7.2.15

Contrariamente ao que foi publicado, Caruma nunca leu Fernando Pessoa

Kierkegaard construía personagens que, no final das contas, se mostravam eles mesmos personagens criados por outros personagens, e que precisamente haviam sido criados com o intuito de tanto confundir o leitor, fazendo com que este se pusesse a pensar por si mesmo, a escolher por si mesmo, quanto fazê-lo pensar sobre a existência, sobre os perigos e questões relacionados à existência.
                                       Unamuno entre Pessoa e Kierkegaard, Gabriel Guedes Rossatti

Caruma, por entre o frio, decidiu sair de casa e caminhar para dar cumprimento à ordem do Patrão, que só poderá viver um pouco mais se fizer exercício e reduzir o consumo de gorduras e de açucares.
A vontade de Caruma era reduzida, mas, entretanto, recebera o encargo de Alma que acredita piamente que a hipotermia se cura com recurso a muitas gorduras e, sobretudo, açucares.
Solidária, Caruma partiu à procura das vitualhas, entrando sucessivamente em quatro pastelarias até que conseguiu, finalmente, encontrar os queques desejados, revestidos de nozes e pinhões...
Cumprido o desejo de Alma, Caruma olhou o relógio e percebeu que gastara uma hora... Uma hora de marcha, ora acelerada ora lenta. Talvez o Patrão tivesse ganho mais uns segundos de vida...
Enquanto as agulhas cumpriam a missão principal, a carqueja ocupava-se  do discurso do mancebo de O Banquete, de Kierkegaard. Na verdade, ocupava-se do modo como Kierkegaard poderia ter influenciado Fernando Pessoa na criação da heteronímia...
Entretanto, passo a passo, atravessou-se na imaginação Don Miguel Unamuno, trazido pela mão de Gabriel Guedes Rossatti...

6.2.15

Da "compra da cura e da vida" à "palestra motivacional"...

Tudo serve para fazer propaganda! 

O ministro da Saúde declara que, a propósito do combate à hepatite C, «estamos a comprar a cura e a vida»...
Álvaro de Campos que, no poema "Mestre, meu querido Mestre", dá o exemplo da "felicidade" do ser humano que, não da dele, ao, ousadamente,  transformar  um verbo intransitivo em transitivo e substituir os esperados hipónimos por hiperónimos, não teve a audácia de Paulo Macedo, ministro que é capaz,  com o dinheiro dos contribuintes, de comprar a cura e a vida.

Feliz o homem, marçano,
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.

Tudo serve para fazer propaganda! 

Paulo Portas, ministro da propaganda, deu início a uma nova forma de persuasão: a palestra motivacional...

O vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, pediu hoje aos cerca de 300 jovens que vão realizar estágios profissionais no estrangeiro, no âmbito do programa INOV Contacto, que sejam os embaixadores de Portugal e demonstrem que o país está em crescimento.

Dois exemplos para não cansar, porque o primeiro ministro, secretários e sectários estão no terreno para provar que a austeridade acabou, os gregos enlouqueceram... e a culpa, no dizer do ex-ministro da educação, David Justino, é de quem formou os professores...

Tudo serve para fazer propaganda! 
Até há quem faça propaganda por conta própria...

5.2.15

Definição

O revisionismo e o revivalismo, para além do saudosismo, sempre me fizeram questionar os seus intérpretes, mesmo que procure não os afrontar...
Dizer que há Platão ou Aristóteles nestas teclas surpreende mas não clarifica o pensamento, essa entidade metafísica que impõe uma coerência impraticável e, sobretudo, arrasta consigo fundamentalismos absurdos e mortíferos...
Talvez este seja o argumento daqueles que ousam rejeitar a Religião, a Filosofia, a Ciência e a Política - os Poetas. Cedo compreenderam que a visão global, a coerência total, a lei e os fundamentos matam todos os que rejeitam o unanimismo...

 ...apenas uma linha pontilhada em que os passos em falso abundam, o fio se quebra a todo o momento, e a gramática se despedaça, sem ilusão nem necessidade de enraizamento...

4.2.15

Apesar do Sol...

