Português - atividades



Santa Helena[1]

Havia um rei que era casado com uma senhora chamada D. Helena, que era muito boa de coração. Tinha o rei por costume ir passar o Verão para uma vila, que se ia para lá por mar, mas era na mesma terra. Vai um fidalgo e apostou com o rei que, quando viesse da viagem, lhe havia de dizer os sinais da rainha, e se não os dissesse que perdia todos os seus bens.
Estava o rei quase a chegar, mas o fidalgo não tinha ainda podido ver os sinais que a rainha tinha no corpo, e andava muito aflito porque perdia a aposta. Chegou-se uma velha a pedir-lhe esmola, e ele muito arrenegado disse que o deixasse. A velha insistiu mais:
- Conte-me o senhor o que tem, que eu arranjarei remédio para o seu mal.
O fidalgo contou-lhe tudo, e ela ofereceu-se para ir ao palácio e ver os sinais da rainha. Foi e levou um cartucho cheio de pulgas; chegou-se perto da rainha a pedir-lhe uma esmola; a rainha mandou-a entrar e como era muito caridosa, disse que dormisse ali aquela noite. A velha, quando todos estavam dormindo, foi à cama da rainha e despejou o canudo das pulgas, e foi para o quarto que lhe deram. Cheia de comichão a rainha tocou uma sineta e logo vieram todas as damas e aias do palácio, e no meio do barulho veio também a velha, e viu enquanto catavam a rainha, que ela tinha um sinal no peito. Pela manhã cedo foi ter com o fidalgo e contou-lhe tudo, e recebeu uma grande esmola. O fidalgo foi ao encontro do rei e lhe declarou o sinal de D. Helena; o rei ficou muito furioso, e quando chegou ao palácio, veio a rainha a abraçá-lo, mas ele afastou-a, dizendo:
- Traidora, que me foste infiel!
Ela caiu logo com um flato[2] para nunca mais falar; e o rei mandou fazer uma redoma de vidro, meteu-a dentro e foram-na deitar ao mar. A redoma foi ter à terra onde o rei costumava passar o Verão, e os pescadores de lá a encontraram e trouxeram-na para terra. Na palma da mão tinha escrito: Santa Helena. Fizeram-lhe uma ermida, onde guardaram a redoma. Vindo o rei àquele lugar, pediu para lhe contarem de quem era aquela redoma, e quando se chegou mais perto, conheceu logo que era sua esposa, e muito arrependido ali morreu deixando em lembrança que ninguém fizesse apostas.
( Ilha de S. Miguel – Açores)

 Questionário

1.     O que é que acontece na situação inicial que condiciona o desenlace?

2.     Qual é o papel do fidalgo neste conto?

2.1. Por que é que o fidalgo não foi castigado pelo rei?

3.     A velha revela ser mais inteligente do que qualquer outra personagem. Explica.

3.1. A que é que podemos atribuir a sabedoria dos “ velhos” nos contos orais (tradicionais)?

4.     Define conto oral (tradicional).

5.     Delimita o início e o fim do nó da intriga.

6.     Indica os traços mais importantes do carácter da rainha.

7.     Em que aspectos é que o comportamento do rei merece ser censurado?

8.     Mostra como é que este conto é uma história de «proveito e exemplo».

9.     Compara este conto com a “História de Uma Porta” de Camilo Castelo Branco  quanto:

9.1.  à localização da acção (espaço e tempo);

9.2. ao desenlace.

10.   Diz de que modo a locuçãoEm toda a parte há um pedaço de mau caminho” pode sintetizar o conto que acabaste analisar.

FIM 


[1]  - A peripécia deste conto, o sinal no peito da rainha, acha-se na Cimbelina de Shakespeare, em um conto de Boccaccio, e no poema da Idade Média Gerart de Nevers[2]  - Desmaio; fanico.



GRUPO I


Não sei que sonho me não descansa
E me faz mal…
Mas eia! o harmónio a guiar a dança
Nesse quintal.

E eu perco o fio ao que não existe
E oiço dançar,
Já não alheio, nem sequer triste,
Só de escutar.

Quanta alegria onde os outros são
E dançam bem!
Dei-lhes de graça meu coração
E o que ele tem.

Na noite calma o harmónio toca
Aquela dança,
E o que em mim sonha um momento evoca
Nova esperança.

Nova esperança que há de cessar
Quando, já dia, 
O harmónio eterno que há de acabar
Feche a alegria.

Ah, ser os outros! Se eu pudesse
Sem outros ser!
Enquanto o harmónio minha alma enchesse
De o não saber.
Fernando Pessoa, 10/10/1933

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Transcreva os versos onde o lexema “harmónio” está presente e comente-os de modo a explicitar a mensagem.
2. Caracterize a relação do “eu” com “os outros”.
3. Identifique duas interjeições e comente-as quanto à expressividade.
4. Explique o sentido dos seguintes versos:
a) Não sei que sonho me não descansa / E me faz mal…
b) E eu perco o fio ao que não existe
5. Divida o texto em sequências e explique a sua opção.
6. Por palavras suas, enuncie o assunto desta composição poética.
7. Indique o tema.
8. Explique a utilização do pretérito imperfeito do conjuntivo na última estrofe.
9. Identifique três processos de repetição e explique a função de cada um deles.
10. Recorrendo a exemplos do poema, integre-o na poesia de Pessoa ortónimo.


B
Fazendo apelo à sua experiência de leitura, exponha, num texto de sessenta a cento e vinte palavras, a sua opinião sobre a importância da “música” na poesia de Pessoa ortónimo.

