7.4.14

Lampeiros e figos lampos

Não é que durante o dia tenha pensado em figueiras e muito menos em figos lampos, só que por volta das 19 horas dei conta que uma das figueiras que saltam o muro do seminário dos olivais já exibe o fruto temporão.
Estranhei a pressa daquela figueira, mas como ela se encontra em terreno sagrado, logo pensei que, talvez, ela tivesse sido plantada pelo Diabo… Afinal aproxima-se o dia do enforcamento de Judas…
E os figos lampos? Pessoalmente, houve tempo em que os apreciava, embora desconfiasse da excelência da sua natureza temporã … porque, no geral, este tipo de figueira, depois de afirmar a sua virtude, deixa-se cair no pecado da preguiça…
Agora entendo que há sempre quem abocanhe os figos lampos e sobretudo que os lampeiros continuam ativos. E o dia de hoje não foi exceção!

6.4.14

A voz e a emoção

A voz é o suporte acústico da palavra. Quando a voz se torna ininteligível, perdemos a emoção, embora, em muitas circunstâncias, a alteração da voz resulte da irrupção de uma tensão interior capaz de provocar comoção exterior ou, em alternativa, condenação pública.
Hoje a voz de João Perry (O Regresso a Casa, de Harold Pinter) fez-me lembrar uma outra voz de que já perdi o som, mas cuja emoção me acompanhará sempre...
Sei agora que mais do que as vozes memorizo emoções, pequenos gestos... Estes gestos e estas emoções ficam em mim como expressões de sensibilidade, de aproximação...

Em O Regresso a Casa (encenação de Jorge Silva Melo, também ele de regresso ao palco do D. Maria II), as múltiplas vozes enunciam ideias dos anos 60, libertárias, mas que se extinguem na enunciação que parece ser a verdadeira substância da vida. No lugar das palavras também há gestos mas falta-lhes a emoção, como expressão de sensibilidade, aproximação...Para Harold Pinter tudo não passa de jogo... 
    

5.4.14

À espera do quê?

Vladimir. – Mais tu as bien été dans le Vaucluse?
Estragon. – Mais non, je n’ai jamais été dans le Vaucluse! J’ai coulé toute ma chaudepisse d’existence ici, je te dis! Ici! Dans la Merdecluse!  Samuel Beckett, En attendant Godot, 1952

Pouco importa onde morámos, onde sonhámos, se fomos felizes…
Um dia, uma qualquer alcateia deu cabo de tudo e nós ficámos, em definitivo, à espera…
Todos os dias à espera, acordamos e adormecemos, sem coragem para levantar a forca…
Incapazes de nos calar, continuamos a olhar a árvore…
Sobra-nos a corda do olhar…

        e pouco importa onde morámos…
        um dia uma alcateia deu cabo de tudo…
         … e nós sem coragem para levantar a forca!

4.4.14

Voltaremos!

"Voltaremos!" é palavra de ordem. E podem voltar as vezes que quiserem, pois o plano está em marcha e só estará concluído quando o Estado tiver fechado as portas.
Vão fechar hospitais, tribunais, escolas e repartições de finanças! Compreendo o motivo do encerramento de hospitais, tribunais e escolas, afinal, são sectores que só dão prejuízo. Só não entendo a decisão de encerrar as repartições de finanças... Será que já não sobra ninguém para tributar?
E claro também não entendo por que motivo não encerram as esquadras, os quartéis, as câmaras municipais e a assembleia da república, que oficialmente cheira mal...

