7.3.14

O bâton e o verniz valem mais do que um poema

À maneira proençal, inventaram um dia mundial da poesia e passou a ser moda, em certos lugares, declamar ou ler em silêncio o poema eleito... Ninguém sabe bem como escolhê-lo e, sobretudo, todos esperam que alguém aponte a dedo o demiurgo que o terá gerado...
O problema é que a leitura dos poetas é coisa rara num país que até tem parques de poetas, ruas de poetas, cais de poetas, mas que deles faz poetas de rua...
À maneira proençal, vivemos num tempo em que o bâton e o verniz valem mais do que um poema, porque ignoramos que o poeta também tem lábios e unhas e procura o sol nas manhãs de inverno...

Nemésio disse um dia: « O meu cavalo é todo memória: / Um fio de vento contra as estrelas, /A lanterna que sai da cocheira, como elas / Do pó da noite para as nuvens altas.»  Memória e Queda (1963)

Também eu tive uma lanterna que entrava no palheiro 
Lá não havia cavalo apesar das estrelas
Primeiro uma mula velha
Depois uma burra fogosa que me atirava ao pó da rua...  
Nos poemas (e nas terras dos ricos) encontrei cavaleiros e amazonas
(...) 
Hoje, nem cavalo nem burro
Desfolho o poeta
e sinto que «O anoitecer situa as coisas na minha alma / como as cadeiras arrumadas / Quando os amigos partiram.» Eu, comovido a Oeste (1940) 

Não compreendo por que motivo, à maneira proençal, se lembraram de inventar o dia mundial da poesia se nunca entenderam a fosforescência da lanterna... ao contrário de D. Dinis, Políbio Gomes dos Santos, Vitorino Nemésio, Vasco Graça Moura e de todos aqueles que nos versos conseguem tecer os fios que os prendem ao universo.

  

6.3.14

Polícia empata polícia

Uns vão construindo o muro, os outros tentam derrubá-lo.
Já lá vão duas horas!
O jogo policial continua empatado e assim continuará. Enganaram-se na definição do alvo, pois seguem uma estratégia errada...
Bastava uma força de segurança unida, de braços caídos, para fazer cair um regime que, desde a entrada na união europeia, vem destruindo o país...

Há muito que a democracia foi feita refém pelos filhos e netos do Estado Novo. O que hoje decorre em São Bento envergonha Abril!

5.3.14

De todas as palavras

No geral, as palavras são desnecessárias e, frequentemente, causam desaguisados. Em nome do quê? Em nome de causas menores, causas mesquinhas! 
Há, no entanto, dias em que as palavras fazem faltam! Só elas podem conter a ansiedade. Só elas podem evitar que as armas desfaçam a racionalidade, pondo em causa a humanidade...
No meu caso, não preciso mais do que uma palavra: ouvi-la ou vê-la escrita basta!

Temo, porém, que, de todas as palavras, só não receba aquela que me poderia sossegar... 

4.3.14

Sob a intempérie

L’homme n’est qu’un roseau, le plus faible de la nature; mais c’est un roseau pensant. Il ne faut pas que l’univers entier s’arme pour l’écraser : une vapeur, une goutte d’eau suffit pour le tuer. Mais quand l’univers l’écraserait, l’homme serait encore plus noble que ce qui le tue, parce qu’il sait qu’il meurt, et l’avantage que l’univers a sur lui, l’univers n’en sait rien.” Blaise Pascal

É no mínimo discutível que o homem pascaliano seja mais nobre do que aquilo que o mata, pois a morte é cada vez mais uma invenção do homem. Os sinais de que certos homens preparam minuciosamente a morte dos outros homens proliferam em Portugal, na Grécia, na Síria, na Ucrânia, na Venezuela, no Quénia, na Nigéria…

Sob a intempérie, a cegonha mantém-se firme…

3.3.14

Formas atípicas

Não se sabe quando irão morrer, embora se possa saber quando foram edificadas, estas formas já não cumprem qualquer função. A primeira, gaiola de pássaros por aprisionar, nasceu da opulência; a segunda abrigou ganhões de sequeiro a quem faltou o cimento e o ferro… por perto, ainda crescem flores quaresmais… (as fotos foram eliminadas, porquê, não sei.)
Imagine, se ainda pode...

2.3.14

O céu desigual



Em S. Marcos de Ataboaço, por detrás da bela fachada da igreja, o bairro degradado…


Do alto da ermida de Aracelis, o latifúndio…

Tudo isto me faz pensar que algum latifundiário latinista se terá lembrado de erguer a ermida «ara caelis» – o altar do céu – para que os servos pudessem uma vez por ano aproximar-se do céu, já que a terra diária seria um pesadelo.

Também eu procurei esse altar divino,  mas só ouvi a fúria do vento que ramalhava os eucaliptos…

/MCG

1.3.14

Os lugares e a identidade

A propósito de mitos fundadores desta pátria tão maltratada, aqui registo o lugar identitário, físico e duplamente simbólico…

Como a identidade não é apenas de natureza nacional, assinalo, também, para os que vão passando pela Escola Secundária de Camões, o nome de SEVERO PORTELA, cuja obra merece ser visitada no Museu Municipal de Almodôvar.

Nota 1: Severo Portela terá frequentava o Camões em 1918, à data da pneumónica.
Nota 2: «Grassando em Espanha desde Maio de 1918, a gripe pneumónica detecta-se já em Portugal em finais desse mês. Em Leiria, o primeiro caso de morte registado, devido à gripe, data de 4 de Junho de 1918. Da fronteira terá irradiado para o litoral a partir de dois pólos distintos: um, situado mais ao Centro, envolvendo concelhos raianos dos distritos da Guarda e Castelo Branco e o outro, mais a Sul, englobando concelhos dos distritos de Beja e Évora. Progredindo rumo ao litoral, a gripe, na sua primeira onda epidémica, entre finais de Maio e meados de Julho, rapidamente atingiria os grandes centros urbanos de Lisboa e Porto. A partir destas áreas metropolitanas, na segunda e última vaga epidémica, de início de Agosto a finais de Novembro de 1918, estender-se-ia a todo o território continental, provocando uma autêntica razia demográfica, com graves repercussões sociais e económicas.»
Nota 3: - «Nunca vi uma coisa destas, Tibúrcio! Em Lisboa no Convento das Trinas e no Liceu Camões tiveram de improvisar hospitais de campanha, e está em curso a criação de uma comissão de socorro cá para Sintra. Até médicos retirados tiveram de ser chamados, imagine!»

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