GRUPO II

     Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, apresente uma reflexão sobre as ideias expressas no excerto a seguir transcrito, relativas ao agravamento do analfabetismo. Para fundamentar o seu ponto de vista, recorra a dois argumentos, ilustrando cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

    Quem é analfabeto nada lê, de facto, e também de facto pouco ou nada leem aqueles que beneficiaram de aprendizagens modernas mas evitam, recusam mesmo, porque antes do mais lhes intimida, toda a escrita que não lhes proponha uma sopa de letras liquidificada pelas tecnologias da mediatização, ou propostas ditas literárias devidas a talentos jornalísticos assim-assim que para se imporem chegam até a vigiar-se de muito perto, não venham a incorrer na desvantagem de querer voar eventualmente mais alto, o que aliás acabaria, quem sabe, por revelar, também, a efectiva tibieza dos seus reais talentos.
         Ruy Duarte de Carvalho, Desmedida, edições Cotovia, 2006 
_________________________________________________________________________________________________________________


GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
PARTE A
Leia o poema.
A tua voz fala amorosa...
Tão meiga fala que me esquece
Que é falsa a sua branda prosa.
Meu coração desentristece.
Sim, como a música sugere
O que na música não está,
Meu coração nada mais quer
Que a melodia que em ti há...
Amar-me? Quem o crera? Fala
Na mesma voz que nada diz
Se és uma música que embala.
Eu ouço, ignoro, e sou feliz.
Nem há felicidade falsa,
Enquanto dura é verdadeira.
Que importa o que a verdade exalça
Se sou feliz desta maneira?
Fernando Pessoa, 22.1.1929
1. Determine o tema e exponha o modo como o Poeta o desenvolve.
2. Identifique os termos utilizados para designar os interlocutores, explicitando a intencionalidade do discurso poético.
3. Considerando a relação coração – razão desenvolvida ao longo do poema, comente o recurso à interrogação retórica.
PARTE B
Leia o soneto. Se necessário consulte as notas.

EVOLUÇÃO
Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta…
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo…
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo…
Hoje sou homem – e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade…
Interrogo o infinito e às vezes choro…
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.
Antero de Quental
NOTAS

incógnita: desconhecida; que não se dá a conhecer.
limoso: em que há limo; género de planta da família das algas.
paul: terreno alagado com água estagnada; pântano.
glauco: de tom verde claro ou verde-azulado.
pascigo: lugar onde o gado pasta; pastagem; pasto

4. Identifique e analise a oposição passado / presente, especificando o tipo de evolução em cada um dos tempos.
5. Comente o 1º terceto, baseando-se no valor conotativo das seguintes expressões: sombra enorme e escada multiforme.
6. Refira a intencionalidade do Poeta ao escrever este poema.

PARTE C
7. Fernando Pessoa, ao longo da sua obra, aborda frequentemente o tema da felicidade.
Redija uma breve exposição sobre a importância desse tema na poesia de Fernando Pessoa ortónimo.

GRUPO II
(…) Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa. Pensou que havia sido mais uma ilusão de óptica, das que sempre estão a acontecer sem que lhes prestemos atenção, ou que o último copo de aguardente lhe assentara mal no fígado e na cabeça, mas, à cautela, deu um passo atrás para confirmar se, como é voz corrente, os espelhos não se enganam quando mostram. Pelo menos este tinha-se enganado: havia um homem a olhar de dentro do espelho, e esse homem não era Fernando Pessoa. Era até um pouco mais baixo, tinha a cara a puxar para o moreno, toda ela rapada. Num movimento inconsciente, Fernando levou a mão ao lábio superior, depois respirou com infantil alívio, o bigode estava lá. Muita coisa se pode esperar de figuras que apareçam nos espelhos, menos que falem. E como estes, Fernando e a imagem que não era sua, não iriam ficar ali eternamente a olhar-se, Fernando Pessoa disse: “Chamo-me Ricardo Reis.” O outro sorriu, assentiu com a cabeça e desapareceu. Durante um momento, o espelho ficou vazio, nu, mas logo outra imagem surgiu, a de um homem magro, pálido, com aspeto de quem não vai ter muita vida para gozar. A Fernando Pessoa pareceu-lhe que este deveria ter sido o primeiro, porém não fez qualquer comentário, só disse: “Chamo-me Alberto Caeiro.” O outro não sorriu, acenou apenas, frouxamente, concordando, e foi-se embora. Fernando Pessoa deixou-se ficar à espera, sempre tinha ouvido dizer que não havia dois sem três. A terceira figura tardou uns segundos, era um homem do tipo daqueles que exibem saúde para dar e vender, com o ar inconfundível de engenheiro diplomado em Inglaterra. Fernando disse: “Chamo-me Álvaro de Campos”, mas desta vez não esperou que a imagem desaparecesse do espelho, afastou-se ele, provavelmente cansou-se de ter sido tantos em tão pouco tempo.
(José Saramago, Fernando Pessoas (excerto), Público, 10 dezembro 1995)

