27.12.07

O Cardeal e o Ateísmo


"Todas as expressões de ateísmo, todas as formas existenciais de negação ou esquecimento de Deus, continuam a ser o maior drama da humanidade, que tiram todo o sentido ao Natal, que é a exultação e o grito de alegria e de esperança que brotou do reencontro do homem com Deus", destacou José Policarpo, na missa do dia de Natal, na Sé de Lisboa."

Esquecimento ou negação de Deus. Estes comportamentos pressupõem que um dia "encontrámos" Deus. Mas quando e onde? E se, de verdade, isso nunca aconteceu? Mais do que esquecer ou negar, o ateu é aquele que vive "fora" de Deus. E são muitos os que assim vivem. Será que por esse motivo são causa dos dramas vividos pela humanidade?  Ou simplesmente são seres fúteis que desvalorizam o absoluto, dando corpo à frivolidade e ao esplendor do momento?

José Policarpo sabe, como ninguém, que em nome de Deus (qualquer deus) foram (e são) cometidas as maiores barbaridades contra o homem e contra o planeta. Não necessita que lhe contem a história das cruzadas, da inquisição ou da colonização / missionação. Sabe certamente o significado da expressão "guerra santa" e, por isso, sabe que cruzados, inquiridores, colonizadores e missionários todos lutavam por/ e / com Deus e que as suas vítimas nem sempre eram ateus a necessitar de "encontrar" Deus. Muitas das vítimas também tinham os seus deuses, mas isso não os impediu de lhes destruir os "idolos".

O Natal não assinala o reencontro do homem com Deus, mas, sim, a perpetuação do homem. A alegria e a esperança são legítimas porque saúdam o futuro da humanidade. O "menino" é mensageiro da vida, mesmo que fútil, e jamais apela à morte...

Tudo o resto é uma efabulação que serve o poder e a vaidade de homens fúteis e frívolos.

24.12.07

BOAS FESTAS

Apesar de tudo o que aqui foi referido, a vida impõe-nos alguma atenção a esta vontade de celebrar ou, melhor, a esta vontade de esquecer. Bem sei que, deste modo, me rendo ao colaboracionismo de todos aqueles cuja primeira vontade é apagar a História. Se calhar o que tenho vindo a rejeitar não é mais do que o esquecimento como sinal de envelhecimento.

Permito-me, no entanto, celebrar, com todos aqueles que me visitaram, estes dias de euforia, sabendo de antemão que tempos difíceis nos esperam.

Por isso, para todos, um BOM NATAL e, em particular, para as "agulhas" que quiseram fazer parte deste manto de "caruma" que, aos poucos, vai cobrindo o meu quintal.

PS: No meu caso, não acredito  que valha a pena mudar os ministros, os secretários de estado..., pois só os escravos podem impor limites ao poder dos senhores... e por enquanto os senhores ainda não conseguiram regulamentar toda a nossa actividade. Quando isso acontecer, será a HORA!

 

23.12.07

O enigma da esfinge

Hoje, percebi que o melhor é estar calado. Qualquer palavra pode despoletar uma guerra. Por mais que procure estratégias de confluência, uma simples palavra pode transportar em si um fúria ancestral de devastação a que não sei mais como responder - apenas a mudez, mas, por dentro, uma dor dilacerante...

Ah, como começo a perceber o enigma da Esfinge! Durante todos estes séculos temos atormentado a Esfinge ao dar-lhe voz.

(Um homem cansado do teatro da vida tornara-se esfinge na esperança que o deixassem só... Mas em vão...)

21.12.07

Apenas os olhos...

No Teatro Camões, em dia de temporal (19.12.2007), assisti à apresentação, pela Companhia Nacional de Bailado, do Lago dos Cisnes, ballet dramático em 4 actos, com música de Tchaikosvsky e coreografia de Mehemet Balkan. Inspirado numa antiga lenda alemã, narra a história de Odete, uma princesa transformada em cisne por um feiticeiro. Esta obra teve a sua estreia fracassada em 20 de fevereiro de 1877. Gostei particularmente dos cenários e dos figurinos assinados por António Lagarto. Foram, sobretudo, os meus olhos que estiveram naquela magnífica sala porque o cérebro, esse, não suporta o calor dos corpos e deixa-se cair facilmente na prostração das melodias repetitivas e arrastadas. A imobilidade arrastou-o para um delírio onde se cruzaram cenas do quotidiano que naquele momento bem gostaria de ter dispensado.

Hoje (21.12.2007) voltei a experimentar a mesma sensação de adormecimento perante o filme Bucareste, do romeno Corneliu Porumboiu (2006). Mas neste caso, os meus olhos apenas puderam comprovar o lado negro de um país que perdeu a memória da sua revolução ou que procura saber onde estava cada um no dia 22 de Dezembro de 1989, oito minutos depois do meio-dia, naquela cidade a Este de Bucareste.

A reconstituição feita pelos protagonistas naquele absurdo canal de televisão não passa do desejo de estar do lado certo da história, quando, de facto, as vidas mostram a pequenez daquele par de cidadãos.

Espero que ninguém se lembre de me perguntar onde estava na madrugada de 25.4.1974. Embora, eu saiba que estava a dormir. E quando acordei, fui ver a revolução  que estranhei pela forma como os militares se dispunham no terreno, esperando que o regime se rendesse. Quanto aos cidadãos, ainda não sabiam que o eram e, incautos, assumiam poses de vencedores, dificultando as manobras e pondo as vidas em risco.

De qualquer modo, o regime agonizava, nada mais tendo a oferecer. Tal como hoje, apenas a glória da corrupção, da manobra, da vaidade saloia...