3.4.14

Um português que não sabe qual é a sua pensão de reforma

Daqui não se vê, mas posso assegurar que se trata de um ser atarracado, braços cruzados sobre o dilatado ventre, sorriso aberto e luminoso sob testa ampla ainda coberta por nívea cabelama. Não fosse a veste negra e a gravata rosada, poder-se-ia imaginar um albino de origem nacional-socialista. Um qualquer farsista ter-lhe-á roubado o bigode de pequeno hitler, deixando, no entanto, adivinhar um dentinho de ouro…
Rotundo desde tenra idade, cedo descobriu que estava destinado a ganhar uma fortuna. Já nos anos 70, auferia 100 contos numa daquelas empresas privadas cujo monopólio era assegurado pelo Estado… De lá para cá, ainda não parou de ganhar dinheiro  e nem no tempo do Vasco Gonçalves soube o que era ficar sem emprego. Apesar de tudo, recebia 50 contos. (Vale a pena recordar que um professor ganhava 5 ou 6 contos a explorar o Estado!)
Já reformado, este indefectível amante da pátria continua a trabalhar na EDP,  em tempos, empresa pública, que ajudou a vender, e a fazer a parte de tantos conselhos fiscais e de administração que já lhes perdeu a conta…
E foi certamente essa falta de memória que o levou a afirmar: «Eu neste momento não sei qual é a minha pensão de reforma.»
De referir que este tipo de português é uma espécie vaidosa que se baba com facilidade e que não tem sentido do ridículo.

2.4.14

EPIS (Empresários Pela Inclusão Social)

EPIS - Sabe o que é? Conhece os órgãos sociais desta associação? Clique, não custa nada! Vale a pena!

Hoje, no Auditório "Camões", com o patrocínio da EPIS, David Justino, sociólogo da Universidade Nova de Lisboa e antigo ministro da educação, apresentou de forma detalhada um estudo sobre o "abandono  e insucesso escolares", com base em dados referentes ao período 2007-2012. 
Confesso que não percebo nada de análise estatística, mas não sou completamente insensível ao jargão e às conclusões.
Não costumo ter paciência para assistir a este tipo de "lições", no entanto, terminadas as tarefas avaliativas do dia, a qualidade do investigador acabou por me arrastar para o Auditório. Não estava cheio, sobretudo não havia muitos professores do Camões, mas, quando entrei, atrasado(?), o público amigo escutava disciplinadamente.
Explicados os conceitos, o discurso desenvolvia-se de forma redundante: em Portugal, cultiva-se uma "cultura de retenção", a começar pelo 1º ciclo, o que provoca uma "elevada taxa de atraso"; o insucesso escolar está, por um lado, ligado, à ruralidade ou às periferias das grandes cidades e, por outro lado, deve ser associado aos pais sem instrução.
Este estudo aponta, ainda, para uma nova variável: o sucesso dos alunos sobe quando as mães detêm um curso superior...Os pais pouco acrescentam...
Em conclusão, a ineficiência do sistema resulta em grande parte da «cultura de retenção» do corpo docente, provavelmente herança do Estado Novo! (Esta ideia é minha!)
Claro que o estudo também dá conta dos concelhos em que "as boas práticas" conseguem reverter as estimativas negativas!
O que estranho é que tanto conhecimento sobre as assimetrias geográficas não resulte num plano educativo nacional que transforme o insucesso em sucesso e principalmente deploro que a variável "docente" raramente seja considerada como promotora de sucesso...
De qualquer modo, para David Justino, o centralismo jamais será capaz de resolver os problemas locais... 

Adivinhem lá quem vem jantar! 


1.4.14

Colaboracionistas

Fazem-se transportar em luxuosas viaturas de alta cilindrada por ruas donde os pobres foram expulsos e dizem a todo o momento que os portugueses compreendem que não é possível voltar às remunerações e pensões de 2011...
Asseguram a todo o momento que não estão a ser aprovados novos cortes e mal fecham a boca, a comunicação social anuncia que os cortes chegam já em abril...
Orelhas moucas, asseguram que o pós-troika é decisão deles, que em Bruxelas colhem opiniões. Invertebrados, aceitam ordens na esperança de uma recompensa futura num qualquer areópago internacional. 
(...)
E nós pasmados, vítimas de aleivosia, continuamos a ouvi-los mentir e, sobretudo, a ser insultados, como ainda hoje aconteceu. 
Diz o senhor professor doutor Nuno Crato: Daqui a 10 anos, iremos ter os melhores professores de sempre. Daqui a 10 anos!
O senhor professor doutor Nuno Crato insulta os professores como nunca ninguém o fez. Os professores de ontem e de hoje!
Agora que a extrema-direita vai fazendo o seu caminho, mais valia que o senhor professor doutor seguisse os conselhos de Marinetti (20 de fevereiro de 1909)

 «Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias que matam, e o menosprezo da mulher.»  
 «Nós queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo...»