1. Na perspetiva de José Saramago, a descoberta dos heterónimos resultou
(A) de uma ilusão de óptica.
(B) de um encontro na rua dos Douradores.
(C) do consumo excessivo de álcool.
(D) da imaginação criativa do poeta.
2. Na frase «dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem», o Autor quer dizer que
(A) os dias são enfadonhos.
(B) os dias são iguais em qualquer lugar.
(C) os dias só para o homem se tornam diferentes.
(D) os dias dos poetas são diferentes dos restantes homens.
3. Em «Pensou que havia sido mais uma ilusão de óptica», o Poeta terá pensado que fora traído
(A) pelo espelho.
(B) pelo coração.
(C) pela imaginação.
(D) pelo sentido visual.
4. Na frase «Fernando Pessoa deixou-se ficar à espera, sempre tinha ouvido…», as formas verbais têm, respetivamente, um valor aspetual
(A) perfetivo e iterativo.
(B) habitual e perfetivo.
(C) Imperfetivo e perfetivo.
(D) Perfetivo e genérico.
5. Classifique quanto à modalidade e ao valor os seguintes enunciados:
a) «…. provavelmente cansou-se de ter sido tantos em tão pouco tempo.»
b) «A Fernando Pessoa pareceu-lhe que este deveria ter sido o primeiro…»
6. Divida e classifique as orações em «A terceira figura tardou uns segundos, era um homem do tipo daqueles que exibem saúde para dar e vender.»
7. Indique o tempo e o modo da expressão «este tinha-se enganado» e reescreva-a no tempo equivalente, mas simples.

GRUPO III
Num texto devidamente estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, exponha o seu ponto de vista sobre a seguinte ideia:
A cada dia que passa, a liberdade perde terreno, deixando de ser a única aspiração humana.


_________________________________________________________________________________

GRUPO I

A

Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.
Fernando Pessoa, 20/3/1931

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1.      Que papel desempenha a “nuvem” neste poema? 
2.      Comente a mudança que ocorre na passagem da 1ª para a 2ª estrofe, em termos de construção frásica.
3.      Qual é o antecedente de “céu sem gente” e que relação semântica é que esses dois termos estabelecem entre si?
4.      O «eu» chora diferentemente do que é comum no ser humano. Explique porquê.
5.      Identifique e refira a intencionalidade da comparação presente na 2ª estrofe.
6.      Explique o sentido dos seguintes versos: Dou à saudade a riqueza / De emoção que a hora tece.
7.      Divida o texto em sequências e explique a sua opção.
8.      Explique, à luz da teoria sensacionista, a última estrofe deste poema.
9.      Qual é o tema deste poema?
10.  Recorrendo a exemplos do texto, integre-o na poesia de Pessoa ortónimo.

B

 Fazendo apelo à sua experiência de leitura, exponha, num texto de sessenta a cento e vinte palavras, a sua opinião sobre a importância do “passado” na poesia de Pessoa ortónimo. 

GRUPO II

          Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, apresente uma reflexão sobre as ideias expressas no excerto a seguir transcrito, relativas à construção da vida moral. Para fundamentar o seu ponto de vista, recorra a dois argumentos, ilustrando cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

          O domínio da responsabilidade é sempre incerto: excedemos tão facilmente como não chegamos a cumprir as exigências da «ação responsável». A vida moral é uma vida de incerteza interminável. Constrói-se com tijolos de dúvidas cimentadas com a argamassa da autorrecriminação. Uma vez que as fronteiras do bem e do mal não estão de antemão traçadas, vão-se desenhando durante o curso da ação, e esta maneira de tentar desenhá-las faz com que se pareçam mais com uma sucessão de pegadas do que com um mapa de estradas.
           Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada, Relógio d’Água, 2007


___________________________________________________________________________________________________

GRUPO I

Texto

Sim, dum cais, dum cais dalgum modo material,
Real, visível como cais, cais realmente,
O Cais absoluto por cujo modelo inconscientemente imitado,
Insensivelmente evocado,
Nós os homens construímos
Os nossos cais nos nossos portos,
Os nossos cais de pedra actual sobre água verdadeira,
Que depois de construídos se anunciam de repente
Coisas-Reais Espíritos –Coisas, Entidades em Pedra-Almas,
A certos momentos nossos de sentimento-raiz
Quando no mundo-exterior como que se abre uma porta
E, sem que nada se altere,
Tudo se revela diverso.
Ah o Grande Cais donde partimos em Navios-Nações!
O Grande Cais Anterior, eterno e divino!
De que porto? Em que águas? E porque penso eu isto?
Grandes Cais como os outros cais, mas o Único.
Cheio como eles de silêncios rumorosos nas antemanhãs,
E desabrochando com as manhãs num ruído de guindastes
E chegadas de comboios de mercadorias,
E sob a nuvem negra e ocasional e leve
Do fundo das chaminés das fábricas próximas
Que lhe sombreia o chão preto de carvão pequenino que brilha,
Como se fosse a sombra duma nuvem que passasse sobre a água sombria.
Ah, que essencialidade de mistério e sentido parados
Em divino êxtase revelador
Às horas cor de silêncios e angústias
Não é ponte entre qualquer cais e o Cais!
          Álvaro de Campos, Ode Marítima  
Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1.    No início deste extrato de “Ode Marítima”, o recurso ao advérbio de afirmação “sim” parece querer confirmar e concluir um raciocínio. Qual?
2.       Identifique as palavras-chave do poema, explicando a sua opção.
3.   Neste poema, a existência do “mundo-exterior” não se justifica por si. Como é que Álvaro de Campos explica a realidade por ele percecionada?
4.       Explique o sentido dos versos: E, sem que nada se altere, /Tudo se revela diverso.
5.    Nos versos 14 a 17, o Poeta adota um tom exclamativo e interrogativo. Caracterize a relação do sujeito poético com o “Grande Cais”.
6.     Relê a última estrofe e explica por que motivo o Poeta para se referir ao [cais] utiliza ora a letra minúscula ora a letra maiúscula.
7.       Comente o verso “Às horas cor de silêncios e angústias” quanto à sua expressividade.
8.      Baseando-se na leitura da Ode Triunfal e da Ode Marítima, caracterize a “escrita” de Álvaro de Campos, distinguindo-a da de Alberto Caeiro.

