30.9.13

Maldita abstenção

I - Quase metade dos eleitores não cumpriu o dever de votar. Porquê?
Já morreram? Quantos?
A idade limita-lhes a deslocação? Quantos?
Emigraram e ainda não estão registados nos países de acolhimento? Quantos?
Delinquentes e vagabundos perderam a noção do tempo? Quantos?
A crise política e financeira não lhes diz respeito? Quantos? Do que é que vivem?
Há aqui uma incógnita por explicar, apesar de tantos sociólogos desempregados! Esta incógnita adultera certamente os resultados eleitorais...
No entanto, desta vez, a votação daqueles que não desistiram revela um caminho claro: a vontade de mudar. A vontade de afastar os autarcas saltimbancos, os autarcas salteadores... Do Porto ao Funchal, sem esquecer Braga e Loures, os eleitores decidiram arrepiar caminho, na esperança que a crise não se avolume.
Um sobressalto democrático e patriótico manchado por aqueles que preferiram a abstenção.

II - O comentador de 2ª feira, Miguel Sousa Tavares, confessa que acabou de votar e que por isso não quer saber do que pensa a TROIKA.
Infelizmente, a TROIKA já olhou para os resultados eleitorais e somou os votos da direita com a abstenção!
 

29.9.13

Santo de Pau Carunchoso

Durante muitos anos, ouvi os mais velhos (e não só!)  acusarem o vizinho, o padre, o cabo de esquadra e o amigo de serem “santos de pau carunchoso”.  Em todo este tempo, nunca consegui encontrar alguém a quem o epíteto assentasse que nem uma luva. Havia sempre um senão! Uma virtude que me impedia de aplicar a referida locução!

Até que, ao folhear o Expresso de 27 de setembro,  encontrei o “santinho” reverente, suplicante…

28.9.13

Tanto refleti...

«Impossível não ter comportamento: a minha ausência de comportamento é uma forma de comportamento. É mesmo uma forma espetacular de comportamento.» Eduardo Prado Coelho, Comunicação e Democracia.
 
Tanto refleti que concluí o óbvio: Para grandes males, grandes remédios!
Perante a sobranceria dos credores e dos seus agentes internacionais e nacionais, só nos resta mostrar, de forma espetacular, que não atiramos a toalha ao chão.
Para o efeito, amanhã, bem cedo, antes da abertura das urnas (que maravilha!), deveríamos tomar uma decisão solidária: Votamos todos ou não vota ninguém!
Qualquer uma das opções seria a expressão de um comportamento espetacular. Mais importante do que o resultado seria a afirmação da rejeição do modo como se faz política em Portugal.
 

27.9.13

Cachorros fomos, cãezinhos semos...

«Ó meu santo Nicodemos,
Cachorros fomos, cãezinhos semos,
livrai-nos da esmola do Diabo
que é a pedra fora de mão,
jogada à tola, jogada ao rabo,
contra um cãoAquilino Ribeiro

Só os rafeiros é que andam de pata estendida, sujeitando-se ao humor do dono!
Nas últimas semanas, a caravana autárquica percorreu o país, repetindo um número patético: tambores, cabeçudos e figurantes percorreram, apressados, as ruas e as praças, vozeando, sem uma visão de como o poder local pode ajudar o poder central a livrar-nos da esmola do Diabo...
Pelo contrário, parece que, no próximo domingo, o eleitor vai ignorar  os sicários da nação.
E atenção! A culpa não é do Diabo!
Cachorros fomos, cãezinhos semos!
 

25.9.13

A sua Escola já não existe!

Ultimamente, pareço querer tudo compreender e, sobretudo, interpretar, e, não contente, desatei a querer ensinar a compreender e a interpretar.
Recorro ao texto e ao intertexto, ao tema e à isotopia, sem esquecer o sema, ponho em ordem a cronologia, dando relevo à analogia, percorro o Parque Mayer, desço a Avenida e, sem saber como, chego ao cais de Alcântara, com uma breve passagem pelo Ralis.
Sonho com os mares de Timor e tropeço na beatitude dos meus ouvintes que, respeitosamente, preguiçam à espera do inexistente toque da campainha...
 
E subitamente a VOZ do Além: - Ó homem, acorde! A sua Escola já não existe! Foi extinta!

