10.6.10

A negro…

Não consigo entender como é que um país falido pode continuar a celebrar e a delapidar recursos com festas (religiosas ou seculares) que nada representam para a maioria dos portugueses. Afinal, qual é o significado da celebração do Corpo de Deus num tempo de sacralização / bestialização do corpo humano? Afinal, de que nos servem  os “santos populares”, para além de ostentarmos a brejeirice e a (in)satisfação da gula?
Afinal, o que   é que celebramos no dia 10 de Junho? A revolta dos socialistas (utópicos e científicos), dos republicanos (pequeno-burgueses) e dos anarquistas (mais ou menos suicidas)  contra a Monarquia decadente  que arruinara o país? Ou continuamos a idealizar uma República desavinda e informe? Ou, então, saudosistas da raça e do império, insistimos em humilhar o Épico? Ou, de regresso ao torrão pátrio, insistimos em festejar a diáspora?
Em 2010, um Presidente à altura das circunstâncias (11% de desempregados; milhares de portugueses à beira do desemprego; milhares de reformados na miséria; milhares de jovens à procura de um primeiro emprego sem qualquer expectativa…) teria cancelado as comemorações.
PS: A negro, porque não encontro outra cor que possa exprimir a cegueira que nos consome. Apesar da luminosidade que parece envolver-nos, não vislumbro qualquer Luz que nos possa redimir do pus que nos consome…

8.6.10

O mapa e a laranja…

No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...


No comboio descendente
Vinham todos à janela
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...


No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
No comboio descendente
De Palmela a Portimão.
(Fernando Pessoa)

Quem desde os bancos da escola primária se habituou a olhar para o mapa de Portugal não pôde deixar de imaginar um país sempre a descer ou, em casos excepcionais, sempre a subir. Os rios descem para o mar, o dia para a noite! Ainda no século XIV, a Europa descia para a Mauritânia e precipitava-se bruscamente para o abismo. O mundo não passava de meia-laranja! Foi preciso o Infante lançar-nos ao mar para percebermos que a Terra não tinha fim, que, afinal, a terra não passava de uma laranja. Por isso, o Gama foi escolhido para contemplar o Globo e trazê-lo simbolicamente ao seu Rei e, este,  feito senhor desta nova laranja passou a ostentar a esfera armilar, como se  ela o sagrasse não como o “infante” mas como o “senhor”. Foram essa confusão e esse orgulho soberano que desfizeram o Império!

Cansado do Brasão, do Mar Português e do Encoberto, por instantes (1918), revelado no Presidente Sidónio Pais, Fernando Pessoa dedica-se a criar ritmadas sextilhas capazes de nos fazer esquecer qualquer desígnio divino ou nacional. Morto o rei, sobra a reinação. E o poema pândego serpenteia, sempre a descer de regresso à meia-laranja!

7.6.10

Da ataraxia

Feliz aquele que administra sabiamente/a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias / podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará/(…) /Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente /RUY BELO, A MÃO NO ARADO
Apetece-me gritar, deitar fora a charrua, atirar versos pela janela, deitar as cópias no lixo, dizer-lhes que o destino lhes secou as ruas, deixá-los simplesmente a sorrir da canga que os reúne e os suplicia. Deixá-los! Tudo o que lhes exige um esforço passou a ser”secante”. O cansaço é uma maçada para os madraços. Adúlteros da vida, praticam a mentira como redenção derradeira…
Falta-me a ataraxia dos Poetas, a beatitude dos santos, a serenidade dos jacarandás…

6.6.10

O que sobra das histórias invisíveis…

  

No Palácio que, no século XIX, foi edificado por Policarpo Anjos, como moradia de veraneio, a Câmara Municipal de Oeiras instalou, em 2006, o Centro de Arte – Colecção Manuel de Brito. Sem se saber como, há histórias de riqueza que continuam invisíveis, mas que, de algum modo, geram espaços de recreio e de cultura que vale a pena frequentar. Até Setembro, vale a pena visitar as exposição de Graça Morais e Por Paris.