GRUPO II

       Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, apresente uma reflexão sobre a ideia expressa, no excerto a seguir transcrito, relativa à familiaridade excessiva. Para fundamentar o seu ponto de vista, recorra a dois argumentos, ilustrando cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

As pessoas que em nós confiam inteiramente esperam que, de igual modo, nós confiemos nelas. É um raciocínio errado; as confidências que fazemos não nos dão qualquer direito.”
Nietzsche, Humano, demasiado humano

____________________________________________________________________________________________________



GRUPO I

A

Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as flores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.  
Alberto Caeiro, 7/11/1915

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
  1. Identifique as palavras-chave do poema, explicando a sua opção. 
  2. Caracterize a relação do sujeito poético com a “realidade”
  3.  Explique o sentido dos versos: Por isso, se morrer agora, morro contente, / Porque tudo é real e tudo está certo. / 
  4. Quais são os conectores ou articuladores discursivos que servem a atitude argumentativa visível no poema? 
  5. Mostre os aspetos em que a conceção de vida do sujeito poético é diferente da do homem comum. 
  6. Classifique a relação semântica presente nos seguintes pares: primavera / flores; primavera /tempo.
  7.  “Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo; /E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. / Identifique os tempos e os modos verbais e exponha o valor de cada um deles. 
  8. Baseando-se neste poema, caracterize a “escrita” de Alberto Caeiro, distinguindo-a da de Fernando Pessoa ortónimo.

B

Num texto de oitenta a cento e vinte palavras, comente a seguinte afirmação de Robert Bréchon:
O universo de Caeiro é plano, sem profundidade, sem significado, mas também sem vácuos de sentido, visto que cada coisa se significa plenamente e apenas a si própria.” 
Estranho Estrangeiro, Uma biografia de Fernando Pessoa

GRUPO II

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, apresente uma reflexão sobre a ideia expressa, no excerto a seguir transcrito, relativa ao egoísmo. Para fundamentar o seu ponto de vista, recorra a dois argumentos, ilustrando cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

“O egoísta não é aquele que vive como mais lhe agrada, mas aquele que exige aos outros que vivam como ele quer.”
       O. Wilde, Aforismos.
________________________________________________________________________________


Texto
Matilde de Melo (uma mulher de meia idade, vestida de negro e desgrenhada – Está a falar sozinha. Já o estava possivelmente, antes de surgir no palco.)
Ensina-se-lhes que sejam valentes, para um dia virem a ser julgados por covardes!
Ensina-se-lhes que sejam justos, para viverem num mundo em que reina a injustiça!
Ensina-se-lhes que sejam leais, para que a lealdade, um dia os leve à forca!
(Levanta-se)
Não seria mais humano, mais honesto, ensiná-los de pequeninos, a viverem em paz com a hipocrisia do mundo?
(Pausa)
Quem é mais feliz: o que luta por uma vida digna e acaba na forca, ou o que vive em paz com a sua inconsciência e acaba respeitado por todos?
(Encaminha-se para uma cómoda velha que surge, iluminada, à sua esquerda – Fala com rancor.)
Se o meu filho fosse vivo, havia de fazer dele um homem de bem, desses que vão ao teatro e a tudo assistem, com sorrisos alarves, fingindo nada terem a ver com o que se passa em cena!
(Pausa – Fala com determinação. Está a tentar convencer-se a si mesma.)
Havia de lhe ensinar a mentir, a cuidar mais do fato que da consciência e da bolsa que da alma.
(Abre uma gaveta da cómoda e tira dela um uniforme velho de Gomes Freire)
Se o meu filho fosse vivo...Havia de morrer de velhice e de gordura, com a consciência tranquila e o peito a abarrotar de medalhas!
(Coloca o uniforme de Gomes Freire sobre a cadeira – Olha para o uniforme dando a entender que já não estava a falar do filho, mas do próprio Gomes Freire.)
Tudo isso o meu homem poderia ter tido...
(Acaricia o uniforme)
Se tivesse sido menos homem...
           Luís Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar! II Ato

1.      Depois de ler a primeira didascália, explique que tipo de informação é que ela transmite e a quem  é dirigida.
2.      Porque é que no discurso de Matilde predominam as frases interrogativas e exclamativas?
3.      Da leitura do monólogo de Matilde, podemos deduzir que esta está em conflito com a “sociedade”. De forma detalhada, caracterize esse conflito.
4.      Na construção do discurso, o Autor recorre a vários processos estilísticos. Identifique três e explique porque é que eles podem ser importantes para modificar a atitude do público.
5.       Explique o sentido da seguinte frase: «Havia de lhe ensinar (...) a cuidar mais do fato que da consciência e da bolsa que da alma.»
6.      Resuma a “ação” de Matilde na peça.


****************************************************

A - Diga se são verdadeiras ou falsas as afirmações seguintes:

1.       A palavra é uma unidade lexical com som e significado. Como unidade da morfologia, tem como constituintes o tema e o(s) sufixo(s) de flexão.

2.       Os afixos são partículas que se ligam a uma forma de base (radical, tema ou palavra) para formar novas palavras.

3.       Os prefixos são constituintes que se pospõem ao radical.

4.       Só os verbos transitivos, em que a acção do sujeito recai sobre outro, isto é, que têm complemento direto, podem ser conjugados pronominalmente.