24.9.13

Notas por resgatar

  1. De cada vez que o primeiro ministro sofre uma contrariedade lá vem a promessa de que irá rever a lei. A oposição que se cuide! Vai ter que acompanhá-lo no ajustamento da Lei à sua "realidade". No caso, o senhor não prescinde da televisão!
  2. Se bem percebi o fidalgo das laranjeiras está contra os candidatos a autarcas que «não sejam de boas contas ou não saibam fazer contas».  Este mesmo fidalgote acaba de recuperar o significado original do termo "freguês"- o habitante da freguesia. Um contributo assinalável para a recuperação da língua portuguesa!
  3. O ministro das piruetas acaba de reconhecer que as crianças, afinal, devem ser iniciadas na língua inglesa. Sem esquecer o ensino educacional! Parece que as crianças que optem por este ensino serão mais felizes e mais educadas... acabo de ouvir um jovem que deixou de «chamar nomes» aos professores e sobretudo de faltar à escola. Os patrões poderão, assim, moldar os novos operários e pagar-lhes o que bem entenderem.  Um bom exemplo de flexibilidade...
  4. Com tantos sinais de recuperação da economia, não se percebe porque é que se continua a falar de "resgate"!
  5. Com a natalidade a decrescer e a mortalidade a crescer, hoje terá sido um dia triste para a Caixa Geral de Aposentações e para a Segurança Social. Não consta que algum poeta tenha morrido neste país onde a poesia vive de subsídios...

23.9.13

António Ramos Rosa

Entrega-se
como para morrer
mas não morre

É demasiado rígida
e não tem gretas
não estremece

Cai
vai caindo
sem atingir o repouso
sem oferecer o rosto

à terra
que ela chama

(JL, Ramos Rosa, 13.11.1990)


Rosa, António Ramos[1] (17.10.1924 -21.09.2014). Fez estudos liceais no Algarve (Faro, até ao 6º ano do Liceu) e trabalhou como empregado de escritório, actividade que abandonou, sendo explicador e tradutor (durante mais de 20 anos). Foi co-responsável pela edição das revistas: Árvore; Cadernos do Meio-Dia. Foi um elemento activo do MUD Juvenil, tendo sido presidente da Comissão Distrital de Faro. Esteve 3 meses preso no Aljube por ter subscrito um manifesto por ocasião da comemoração do 5 de Outubro de 1947. Considera-se um antifascista genuíno, simpatizando com a democracia directa. Entende a poesia como forma de conhecimento, como arte do impossível, um acto fundador, para dissipar o que está escrito[2]. Em 1971, Ramos Rosa rejeita o Prémio Nacional de Poesia, concedido ao livro “Nos Seus Olhos de Silêncio”, porque se aceitasse entraria no jogo de compromisso com o fascismo.[3] Quanto às influências de João Cabral de Melo Neto, considera-as muito pequenas[4]. É de 1958, o seu poema «O funcionário cansado”: / Sou um funcionário apagado / um funcionário triste / Obra: Grito Claro (1958); Viagem através duma Nebulosa (1960); Poesia, Liberdade Livre (ensaio, 1962); Ocupação do Espaço (1963); Construção do Corpo (1969); Nos seus olhos de silêncio (1970); Não Posso adiar o Coração (1975); As Marcas no Deserto;[5]  Gravitações (1983); Incisões Oblíquas (ensaio, 1988); Acordes (1989)[6]; Pátria Soberana (2001); Os Volúveis Diademas (2002), ed. Ausência; Em 1988, recebeu o Prémio Pessoa pelo conjunto da sua obra. Para A. Ramos Rosa: «a prática poética ou artística é sempre um fenómeno social que só se justifica e identifica pela sua inerente capacidade subversiva.»[7]

(Nota de leitura necessariamente incompleta.)


[1] - Não posso adiar para outro século a minha vida / nem o meu amor / nem o meu grito de libertação / não posso adiar o coração. // Não posso adiar / ainda que a noite pese séculos sobre as costas / e a aurora indecisa demore./
[2]  - / É preciso queimar os livros e calarmo-nos / Esta é a matéria bárbara a matéria viscosa /
[3] - Entrevista conduzida por José A. Salvador, Diário Popular.
[4] - No entanto, reconhece influências de Drummond de Andrade e Paul Éluard, assim como dos poetas espanhóis da geração de 27  (Guillén, Vicente Aleixandre e Pedro Salinas). E ainda dos norte-americanos: Theodore Roethke e Wallace Stevens.
[5] - Livro oferecido aos 80.000 jovens que se reuniram em Bolonha, em 1977.
[6] - Prémio de Poesia APE /CTT.
[7] - Entrevista dada a Baptista-Bastos, a 9 de Abril de 1981.