Quarenta e sete dias à deriva, Público 3-07-1995
Quando se perderam, a 20 de Dezembro de 1991, Tomé Tavares, então com 58 anos, Eusébio ( 22 anos ) e José Pontes (24), tinham no bote – o Celina – exatamente: três litros de água, seis pães pequenos, um quilo de arroz cru e um quarto de quilo de açúcar. Os três pescadores foram fazer uma faina meio proibida pela lei, mas necessária se queriam dar uma boa ceia de Natal à família. Foram, como outros, para a costa da ilha do Maio, a cerca de vinte milhas de Santiago, numa embarcação que não se poderia afastar mais de cinco milhas. Quando voltavam, ao fim da tarde, caiu uma grande tempestade. Ainda viram as luzes de Pedra Badejo, ao serem arrastados para norte. Tomé Tavares tentou encontrar o farol da ponta da ilha de Santiago e logo aprendeu mais um pouco sobre a natureza profunda dos homens.
- Chegámos e não vimos o farol. Tinham-lhe roubado a bateria.
Às 23 horas secou de vez a gasolina no depósito do motor. Às sete da manhã do dia seguinte, com o horizonte limpo de qualquer nesga de Cabo Verde, o mestre Tomé Tavares esclareceu os companheiros que estavam numa grande embrulhada e que era melhor encomendarem-se ao Criador. O chefe do bote tomou conta dos víveres e dividiu-os em rações minúsculas. Empurrados para sul, de noite sentiu que navegava frente à ilha do Fogo, que nem tentou porque os recifes do vulcão são fatais.
Ao
quinto dia de mar alto esgotavam os sinais de socorro. Viram um barco e
dispararam as luzes. O barco aproximou-se, com um oficial negro vestido de
branco ( Tomé viu-lhe a cara e as divisas). O oficial olhou-os serenamente da
ponte, virou o barco sempre de proa para não se ler o nome do navio e
afastou-se. José Pontes gritou “ se nós morrermos, foi ele que nos matou!”.
Tomé Tavares, lembrou ele, suspirou “ Deus connosco, Deus com ele.”
Até
ao fim, vários barcos modernos e estanques do Atlântico fariam um desesperante
jogo de escondidas: de dia passavam longe, de noite quase abalroavam a casca de
noz Celina. Os gritos dos três pescadores afogavam-se nas ondas.
Tomé
pensou na escola primária e orientou a vela minúscula para o rumo directo do
sul.
-
Quando no meu tempo eu estava na escola aprendi que o Brasil ficava a sul da
Brava. A que distância é que não sabia!
Ao
décimo dia acabou-se o pão, o arroz, o açúcar e a água. Durante três duríssimos
dias, beberam água do mar e urina, que acabariam por matar José Pontes, mais
tarde. Tomé proibiu-o, disse-lhe que não bebesse a sério, que só molhasse os
lábios. José Pontes não tinha fé: “Dizia que tinha muita sede e bebia. Eu
dizia” ó Zé, reza connosco...” mas ele respondia “ rezar para quê?, nós vamos
morrer”.
-
Trinta dias aguentou ele de pé e seis dias de agonia, contou o mestre.
Tudo
o que aconteceu a partir do 13º dia foi, para ele, uma sucessão programada de
milagres. Naquela tarde, um peixe voador aterrou estupefacto no casco do
Celina. Tomé dividiu o peixe pelos dois companheiros e fez isco com as tripas.
Ao fim da tarde choveu e encheram-se três bóias. A tripa do voador atraiu um
peixe lobo ( uma dourada) e todos os dias, durante vinte jornadas, um peixe
lobo mordia o anzol com os restos do peixe anterior. Caía chuva de três em três
dias. Um enorme pássaro branco acompanhou-os três semanas e não era gaivota nem
albatroz mas simplesmente o Espírito Santo. Um peixe de 15 metros, que não era
tubarão, nem baleia, nem cachalote, mas tão só mais uma das infinitas formas
divinas ( neste caso com boca de atum, sem ser atum) batia com o dorso no
casco.
E
vieram três anjos suspensos no ar, vestidos de branco e azul, com 15
centímetros e mãos coladas, que subiram no céu, exatamente como foguetes,
quando Tomé chamou Eusébio para ver a maravilha. E veio S. Pedro, no seu
tamanho natural de homem, que logo partiu sem dizer palavra.
José
Pontes morreu quase no fim. Excesso de água do mar, de peixe cru e de
desespero. A sua família não mais se aproximou de Tomé, talvez por tristeza,
talvez por uma horrível suspeita. “ Esperámos toda a tarde a ver se ainda vinha
um barco. Ele ficou no mar.” (...)
A
5 de Fevereiro de 1992, a 42 milhas da costa brasileira, cinco pescadores
descobriram o Celina.
-
Venho de Cabo Verde, disse o mestre Tomé, que estava fraco mas que se via
parecido com os outros, no barco, na cara e na pobreza.
-
Veio de Cabo Verde nesse bicho?! Está brincando?!
