7.11.15

Sobretudo as serventias

Tudo o que poderá ser importante decorre nos bastidores. Nada se sabe sobre os verdadeiros negociadores, sobre os respetivos valores, competências, interesses e serventias... Apesar de haver quem afirme que estamos a viver um tempo novo - o regresso à política  -, a verdade é que já não basta afirmar que se defende um governo em nome do povo, quando esta entidade não passa de um conceito oco, pois a estratificação social e económica do povo é por demais evidente...

Aquilo que eu gostaria de conhecer neste período crucial é quais são os valores, as competências, os interesses e as serventias dos negociadores. Sobretudo quais são as serventias, no momento em que o país ainda não conseguiu sair dos escombros, porque, como a História ensina, a rapina e o saque costumam ser as primeiras etapas do assalto ao poder.

Relembro que não há serventia sem Senhor! Não esqueçamos o Eduardo Catroga de 2011 ou o Carlos Costa mais recentemente... Nenhum deles ficou a perder, porém muitos portugueses perderam quase tudo.


6.11.15

Afronta-me este país desigual

Afronta-me este país desigual!

Hoje, vou voltar ao tema do tratamento da doença em Portugal a partir de uma situação familiar. Um indivíduo necessita de ser operado com urgência, por exemplo, no Hospital Curry Cabral; é visto pelo cirurgião que, face ao diagnóstico comprovado por um especialista, confirma a urgência no "processo"; a marcação do ato, no entanto, não pode ser feita de imediato; 15 dias, mais tarde, o referido indivíduo recebe uma simpática carta da Unidade Hospitalar de Gestão de Inscritos para Cirurgia, em que é informado:

«A partir deste momento, assumimos o compromisso de o (a) operar num máximo de espera de 9 meses (270 dias).»

Como se sabe, em muitos casos, a celeridade é fundamental para atalhar a evolução da doença. A vida do indivíduo em causa fica, assim, nas mãos de um gestor de "espera", a não ser que possa fugir do Serviço Nacional de Saúde...
E aqui é que a desigualdade se manifesta. Se o indivíduo for, por exemplo, beneficiário da ADSE ou de outro subsistema de saúde, poderá ser operado num prazo de 15 dias num Hospital Privado...

Agora que corremos o risco de vir a ter dois governos, pouco me importa qual deles governa, a não ser que um deles acabe com esta fronteira que acelera a morte de uns, apenas porque não têm recursos financeiros ou não descontaram para subsistemas que, entretanto, são subsidiados pelo Estado, com vantagens inconfessáveis para quem apoia, gere e executa este tipo de discriminação.

5.11.15

A primeira mulata loira do Jardim do Equador.

Na obra Novela Africana (1933), Julião Quintinha ficciona a vida de uma Maria Correia da Ilha do Príncipe, apresentando-a como "mulata e bastarda de fidalgos de Portugal, viúva de três maridos, senhora de toda a ilha, que tinha suas fazendas marcadas com pirâmides de pedra e se tornara famosa pela riqueza das suas baixelas de prata e cristal..." in A Primeira Mulata Loira.

A mulata Maria Correia tornou-se lendária, porque sabia como seduzir os ingleses que manhosamente combatiam a escravatura, para favorecerem o seu «comércio e monopólio com a Índia»... E essa estratégia permitia-lhe proteger o negócio de escravos, que os seus próprios barcos transportavam para Havana...

Apesar de Julião Quintinha, por vezes designado como Julião Quintanilha, ser considerado um escritor "menor", não deixa de ser curioso que Arlindo Manuel Caldeira o não tenha referido no "estudo" MESTIÇAGEM, ESTRATÉGIAS DE CASAMENTO E PROPRIEDADE FEMININA NO ARQUIPÉLAGO DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE NOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII. Maria Correia

Arlindo Manuel Caldeira apresenta como principal fonte o livro de José Brandão Pereira de Melo, Maria Corrêa - A Princesa Negra do Príncipe (1788-1861), Lisboa, Agência Geral da Colónias, 1944.

Há casos em que a Ficção não deve ser descurada...