5.       A parassíntese é um processo de formação de palavras em que intervêm em simultâneo a prefixação e a sufixação.

6.       A conversão é um processo de formação de palavras em que se verifica a integração do vocábulo numa nova classe de palavras, sem alteração da sua forma.

7.       Os nomes, os adjetivos e os verbos são classes fechadas.

8.       O verbo flexiona em tempo e modo e constitui o núcleo do grupo nominal.

9.       Chama-se conjunção à palavra invariável, pertencente a uma classe fechada, que estabelece uma relação entre frases ou palavras com a mesma função.

10.   Os advérbios podem ser núcleos de grupos adverbiais com a função sintática de complementos oblíquos ou de modificadores oblíquos.

11.   O complexo verbal é a sequência de um ou mais verbos em que um deles é o principal ou copulativo e os outros são auxiliares.

12.   Uma frase complexa tem sempre duas ou mais orações.

13.   A subordinação implica uma relação hierárquica de dependência das orações entre si.

14.   A designação de substantivas, adjetivas e adverbiais resulta das funções que desempenham, comparáveis às exercidas por nomes, adjetivos e advérbios.

15.   Palavra é o elemento linguístico significativo que se realiza a nível do discurso. É sempre composto por um único fonema.

16.   Significante é a designação utilizada para fazer referência à imagem acústica veiculada pelo signo linguístico.

17.   A conotação permite significações secundárias que se juntam ou que se sobrepõem à denotação.

18.   O conceito de monossemia opõe-se ao conceito de polissemia.

19.   Um hiperónimo pode substituir, apenas em alguns contextos, qualquer um dos seus hipónimos.

20.   O merónimo é a palavra cujo significado designa uma parte do significado total de outra palavra.

21.   A sinonímia pode ser total, contraditória ou parcial.

22.   A categoria tempo permite localizar o estado das coisas em relação a um momento de enunciação.

23.   As expressões definidas e indefinidas só podem ter valores referenciais específicos.

24.   As situações estativas exprimem propriedades, sentimentos, relações de localização.

25.   O aspeto corresponde a diferentes modos de perspectivar o tempo interno de um estado de coisas a partir de um dado ponto de referência.

26.   A deixis pessoal é assinalada através dos pronomes pessoais e possessivos e da flexão verbal.

27.   A anáfora é a expressão referencialmente não autónoma que retoma, total ou parcialmente, o valor referencial antecedente.

28.   A catáfora é um tipo particular de anáfora, em que o termo anafórico precede o antecedente.

29.   O discurso direto mantém todas as formas deíticas ligadas à enunciação primeira.

30.   Os retratos de pessoas, as descrições de objectos, de paisagens, são exemplos do protótipo textual narrativo.

31.   Um dígrafo é um grupo de duas letras que, combinadas, funcionam como um único som.

32.   O hífen é um sinal gráfico de ligação.   

B – Identifique o ato ilocutório presente em cada um dos enunciados.

1.       Está aberta a sessão.

2.       Nunca vi triste o mestre Caeiro.

3.       Prometo não te incomodar mais.

4.       Será que queres vir comigo ao cinema?

5.       Lamento que não tenhas chegado a tempo.

6.       Enquanto equipa têm de ser superiores aos adversários.

7.       Isto é estúpido mas humano, e é assim.

C – Identifique o recurso estilístico presente em cada uma das alíneas.

1.       Já vi o filme milhões de vezes.

2.       Bebeu o copo de um fôlego.

3.       “Sempre silenciosos na agressão.” (Miguel Torga)

4.       A criança salta, e ri, e brinca, e chora…

5.       As árvores olharam-me com amargura.

6.       Ele tem um coração duro como uma rocha.

7.       Minha querida filha, tu dizes coisas!” ( Almeida Garrett)

D – Estabeleça a correspondência entre as colunas: escreva, ao lado do número da frase, a alínea correspondente.

A

 

B

1.       O estudo da língua enquanto prática discursiva integrada numa prática social pertence à

 

a.       Pragmática

2.       A aprendizagem dos princípios e das regras de bem-falar e de persuadir pertence à

 

b.       Retórica

3.       A aprendizagem dos princípios que regulam o uso da língua pertence à

 

c.       Análise do discurso

4.       O interesse pelo texto enquanto forma específica de manifestação da linguagem faz parte da

 

d.       Implicação

5.       A pluralidade e a diversidade de vozes que se fazem ouvir nos textos é designada

 

e.       Enciclopédia

6.       O conjunto dos conhecimentos do mundo, das crenças ou das opiniões relacionadas com o meio social e cultural que cada um possui designa-se

 

f.        Polifonia

7.       Uma relação lógica do tipo “se… então”, indicando que uma condição deve ser satisfeita necessariamente para que a outra seja verdadeira, designa.se

 

g.       Linguística textual

 

 

E – Identifique o valor temporal (anterioridade, simultaneidade ou posterioridade) expresso em cada uma das situações.

 

 

Valor temporal

a.       A essa hora, o jogo já terá acabado.

 

b.       Às nove horas o jogo já tinha começado.

 

c.       O João chorava quando a mãe chegou.

 

d.       O João vai ficar feliz com a notícia.

 

e.       O jogo já começou.

 

f.        Os alunos estão na sala.

 

g.       Os alunos fazem teste logo à tarde.

 

h.       Os alunos estarão à porta do estádio, quando os jogadores chegarem.

