6.5.15

Baseado na galinha da vizinha...

«Escrever é um dos mais efetivos caminhos para o desenvolvimento do pensamento.» Citação de uma citação.

Em contexto escolar, o aluno deve ser convidado a escrever sobre problemas da atualidade... De início, a questão não é como escrever e sobre o quê...,  mas ser capaz de determinar quais são os problemas mais prementes do ponto de vista dos alunos e, posteriormente, investigá-los e debatê-los, de forma participada, oralmente...
(...)
O aluno não deve ser convidado a escrever sobre textos, mas, sim, sobre a vida. Poderá, entretanto, ler textos que o ajudem a definir regras de textualização ou a compreender como certos problemas da sua própria vida são e foram tratados por autores de diferentes épocas...
(...)
Este percurso não se conforma com o afunilamento temporal, porque aprender a pensar não é um processo cronometrável e linear, e, sobretudo, exige a proximidade de um formador que tenha hábitos de escrita...
(...)
O pensamento em si é nada, se, a cada passo, pomos de lado a vida. O texto complexo em si não existe, a forma como vivemos a vida é que pode ser desvirtuada...

5.5.15

Oração profana, na perspetiva de um aluno do 12º ano

«O trabalho dá o que a natureza nega.» ( provérbio popular)

Se quisermos refletir sobre esta asserção, na perspetiva de um aluno do 12º ano que, dentro de um mês, terá que escrever um texto opinativo ou argumentativo, é essencial formular e responder previamente, pelo menos, a duas perguntas:

- O que é que a natureza nega ao homem?
- Em que é que o trabalho pode substituir a natureza?

Claro que, em alternativa, podemos questionar se, de verdade, a natureza nega alguma coisa ao homem. Ou, se pela força do trabalho, o homem é capaz de fazer tábua rasa da natureza.

Sem a formulação destas (ou doutras) perguntas, de nada serve começar a opinar ou a argumentar sobre o tema proposto, isto é, qualquer introdução será aleatória e, consequentemente, o desenvolvimento não passará de um amontoado de lugares comuns... Quanto à conclusão, a existir, nada terá a ver com o problema em debate...

Por outro lado, convém não esquecer a origem popular do provérbio, o que determina que o aluno opte por um ponto de vista assente na sabedoria popular...

Desapontamento

Rosto transfigurado, como se as sinapses se tivessem desenlaçado, olhos encovados, transtornados pela luz elétrica, cabelos em desalinho, apesar da calmaria sonâmbula, assim se apresenta o professor, depois de, durante uma manhã, ter lutado contra a desatenção e a dispersão...

Diante de si, surge uma imagem que já não necessita de ser refletida pelo espelho...

Pelo calendário, faltam 30 dias! De qualquer modo, o desajustamento vai manter-se... Até quando?

4.5.15

Juras e juros

Na vida pública e na vida privada, as promessas ( as juras) não são para cumprir. Apesar de haver testemunhos de que outrora os homens (e as mulheres) eram honrados, sacrificando a vida se necessário fosse, creio que, na verdade, eram mais os incumpridores do que os que honravam os compromissos...
Claro que, ao longo dos tempos, os pedagogos idealizaram uma sociedade mais justa e procuraram implementá-la através da ética, da moral, sem esquecer a religião, e das artes, mas, a prática sempre se revelou contrária aos princípios instituídos. Nalguns alguns casos, como, por exemplo, acontece com a Literatura, o Belo frequentemente não segue o Bem.

Quanto aos juros, aí o caso muda de figura, se não cumprimos somos severamente sancionados. Até porque se pagarmos os juros, estaremos, ainda que minimamente, a amortizar as dívidas... E a virtude está em sermos cumpridores, mesmo que ainda deixemos parte dos encargos para os vindouros...

Ora há por aí uns tantos que juram não pagar as dívidas, mas que sabem que alguém vai ter que pagar os juros. Só que não serão eles! 
Eu, por mim, não voto neles...

