império, 1945, Agência-Geral do Ultramar
                * Soares, Freitas, As operações militares no sul de Angola em 1914-1915, A-G. do Ultramar
                Soromenho, Castro, Sertanejos de Angola, col. " Pelo Império", nº98  
           

[9] - 0p.cit. p. 298, 299,300 (artigo de Mário António) - extensão do mundo que o Português criou [ o problema da definição de "cultura angolana" e da interpenetração de culturas ]
[1] - Moreira, Adriano, Política de Integração, in Boletim Geral do Ultramar, nº 434-435
[2] - "o povoamento constitui a melhor e a mais imprescindível das armas para que seja confirmada a missão de Portugal em África, a bem de todos os africanos."op. cit., p.217.
[3] - ver p. 221, op.cit.
[4] - Yaka, (Pepetela) p.69, 156,165 + a exemplaridade do Soba Moma
[5] - Yaka - p. 157 + Soba Moma
[6] - Boletim Geral do Ultramar, nº 434-435, Agosto-Setembro de 1961
[7] - "Por aqui se vê que o povoamento a realizar não se limita à instalação de europeus em áreas que oferecem condições de desenvolvimento intensivo. Abrange também a sedentarização organizada, a transferência cuidadosamente preparada, a assimilação mais rápida e eficaz de populações indígenas que se têm mantido à margem das formas de vida e trabalho da civilização." op. cit. 218
[8] - op.cit. p.213

21.10.22

S. Martinho

 
S. Martinho[1]
 
Pobre -------------- Tiago
Martinho ---------- Ricardo
Rainha Dona Leonor ---------
Fiéis ---------------
3 Pajens ----------- Marco e Pedro...
Morte ------------ Magda
Job --------------- Rui
Orvalho ----------
 
Local : Igreja das Caldas da Rainha
No dia do Corpus Christi de 1504
Adereços: capa; espada.
 
 À semelhança da representação do Auto da Índia penso que, devido à comodidade de representação e também devido à falta de recursos, se devia fazer um cenário completamente despojado e minimal.
No entanto os actores, principalmente o pobre, deviam estar um pouco mais cuidados para um maior realismo da peça.

 
O pobre encontra-se em frente à igreja do hospital das Caldas, no meio de uma multidão de devotos cristãos. Encontra-se quase sem roupa e coberto de chagas. Vai avançando e falando com diversas partes do seu corpo: mãos, pés...
 
Pobre:

Oh pernas minhas! Levai-me nem que seja mais um passo!
Mãos, peguem naquele pau e descansem, por um momento, as dores de tanta paixão.
Deixai-me passar por este caminho, para poder procurar o pão que alimente meu corpo doente até que venha a morte, que eu quero por minha companheira.
 
De seguida, e depois de ter interpelado algumas partes do seu corpo, dirige-se à assistência, que quer fazer participar na ação. A assistência representa, aqui, vários tipos de cristãos.
 
 Pobre:
 
Devotos cristãos, dai esmola a este desventurado,
Olhai como estou triste e magoado,
Olhai estes pés e estas mãos dilaceradas,
Contemplai estas chagas, que não têm cura;
São incuráveis para azar meu,
Ai que padeço de dores de morte!
E a vida que levo é contra natura!
 
Olhai mais uma vez o triste,
Que ainda antes de morrer é comido pelos vermes;
Olhai o mal servido de  pés e  mãos,
Olhai a miséria deste pecador;
Dai-me esmola por Aquele Senhor
Que vos protege de tantas dores;
Esmola bendita me dai, senhores;
Pois eu não a posso ganhar com o meu suor,
Tende compaixão deste pobre doente
Que, em tempos, foi um mancebo são e lúcido.
 
O pobre fala imaginariamente a entidades abstractas que poderão, ou não, ter corpos próprios.