«Quando os marinheiros ingleses recolheram a bordo já luziam as estrelas da madrugada. E não puderam ver, no alto mar, um ponto escuro - a sombra do barco negreiro, carregado de carne humana, que tomava o rumo das terras do Brasil...
Foi aquela a última leva de escravos que partiu na Ilha do Príncipe. E dizem que, dessa aventura do lord, daí a meses, nasceu uma linda flor exótica, que foi a primeira mulata loira do Jardim do Equador.» 

4.11.15

Sobre a 8ª conferência internacional do PNL

«A oitava conferência internacional do PNL, que acontece na quinta e na sexta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, debruça-se sobre a importância da leitura, em particular entre os mais novos, e sobre os valores que podem ou devem ser transmitidos através do livro e do ato de ler.»O valor do ato de ler

  1. Importante é poder aprender a ler.
  2. Importante é saber ler.
  3. Importante é poder escolher o que ler.
  4. Importante é ter os meios para aceder à leitura.
  5. Importante é que a leitura permita destrinçar os valores presentes nos textos, sejam eles quais forem.
  6. Importante é perceber que os valores resultam de opções que não são neutras.
  7. Importante é compreender que a escrita programática perdeu a inocência há muito tempo.
Quando o PNL seleciona as obras ( e os autores), porque nelas (es) estão presentes determinados valores, lembra-me a "filosofia do espírito" do Estado Novo.

3.11.15

Escrever sobre nós

Começo a sentir que escrever sobre nós é um pouco como abrir uma janela e ficar lá parado à espera que alguém dê conta da nossa presença.
Nos últimos dias, não tenho saído da janela, apesar de ter calcorreado os bairros antigos desta Lisboa que, por pouco, tinha especificado como "nossa Lisboa"... 
A verdade é que regressei a espaços e a tempos em que outrora vivi. 
No tempo mais antigo, o espaço é jesuítico, austero, filipino: a escadaria exterior, a fachada, o pórtico, a escadaria interior, os azulejos, embora diferentes e bem cuidados; faltam, todavia, os santos retidos noutra (ou na primeira, a verdadeira) fachada... 
No tempo menos antigo, de há 40 anos, o espaço de iniciação, a quem chamaram de Passos Manuel: o Liceu restaurado, imponente, portão fechado, alunos na rua... quase tão jovens como eu seria à época, apesar de professor imberbe, parecem-me diferentes, embora muito iguais, enfezados, contando cigarros ou qualquer outro derivado, substituto... sem revelarem particular interesse pelas lutas de hoje, e muito menos pelas de ontem...
A 500 metros, os ferroviários, uma centena, protestavam contra as privatizações: a polícia olhava-os com indiferença; só os turistas paravam por breves momentos... e seguiam caminho. Eu que procurava um jornal, não encontrei quem mo vendesse. Talvez se tivesse entrado na Assembleia da República...

2.11.15

Merecem que eu lhes sorria...

O sorriso só chegou já a noite era posta. A tensão, por um instante, diminuiu, mas a ansiedade ainda não desapareceu por inteiro.

Fica, no entanto,  a convicção de que ainda há mulheres e homens capazes de se entregarem por inteiro a uma causa. Via-se no olhar o cansaço e, talvez, algum do desespero com que se terão confrontado durante a intervenção cirúrgica...

E amanhã estarão de regresso, mesmo que o dia não se distinga da noite. Merecem que eu lhes sorria...

1.11.15

Sorrio

«O Sorriso (este, com maiúscula) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário.» José Saramago, Deste Mundo e do Outro, O sorriso, pág. 228, Caminho, 1999.

Cansado dos dias, taciturno por fatalidade, só a espaços sorrio. No tempo de sobra, recorro à ironia e até à paciência, que é, em mim, uma forma dolorosa de resignação tão antiga como a vida, embora saiba que a paciência e a ironia são máscaras da revolta calada...
(...) 
Ontem, sorri quando, pouco antes da meia-noite, recebi um email de um ex-aluno preocupado, porque tudo o que escrevo se situa nos antípodas das suas convicções.  E, de certo modo, ainda continuo a sorrir, porque parece haver quem se interrogue sobre o absurdo do meu pensamento...
Ora, na minha perspectiva, só sorri quem é capaz de estar atento a tudo o que é contrário à razão, porque esta, por estes adias, anda muito acomodada...
(...)
Amanhã, espero voltar a sorrir. De forma espontânea...