3.5.15

De que nos servem as pontes?

De que nos servem as pontes se em caso de terramoto e de marmoto devemos fugir delas? Os rios, que nos levam ao mundo em tempo de paz, tornam-se nos nossos maiores inimigos em tempo de crise... Em tempo de austeridade, as pontes desertas consomem recursos infindáveis, sem haver maneira de pôr cobro a tal despautério e, paradoxalmente, ninguém as acusa de nada, porque nos habituámos a que elas ligassem as margens, para que possamos fugir de nós...

Eu gosto de atravessar pontes. Até há pouco tempo, pensava mesmo que era capaz de as construir, mas ultimamente as ilhas têm-se mostrado distantes e avessas a travessias. Talvez por isso, se o próximo terramoto me der tempo, vou evitar os rios, mesmo que as pontes fiquem suspensas do firmamento...

Ontem, a propósito da educação do gosto, quero esclarecer que me sentia um pouco "enovoado"..., precisamente porque com tantas pontes que se anunciam, comecei a temer que do nevoeiro surja um novo cavaleiro andante... 

2.5.15

A educação do gosto

«A tarefa do artista é convencer-nos de que isto poderia acontecer. A coerência interna e a plausibilidade tornam-se mais importantes do que a correção referencial.» James Wood, A Mecânica da Ficção, pág. 253, editor Quetzal

Preocupa-me esta renovada tendência em querer educar o gosto literário das crianças e dos adolescentes deste país. 
Ao longo da História, a instrução, essencial ao crescimento humano, foi sendo metamorfoseada em educação, acabando quase sempre ao serviço de programas doutrinários ou ideológicos estabelecidos pelos grupos dominantes ou que, paulatinamente, preparavam o acesso ao poder. Raramente, a educação inverteu o «statu quo». 
Sob a capa de valores civilizacionais, religiosos, artísticos, nacionalistas, internacionalistas ou simplesmente patrimoniais, os programadores educativos não resistem a condicionar a emoção humana...

Felizmente, as fontes do gosto desmultiplicam-se a cada dia que passa, tornando obsoleto qualquer tipo de programa.

Por mais que a Autoridade e a Referência se confundam, o que acabamos por aprender é que a coerência interna e a plausibilidade escapam a qualquer programador, pois, por natureza, se apresenta como gestor de almas alheias...


1.5.15

Eu não sou viral

Concluo hoje que não sou viral, ou seja tudo o que digo ou escrevo não se espalha como se fosse um vírus. 
Ontem, referi-me ao problema colocado por quem procura evitar a especialização dos jovens, determinando, no entanto, que devem saber ler e escrever "textos complexos"... e já antes me referira à estreia do filme Uma Rapariga da Sua Idade... Entretanto, pedira a uns tantos jovens que opinassem, por escrito, sobre o provérbio "Do trabalho e da experiência, aprendeu o homem a ciência". 

E estou satisfeito por não ser viral, pois cedo conclui que se o fosse estaria a ser infantil e que o estado de infantilidade parece ser o verdadeiro desiderato de quem nos 'programa'... Na verdade, o provérbio, apesar de ser uma forma simples, revela-se um texto complexo... a maioria não chega a perceber nem o que é a ciência  nem que ela resulta da conjugação ativa do trabalho (criativo) com a experiência (vívida)....
Talvez por essa razão, voltei à Culturgest e tornei a ver o filme Uma Rapariga da Sua Idade, dando mais atenção à linguagem verbal e gestual dos protagonistas, o que me permitiu compreender a complexidade do texto "dramático"... Por outro lado, o Márcio Laranjeira, a Mariana Sampaio e o Alexander David, ao responderem às perguntas do público, revelaram que a autenticidade da obra (do tal texto complexo) resulta não só do trabalho e da experiência mas, sobretudo, da emoção que não se deixa capturar pelo simplismo imediato e populista...
Eu não sou viral porque fujo da gabarolice e sei que a simplicidade é inimiga da infantilidade.