Pobre:
 
Oh Mundo, a que tristes dias me trouxestes,
Eu que era vigoroso e valente,
Homem de bom semblante
Elogiado por toda a gente.
Oh Morte que tardas, quem te detém?
Eu já não me atrevo a ser mais paciente!
Oh paciência de Job,
Que queres que eu faça com tantos tormentos?
 Perdoa-me tu que os meus sofrimentos
 Não podem silenciar a miséria em que vivo!
 Fértil orvalho, que te fiz eu?
 Que as ervinhas florescem em Maio,
 E sobre as minhas carnes não lanças um saio[2] 
 Nem as dores deixam que eu o ganhe.
 
 
Pobre:
 
Morte,  deixa as meninas, as donas,
E as donzelas viver louçãs,
Deixa as aves cantar,
E deixa os rebanhos andar pelas penedias.
Leva-me a mim! Porque me desprezas
E matas quem merece a vida?
Tira-me a minha triste alma desta podre prisão,
Não queiras mais sinais.
 
O Pobre volta novamente a pedir.
 
Dai-me agora uma esmola pela paixão
Do filho de Deus que pobre se viu,
Daquele que por nós foi morto: ferido,
Flagelado e crucificado pela redenção.
Olhai, agora, ricos que bem me podeis
Dar os vossos bens, pois sois tesoureiros,
Sede, assim, bons despenseiros
E as vossas riquezas duplicarão.
 
O Pobre queixa-se das chagas, das dores e da fome. Entretanto, surge Martinho. O Martinho de Tours, o que reparte a capa... Martinho não é mais do que a máscara de Leonor.
 
Pobre:
 
Devoto senhor, real cavaleiro,
Volvei vossos olhos para tanta pobreza,
Que Deus vos recompense de vossa gentileza,
Dai-me  esmola, que eu morro de fome.
 
Martinho:
 
Irmão, agora não trago dinheiro.
 
E voltando-se para a sua escolta:
 
Vós outros trazeis dinheiro que possamos dar em nome de Deus?
 
Pajens:
 
Não, de modo nenhum.
 
Martinho:
 
Nenhum de vocês tem nada que dê a este romeiro?
 
Pobre:
 
Não há dor que eu não sinta,
Senhor, tende compaixão de meus males.
 
Martinho:
 
 Quem agora tivesse dessa paixão
A parte que mais te atormenta!
 
Pobre:
 
 Guarde-vos Deus de tão grande afronta,
 Deus vos dê riqueza e muita saúde,
 Dai-me esmola por vossa virtude,
 Que a minha grande pobreza não há quem a sinta.
 
Martinho:
 
Não te posso dar nada para as dores,
Nem aos teus males posso pôr cobro.
Pois não trago outra esmola,
Partamos, aqui, esta capa ao meio.
Rogo-te irmão que rezes por mim,
pois ao sofreres dores nesta triste vida,
A tua alma em glória será recebida
com doces cantares.
 
Enquanto com a espada corta a capa ao meio, Martinho canta o Lauda Sion Salvatore:
 
Laus et honor tibi sit rex Christe redemptor
Cum puerile decus prompsit hosanna pium.
Gloria, laus et honor...
 
Saem em procissão... do Corpus Christi
[1] - Adaptação do Auto de Gil Vicente "Martinho". Autores João Miranda ( 10º A) e  Manuel Gomes (2002-2003)
[2] - antiga veste larga e com abas e fraldão.

19.10.22

Água de Outubro

 

A moral é da Agustina Bessa-Luís. Roubei-a de uma crónica intitulada 'Água de Maio'... Um lavrador, de visita a um filho deslumbrado com a cultura cosmopolita, respondeu do seguinte modo à pergunta ' - Conhece alguma coisa que possa valer mais do que isto, meu pai?':
- Um dia de água em Maio, lá na terra, vale muito mais .

Hoje, chove com alguma intensidade, o que, de facto, vale mais do que todos os planos, todos os debates, todas as acusações que a classe política vai atirando ao vento...

Água de Outubro, em vez de mistificações de bolso...

