13.3.10

Depois do crepúsculo…

As nocturnas aves apoderam-se do vazio e à desgarrada impõem um cântico estridente em tudo diferente da harmonia do cântico diurno. Nesta passagem, apercebo-me que as palavras e as imagens ficam incompletas sem as vozes da terra e do ar… No sono que se aproxima, talvez o coro se torne uníssono e sonho da noite anterior se desfaça…

/MCG

Sonho de cacifo…

Que eu saiba, os testes ainda se encontram no cacifo, à espera de terça-feira. Só eu tenho a chave, creio… Todavia, por volta das cinco da manhã de hoje, a quatro dias de distância, ao preparar-me para subir a escadaria, por volta das 7h50, dei de caras com o autor de um dos testes, acompanhado do respectivo encarregado de educação. Esperavam-me para me pedir satisfações: eu riscara uma série lexical, pois não considerara correcta a resposta em que B. me obsequiava com uma lista de hipónimos… De facto, como não enxergara nenhum hiperónimo, não entendia a classificação proposta e, sobretudo, não entendia que fosse possível alguém responder a uma pergunta que eu não formulara…

Até hoje, já me acontecera antecipar durante o sono as perguntas de que precisava para um teste. Mas nunca chegara a este ponto. Se terça-feira, B. e o respectivo encarregado de educação, por volta das 7h50, estiverem à minha espera no hall de entrada ver-me-ei obrigado a mudar de vida…

Neste caso, ao contrário do que Urbano T. Rodrigues pensa, nem no sonho é possível encontrar a redenção… Eis o motivo por que eu respeito todos os suicidas e abomino os directores regionais que vêem atenuantes nas «fragilidades psicológicas», como se estas fossem inatas ou capricho dos deuses. 

11.3.10

Pontes…

 Pontes sem alma lançam-se para as margens, jazem sobre o rio barrento, à espera que lhes façam justiça… Tempos houve que pensei que era ponte ou esteio. Quando o desencanto crescia, via-me na margem ou, apenas, orla… Hoje, nem ponte nem orla! Desespero de ouvir os políticos e os mosquitos, e sonho com a enxurrada definitiva que nos liberte da vacuidade e da imbecilidade…

(Na parede do fundo, olhos pueris e de riso escarnecem de mim…)

9.3.10

A culpa não é do Senhor Gulbenkian…

Esqueci-me de dizer que os patos da foto (post anterior) são do Sr. Gulbenkiam. De facto, os patinhos que vivem nos jardins das fundações não são afectados pelo P.E.C. Estas existem para não pagar impostos ou, pelo menos, para reduzir a carga fiscal dos gansos que nelas crescem.

Bom seria que conhecêssemos todos os gansos deste país! O P.E.C. só deveria ser aprovado, depois da lista dos gansos portugueses ter sido colocada online. Sempre poderíamos aproveitar o tempo livre para depenar uns tantos, em vez de sermos todos depenados – os patinhos é bom de ver.

7.3.10

Patinhos…

 Vem aí o P.E.C.! E nós, patinhos, vamos pagar mais uma vez. O patinho começou a trabalhar cedo. Foi trabalhador-estudante. Convenceu-se facilmente que os sacrifícios pedidos beneficiariam a nação dos mais desfavorecidos – os desempregados, os idosos, os doentes e os debilitados. Os patinhos acreditam na justiça, na palavra dos políticos, na solidariedade!

De vez em quando, os patinhos levantam a cabeça e perguntam por que motivo são eles que pagam sempre a crise. Deixaram de compreender o significado da palavra “crise” – momento perigoso e decisivo. No país dos patinhos, a crise não tem passado nem futuro. A crise é. Como se fosse Deus, a crise dirá eu sou aquela que é para os patinhos. Não tem passado, mas vem de longe, a crise… e os patinhos vão continuar a trabalhar e a descontar…

Com tanta chuva, resta-nos o charco… E se nos afogássemos todos, de que serviria o P.E.C.?

4.3.10

Desse tempo que poderia ser agora…

 «A ilha saturada de água ressuda agora em fontes, cascatas e ribeiros, cujo murmúrio ouvido no jardim, como um solo de flauta modulado a distância, os melros acompanham briosamente chilreando em coro.

Mas o que ia no céu não eram meras combinações ornamentais; as nuvens davam ali espectáculos ordenados, de acessível compreensão, como depressa verifiquei. Comédias e tragédias e autos e farsas

Manuel Teixeira-Gomes, Cartas Sem Moral Nenhuma (XIII).

Comentário: As palavras têm 100 anos; as imagens apenas 6. Todavia, a cor e a harmonia são da mesma idade. E só o artista consegue dar conta desse tempo que poderia ser agora, não fosse a cobiça e a rudeza do aluvião humano.

Por enquanto, acordo cedo para ouvir o chilrear solitário do melro que mora na palmeira em frente…

/MCG

1.3.10

Em tempo de mentira…

Despe-te de verdades/ das grandes primeiro que das pequenas/ das tuas antes que de quaisquer outras /abre uma cova e enterra-as / a teu lado (…) Discurso ao príncipe de Epaminondas, Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação, 1956.

E se lançássemos  este grão à terra, agora que ela está tão macia!