4.11.14

A Literatura atual ignora o cacique

Houve um tempo em que a Literatura descia ao terreno e descrevia o que por lá se passava em termos de relações de domínio. Camilo Castelo Branco, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, sem esquecer Alves Redol, Miguel Torga e Saramago. Nas suas obras, a cada passo, encontrávamos os influentes e, entre eles, o cacique...  
Hoje a Literatura é cada vez mais cosmopolita, havendo escritores que, de tão viajados e apressados, situam as suas "estórias" em cidades tão distintas como Londres, Rio, New York, Paris, Buenos Aires, Montréal,  Barcelona, Luanda, com passagem esporádica por Lisboa ou por Madrid... Só que nessas cidades não há influentes e muito menos caciques!...

Na verdade, habituei-me a pensar que um mundo sem caciques seria incompreensível, sobretudo nos países que privilegiam o centralismo ou que dizem apostar tudo na democracia... formal. No essencial, nunca percebi bem onde situar o cacique. A Literatura coloca-o no terreno, atribui-lhe uma certa mobilidade, mas não diz até onde pode chegar o braço de tal personagem... A História também é omissa em tal matéria: prefere a narrativa dos ricos ou, em alternativa, a dos pobres. A História ignora deliberadamente o intervalo, o miolo, essa coisa linda, nas palavras de Pessoa.

Hoje, numa espera, descobri uma interessante caraterização do lugar ocupado pelo cacique galego:

«Para Risco o caciquismo era o resultado da imposición dunha estrutura político-administrativa allea á realidade galega, por parte do Estado centralista español, pois o cacique intermedia entre os seus veciños da paroquia que é a cerna da social rural galega e o lonxano Goberno a través dos municípios, provincias e deputacións. Necesita os votos dos seus clientes pera intercambialos na cidade polos favores da burocracia estatal que descoñece as peculariadades nacionais de Galícia e a aplica unha lexislación pensada para sociedades diferentes...» in Mundo Rural, Coordenação: Dulce Freire, Inês Fonseca, Paula Godinho, edições, Colibri, pág. 159

A Literatura atual ignora o cacique. Paradoxalmente, os caciques não ignoram a Literatura...


3.11.14

Pobre Infante D. Henrique, ao terceiro dia...


"Portugal muito beneficiou pelo facto de termos à frente da União Europeia um português, conhecedor da realidade portuguesa, conhecedor do mundo, e com o prestígio de Durão Barroso", afirmou Cavaco Silva antes de entregar ao ex-presidente da Comissão Europeia o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique.

Bem sei que num dos últimos dias "postei" uma definição de "clientelismo" que não teve qualquer impacto. Não resisto, contudo, a citar novamente o galego Raúl Soutelo Vásquez, autor do ensaio "Mobilización Campesiña, Clientelismo Político e Emigración de Retorno na Galicia Rural"
«A correspondencia recibida polos politicos que lideran unha rede clientelar indica que o deputado de turno era un primus inter pares que representaba os interesses dos notables que o elixiram e cos que mantiña estreitos contactos persoais e de família...»

Espero ainda poder ler a correspondência de Durão Barroso para poder aferir se foi Portugal que beneficiou da ação do Presidente da Comissão Europeia (2004-2014) ou se os verdadeiros beneficiados foram quem o empurrou para o cargo... notáveis estrangeiros, nacionais, empresariais, familiares...

E admitindo que Portugal beneficiou, quais foram os benefícios? E quem é que os recebeu?

2.11.14

A matreirice da Segurança Social

Prometera só escrever sobre livros que estivesse a ler ou a reler. Infelizmente, vou abrir uma exceção para citar a Segurança Social (Trabalhadores Independentes):

« Dos elementos constantes no Sistema de Informação da Segurança Social (SISS), verificou-se que V. Exa. apresenta dívida contributiva. O pagamento pode ser efetuado por multibanco ou homebanking, ou nas tesourarias da Segurança Social, através de documento de pagamento. Para consultar os valores em dívida e emitir o documento de pagamento deverá aceder à Segurança Social Direta, em www.seg-social.pt.»

Acontece que ao "devedor" são concedidos 10 dias úteis para pedir uma password que permita aceder à Segurança Social Direta e pagar o valor em causa... Por seu turno, a SS tem cinco dias para enviar, por carta, a referida password... E depois é só aceder e pagar...
Caso queira contestar, pague primeiro e reclame depois...

( No caso concreto, o devedor descobriu que lhe estava a ser cobrada uma dívida referente a janeiro de 2011 e as três meses de 2012, apesar de num dos meses não ter auferido qualquer remuneração... Feitas as contas, a dívida a pagar é superior à remuneração obtida...)