 

 

 

F – Recorde o aspeto gramatical ( os diferentes valores aspectuais representados num enunciado e que o afetam na sua globalidade), e faça corresponder a cada um dos sete elementos da coluna A a um elemento da coluna B, de modo a obter afirmações verdadeiras. Escreva ao lado do número da frase a alínea correspondente.

A

Aspeto gramatical

 

B

1.       Perfetivo

 

a.       se refere uma pluralidade teoricamente infinita de situações que se sucedem durante um período construído como ilimitado.

2.       Imperfetivo

 

b.       se refere uma pluralidade de situações eventivas que se repetem regularmente durante um período de tempo delimitado ou não delimitado.

3.       Genérico

 

c.       se a situação representada pelo seu conteúdo proposicional é construída sem qualquer duração.

4.       Habitual

 

d.       se o tempo que lhe é associado se estende durante um período de tempo necessariamente diferente de zero.

5.       Iterativo

 

e.       se representa um evento construído como um todo completo a partir de um ponto de referência que lhe é exterior.

6.       Pontual

 

f.        se representa uma actividade, um estado ou um evento prolongado, construídos como homogéneos, quer estejam em curso ou não.

7.       Durativo

 

g.       se refere uma pluralidade infinita de situações, construídas como atemporais e verdadeiras em toda e qualquer situação de enunciação.

 

 

 

 

G – Estabeleça a correspondência entre as colunas: escreva, ao lado do número da frase, a alínea correspondente.

A

 

B

1.       As palavras que, embora provenham do mesmo étimo latino, dão origem a formas diferentes.

 

a.       são palavras convergentes.

2.       As palavras que, embora provenientes de étimos distintos, apresentam a mesma forma vocabular.

 

b.       são palavras divergentes.

3.       As palavras divergentes que, pelo uso, sofreram mais alterações em relação ao étimo originário.

 

c.       chegaram até nós por via erudita.

4.       As palavras divergentes que mantêm uma maior aproximação ao étimo originário.

 

d.       chegaram até nós por via popular.

5.       A competência linguística é

 

e.       a capacidade que o falante tem de poder refletir sobre a língua.

6.       A competência metalinguística é

 

f.        a faculdade que nasce com o indivíduo.

7.       Os clíticos são palavras

 

g.       como sucede nas formas do futuro e do condicional, numa situação pronominal diz-se que a palavra é mesoclítica.

8.       Na ênclise, quando a subordinação acontece no interior,

 

h.       sem acento tónico, se subordinam, na pronúncia, a outra palavra, considerando-se numa posição de ênclise, de próclise ou de mesóclise.

9.       Verbo defetivo

 

i.         é o que se flexiona exclusivamente na 3ª pessoa do singular.

10.   Verbo impessoal

 

j.         É o que apresenta uma conjugação incompleta, frequentemente por razões de natureza fonética.

11.   Verbo unipessoal

 

k.       é o que se flexiona apenas na 3ª pessoa do singular e do plural.

12.   Nome epiceno

 

l.         o indivíduo, a pessoa

13.   Nome sobrecomum

 

m.     o inocente – a inocente, o pianista – a pianista

14.   Nome comum de dois

 

n.       o golfinho, o rouxinol, a águia

15.   O João é persistente.

 

o.       O adjetivo desempenha a função de modificador do nome.

16.   O homem persistente atinge os seus objectivos.

 

p.       O adjetivo desempenha a função de predicativo do sujeito.

17.   Todos consideravam a secretária competente.

 

q.       O adjetivo desempenha a função de predicativo do complemento direto.

 

Grupo I

Leia, atentamente, o seguinte texto.

Doces lembranças da passada glória,

Que me tirou Fortuna roubadora,

Deixai-me repousar em paz ũa hora,

Que comigo ganhais pouca vitória.

 

Impressa tenho na alma a larga história

Deste passado bem, que nunca fora;

Ou fora, e não passara; mas já agora

Em mim não pode haver mais que a memória.

 

Vivo em lembranças, mouro de esquecido

De quem sempre devera ser lembrado,

Se lhe lembrara estado tão contente.

 

Oh! Quem tornar pudera a ser nascido!

Soubera-me lograr do bem passado,

Se conhecer soubera o mal presente.

Luís Vaz de Camões

Apresente, de forma bem estruturada, as respostas aos itens.

1.      Expõe o assunto do texto.

2.      Indica, de forma fundamentada, o(s) interlocutor(es) do sujeito lírico.

3.      Explique o sentido dos seguintes versos: «Impressa tenho na alma a larga história / Deste passado bem, que nunca fora; / Ou fora, e não passara;» /

4.      Este poema faz parte da “medida nova” cultivada pelo Poeta. Porquê? (Indique três motivos).

5.      Faz a escansão do verso “Impressa tenho na alma a larga história” e classifique-o quanto ao número de sílabas métricas.

6.      Analise a importância do último terceto na construção do sentido global do poema.

************************************************

 

O tempo acaba o ano, o mês e a hora,

A força, a arte, a manha, a fortaleza;

O tempo acaba a fama e a riqueza,

O tempo o mesmo tempo de si chora;

 

O tempo busca e acaba o onde mora,

Qualquer ingratidão, qualquer dureza;

Mas não pode acabar minha tristeza,

Enquanto não quiserdes vós, Senhora.

 

O tempo o claro dia torna escuro,

E o mais ledo prazer em choro triste;

O tempo, a tempestade em grão bonança.

 

Mas de abrandar o tempo estou seguro

O peito de diamante onde consiste

A pena e o prazer desta esperança.

