30.4.06

Outão

«A Reserva Natural do Estuário do Sado é constituída por uma sucessão de água de rio e de água de mar, bancos de areia e de vasa, praias, dunas e sapais. Esta constitui um ecossistema rico e produtivo ao qual se encontram associadas uma flora e fauna diversas. O rio Sado nasce na serra da Vigia, a sueste de Ourique, e percorre 180 km de margens mais ou menos planas, desembocando no oceano, entre o Outão e a ponta de Tróia.» Diciopédia 2006
É aqui, diante das torres de Tróia, que me encontro desde ontem. E eu que pensava que Tróia tinha sido implodida!
Para cá chegar, atravessei toda a Arrábida com a sensação de que há algo de errado por estes lados. Em pleno século XXI, este pobre país continua a não saber explorar as suas riquezas! Em nome de que preconceitos? Quem é que efectivamente é responsável por toda esta reserva? Tem nome? Pode ser responsabilizado?
Chegado ao parque de campismo do Outão - 2ª escolha - verifico que ele está ocupado por residentes que se dedicam à pesca, a passeios de barco (?) ou simplesmente a apanhar sol, e que, quando ausentes, abandonam à natureza as suas acomodações não cuidando minimamente do respectivo alvéolo. A habitual incúria!
Este, parque, que beneficia de uma localização única, não tem, no entanto, condições para servir os muitos campistas e caravanistas que nele poderiam encontrar um abrigo temporário na descoberta de toda esta região.
Um outro exemplo de que há falta de profissionalismo, encontra-se às portas de Sesimbra, no Porto de Abrigo. Sem falar nos inacreditáveis acessos (adivinha-se que ninguém se quer responsabilizar por desfazer aquele emaranhado público-privado de desvios!), ao parque de campismo Forte do Cavalo (classificado com 2 estrelas, em quatro possíveis), descobri quando, finalmente cheguei à recepção, que este se encontrava em obras. Imagine-se: este parque fecha anualmente entre 1 de Novembro e 6 de Abril! Não tiveram tempo para realizar as obras, nem encontraram meio de divulgar o atraso. E quem quer lá chegar tem que atravessar uma zona privada! Apesar de tudo não é comparável ao Bojador(!?)
Esqueçamos os contratempos, olhemos os pinheiros, que, também, os há por aqui e não falemos da caruma porque as agulhas ainda não tiveram tempo de amadurecer ou a cimenteira lhes adulterou os hábitos...

27.4.06

Para sempre?

Eu pensava que a cor das minhas agulhas era o castanho, mais claro ou mais escuro se no Verão ou no Inverno... nunca me interessara muito pela História e por isso ignorava que antes as minhas agulhas tinham sido verdes. Na realidade, incomodava-me um pouco aquela passagem do tom claro ao escuro porque intuia que a chuva acabaria por me miscigenar com claro proveito da terra...E, sobretudo, temia que um qualquer pirómano me pusesse ao rubro e, nesse caso, de mim só sobraria o fumo. Não sei o que será pior: a miscigenação ou a combustão? Agora que cheguei a esta conclusão, quero acreditar que o ideal seria manter-me sempre verde, ficar presa para sempre a uma qualquer conífera, não precisava sequer de ser um pinheiro! No entanto, a necessidade de concluir precipitou-me numa outra armadilha: Quem quer ficar verde para sempre? Ficar para sempre?

26.4.06

Mas o ancinho já não espera pelo Estio!

Tenha ele - o ancinho - a forma de pente ou de rede, pode-se dizer que ainda é familiar do gancho do Baltasar Sete-Sóis. E a caruma se nunca gostou de ganchos, muito menos gosta de ser penteada ou enleada porque essas meiguices anunciam quase sempre um auto-de-fé em que os hereges deste século, em vez de serem penitenciados ou queimados, vêem fechar a escola, o centro de saúde, a capela... e abrir uma autoestrada para, afinal, os desterrar para a capital. E quando, agrilhoados, lá chegam, não vêem mais a casa, a horta, o pombal...
Tal como a caruma, os novos hereges são um perigo: pensam que podem envelhecer à sombra hospitaleira do trabalho de uma vida. Mas não. Essa vida vale tanto como a palha da caruma e, por isso, acabarão, em nome de um misterioso desígnio, arrastados por um altivo ancinho, em forma de rede, de pente ou de gancho...
E nesse auto-de-fé da vida nem Blimunda Sete-Luas poderá desenlear a vontade do seu Baltasar Sete-Sóis! É como se... a caruma fosse autófaga, pelo menos sempre que o Estio se aproxima...
Mas o ancinho já não espera pelo Estio!
(Entretanto, começou a soprar uma aragem que deixou a caruma um pouco aborrecida por se ter lembrado do ancinho. Isto há palavras em que já não se pode confiar!)