4.6.10

Na morte de João Aguiar…

João Aguiar faleceu no dia 3 de Junho, aos 66 anos de idade. Antigo aluno do Liceu Camões, visitou a Escola Secundária de Camões no dia 13 de Abril de 2007, onde, no Auditório, perante uma plateia repleta de alunos, os encantou, lembrando a importância que os professores de Literatura Portuguesa, Maria da Conceição Caimoto e Mário Dionísio, tiveram na sua formação e retratando a vida austera vivida e sofrida no Liceu no final dos anos 50 e início dos anos 60.
Os alunos redescobriram, naquele dia 13 de Abril, o argumentista da Rua Sésamo (da 2ª à 4ª série) e de Inês de Portugal, tal como puderam interrogar o autor das colecções juvenis O Bando dos Quatro e Sebastião e os Mundos Secretos. E muitos deles revelaram conhecer os romances A Voz dos Deuses, Os Comedores de Pérolas e Inês de Portugal. Nesse ano, muitos foram os alunos que, no âmbito do contrato de leitura, leram João Casimiro Namorado de Aguiar.
Relembro, ainda, que nesse dia me prometeu escrever um testemunho para se associar ao centenário do edifício da Escola. Creio mesmo que foi nesse dia que surgiu a ideia dos testemunhos!
No entanto, ao consultar a obra LICEU de CAMÕES 100 ANOS DE TESTEMUNHOS, não dou conta de qualquer referência à sua colaboração. Talvez o seu espólio guarde, para a posteridade, um documento que nos ajude a compreender melhor aquele tempo dividido. Quem sabe?
João Aguiar morre num tempo de profunda confusão local e global de valores, agravada pelo caótico desregulamento financeiro e económico – crise por si prevista no romance O JARDIM DAS DELÍCIAS (2005).Trata-se de um romance sobre a União Europeia transformada em "Federação Europeia" no séc. XXI, em que o federalismo vai destruindo todos os símbolos identitários em nome de uma volúpia económica, conduzida pelos «conglomerados político-financeiros» que de fusão em fusão condicionam consumidores e governos tornando-se indissociáveis do poder político e da própria criação cultural.
Obrigado, João Aguiar.

3.6.10

Antero de Quental e Raúl Brandão, o mesmo drama…

(…)Interrogo o infinito e às vezes choro… / Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro / E aspiro unicamente à liberdade. Sonetos, Antero de Quental

Outrora rocha, tronco, monstro primitivo, o HOMEM pode contemplar e, talvez, orgulhar-se da sua Evolução, desde que não esqueça a sua génese. No entanto, passado é passado, e quando interrogamos o PRESENTE (in)finito e nos confrontamos com as nossas opções, por vezes, dá vontade de chorar. Percebemos que, em nós, residem liames que, a cada passo, nos tolhem os caminhos da liberdade. Há vaidades que nos embrutecem e que nos tornam censores da liberdade alheia.

(… ) Hoje sou homem – e na sombra enorme / Vejo, a meus pés, a escada multiforme / que desce, em espirais, na imensidade… É deste ‘homem’, desta ´sombra’ e desta ‘escada’ que fala  o GEBO de Raúl Brandão quando se interroga sobre qual é o seu DEVER, quando procura a LUZ. Para o GEBO, o passado inútil e doloroso tolhe-lhe a VISÃO e o caminho da liberdade deixa de ser uma demanda individual para se conformar com os padrões decadentistas vigentes no primeiro quartel do século XX.

Quando há dias, afirmava que o PROGRAMA É O ALUNO – o PROGRAMA É A PESSOA – estava precisamente a querer dizer que só há aprendizagem, só há evolução, se CADA indivíduo compreender e interiorizar a dolorosa e  despojada liberdade defendida pelo hegeliano Antero. Quanto ao GEBO mais valia que se tivesse suicidado! Mas faltou-lhe a coragem!

2.6.10

Pensar oblíquo…

Esta manhã, acordei à hora do costume. Da habitual rotina, alterei momentaneamente os passos. Pensei se valia a pena preocupar-me com os acentos circunflexos ou se eles já teriam mudado de lugar ou de nome, um pouco à maneira daqueles complementos que, por uma força obtusa, se tornaram oblíquos. E penso nas respostas oblíquas que irei dar ao longo do dia.

A verdade é que não vejo qualquer motivo para festas e não me apetece desfilar sob arcos de triunfo em ruínas. Ponto final redundante: não vou expor qualquer outro argumento porque já começo a ver o fantasma do Vergílio Ferreira a obliquar na minha direcção. E eu detesto fantasmas e, sobretudo, correr à sua frente…