Helder Macedo, Galheteiros (extrato), Público, 28 de Setembro de 2001.
(…) A ideia, parece, foi dar mais espaço e tempo à contemporaneidade através de “textos informativos” e “textos dos media”. Pois é, assim se evita (mesmo que a intenção não seja essa) que os alunos sejam confrontados com ideias que já não tenham. O que faz suspeitar que os pedagogos não gostam é dos autores que ficaram no programa, estão a querer comprometê-los aos olhos dos putos e, na próxima reforma, catrapus, tudo dos textos dos media. Para já, a lírica de Camões fica diluída em “aspectos gerais” e “Os Lusíadas” passa a fazer galheteiro com a “Mensagem”, talvez para o Pessoa ser o azeite que ajude a tornar o vinagre do Camões mais palatável, mais actual. Com estas e outras ajudas (o mal, agora agravado, vem de longe) enquanto que todo o mundo sabe que Shakespeare é nosso contemporâneo, o Camões, que o não é menos, tá quieto.
Mas já que esta minha mediática prosa derivou para os galheteiros, vejam só quão disparatado é esse disparate (além de todos os outros) imaginando um programa em que “Os Lusíadas” só fosse lido de parelha com o “D. Jaime” do Tomás Ribeiro ou a “Pátria” do Junqueiro. Quem? O quê? Pois olhem, tempo houve em que o Tomás Ribeiro foi comparado ao Camões, e o próprio Pessoa afirmou que a “Pátria” é melhor do que “Os Lusíadas”. Está bem, mas isso não é razão para que lhe façam agora esta maldade, que o usem assim lá porque ele também tinha raiva ao Camões, e a gente sabe que ele sempre quis ser filho único, deixem lá, são feitios, e a “Mensagem” certamente não merece o mesmo poeirento destino.
Quando o Sol encoberto vai mostrando
Ao mundo a luz quieta e duvidosa,
Ao longo de uma praia deleitosa,
Vou na minha inimiga imaginando.
Ali co'a mão na face, tão fermosa,
Aqui falando alegre, ali cuidosa,
Agora estando queda, agora andando.
Aqui esteve sentada, ali me viu,
Erguendo aqueles olhos tão isentos;
Aqui movida um pouco, ali segura;
Aqui se entristeceu, ali se riu.
Enfim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vã, que sempre dura.
Renato Kisito Sesana (Padre comboniano desde 1970). Nascido em 1943, em Lecco, norte de Itália. Chegou a ser mecânico especializado. Jornalista.
Sobre os núbios. A Núbia, uma área crítica, isolada, no centro do Sudão.
Os núbios são muçulmanos, mas são vítimas de genocídio, através de uma ‘jihad’ decretada em 1992, porque, sendo contra o Governo, foram considerados heréticos.
Os núbios ocupam há séculos a melhores terras aráveis do Norte, além das que ficam perto do Nilo. “São um museu de cultura viva”.
O líder do exército de libertação popular do sudão é John Garang. É um cristão que terá sido baptizado na igreja presbiteriana, mas fundou um movimento marxista. Agora (1999) é apoiado pelos EUA.
Os americanos entraram em força nesta zona em 1993/94, acabando com a semente democrática.
Ainda há escravos, que são em geral levados pelos mujahidin ou pelos bagara, tribos árabes nómadas que vivem no Sul.
Os líderes africanos não sabem lidar com o Estado, com a burocracia do governo, com as multinacionais.
Os bispos africanos são mais funcionários que líderes.
Unidade “Poesia”
Magro, de olhos azuis, carão moreno, Bem servido de pés, meão na altura, Triste de facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e não pequeno; Incapaz de assistir num só terreno, Mais propenso ao furor do que à ternura, Bebendo em níveas, por taça escura, De zelos infernais letal veneno; Devoto incensador de mil deidades (Digo, de moças mil) num só momento, E somente no altar amando os frades; Eis Bocage em quem luz algum talento; Saíram dele mesmo estas verdades, Num dia em que se achou mais pachorrento. Bocage |
A poesia é a vida? Pois claro! Conforme a vida que se tem o verso vem – e se a vida é vidinha, já não há poesia que resista. O mais é literatura, libertinura, pegas no paleio; o mais é isto: o tolo dum poeta a beber, dia a dia, a bica preta, convencido de si, do seu recheio... A poesia é a vida? Pois claro! Embora custe caro, muito caro, e a morte se meta de permeio. Alexandre O’Neill, “Autocrítica (achegas)”
|
OS
LIVROS É
então isto um livro, Manuel António Pina, in Como se Desenha
uma Casa
|
O regresso Como quem, vindo de países distantes fora de Manuel António Pina,
in Como se Desenha uma Casa |
Herberto Helder
O actor acende a boca. Depois,
os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.
O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.
Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus,
e dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Receita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente
como o actor.
Como a unidade do actor.
O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.
Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.
Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomima.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.
O actor em estado geral de graça.
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Batalha do Salado ( 30 de outubro de 1340, junto da ribeira
do mesmo nome, próximo de Cádis)
Cristãos ( Afonso XI de Castela; D.Pedro IV de Aragão; D.