24.4.06

A debilidade no Indie Lisboa

A curta-metragem ÉRAMOS POCOS, de Borja Cobeaga obriga-me a retomar o modo como encaramos a debilidade. Um pai-filho abandonados, respectivamente pela esposa -mãe dirigem-se a um lar para recuperar a sogra-avó que há muito tinham rejeitado. Mal se aproximam do salão repleto de velhos, são abordados por uma idosa que se faz passar pela desejada sogra-avó que se propõe alegremente acompanhá-los a casa.
Num cenário imundo e grotesco, a sogra-avó faz o milagre de de lhes fazer as compras, de lhes preparar uma refeição, de lhes arrumar progressivamente a casa sem que eles desconfiem da verdadeira identidade da velha. E mesmo quando o genro a descobre, prefere o silêncio dos cínicos a perder a criada que, afinal, viera substituir a esposa-mãe.
Esta história mostra-nos que na caruma da velhice, há muita senilidade que o não é e, sobretudo, que há muita debilidade no modo como enfrentamos a doença seja ela física ou mental.
Hoje, no Lar de São Bento, tive mais uma vez a oportunidade de me interrogar sobre o modo como tratamos os mais velhos - ali, sentados, à espera que lhes sirvam o lanche, em frente duma Escrava Isaura que nas suas memórias dura anos, sem saberem que se trata de uma reposição...
E no meio do lanche, três velhinhas que esperam pela hora de se dirigirem ao refeitório para poderem merendar... E uma delas que exclama: Eu tenho 94 anos, tenho 94 anos... E levanta-se a custo e caminha...
E aquele pai-filho, ali, à espera que a nova criada, risonhamente, lhes preparasse o jantar!

22.4.06

Por vezes, a caruma entra em combustão...


O filme SUGAR de Patrick Jolley e Reynold Reynolds deixou-me em combustão lenta... De regresso ao Surrealismo, este filme joga na criação de uma nova ordem sem qualquer contacto com o mundo exterior. Apostando na ignorância desse mundo - apresenta-o como um universo fantasmático - e, em alternativa quer nos fazer acreditar que a alucinação é a única realidade - a realidade do frigorífico...
Quem mandou a caruma ao INDIE LISBOA 2006?

20.4.06

A caruma sente-se perplexa

Hoje, a caruma sente-se perplexa. Está incomodada, pois não sabe em que regime vive. Até há pouco tempo vivia despreocupadamente: nunca pensara na natureza da relação que há longo tempo mantinha com o pinhal ou mesmo com as agulhas em geral e as dos pinheiros em particular... Subitamente, um vento vindo do Continente começou a falar-lhe de relações hierárquicas, de equivalência, de oposição e, sobretudo, de inclusão. As relações hierárquicas nada lhe diziam, pois tinham-se esfumado numa madrugada de Abril; as de equivalência eram-lhe completamente desconhecidas, pois jamais imaginara que alguém a pudesse substituir por «carumba», «carumeira», «carunha» - palavras que, apesar de tão rasteiras como ela, jaziam esquecidas no fundo de um obsoleto dicionário. Para si, as relações de oposição tinham perdido qualquer significado, pois deixara de perceber que diferença havia entre «bem» e «mal», «pobreza» e «riqueza», «direita» e «esquerda» - há muito que o relativismo a deixara sem coragem para tentar ordenar o que quer que fosse. Chegara mesmo a sentir-se bem na periferia, onde, apesar de marginalizada, raros eram os que a pisavam... estava ali, alienada e, quando, em certas horas, pensava na sua condição percebia o que era uma relação de exclusão. Mas, hoje, a caruma está, de facto, perplexa: o vento voltou a falar de inclusão. Ainda perguntou às outras equivalentes - as agulhas - o que era a inclusão, mas estas não lhe souberam responder pois estavam ocupadas em obedecer ao vento que derivava num turbilhão capaz de aterrorizar um qualquer incauto... Valerá mesmo a pena explicar o que são relações hierárquicas, de equivalência, de oposição e, em particular, de INCLUSÃO? Não quereria o vento falar de EXPLOSÃO? de IMPLOSÃO?

19.4.06

A caruma dormita

Há alturas em que a caruma dormita sobre a terra, alheia ao murmúrio dos pinheiros. Parece indiferente aos pés que a pisam, apostada apenas em fundir-se com a areia muma mistura contra-natura. Apesar disso, quando regressamos, a caruma sumiu-se não se sabe se nas dunas, se nas ondas, se nas raízes das naus de Pessoa. De facto, na estação seguinte, a realidade parece não ter sofrido qualquer alteração: há quem defenda que D. João VI é filho de D. João V, como se a caruma nunca ali tivesse estado. D. José I, Maria I sumiram-se não se sabe se nas dunas, se nas ondas enquanto Pessoa se enfadava no longo areal do seu próprio sonho. Será que ainda vale a pena ordenar os acontecimentos?