31.3.13

Mnemosine

A deusa grega da memória é anterior à invenção do alfabeto e da escrita. Nessa época, Mnemosine era extremamente poderosa, pois sem ela não havia aprendizagem e, com um pouco de boa vontade, evolução.
E como, apesar de deusa, a memória de Mnemosine não era infinita, vimo-la, desde o início do seu reinado, proteger a música e a poesia, artes primordiais para a celebração da descoberta e preservação do nome dos heróis fundadores.
Com a invenção da escrita, Mnemosine entrou em decadência tal como o cérebro humano! Se indagarmos com um pouco de atenção, perceberemos que o homem tudo tem feito para expulsar a memória para fora de si...
Hoje, os discos de memória são maioritariamente externos, assemelhando-se a memória humana à da lesma.
Creio que essa (a rejeição de Mnemosine) é a primeira causa  de sermos governados por folhas de cálculo, dominados pela estatística, devorados pela imagem...
 
Esta evocação de Mnemosine resulta da leitura de um conto de Lídia Jorge, Invocação a Calíope, onde, a linhas tantas, refere: "Sim, consta que teria sido durante esse sol-posto arábico que Luís Vaz teria escrito numa folha de papel - «Agora tu, Calíope, me ensina o que contou ao Rei o ilustre Gama...» E nesse ponto havia interrompido a escrita, à espera que a filha de Mnemosise, a deusa da memória, lhe trouxesse à lembrança tudo o que havia lido..." 
 
Na citação, sublinhei Mnemosise porque não consegui encontrar o termo. Penso que se trata de uma gralha da edição Expresso. Mas gostei que Lídia Jorge se tenha lembrado dele, pois revela ter uma memória mais apurada do que a minha. Só, recentemente, me apercebi do dom profético da autora, quando uma ex-colega do Liceu de Tomar me trouxe à memória que ela fora nossa professora de Língua Portuguesa em 1972/73. Da professora, cujo nome olvidara até porque ela desapareceu no 3º período desse ano, apenas recordava que certo dia me terá dito que a minha sensibilidade poética era reduzida, apesar de ter algum jeito ensaístico. Se havia algum caminho a seguir, seria o dos hidrocarbonetos.
 
Por outro lado, a citação também serve para explicar a familiaridade com o Poeta. Afinal, a ideia de "Um dia com Luís Vaz", não é original! Tem como antecedente, «o sol-posto arábico (em) que Luís Vaz" solicitou a ajuda de Calíope, filha de Mnemosine...
 
 

30.3.13

Irreverências


Ao avistar uns ténis pendurados numa árvore da praça José Fontana, não posso deixar de pensar na irreverência da juventude.

E associo os  ténis, ali, suspensos, a uma vocação irremediavelmente perdida!

A irreverência também pode causar danos!

E já agora aproveito para notar que a peça “Isto é que me dói!”, de Paulo Pontes, Teatro Villaret, também denota a presença da irreverência do “doente” José Raposo num hospital em que os regulamentos são, afinal, mais importantes do que os pacientes…

Apesar da brejeirice de certas situações e das alusões fáceis aos atuais governantes, a peça não deixa de ridicularizar um modelo hospitalar, em que o diretor do hospital pede autógrafos ao doente famoso, o chefe clínico adia tragicamente a intervenção cirúrgica, e os enfermeiros vivem fechados nas respetivas taras... (três estereótipos)…

Tudo, ou quase, em família raposo!

/MCG

29.3.13

Res non verba!

  1. RES NON VERBA. A divisa da PSP preocupa-me porque salta à vista sempre que decido encaminhar-me para o Tejo. Temo que o meu itinerário possa  ser interpretado como um desafio à autoridade, uma marca de clandestinidade ou de vagabundagem. E se assim for, corro o risco sério de ser algemado ou pior, sem ter o direito de me explicar. Vou ter de alterar a rota… (fobia, certamente)
  2. Um painel japonês ali colocado desde 1998, presumo. E eu que nunca tinha reparado nele! Mesmo agora, são tantos os triângulos que os motivos me escapam… (eurocentrismo, evidentemente)
  3. Depois há um canavial. Dele apenas a reflexão sobre a cor, barrenta, acastanhada… e a ideia de que na ausência do sol, a cor permanece ou ganha outro tom que nós não queremos ver. E à volta, o verde, vigoroso, quase artificial, abre o caminho para o rio, também ele convulso e enlodado… Ainda pensei começar (Depois havia um canavial…, mas não faz sentido, ele continua lá!)
  4. E para terminar a curva, só visível se não ajustar, endireitar, a foto! A curva que ladeia o charco; a vida vegetal, indiferente à extensão e duas canas, vindas de outro canavial mais distante, mas não menos real… ( Só que eu não o procurei!)
  5. Afinal, a vida tem cor! Eu, a palavra! E a PSP, o cacete!  

