11.3.09

A nova poesia…

Centenas de milhares de homens e mulheres são empurrados para a miséria; os filhos,  indiferentes, não compreendem que eles se tornam nas maiores vítimas, embora por culpa própria.

À pontualidade, à assiduidade e ao rigor dizem não. Educados na permissividade, fazem orelhas moucas à palavra dos professores. Por debaixo das mesas, enviam mensagens instantâneas para o colega do lado; de cabeça hirta, invertem a circulação do sangue, deixando que o olhar vazio se perca na brancura das paredes.

Como se a droga lhes corresse de cima para baixo, anestesiando-os e atirando-os para os braços da desistência…

Como vão longe os tempos em que fingir era imaginar / criar! Agora, fingir é mentir a si-próprio…

Fogem da dor e do esforço como o Diabo da Cruz. E acreditam que o futuro mora ao lado num bandeja de ouro…

E quando descobrem a grande mentira em que mergulharam, sentem ganas de destruir o mundo…

E começam a passar do desejo à acção ( da potência ao acto) numa viagem mutiladora em que Beatriz virou rosto de destruição…

É essa a visão dos novos poetas do século XXI!

9.3.09

No Jardim Constantino...

Que árvore será esta? Fica no Jardim (do) Constantino. Na passada 6ª feira, o escritor Mário de Carvalho prometia a uma plateia de jovens dos 1º, 2º e 3º ciclos e do ensino secundário que logo que chegasse ao escritório iria procurar quem fora o "Constantino" que designa aquele largo. Será que os jovens se aperceberam daquela preocupação do escritor?
No mesmo jardim, sob a reflexão de um ignorado e silencioso Prometeu, Mário de Carvalho lá foi explicando que não escreve deliberadamente para crianças, que as capas dos seus livros não são da sua responsabilidade, que a escrita de ficção lhe aconteceu um pouco porque os advogados gastam muito tempo a escrever sobre casos reais, que as suas personagens, na realidade, nunca existiram e que, portanto, não valerá a pena sair a procurar as fontes... E de si, deixou escapar que, aos 15 anos, começou a compreender a crueldade do Estado Novo que lhe perseguiu e prendeu o pai... Nesse tempo, frequentou o Liceu Camões (2 anos).
(E eu, ali sentado, ao lado do escritor, sem saber muito bem se estava nalguma cena de apanhados... tudo culpa da abnegada drª Isabel Pires, promotora da iniciativa... do externato Sá de Miranda.)

Quanto ao Constantino, terei de dizer que os actuais responsáveis pelo pelouro dos jardins da cidade de Lisboa não lhe chegam aos calcanhares.

Até Neptuno

Até Neptuno nos interpela sobre o prédio, em ruínas, na esquina da Casal Ribeiro com a Almirante Barroso. Lá viveram, embora em épocas diferentes, Fernando Pessoa e Amílcar Cabral.

8.3.09

Nas escolas do meu país…

« O relatório anual de Segurança Interna (RASI) de 2008 ainda não foi concluído porque o Ministério da Educação não enviou ao secretário-geral de Segurança Interna, Mário Mendes, os resultados da Escola Segura no último ano lectivo, que terminou há mais de oito meses.» DN, 6.03.2009

E mesmo que o ME tivesse enviado esses resultados, o RASI estaria sempre incompleto! Porquê?

Porque em muitas escolas os episódios de violência não são comunicados.

Porque em certas escolas os conselhos executivos fecham os olhos.

E se actualmente os conselhos executivos começam a estar mais atentos à violência entre alunos, os mesmos desvalorizam os episódios de violência sobre os professores. Quantos professores pediram a reforma porque se sentiram violentados? E nem sempre a violência tem, apenas, como agente o aluno!

A título de exemplo, veja-se o caso de um professor (colocado numa escola EB2 /3, situada a 11 km de Lisboa)  com 33 anos de serviço, 54 anos de idade, saúde débil, que continuadamente é insultado, provocado por um aluno, dentro e fora da sala de aula ( no interior e à porta da escola). A participação dos incidentes ao director de turma já deixou de fazer qualquer efeito – este último sabe bem que, para si, é melhor que o colega seja a “presa”, o “troféu” de caça… A ordem de saída da sala não surte qualquer efeito, pois enviado o aluno para a Biblioteca ou para a Sala de estudo, quinze minutos mais tarde, este regressa qual momentâneo cordeirinho inofensivo… O Conselho executivo sabe bem que os incidentes se repetem todas as terças e quintas-feiras na sala de aula, e  nos restantes dias, sempre que o aluno, acolitado pelos seus sequazes, se cruzar com o referido professor… O Conselho executivo que sabe que o aluno já veio transferido de outra escola, por indisciplina, limita-se a adverti-lo verbalmente, em clima de grande exaltação…e deixa o professor entregue a si próprio, cada vez mais fragilizado…

