7.1.16

A chuva e o vento

Pensar que a chuva cai da direita para a esquerda é possível. Neste momento, as gotas estão quase a chegar ao fim da linha ou, melhor, já mudaram de linha...
Se a chuva fosse chinesa, ela cairia da esquerda para a direita e, provavelmente, vê-la-íamos a saltar de linha...
Sob a forma de bátega, a chuva cai a direito, e as grossas gotas, em vez de correrem, fazem-nos perder a linha...
Há também uma chuva miudinha que não se sabe se cai e que, por vezes, nos entontece e, outras, nos refresca...

A chuva a que me refiro, na verdade, não cai; quase tudo o que lhe acontece é por força do vento.

Talvez devesse agora reiniciar: «Pensar que o vento sopra da esquerda para a direita é possível» e sem ter que ir à China «Pensar que o vento também sopra da direita para a esquerda»...
                                                             e em pouco estaria no olho do furação...

6.1.16

Bomba de hidrogénio: Surpresa ou hipocrisia?

Bombe H : « La Corée du Nord a surpris tout le monde » Le Monde

A Coreia do Norte surpreende o mundo inteiro!

Não acredito que um país que vive fechado sobre si próprio tenha capacidade científica, tecnológica e recursos financeiras para levar a cabo este tipo de testes, sem que outros países lhe forneçam os recursos necessários, inclusive humanos... 
E como tal, o espanto da comunidade internacional não passa de uma manobra de diversão. Quem é que pode crer que a China, a Rússia, os Estados Unidos, a Índia, Israel, o Irão, o Paquistão, o Reino Unido e a França nada saibam do que se passa na Coreia do Norte?

Os loucos, entretanto, continuam à solta: aterrorizam e condenam à miséria as  populações que, infelizmente, acabam por os idolatrar...
É importante não esquecer que em Portugal há gente boa que continua a confiar na bondade de regimes, como o da Coreia do Norte.
Esta é uma matéria sobre a qual todos os candidatos a presidente da República deveriam pronunciar-se.

5.1.16

Da opacidade da evidência

O que eu gostava de saber é por que motivo as evidências são tão opacas. Talvez, o problema seja meu, e eu não saiba o que é uma evidência. Será que há alguma relação entre a evidência e a vidência?
De facto, há muito que o meu pensamento sobre o estado do mundo é contestado pelos videntes que me andam cercando como as ondas de San Simion, só que a amiga era cega e por isso não tinha pejo em pedir aos elementos que lhe dessem novas do amado...
Há quem pense que a melhor forma de vida é esperar que lhe tragam a morte amortalhada no arco-íris, eu porquanto prefiro andar à chuva e ao sol, sabendo que por mais água que deitemos sobre o fogo, este nunca se apaga...
A esta hora, o leitor já estará a pensar a que evidência é que me estou a referir, sem compreender que é aquela que, por estar por cima do nariz, não pode ser objeto de vidência. 

4.1.16

Montesquieu e a decadência de Portugal

Da leitura das Cartas Persas (1721), infere-se que a expansão portuguesa, no opinião de Montesquieu, não teve êxito por motivos religiosos e demográficos.
Primeiramente, porque o catolicismo gerou uma visão do mundo retrógrada, inimiga da tolerância religiosa e da razão humana... Em segundo lugar, porque, em termos demográficos, a nação não tinha qualquer possibilidade de gerir as enormes parcelas do império inicial, apesar de não ter optado, como acontecera com a Espanha, pelo extermínio dos íncolas:

«Quanto aos portugueses, optaram por uma via oposta; não usaram da crueldade: por isso, foram rapidamente expulsos de todos os países que tinham descoberto. Os holandeses favoreceram a rebelião destes povos e aproveitaram-se dela.» Carta CXXII

O que Montesquieu não refere é que estes holandeses eram, em muitos casos, judeus expulsos da Península Ibérica, primeiro de Espanha e depois de Portugal.