28.3.13

Eugénio de Andrade - O passado é inútil como um trapo


(…)
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
(…)
Eugénio de Andrade, Adeus

As últimas vinte e quatro horas vieram confirmar que o passado só atrapalha! Nem serve para limpar a imundície que, ilusoriamente, confundimos com a riqueza, a beleza ou o amor.

O passado, qual romeiro, só traz o caos!

(As árvores não se preocupam com o passado e por isso continuam a florir!)

/MCG

26.3.13

Contra os gestores de almas

A leitura das «mortais contradições« de Antero traz a cada passo o desfasamento entre o IDEAL do autor e a acentuada decadência de uma nação cada vez mais desprezada pelas potências europeias emergentes. Paradoxalmente, a geração, dita de 70, sonhava com a Europa sem perceber que esta estava a traçar o aniquilamento de Portugal.
Essa estratégia está quase concluída. E nós continuamos sem perceber! A vitória de Aljubarrota teve o sabor amargo de fazer compreender que o destino português se escrevia fora, contra a Europa. E assim foi, nos séculos XIV e XV!
O sonho da Europa acabou sempre em pesadelo. E desta vez não será diferente...
Embora Antero tenha sabido enunciar as causas da decadência próxima, acabou por aristocraticamente desdenhar o novo mundo para, irremediavelmente, mergulhar em si próprio, na loucura e no suicídio.
 
«Enlouquecer é em geral a via de escape mais segura e eficaz dos que rompem consigo próprios após (…) uma penosa luta.»

«E os psiquiatras que fazem eles? Procuram exasperadamente curá-lo de si mesmo, reduzi-lo ao lugar-comum do homem «normal», social, sociável, conformista inconformado, fraterno-sectário – que é justamente o que ele não quer ser, voltar a ser!» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 45
 
Hoje, farto de diretores espirituais, psicanalistas, psicólogos, psicoterapeutas e de psiquiatras, decidi abandonar a Europa, sem dela sair... vou apenas seguir o meu caminho até que todas as folhas se libertem de mim... 

25.3.13

A obra não é o homem


«A obra não é o homem, antes é, em muitos casos, o seu disfarce e jogo de espelhos, a sua antítese.» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 38

Posicionado a meio da encosta, observo o porto de abrigo. Formas e cores tomam conta do meu olhar, incapaz de se fixar no pormenor de cada obra que a máquina consegue capturar.

A foto pouco diz sobre o «fotógrafo». Esta revela, no entanto, múltiplas “obras” cujos autores se apagaram. Só o narcisismo pode fazer crer que a obra é a expressão imediata, primária e sincera do seu autor.

Neste sentido, a leitura do texto literário como expressão primária do  autor é deformadora e, sobretudo, geradora de desnecessária alienação e, frequentemente, de emulação.

24.3.13

O prédio, a ponte, o rio



Talvez possa apagar o prédio da foto, mas ele continuará lá para me coartar a visão. Por outro lado, se atravessar a ponte, o obstáculo desaparecerá do meu olhar, apesar do prédio continuar no mesmo lugar.

Assim, temos, por um lado, o ponto de vista e, por outro lado, o prédio e a ponte, insensíveis a qualquer subjetividade.

A própria ponte, de acordo com certos pontes de vista, também ali não deveria estar. O rio, só, correria para o mar… ou será ao contrário?

O rio, a ponte, o prédio estão para ficar! Eu passo, a olhar e, impreciso, percebo que a decisão é avançar mesmo que tenha que ajustar o ponto de vista.

Em conclusão, de nada serve apagar o prédio da foto ou crucificar o arquiteto, pois a dívida continuará a crescer!