14.12.07

A biblioteca

Não é certamente um espaço assombrado. No entanto, os livros estão fechados à chave. Pertencem a um tempo envergonhado ou, talvez, sejamos nós que temos vergonha desse tempo. Não se sabe bem que livros por ali estão naqueles "altas estantes" - ninguém parece querer saber. No orçamento, não há verbas para recuperação / encadernação ou para catologação. Ao certo, também não sabemos se há verbas ou não.

Ali, ninguém lê os livros da biblioteca. No melhor dos casos, alguns alunos e professores lêem os seus próprios manuais e todos sabemos, creio, que os manuais são parecidos com livros, mas apenas isso.

Profanada a biblioteca, fazemos dela espaço de reuniões, de palestras, de lazer. Os assuntos abordados podem ser  pertinentes e interessantes, mas raramente arrastam um público significativo, a não ser que o condicionemos ou o "arrebanhemos", sujeitando-nos a uma escuta perturbada por conversas paralelas, por entradas e saídas "fora de tempo".

Sempre ouvi dizer que o programa deve ser cumprido, mas nunca compreendi se ele é, de facto, lido. Literalmente, nenhum programa apresenta o jornalista e o cartunista como conteúdo, mas nada, nele, os inviabiliza como recurso - vivo, autêntico - capazes de despertar vocações, de expor a trasnsversalidade dos conteúdos, de nos obrigar a questionar o passado e, em caso de desespero, a rir de nós próprios.

E a culpa não é certamente da biblioteca!? Provavelmente, é apenas, uma questão de canal,o tal, como sentenciou o cartunista Bandeira.

O novo canal ou a antiga correia de transmissão

13.12.07

O reencontro...

Fundo sem registo, apenas memória indecifrável . No centro, o prof. Monge da Silva, entusiasmado, traça a história do andebol no Liceu Camões. Dirige-se aos pioneiros, protagonistas de um desafio impossível, apesar de, numerosas vezes, a modéstia e o triunfo os ter guindado à vitória. Pelo meio, a eterna falta de recursos e a astúcia do regime.

A saga de ontem parece a saga de hoje. Como é difícil imprimir, a cores ou a preto e branco, uma simples página de jornal? Parece que temos tudo, mas não. Se olharmos bem: estão lá os campos e também lá está o Auditório, sem esquecer os computadores, as redes, as impressores,  mas falta-lhes sempre alguma coisa...

A propaganda assegura-nos que nada disto é verdade: temos mais equipamentos, os recursos humanos são mais eficazes, a organização em curso porá fim ao tradicional miserabilismo... Entretanto, vou escutando as várias intervenções solidárias e, por vezes, um pouco àsperas: há a saudade dos que partiram e a fraternidade dos presentes; há a presença inesperada daquele antigo professor, austero e dicisplinador que interpelo, na fútil esperança de que uma centelha nos ilumine. Mas como?

É mais fácil lembrar os espaços, falar de outras presenças. Podemos atravessar o ginásio encerado, rever os aparelhos, sentir o peso insuportável dos corpos, esbarrar nos obstáculos, elogiar a disciplina e a integridade de outros tempos, tolerar a arbitrariedade e a frieza das vozes, pois, a esta distância, tudo ganha sentido - afinal, por detrás daquelas muralhas fernandinas habitavam a austeridade, a frieza e a visão jesuítica. Só que naquele tempo não o sabíamos... E, hoje, ouvi erguer-se o remorso, o medo do castigo eterno... no fundo do ginásio ecoam sons de uma ordem defunta...

Felizmente, esta experiência é só minha..., hoje, tudo  se passou na Biblioteca  e não no Ginásio! E eu próprio me senti um pioneiro porque, afinal, também eu fui iniciado no andebol, desporto que eu imaginava muito mais antigo que, de facto, era. No entanto, a mim faltam-me os companheiros...

9.12.07

Aromas

A flor do eucalipto abre-se sobre a cabeça de S.Torpes, libertando um aroma salutar. No solo, os cogumelos disfarçam a sua presença, eclodindo em pétalas de malmequer prontas a envenenar enormes baratas incautas que lentamente procuram fontes e cloacas.
 As abelhas e as moscas, sobreviventes de Dezembro, não desdenham a esponja do peixe-espada.
Indiferente à mentira, à vaidade e à ostentação instaladas no chiquíssimo Parque das Nações, eu fixo o olhar no que me cerca e tudo são sequelas líticas do passado e também do futuro: da areia, despontam rochas oceânicas que me desassossegam, incapaz de com elas dialogar, de lhes narrar o tempo da sobreposição violenta - vulcânica.
Apesar disso, compreendo que houve um tempo em que os maciços de Sintra, de Sines e de Monchique se perfilavam, alinhados e altaneiros, sobre o Oceano, mas continuo sem saber se, nesses tempos, a flor do eucalipto e a pétala do cogumelo já cumpriam o seu desígnio... e subitamente, sinto que, talvez, o tempo não existisse, porque ele não será mais do que a medida da mentira, da vaidade e da ostentação humanas.
Antes que o corpo se separe da cabeça, vou fugir de S. Torpes e evitar Saint Tropez. No entanto, antes que parta devo aqui registar o gato preto que, furtivo, se atravessou três vezes no meu caminho, neste fim de semana.
E ainda me falta responder a uma intrigante pergunta sobre o que tenho lido nos últimos tempos. É que há quem se queixe que, apesar de me conhecer há algum tempo, sabe muito pouco sobre caruma, como se esta tivesse tempo para ler.