28.2.13

Ideologia fracionante

Há termos que, embora possíveis, não merecem registo nos dicionários. É o caso de "fracionante"!
Apesar disso, creio que, em Portugal, o presidente da República e o primeiro-ministro, aparentemente distantes, têm vindo a convergir ao promoverem encontros com juventudes profissionais e partidárias. 
Ambos procuram a cumplicidade da juventude, mas apenas de uma parte. A restante é indolente e arruaceira.
Esta indolente e arruaceira juventude é da mesma estirpe dos velhos que, supostamente, não compreendem os sacrifícios que lhes são impostos.
Cada iniciativa revela a vontade de fraturar, colocando a parte contra o todo, multiplicando as partes, erigindo falsas elites, guardas imediatas de uma ideologia fraturante capaz de destruir os valores da solidariedade e da justiça.
 

27.2.13

Nada eméritos

(emérito - que tem prestado longos e bons serviços; jubilado; aposentado...)

 Sua Santidade, papa emérito!*

Fascinados, repetimos ritualmente a palavra "emérito", reconhecendo a natureza excecional do homem que orgulhosamente deixa, por vontade própria, de ser a VOZ de Deus e, ao mesmo tempo, deixamos humilhar todos aqueles eméritos que, nos seus ofícios, prestaram longos e bons serviços...
Ao contrário de Sua Santidade, milhões de reformados (aposentados, jubilados) esperam ansiosamente pelo resultado da 7ª Avaliação, sabendo, de antemão, que, antes da foice os ceifar, o cristianíssimo e emérito Governo os depenará. 

* E talvez valha a pena pensar na origem do termo emeritum: o prémio, ou dinheiro, que se dava aos soldados acabado o tempo da milícia.

26.2.13

Cortados pelo meio

Um toque de campainha dobrou-nos pelos joelhos. E foi assim, vencido, cortado pelo meio, que eu fiquei a recordar-me para a minha vida inteira… Vergílio Ferreira, Manhã Submersa
 
Talvez ainda não caminhemos, cortados pelo meio, mas, depois da 7ª avaliação, estaremos mais perto! 
Há quem viva a ilusão de que caminha de cabeça erguida, de que basta o toque a reunir para que o povo se levante e expulse o estrangeiro.
O problema é que o fantasma é interior e alimenta-se do comodismo e da inércia!
Há muito que o desafio interior soçobrou! E já não há sineta que nos desperte ou nos acorrente...
A TROIKA apenas encontrou aqui o pasto de que os lobos vorazes se nutrem.

25.2.13

Nas mangas do viatório

«Fui subindo a larga escadaria em cujo topo um padre quieto, de mãos escondidas nas mangas do viatório, ia separando as Divisões para as respetivas camaratas.» Vergílio Ferreira, Manhã Submersa, cap.II
 
Viatório
1.Relativo a via, a caminho.
2. Peça de vestuário usada pelos padres.


A primeira aceção vem registada em todos os dicionários. A segunda em nenhum. Nem no Aurélio! A partir de hoje, passa a estar registada em http://www.dicionarioinformal.com.br/
 
Curiosamente, ainda retenho de antanho essas mangas de sotaina donde as mãos eclesiásticas podiam subitamente sair para esbofetear o incauto.
Claro que os tempos não vão de feição a aprofundar tais catacreses, mas a inteligibilidade de certos textos continua a depender da consulta dos dicionários que, no caso, deixam muito a desejar.
 
Se consultarmos um  dicionário latino-português, perceberemos que o viatorius é o que serve para a jornada..., portanto, o viatório de Vergílio Ferreira parece ser uma daquelas peças que esconde outras peças mais íntimas do pó da estrada ou do contacto mundano...
e que curiosamente poderiam ser constituídas por 33 botões, de alto a baixo, representando a idade de Cristo,  e ainda 5 botões em cada pulso, representando as chagas de Cristo. 
E assim o viatório podia simultaneamente esconder uma ameaça e dificultar o inevitável assédio nas praças castrenses que eram os seminários.

23.2.13

O conselheiro Borges

Para o conselheiro Borges, há por aí uns tantos portugueses acomodados que vão resistindo à mudança!
Fica-se, no entanto, sem saber a quem é que o senhor conselheiro se refere: Serão aqueles que não abrem mão da riqueza? Ou os que não abrem mão do emprego? Ou os que entendem que não devem abrir mão da pensão de reforma?Ou os que pura e simplesmente resistem à morte?
 
Para o senhor conselheiro, o ideal é que todos abram mão do que é suposto pertencer-lhes. Esse gesto magnânimo libertar-nos-ia aos olhos de Deus e dos Iscariotes.
 
O que não sabemos é se o senhor conselheiro já abriu mão de alguma coisa! E também não sabemos de quem foi a ideia de o nomear conselheiro e, provas dadas, de lhe renovar o mandato. Sabemos, no entanto, quem lhe paga os pérfidos conselhos: o povo português. 

22.2.13

Em cada esquina um valido

«Os eunucos devoram-se a si mesmos
Não mudam de uniforme, são venais
E quando os mais são feitos em torresmos
Defendem os tiranos contra os pais»
      José Afonso, Cantar de Novo

Se houvesse menos validos neste país, os tiranos teriam os dias contados! O problema é que eles são aos milhares!
Basta ler as primeiras páginas dos jornais, dar atenção aos noticiários das rádios e das televisões, espreitar os púlpitos das igrejas e dos ministérios, para perceber  por que motivo não se procede à reforma das instituições.
Não é só o Estado que necessita de ser repensado. São, também, todas as corporações que o Estado Novo nos legou e o 25 de Abril acrescentou!
Enquanto isso não acontece, vamos assistindo à dança das cadeiras na Igreja Católica, nas Forças Armadas, na Justiça, na Saúde, nas Autarquias, no Futebol... por isso estes validos quando os mais são feitos em torresmos / Defendem os tiranos contra os pais.
E até os tiranos já sabem tirar proveito de Grândola, Vila Morena, pois sabem que têm «em cada esquina um amigo», isto é, um valido...
 
  

20.2.13

Ferreira Leite e a espiral recessiva

«Só tenho dúvidas e fico à espera que alguém me explique sobre o que é uma espiral recessiva.» Expresso, 16 de fevereiro de 2013 
 
Embora estranhando que a doutora não tenha pedido esclarecimento ao economista Cavaco Silva, gostaria de esclarecer que não haverá espiral recessiva sem que haja espiral dominante, isto é, em regra, o pensamento da maioria tende a ocultar o pensamento da minoria que, no entanto, pode começar a alastrar subterraneamente, ameaçando a democracia formal.
O político Cavaco Silva já percebeu que o seu poder pode ruir por força da espiral recessiva.
Quanto à doutora Ferreira Leite, o que ela quer saber é se, involuntariamente, já saiu da espiral dominante, passando a fazer parte da espiral recessiva.
Há, contudo, um dado que eu posso confirmar: o modo como introduziu a preposição sobre no seu enunciado é uma prova de que a doutora já cavalga a onda da espiral recessiva.