9.1.13

O secretário moedas

Num tom seráfico, veio o secretário moedas explicar o seu apreço pelo relatório FMI - um relatório extenso e, sobretudo, quantificado.
Custa-me a acreditar que o FMI não tenha redigido uma extensa monografia sobre a situação das finanças públicas, sector a sector, propondo simultaneamente intervenções cirúrgicas para cada um deles. Creio mesmo que o FMI, ao olhar para o resultado da avaliação, terá pensado que o melhor seria eliminar uns tantos sectores, de modo a que, finalmente, pudessem ser levadas a cabo as famigeradas reformas estruturais...
E tenho quase a certeza que a monografia do FMI também contém um capítulo confidencial sobre a capacidade dos governantes, primeiro, compreenderem o que são reformas estruturais, e, depois, implementá-las sem cederem aos interesses instalados.
Chegados aqui, os técnicos do FMI terão concluído que o melhor seria elaborar um relatório com umas tantas medidas quantificadas, que, de antemão, sabem que os políticos mandarão aplicar aos sabujos que os acolitam.
O problema do  secretário moedas é que não sabendo ler monografias, encomenda relatórios, de preferência, quantificados e curtos. 
Hoje, o seráfico moedas surgiu melancólico porque o relatório que recebeu às 12 horas era extenso, embora visivelmente satisfeito com a precisão dos números... 
Daqui até fevereiro, o governo já tem pouco para fazer! Basta aplicar a receita, mesmo que isso signifique ler apenas a conclusão do relatório.
O secretário moedas lembra-me aqueles "catedráticos" que nada conhecendo das matérias se sentam diariamente nas cátedras, à espera que os alunos façam de conta que leram a bibliografia e que apresentem uns "papéis" que eles possam aproveitar para publicar em revistas científicas dirigidas por correlegionários da mesma estirpe!

7.1.13

Ubi sunt?


Ubi sunt qui ante nos fuerunt?

O sol parece desiludido. As sombras povoam os dias. O ouro perdeu o fulgor e os ventres começam a inchar de míngua. As palavras magoadas arrastam-se sem eco. O sagrado invadiu as ruas e perdeu-se em beijos promíscuos... Os mendigos e os vagabundos montam, agora, sentinela aos despojos.

(Este Janeiro convida à meditação.)
Por este caminhar, mesmo os mais distraídos acabarão por, infelizmente, compreender os versos elegíacos de Antero de Quental:  Daquela primavera venturosa / Não resta uma flor só, uma só rosa... / Tudo o vento varreu, queimou o gelo!
Só que a responsabilidade não é do "vento" nem  do "gelo" de Janeiro! E também já não o era no tempo de Antero: Outros me causam mais cruel tormento / Que a saudade dos mortos... que eu invejo.../

6.1.13

A deriva neológica

A neologia raramente é uma necessidade. Ela nasce de uma deriva, da preguiça ou do esquecimento. Claro que o engenho humano necessita de novos termos para os novos brinquedos que vão substituindo os antigos!
Quanto ao esquecimento, basta uma geração para que o que era moda desapareça definitivamente. Há na literatura um número significativo de autores esquecidos, fruto da migração para as cidades e da desertificação do interior. Com eles morreram a língua e os valores ancestrais!
Quanto à preguiça, a falta de tempo para a comunicação presencial e à distância conduz a registos lexicais minimalistas e a um empobrecimento do léxico, arrasadores dos modos de raciocinar e, sobretudo, de argumentar.
Finalmente, a deriva é um mecanismo mais profundo que arrasa a visão do mundo. Por exemplo, na costa do Índico, situa-se Moçambique, antiga colónia / província portuguesa, mas poucos sabem que, anteriormente, essa região se chamaria Ma Sambuco (aglomeração de navios). Aquela costa nunca deixou de seduzir os povos: chineses, fenícios, árabes, indianos, portugueses, ingleses...
Todo este argumentário para quê? Simplesmente para lembrar que o neologismo "eurismo" é fruto da deriva de um povo que se esqueceu, por preguiça, da sua origem portuária, preferindo passar a periferia da Europa do capital.    