A esta hora, estará o leitor a pensar: Porque é que o Conselho executivo não corta o mal pelo raíz? Porque o Conselho executivo não quer hostilizar a Comunidade…Porque o seu presidente pensa mais na sua carreira que na responsabilidade da função que exerce…  O seu presidente sonha ser Director executivo do agrupamento de que a escola faz parte.

Nas escolas do meu país é muito mais fácil “queimar” um professor do que colocar na ordem um aluno.

Nas escolas do meu país, silenciam-se os episódios de violência diária em vez de se encostar à parede os prevaricadores…

Nas escolas do meu país, ainda há pouco tempo a Escola Segura preferia apelar à inteligência e ao bom senso do professor do que averiguar os  casos que lhe são apresentados.

Neste país, se este professor apresentar queixa à polícia, ele já sabe que não terá a solidariedade do conselho executivo nem o apoio jurídico do ME. E sabe, de antemão, que de vítima passará a carrasco…

Afinal, o que é que resta a este professor de 54 anos de idade e 33 anos de serviço público?

Partir para a reforma e receber uma pensão, seriamente amputada pela irresponsabilidade dos dirigentes deste país!

E quanto ao Senhor Mário Mendes, esqueça os resultados da Escola Segura. Mande alguém às escolas deste país ver o que por lá se passa.

5.3.09

Sobre o limite…

Vitorino Nemésio reclamava do limite de idade ( 18.7.1971) quando lhe inventaram uma última lição… ( Sem limite a idade, claro: / O Mundo não, / Que esse é finito na expansão / – « É bom não pôr limites à Misericórisa divina» / Disse um Papa velhinho / A quem exígua prece/ Votava uns anos mais / Como é próprio da Caixa de Descontos / Dos pequenos mortais. / Tudo deperece, / desaparece… /

Ontem, Raúl Mesquita não reclamou do limite (Out.1975 – 28 Fev. 2009). E a pretexto do poder da palavra ( do mito, da alegoria, do logos), utilizou-a para zurzir na professora de Português dos seus 10 anos, no reitor da sua adolescência, nos colegas da primeira fila, dos chefes de turma,  nos ribatejanos (um pouco?) pidescos dos finais dos anos 70, dos professores que gostavam de avaliar os pares. E atravessou o mundo dividido, através da palavra (palestra, romance…): «Tenho a honra de ter inimigos e o prazer de ter amigos! Pela palavra, dialogo com eles.»

Ontem, eu que sou ribatejano, fiquei perplexo. Ali, sentado, na sala 32, entre estranhos, ao ouvir a palavra do Raúl, comecei a interrogar-me se não sobraria um espaço ( se calhar só para mim!) entre os amigos e os inimigos. É que as dicotomias cansam-me. Será que não há 3ª via?

Em síntese: não sendo amigo, incomoda-me ser atirado para a matilha dos inimigos. E incomoda-me porque procuro sempre respeitar os outros…

4.3.09

Crónica de António Souto

EX ABRUPTO

Bosquejos

Carnaval. Regressou uma vez mais em grande! Aliás, o carnaval nem sequer regressou, o carnaval há muito que está, deixa-se ficar ao longo dos meses, do ano, dos anos, disfarçado, mascarado como é seu timbre. Fazem-se algumas remodelações de corsos, apresentam-se novos temas mais consentâneos com a actualidade sócio-política, ajustam-se os trajes e a figuração ao modelo inimitável da terra de santa cruz. Mas carnaval é sempre carnaval. Comandam as tropelias. Ora um magalhães descarado vulgarizando pornografia e logo suspenso de um desfile atrevido, para logo ser diligentemente restituído à folia, ora cinco exemplares de um livro desavergonhado ostentando pornocracia de arte e logo retirados de uma banca livresca, para logo serem devolvidos à erudição. Trejeitos carnavalescos que ninguém parece levar a mal, tudo reinação. O carnaval está, para durar.