Apesar do Sol, o frio entranha-se nos ossos e só a impressão esclarece a asneira que resulta da preguiça  da colagem apressada e preguiçosa... o erro poderia ser humilhante e desaguar naquele reino onde vêm caindo os arrivistas que nos desgovernam...
«As matemáticas do ser», entretanto, despertaram-me para a evidência de que o TER  substituiu o SER sem qualquer pejo - a Vida pouco ou nada vale a não ser para a notícia que, ao deixar de o ser, passa a objeto de propaganda indecorosa...
Apesar do Sol, o frio traz com ele a Morte, aliviando as finanças públicas e deixando um rasto de alegria nos rostos sorumbáticos que nos desgovernam...
Apesar do sol, amanhã vou estar atento às cabras que continuam a retouçar à minha volta...
(...)
Apesar do sol, agora é a lâmpada eléctrica que ilumina o tic-tac... o tic-tac, indiferente ao frio e aos ossos, indiferente ao ter e ao ser, indiferente à vida e à morte... indiferente à distante Brogueira onde nasceste para um destino que, apesar do Sol, não cumpriste...
... Mas há quem nos queira convencer do contrário. Paciência!  

3.2.15

Quem hoje ficou a remascar fui eu...

Na adolescência, acostumei-me a observar as cabras que, fosse no pasto ou no curral, não paravam de trincar. Baixavam a cabeça, abocanhavam, por exemplo, uma ramo de oliveira, e ficavam horas a triturá-lo e a ruminar.
Que me lembre, nunca deram pela minha presença. Olímpicas, cumpriam os dias e as noites e ponto final.
(...) 
Algo hoje despertou em mim esta memória antiga, mas quem hoje ficou a remascar fui eu, pois ainda não perdi de todo o decoro...

2.2.15

Eu místico à força...

Tu, místico, vês uma significação em todas as coisas
Para ti tudo tem um sentido velado.
Há uma coisa oculta em cada coisa que vês.
O que vês, vê-lo sempre para veres outra coisa.
Para mim, graças a ter olhos só para ver,
Eu vejo ausência de significação em todas as coisas;
Vejo-o e amo-me, porque ser uma coisa é não significar nada.
Ser uma coisa é não ser suscetível de interpretação.
Alberto Caeiro

Que bom se eu conseguisse ser apenas uma coisa!
Eu que fui educado como místico, apesar de contrariado, passos os dias a interpretar textos, comportamentos, pessoas... e quase que não dou atenção às coisas...
Melhor seria se ocupasse os dias só a ver, até porque, ao ouvir, não resisto a discernir o Bem do Mal, como se eu pudesse contribuir para melhorar o imundo mundo em que habito...

Doravante, prometo (promessa mística!) que vou apenas descrever... e já é bastante!
(...)
Hoje, estava o papagaio verde e amarelo no seu poleiro e o pardal comia-lhe a ração. Para mim, a ração era do papagaio, mas para o pardal, o cereal era seu...
Para mim, o pardal afrontava o papagaio, mas o papagaio só parecia interessado nas duas garinas que se insultavam diante dele. E como é que eu sei que o papagaio estava interessado?
Vou ter que voltar ao início da descrição: hoje, no meu caminho vi uma pedra e fui obrigado a desviar-me... O que é que aquela pedra fazia no meu caminho? Quem é que a lá pôs?...
Em princípio, a pedra é uma coisa que existe para que eu a veja e para que eu possa desviar-me dela. Mas será só isso? 


1.2.15

O muro e a enxurrada

Há quem construa muros e quem sinta necessidade de os demolir ou, pelo menos, de os deixar ruir. Com ou sem razão, a evidência impõe dois lados para que possamos lastimar que a VIDA more do lado de lá.
Só quando o sono acontece, entramos nesse reino de ternura e de fartura... Infelizmente, o sono rareia e por isso procuramos a passagem seja através do verbo seja através da droga, autorizada ou não, pouco importa!

Ultimamente, o verbo tem nos anunciado uma nova realidade mágica e farta. As praças enchem-se de virtuosos da palavra, prontos, a num ápice, deitar abaixo o muro da tirania. Já não há tempo para o deixar ruir...

O problema é que este verbo é como a droga: não sabe que vencido o dique logo surge a enxurrada.