Afonso IV de Portugal) |
Mouros ( Abul-Hassan, rei de Fez e de Marrocos, aliado
com o emir de Granada) |
2.Exército
cristão divide-se em dois: o rei de Espanha coloca-se do lado do mar; o rei de Portugal
do lado das montanhas… O rei de
Portugal, ao dirigir-se às suas tropas, refere o rei Rodrigo (com ele
terminou o reino visigótico de Toledo, em 711) - diálogo entre o rei e os fidalgos portugueses Álvaro Gonçalvez de Pereira - prior da Mui Venerável Ordem do Hospital de São João de Jerusalém, ou Ordem de São João (fundada em 1099- introduzidos em Portugal em 1112 pelo Conde D. Anrique) Vera Cruz do Marmelar 5. combate – os portugueses em discurso direto (linha 75, 100; 117) – identificar os argumentos. Identificar as questões de retórica. 7. Três cavaleiros dirigem-se ao prior dom Álvaro Pereira (l. 125) a perguntar pela Vera Cruz. Referência à derrocada dos exércitos cristãos…; elogia da beleza da cavalaria (.142) 8. Chegada do cavaleiro que fora buscar a Vera Cruz (l. 145). Voz colectiva louva Jesus Cristo (l. 153) e a sorte da guerra muda com a chegada da Vera Cruz (l.156) 10. Regenerados pela presença da Vera Cruz, os cristãos são comparados a «leões bravos» (l.172.), «as espadas se tornaram vermelhas como sangue» (l.173) 12. Os Castelhanos forçaram os Mouros a retirar para além da ribeira do Salado (l.185) 14. O elogio da acção de dom Álvaro Pereira. |
1.Número
muito superior Exército bem
ordenado (Hipótese de ilusionismo) 3. O Turco Alcarac combina a estratégia com Habul Haçam 4. combate (linha 66)valorização do número (recurso à hipérbole) - « e ós outros de frechadas d’arcos torquies, que eram tam espessas que tolhiam o sol.» 6. Identificar os instrumentos musicais (e respetiva função – l. 113…): tromba; anafil; altâncaro; atavaque; gaita 9. Os mouros, convencidos da vitória, gritam: «Cativos, cativos!» (l.167) 11. Os Mouros reconhecem que Mafomede (Maomé) era inferior a Cristo. (l. 177) 13.
Referência ao facto deste episódio integrar um Livro de Linhagens |
Loriga,
Azagaia
Lança,
Espada
Arco torqie
Escudo
Capelina,
Bacinete
Mui Venerável Ordem
do Hospital de São João de Jerusalém, ou Ordem de São João
Seus princípios cristãos os obrigavam a expatriação e a
Guerra Santa até perecerem; a nunca recusarem combate, mesmo desigual; não
pedir quartel ou pagar resgate; e a não ceder uma polegada de terreno ou
trincheira.
As origens da fundação da Igreja-Mosteiro de Vera Cruz de
Marmelar são bem remotas, uma vez que o actual templo terá sido construído
sobre anteriores fundações.
A freguesia de Vera Cruz, anteriormente
designada Marmelar ou pelo menos conhecida como o lugar de S. Pedro de Marmelar
em documentos do Século XIII, é uma povoação bem antiga e histórica, tendo este
Monumento acompanhado os seus passos ao longo dos séculos.
Segundo diversos estudos um anterior templo visigótico ou
moçárabe existiria previamente a esta construção, do qual ainda existem
vestígios. Em 1240, os cavaleiros da Ordem dos Hospitalários fundaram a aldeia
e terão promovido a conversão do edifício cristão em Mosteiro.
A estrutura do templo que chegou até hoje data genericamente
do período gótico, embora tenha sofrido obras posteriores, designadamente no
século XVII.
A Igreja de Vera Cruz de Marmelar ficou ainda na história por guardar uma importante relíquia: uma parcela da cruz na qual alegadamente Jesus Cristo foi crucificado, trata-se da famosa relíquia do Santo Lenho, provavelmente recolhida na Batalha do Salado, assim fazendo com que Marmelar se instituísse como um dos quatro templos do reino onde a memória dessa gloriosa batalha fosse evocada (Sé de Évora, Sé de Lisboa e Matriz de Santiago do Cacém).
O Mosteiro de Santa Maria de Flor da
Rosa ou Mosteiro
da Ordem do Hospital de Flor da Rosa é um imponente monumento
do século XIV, fundado em 1356. Situado na aldeia de Flor da
Rosa, bem próximo do Crato, é o mais importante monumento da região e um dos mais
emblemáticos exemplos de Mosteiro fortificado existentes em Portugal e nele
está implementada uma das mais conceituadas Pousadas do País. Mandado construir
por D. Álvaro Gonçalves Pereira, primeiro Prior do Crato e pai do Santo Condestável, D. Nuno Álvares Pereira,
foi à sua sombra que cresceu a aldeia, abrigando hoje o túmulo do fundador e
uma pousada da Enatur.
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