Uma anódina peça de jornal. Como um fait divers. Lê-se que uma criança com uma doença rara, entre nós e no mundo, tendo apenas dez anos aparenta os setenta, envelhece a um ritmo alucinantemente doentio a cada instante. Aparenta, que é como quem diz, vemos nós por fora e vive a criança por dentro. Infelizmente, para a medicina hodierna não existe ainda cura, não haverá, portanto, qualquer resposta de esperança para quantos sofrem desta doença.

Chama-se Cláudia. É a única menina portuguesa com esta doença. Ainda está viva. Há quem entenda que é uma criança normal. Talvez seja, ou pelo menos deveria ser considerada assim mesmo, NORMAL, e por isso mesmo com direito a todos os direitos que qualquer pessoa normal tem. Mas não é o caso. Ser normal, neste caso, serve apenas para evitar que a Cláudia tenha, de facto, direito a ter direitos. O tratamento é caro e contínuo, exige deslocações ao estrangeiro. A mãe, para cuidar dela e a acompanhar, deixou o emprego. Tem o rendimento social de inserção. A filha, um subsídio de cerca de cem euros. Tudo somado, manifestamente insuficiente. Vai-lhes valendo o apoio de um instituto americano.

Quando sabemos que "uma criança com progeria [síndrome de Hutchinson-Gilford] tem uma expectativa média de vida de 14 anos para as meninas e 16 para os meninos", isto revolta-nos. As doenças raras, quase todas incuráveis e de terapia onerosa, mereciam neste século vinte e um uma atenção especial por parte da sociedade e do estado. É verdade que nos últimos anos muito se tem feito no sector social, mas há falhas inaceitáveis.

Ontem, no encerramento do congresso do PS (partido cujo governo mais tem feito neste domínio), fiquei preocupado e triste por não ouvir, na apresentação das políticas sociais para os próximos dois anos, uma palavra sequer sobre a deficiência. Ouvi com agrado novidades sobre o alargamento obrigatório do pré-escolar, sobre o alargamento do ensino a doze anos de escolaridade, sobre uma bolsa de estudos para famílias carenciadas, mas nada, nada sobre os milhares de doentes crónicos e deficientes dependentes. E a deficiência, silenciosa e pouco reivindicativa, é um problema social urgente, que não carece de debates públicos ou de referendos, não é um fait divers.

Ontem, domingo, foi assassinado o chefe do estado-maior da Guiné-Bissau. Hoje, segunda-feira, foi assassinado o presidente da Guiné-Bissau. Há quem fale em retaliação. Na Guiné-Bissau mata-se e morre-se por razões diversas. Há dois dias atrás, numa reportagem de Catarina Furtado, ficámos a saber como a morte é ditada à nascença na Guiné-Bissau. Nascer é uma autêntica aventura, ou melhor, vingar é um verdadeiro desafio. As mulheres têm em média seis ou sete filhos para poderem contar, no final, com um ou dois. A descendência assegura-se por tentativas. Às vezes, muitas vezes, nem os filhos nem as próprias mães vencem o parto. A esperança de vida, para as mulheres, está nos cinquenta e seis anos. Morre-se cedo. Na Guiné-Bissau, como em muitos outros sítios do planeta, a maternidade não é o início da esperança, mas um final anunciado. Na Guiné-Bissau, pelos vistos, não basta morrer, há quem insista e persista em matar. Na Guiné-Bissau a morte que nos chega parece ser mais penetrante, parece doer mais, porventura porque dói em português.

António José Souto Marques

Agualva (Sintra), Fevereiro de 2009

3.3.09

Tagmé Na Waié e Nino Vieira

Há muito que a morte de ambos fora decidida, e tudo leva a crer que pelos próprios.

Infelizmente, deixaram os guineenses mergulhados na crise de identidade há muito anunciada por Amílcar Cabral (1924-1973), também ele barbaramente assassinado:

Eu sou tudo e sou nada,

Mas busco-me incessantemente,

- Não me encontro!

-----------------------------------------------

Ó farrapos de nuvens, passarões não alados,

levai-me convosco!

Já não quero esta vida,

quero ir nos espaços

para onde não sei.

Por muito absurdo que a ideia possa parecer, acredito que chegou a hora dos povos da Guiné se unirem e descobrirem aquilo que os une e não mais aquilo que os separa.

Da morte não interessa saber se é justa ou injusta, se no limite puder ser redentora.