17.10.22

A tristeza do mundo


Tenho aqui ao lado, em planos distintos,  A Alegria do Mundo, da Agustina Bessa-Luís. A leitura deixa-me a sensação de que o título é demasiado subjetivo. Naqueles anos, o mundo não seria assim tão alegre! No entanto, a autora conseguia recriar as ruínas de tempos esquecidos, imaginando, assim, que participava ativamente de uma alma que só na província permanecia viva... Talvez a Sibila lhe tivesse soprado ao ouvido que o pior ainda estava para vir...
De todas as imagens que hoje vi, apesar do espírito festivo de umas poucas, também elas paroquiais, só decorre malvadez e impunidade. 
Várias placas se movem na expetativa de aniquilar uma grande parte da humanidade, como se estivesse em curso uma grande limpeza cósmica ...

14.10.22

No tempo em que se lia A Sibila de Agustina...

Abertura: diálogo entre Germana e Bernardo - continuação do diálogo iniciado no cap. XIX. (234) Sob o olhar de Germa: o velório (o seu significado sociológico) de Quina, reacções de Augusto, ingénuo, puro e bronco; o contraste entre a atitude dos familiares e a atitude de Augusto - o papel do discurso directo; a impressão de vazio - de fim de um tempo - entrecortada pela alegre gaita de beiços de Custódio, a transformação física de Custódio - o retrato de Custódio / o “fascínio do olhar morto”, o desgosto de Custódio - a analepse referente ao “amortalhar” de Quina - as reacção de Inácio Lucas. O testamento (238), Germa, a herdeira absoluta, excepto do que Quina adquirira após a morte de Maria... Reflexão sobre a herança, como empréstimo e não como dávida (239)
Custódio, porém, não ficava deserdado... esbanjador... recusa abandonar a Vessada - a vida de Custódio após a morte de Quina (240). A morte de Estina no verão seguinte (?) o caminho de Inácio Lucas .... Tinham passado dois anos (245)
Este diálogo introduz a situação / caracterização destas personagens e a questão essencial colocada pela obra: Quem sou eu / Germana?
A resposta é nos dada pela história da família Teixeira.
(...)
Cap. XVIII: A morte de Quina - p. 233-234
Comentário detalhado, sobretudo, em termos ideológicos: a concepção animista da vida e da morte face às concepções trágica e dramática; a singularidade da personagem-herói. O “diálogo” de Quina (consciência e, sobretudo, sentidos auditivo e visual) com os “passos” - a presença fantasmática da morte que atravessa a casa na direcção de Quina; a chama da vela e o vento. O papel da questão de retórica ( as estratégias do narrador: o ponto de vista). A noite alta e a madrugada. A morte: passagem / regresso ao cosmos. O advérbio de modo; a escolha do léxico; as comparações e as metáforas; o simbolismo; o contraste / paradoxo... a descrição dinâmica...
(...)
Num dia de chuva intensa - Outono, o carteiro anuncia o nascimento de Germa. (95) Quina detestava que lhe escrevessem postais - a indelicadeza: comunicação sujeita à curiosidade. Quina embriaga o carteiro. Maria manda-o embora.
Este nascimento não as entusiasmou (98).
(...)

“ De resto, a morte dum velho não inspira dor a outro velho - inspira pânico.” (89)
A vaidade de Quina:” Invadia-a uma exultação. “Ele precisa de mim - pensava -, ele está calmo e não sabe que vai morrer só porque eu quis assim...” (91) / a jubilosa agonia de Quina / o tom postiço da voz de Quina / penetrada de exultante felicidade(93)
“Na morte não há irmãos, ele já não é mais nosso...” (93)
O velho morreu de madrugada
Domingas, viúva, amortalhadeira, atreita a amores... Quina detestava-a, “pois a sabia enredadeira e mentirosa.” Dominga era a única mulher que “bendizia os homens” (92)
O abade e a casa da Vessada (94-95): “O padre era-lhes venerável, ainda que a criatura humana fosse para elas cheia de misérias.”

Só quem por lá passou compreende como a vida pode ser postiça... o resto é presunção e muita água benta para afogar as indelicadezas ...