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Faleceu o amigo Manuel Duarte Luís. Relembro-o como o homem bom que, nos anos 80, me convidou para com ele orientar a formação de professores no Colégio Vasco da Gama, em Meleças.
Profissional zeloso, procurou sempre que as escolas em que lecionou e de que foi diretor fossem espaços de educação, de aprendizagem e de socialização...
Para o Manuel Duarte Luís, o Outro era sempre uma PESSOA!
(4.1.2016)

3.1.16

O Prémio Vasco Graça Moura - Cidadania Cultural

O Prémio Vasco Graça Moura-Cidadania Cultural foi atribuído, por unanimidade, ao ensaísta Eduardo Lourenço, de 92 anos, anunciou hoje a Estoril-Sol, que instituiu o galardão, em parceria com a editora Babel.

Leio frequentemente a obra de Eduardo Lourenço, e reconheço-lhe o talento ensaístico e a capacidade de recuperar temas essenciais da cultura portuguesa na sua relação com a Europa e  com os restantes continentes, mas causa-me  perplexidade uma certa tendência na atribuição dos prémios: a veneração do mais velho em detrimento do mais novo...
A própria notícia, em vez de evidenciar o esforço do professor e ensaísta em prol da cidadania cultural (o que não deixa de ser pleonástico), prefere enumerar os prémios atribuídos e as condecorações recebidas...
Parece que só a morte do mais velho pode "libertar" o mais novo. Relembre-se, por exemplo, o culto de Manoel de Oliveira. 
De qualquer modo, o Estoril-Sol está no direito de atribuir o prémio a quem bem quer, embora creia que Vasco Graça Moura que, designadamente através da Casa da Moeda - Imprensa Nacional, deu um forte contributo para a divulgação da obra de Eduardo Lourenço, talvez preferisse ver reconhecido o trabalho de "alguém" das gerações mais recentes...

2.1.16

Não há honra nem dignidade...

«Não há honra nem dignidade no príncipe que se alia a um tirano. Diz-se que um monarca do Egipto mandou prevenir o rei de Samos da sua crueldade e tirania, intimando-o a corrigir-se: como ele não o fez, mandou dizer-lhe que renunciava à sua amizade e à sua aliança.» Montesquieu, Cartas Persas, Tomo II, pág.229-230, Tinta da China edições, 2015

Cartas Persas é uma obra pícara, escrita à maneira de Fernão Mendes Pinto, que põe em primeiro plano a defesa dos direitos humanos, em culturas determinadas por princípios religiosos discriminatórios, apesar de, por vezes, parecerem diametralmente opostas... 
Para quem, algum dia, leu Peregrinação é visível a influência do estilo pícaro de Fernão Mendes Pinto em Montesquieu e, em particular, da capacidade de espelhar os defeitos de uma cultura, contrapondo-a à hipérbole das qualidades de uma outra...
(...)
Hoje, por outro lado, o que Montesquieu nos ensina é que muito mal vai o príncipe (a União Europeia) que mantém relações de subserviência com o tirano ( o presidente da Turquia) por muito válidas que as razões possam parecer (acolhimento dos refugiados e expansão do estado islâmico)...

1.1.16

Ao contrário de José Tolentino de Mendonça

Sou matéria finita. Para lá da materialidade, nada experimento, apesar das religiões... Como tal, não me defino como tempo, nem como espaço - vivo um certo tempo e ocupo um determinado espaço, bastante mais material do que a duração...
Ao contrário de José Tolentino de Mendonça, não vejo como defender que «somos feitos de tempo, lavrados instante a instante pelos seus instrumentos» (E/58, 31 de dezembro de 2015). Que eu entenda, não é possível falar da materialidade do tempo até porque tal definição seria contrária à ideia de redenção que caracteriza todas as religiões monoteístas... 
Admito, sim, que estou no tempo enquanto a matéria de que sou feito não se consome. Depois ou antes, nada posso fazer a não ser ceder involuntariamente o lugar a outros... 
Ao contrário de José Tolentino de Mendonça, para mim estar no tempo não significa qualquer forma de desespero trágico, porque a redenção que tanto o ocupa pressupõe uma culpabilidade herdada e, sobretudo, uma graça divina que me seria imposta por uma força externa à matéria finita.
Quanto à nossa tarefa, basta-me o princípio da equidade...