O que me escandaliza é a matreirice de um Estado que exige que trabalhadores, forçados a passar recibos verdes por míseros proventos, sejam obrigados a aceder à Segurança Social Direta num prazo tão diminuto. Este mesmo Estado sai beneficiado com o expediente, pois acabará por cobrar mais juros de mora...
E ainda por cima penaliza conscientemente o trabalhador quando este não declara de imediato a cessação de atividade, pois o Estado sabe perfeitamente, com os meios informáticos de que dispõe, se a entidade patronal continuou a pagar ao trabalhador independente...

Da Segurança Social às Finanças, a relação do contribuinte com o Estado passa, hoje, por balcões eletrónicos que, em nome da eficácia da cobrança, descuram a realidade educativa, económica e social de cada cidadão, transformando-o numa presa fácil e cómoda…

1.11.14

Clientelismo

« A relación clientelar é um mecanismo de aceso dircto e inmediato ós recursos do poder que non está mediado por institucións nin por valores formais e se basea no apoio e intercambio de favores persoais que xeneran benefícios instrumentais recíprocos.» Raúl Soutelo Vásquez 

Está tudo dito! Já era assim no tempo de Camões! O único valor que movia a ação humana era o dinheiro. A sede de poder entroncava no desejo de riqueza (na cobiça) e o caminho mais rápido era o favoritismo.
Ser favorito trazia fama e, principalmente, benefícios. Ser favorito significava ter acesso direto ao Rei, ao Senhor, ao cacique mais próximo...

E, afinal, em que é que este século se distingue dos anteriores? Nada.
Agora que se aproximam as eleições, a cobrança já está em marcha, com velhos e "novos" cobradores: caciques de renome e arrivistas e 'impolutos'...

Resta saber quem cobra mais, embora se saiba que quem distribuiu mais prebendas parte em posição privilegiada.

Por outro lado, talvez fosse útil procurar, nas redes clientelares, a explicação para a situação de calamidade financeira em que o país está atolado. 
A economia paralela (clandestina) só é possível nos países em que o clientelismo é dominante.  

31.10.14

Sob o efeito de um quiasmo...


«Milhor é merecê-los sem os ter, / Que possuí-los sem os merecer. Camões, OS LUSÍADAS, Canto IX, estância 93 

Referia-se o Poeta às «honras vãs, esse ouro puro», alcançadas por gente cobiçosa, ambiciosa e fraudulenta. 

Ao ler as notícias mais recentes sobre condecorações, fico na dúvida se, já no séc. XVI, o Poeta estava, apenas, a ser virtuoso, ao criar o quiasmo ou se, de facto, queria censurar aqueles que premeiam os que ao bem comum antepõem o interesse próprio…

/MCG

28.10.14

O Largo era a Praça da Jorna

a) « O Largo era o centro do mundo. (...) Era aí o lugar dos homens, sem distinção de classes. Desses homens antigos que nunca se descobriam diante de ninguém e apenas tiravam o chapéu para deitar-se. (...) o Largo que era de todos, e onde apenas se sabia aquilo que a alguns interessava que se soubesse, morreu.» Manuel da Fonseca, O LARGO.

b) «As praças de homens, que na realidade são mercados medievais da força de trabalho, tornam-se num instrumento de luta nas mãos dos camponeses havendo assim que lutar (...) contra  a tentativa para a sua extinção. Eis as razões porque é completamente justa a consigna lançada pelas organizações partidárias de alguns sectores rurais (...): que os camponeses se recusem a ir esmolar trabalho a casa dos patrões e obriguem os patrões a irem contratá-los à praça. O Militante, 29, Maio, 1944, citado por João Freire, O Movimento Operário e o Problema Rural na I República, in Mundo Rural - Transformação e Resistência na Península Ibérica, Coordenação Dulce Freire, Inês Fonseca, Paula Godinho.

A PRAÇA DA JORNA é uma locução que  me seduz, mas que não sei onde situá-la! De acordo com o esquecido Manuel da Fonseca, o Largo morreu com a chegada do comboio, com a multiplicação dos cafés e respetivas clientelas, com a leitura dos jornais e com a audição da rádio. 
O Largo metamorfoseou-se numa imensidade de pequenos largos e a Praça da Jorna  foi substituída pelos sindicatos...
Hoje, o LARGO alargou-se, é do tamanho da WEB. Pena é que os patrões não sejam obrigados contratar segundo uma regra universal e, sobretudo, pena é que os trabalhadores tenham deixado de usar chapéu...
  


26.10.14

Estou naquela idade...

Estou naquela idade em que a narrativa política me causa enjoo. Pode ser que passe, mas desconfio que, se a euforia dos idos de abril voltar, já por cá não estarei...
Estou naquela idade em que a narrativa pedagógica já não convence. Faltam valores e um rumo coletivo!
Estou naquela idade em que a emoção destrói o estômago e o coração. O amor e o ódio aliaram-se contra mim, como se o objetivo fosse aniquilar-me de vez...
Doravante só vou escrever sobre livros.Tenho tantos por ler e muitos mais por reler!
Por tudo o que fica dito, vou deixar de postar no facebook e no twitter... Resta a velha CARUMA.