4.1.13

Eurismo

A política, ao contrário da poesia que acrescenta, só restringe!
Tendo uma origem comum, poesia e política seguem caminhos opostos. 
No início, os políticos eram poetas cujas palavras defendiam o reconhecimento do trabalho (ação) da maioria. Hoje, os políticos defendem abertamente o empobrecimento da maioria.
Hoje, há uma linha que separa nitidamente a poesia ( a arte, a ciência, a filosofia, a religião), da política ( o eurismo*).
E se isto acontece é porque o sistema educativo deixou de se nortear por valores humanistas e ecológicos! Hoje, o discurso político faz tábua rasa de todo e qualquer valor porque serve apenas o euro!
Os próprios ministros não se diferenciam: ou não têm a voz ou vociferam contra a maioria em nome do euro.
MCG

* Eurismo: forma regional do capitalismo mundial.

3.1.13

A poesia acrescenta...

Hoje, não resisto a perguntar ao ministro Crato se, de futuro, a poesia será excluída dos programas de Português, pois o ato poético - o ato de fazer - é anterior aos atos de informar e de opinar.
O ato poético é primordial e está intimamente associado à percepção da realidade, ao modo como o poeta  aborda sensorialmente o mundo das coisas e dos seres, e essa captura é individual e necessariamente incómoda, pois cabe-lhe, ao moldar a matéria de que se tece, dizer / fazer o que ainda não foi dito / feito...
A poesia acrescenta, não se limita a opinar ou a informar ou a espelhar sentimentos. A poesia foge dos círculos viciosos e virtuosos! E foge do biografismo! De nada serve mergulhar nas suas malhas à procura do sujeito... este serve a expansão do mundo e só é feliz quando o poema se emancipa, e imanente sobrevive à literatura.  
Há mais de 2500 anos que a poesia recria o mundo, ora gerando fronteiras ora diluindo-as, pois cada poeta reivindica para si a liberdade de ver, ouvir, cheirar, degustar, tactear, e que nenhum pensamento geométrico poderá estorvar.

2.1.13

Sobre o espelho quebrado...

Bem sei que para o ministro Crato, compreender o simbolismo deixou de ser uma das metas da disciplina de Português. Basta saber distinguir o ato opinativo do ato informativo!
Para mim, no entanto, o espelho quebra-se não apenas quando o feio esmaga o belo - a morte substitui a vida -, mas também quando a Assembleia da República não espelha o país.
No atual quadro parlamentar não enxergo representantes dos desempregados, dos reformados e aposentados, dos jovens à procura de emprego; da oliveira, do sobreiro e da vinha; da restauração, do calçado, do artesanato; das artes e da economia paralela... Só professores e juristas e uns tantos videirinhos vindos do inefável poder local, distrital... 

1.1.13

O espelho quebrado!

No atual quadro parlamentar, encontramos 65 professores. Somados a 57 advogados e a 27 juristas, temos um total de 149 personagens de papel, num universo de 230 parlamentares.
Estes personagens encontraram na Assembleia da República a escada para a ascensão social que, de outro modo, lhes estaria vedada.
Não sabemos se foram (ou são?) excelentes professores, advogados ou juristas, mas são zelosos cumpridores da disciplina partidária. Talvez seja esse o motivo porque no jornal i, página 15, Margarida Bon de Sousa escreve: «Ter uma licenciatura em Direito ou ser professor, mesmo de uma escola primária, parece ser uma vantagem comparativa na altura de os partidos constituírem as suas listas.» 
Quanto ao governo de Portugal, ele é constituído por: quatro professores, quatro advogados, um jornalista, dois gestores e um administrador.
E na Presidência, mora um distinto de professor!

O espelho quebrado!