Camões

 

1.      No poema, há duas teses. Enuncia-as.

2.      Identifica o interlocutor e caracteriza-o.

3.      Caracteriza o sujeito poético.

4.      Este poema é muito rico em recursos estilísticos. Identifica quatro, dando um exemplo de cada, e explica a função de cada um deles.

5.      Explicita o sentido dos seguintes versos: O tempo o mesmo tempo de si chora; / O tempo busca e acaba o onde mora, /

6.      Divide o texto em partes e justifica a tua opção.

7.      Classifica o poema, integrando-o na respectiva medida.

8.      Descreve a estrutura externa.

9.      Indica o tema deste poema e, num texto claro e conciso, refere a sua importância na obra de Camões já por ti estudada.

 

********************************************************

 


Vai César sojugando toda França

E as armas não lhe impedem a ciência;

Mas, nũa mão a pena e noutra a lança,

Igualava de Cícero a eloquência.

O que de Cipião se sabe e alcança

É nas comédias grande experiência.

Lia Alexandro a Homero de maneira

Que sempre se lhe sabe à cabeceira.

 

Enfim, não houve forte Capitão

Que não fosse também douto e ciente,

Da Lácia, Grega ou Bárbara nação,

Senão da portuguesa tão somente,

Sem vergonha o não digo: que a razão

De algum não ser por versos excelente

É não se ver prezado o verso e rima,

Porque quem não sabe arte, não na estima.

Camões, Os Lusíadas, Canto V, est. 96-97

 

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,

De vós não conhecido nem sonhado?

Da boca dos pequenos sei, contudo,

Que o louvor sai às vezes acabado.

Não me falta na vida honesto estudo,

Com longa experiência misturado,

Nem engenho, que aqui vereis presente,

Cousas que juntas se acham raramente.

 

Pera servir-vos, braço às armas feito,

Pera cantar-vos, mente às Musa dada;

Só me falece ser a vós aceito,

De quem virtude deve ser prezada.

Se me isto o Céu concede, e o vosso peito

Dina empresa tomar de ser cantada,

Como a pres [s]aga mente vaticina

Olhando a vossa inclinação divina,

 

Ou fazendo que, mais que a de Medusa,

A vista vossa tema o monte Atlante,

Ou rompendo nos campos de Ampelusa

Os muros de Marrocos e Trudante,

A minha já estimada e leda Musa

Fico que em todo o mundo de vós cante,

De sorte que Alexandro em vós se veja,

Sem à dita de Aquiles ter enveja.

Camões, Os Lusíadas, Canto X, est. 154 a 156.

 

 

 Texto

Carlos, nessa manhã, ia visitar de surpresa a casa do Ega, a famosa Vila Balzac, que esse fantasista andara meditando e dispondo desde a sua chegada a Lisboa, e onde se tinha enfim instalado.

Ega dera-lhe esta denominação literária, pelos mesmos motivos por que a alugara num subúrbio longínquo, na solidão da Penha de França – para que o nome de Balzac, seu padroeiro, o silêncio campestre, os ares limpos, tudo ali fosse favorável ao estudo, às horas de arte e de ideal. Porque ia fechar-se lá, como num claustro de letras, a findar as «Memórias de Um Átomo»! Somente, por causa das distâncias, tinha tomado ao mês um coupé da Companhia.

Carlos teve dificuldades em encontrar a Vila Balzac: não era, como tinha dito Ega no Ramalhete, logo adiante do Largo da Graça um chalezinho retirado, fresco, assombrado, sorrindo entre árvores. Passava-se primeiro a Cruz dos Quatro Caminhos; depois penetrava-se numa vereda larga, entre quintais, descendo pelo pendor da colina, mas acessível a carruagens; e aí, num recanto, ladeada de muros, aparecia enfim uma casota de paredes enxovalhadas, com dois degraus de pedra à porta e transparentes novos de um escarlate estridente.

Nessa manhã, porém, debalde Carlos deu puxões desesperados à corda da campainha, martelou a aldrava da porta, gritou a toda a voz por cima do muro do quintal e das copas o nome do Ega: a Vila Balzac permaneceu muda, como desabitada, no seu retiro rústico. E todavia pareceu a Carlos que, justamente antes de bater, ouvira o estalar de rolhas de champanhe.

Quando Ega soube esta tentativa, mostrou-se indignado com os criados que assim abandonavam a casa, lhe davam um ar suspeito de Torre de Nesle…

- Vai lá amanhã; se ninguém responder, escala as janelas, pega fogo ao prédio, como se fossem apenas as Tulherias.

Mas no dia seguinte, quando Carlos chegou, já a Vila Balzac o esperava, toda em festa: à porta «o pajem», um garoto de feições horrivelmente viciosas, perfilava-se na sua  jaqueta azul de botões de metal, com uma gravata muito branca e muito tesa; as duas janelas em cima, abertas, mostrando o repes verde das bambinelas, bebiam à larga todo o ar do campo e o sol de inverno: e no topo da estreita escada, tapetada de vermelho, Ega, num prodigioso robe-de-chambre, de um estofo adamascado do século XVIII, vestido de corte de alguma das suas avós, exclamou dobrando a fronte ao chão:

- Bem-vindo, meu príncipe, ao humilde tugúrio do filósofo! 

Eça de Queirós, Os Maias, cap. VI

 

1.      Depois de leres os quatro parágrafos iniciais do excerto de “Os Maias”, assinala as sequências em que a focalização omnisciente e a focalização interna predominam, definindo o seu contributo para o conhecimento da história.

2.      A descrição da casa de João da Ega muda consoante o ponto de vista de quem a descreve. Apresenta essa variação, identificando os nomes e os adjetivos que melhor a caraterizam.

3.      O carácter de João da Ega é exposto de forma evidente. Enuncia algumas das suas características.

4.      A chegada de Carlos, no dia seguinte, à Vila Balzac é um bom exemplo do estilo de Eça de Queirós. Aponta cinco traços desse estilo, comentando a sua intencionalidade.

 

GRUPO II

Num texto expositivo, entre 100 e 150 palavras, refere a importância da CASA no Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.


GRUPO III

 

Balzac é meu rival, minha senhora inglesa!

Eu quero-a porque odeio as carnações redondas;

Mas ele eternizou-lhe a singular beleza

E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.

       Cesário Verde, Humorismos de Amor

 

O ideal de beleza é determinado por modelos, por vezes, literários. Inspirando-te nas obras lidas, elabora uma composição que dê conta da influência que a literatura pode ter na vida.

 

 

 

*****************************************************************

 

VAIDOSA

 

Dizem que tu és pura como um lírio

E mais fria e insensível que o granito,

E que eu que passo aí por favorito

Vivo louco de dor e de martírio.

 

Contam que tens um modo altivo e sério,

Que és muito desdenhosa e presumida,

E que o maior prazer da tua vida,

Seria acompanhar-me ao cemitério.

 

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,

A déspota, a fatal, o figurino,

E afirmam que és um molde alabastrino,

E não tens coração como as estátuas.

 

E narram o cruel martirológio

Dos que são teus, ó corpo sem defeito,

E julgam que é monótono o teu peito

Como o bater cadente dum relógio.

 

Porém eu sei que tu, que como um ópio

Me matas, me desvairas e adormeces,

És tão loura e dourada como as messes

E possuis muito amor… muito amor-próprio.

 

Cesário Verde, 1874 (publicação)  

 

 

D. João V está numa sala do torreão, virada ao rio. Mandou sair os camaristas, os secretários, os frades, uma cantarina da comédia, não quer ver ninguém. Tem desenhado na cara o medo de morrer, vergonha suprema em monarca tão poderoso. Mas esse medo de morrer não é o de se lhe abater de vez o corpo e ir-se embora a alma, é sim o de que não estejam abertos e luzentes os seus próprios olhos quando, sagradas, se alçarem as torres e a cúpula de Mafra, é o de que não sejam já sensíveis e sonoros os seus próprios ouvidos quando soarem gloriosamente os carrilhões e as solfas, é o de não palpar com as suas mãos os paramentos ricos e os panos de festa, é o de não cheirar o seu nariz o incenso dos turíbulos de prata, é o de ser apenas o rei que mandou fazer e não o que vê feito. Vai além um barco, quem sabe se chegará a porto, Passa uma nuvem no céu, porventura não a veremos em chuva derramada, Sob aquelas águas, o cardume nada ao encontro da rede. Vaidade das vaidades, disse Salomão, e D. João V repete, Tudo é vaidade, vaidade é desejar, ter é vaidade.

Mas o vencimento da vaidade não é a modéstia, menos ainda a humildade, é antes o seu excesso. Desta meditação e agonia não saiu el-rei para vestir o burel da penitência e da renúncia, mas para fazer voltar os camaristas, os secretários e os frades, a cantarina viria mais tarde, a estes perguntando se era realmente verdade, consoante julgava saber, que a sagração das basílicas se deve fazer aos domingos, e eles responderam que sim, segundo o Ritual, e então el-rei mandou apurar quando cairia o dia do seu aniversário, vinte e dois de outubro, a um domingo, tendo os secretários respondido, após cuidadosa verificação do calendário, que tal coincidência se daria daí a dois anos, em mil setecentos e trinta, Então é nesse dia que se fará a sagração da basílica de Mafra, assim o quero, ordeno e determino, e quando isto ouviram foram os camaristas beijar a mão do seu senhor, vós me direis qual é mais excelente, se ser do mundo rei, se desta gente.

Deitaram reverentemente alguma água na fervura João Frederico Ludovice e o doutor Leandro de Melo, chamados à pressa de Mafra, aonde o primeiro tinha ido e onde o segundo assistia, os quais, com a memória fresca do que lá viam, disseram que o estado da obra não consentia tão feliz previsão, tanto no que tocava ao convento, cujo segundo corpo se ia levantando lentamente de paredes, como à igreja, por sua natureza de delicada construção, um assembramento de pedras que não poderia ser feito à ligeira, vossa majestade o sabe melhor que ninguém, se tão harmoniosamente concilia e equilibra as partes de que se forma a nação. Carregou-se o sobrancelho de D. João V, porque a cansada lisonja em nada o aliviara…   

José Saramago, Memorial do Convento.

 

1.      «Desta meditação e agonia não saiu el-rei para vestir o burel da penitência e da renúncia.»

1.1.   Aponte as razões da meditação e das preocupações do monarca.

1.2.   Identifica a decisão tomada e a respetiva fundamentação após essa meditação.

1.3.   Explique o sentido da expressão transcrita.

2.      Transcreva um exemplo de discurso direto, outro de discurso indireto e, finalmente, um outro de discurso indireto livre, explicando os efeitos da sua utilização.

3.      No final do segundo parágrafo é possível delimitar uma marca de intertextualidade. Transcreve-a e explica a sua génese e o objetivo autoral.

 

 


Sem comentários:

Enviar um comentário