29.2.16

A Linha do Norte

«Porque todas as recordações são a mesma recordação.» Álvaro de Campos, Acaso.

Uma avó quase cega que vê cada vez melhor.
Um avó sorumbático que recorda os guardas alinhados à espera que o presidente do Conselho chegue ao destino.
Um pai que se imagina maquinista da automotora que devora a Linha do Norte.
Uma mãe que acredita que aquele filho a pode libertar da Cruz que carrega.

Detalhes! A recordação atravessa-se em mim com ou sem comboio...
(...)
Querer ser outro conforta! Tristes, os que vivemos sem Norte...

28.2.16

Em roda livre...

Preocupa-me que haja cada vez mais indivíduos em roda livre!

Aprendi com Freud e com os Surrealistas que a eliminação da 'censura' era um movimento libertador, capaz de combater o determinismo social e cultural, desmontar os recalcamentos e, sobretudo, gerar novas formas de vida, de arte...

Só que a ausência de 'travões' está a tornar-se praga. Cada um diz, em qualquer circunstância, o que lhe apetece, sem pesar a força ilocutória do que diz e apregoa, sem fundamentar o gracejo ou a convicção.

Não sei se é a este comportamento que outrora se chamava loucura, mas parece que anda tudo louco.
E aos loucos não se pode responder! Só ouvir, respirar fundo e procurar compreender.

27.2.16

Mosquitos por cordas...

O governador do BP não se demite "por um pequeno incidente"...
João Soares, ministro da cultura, avisa que vai demitir o presidente do CCB na próxima 2ª feira...
O PCP vai aos ministérios discutir o orçamento...
A CGTP já aprovou a subida do ordenado mínimo para 600 € em 2017...
António Costa discute Novo Banco com UGT...
A Maçonaria quer escolher o secretário-geral do SIRP (Serviços de Informação da República Portuguesa)...
O BE prefere Jesus a Maomé...
Uma juíza trata a ré por "querida"...
Um ex-procurador despachou um inquérito-crime (2011) em quatro meses, deixando os restantes visados em água de rosas. Leia-se arquivou a queixa contra o angolano Manuel Vicente. Só, agora, Orlando Figueira foi detido!
A DGS garante que o mosquito zika não quer nada connosco até ao fim do verão...
O Novo Banco foi oferecido ao Santander e ao La Caixa...

(Isto ainda acaba mal!)

26.2.16

São encantadores, quando nos desafiam!

São encantadores, quando nos desafiam!
De nós, pouco querem, embora procurem afirmar-se como chefes de horda.
Há muito que o professor perdeu o estatuto de mestre; mais não é do que o inimigo de ocasião que lhes permite mostrarem-se superiores, pois pressentem que a abelha-mestra foi expulsa da colmeia ou, então, vai definhando na sala de aula até que o coração ou o cérebro estoirem de vez...
E o professor nem é o verdadeiro inimigo, é apenas um ersatz da família em desagregação - aquela em que o desafio seria natural e construtivo.
Destruído o porto de abrigo, as palavras e os gestos tornam-se soezes, a simulação questão de honra, até que, aos poucos, tudo degenera em violência verbal, depois gestual, e, finalmente, física...

25.2.16

A brincar, sem imaginação

Já não sei se aprendemos, se passamos o tempo a brincar, sem imaginação.
Se aprendêssemos, se experimentássemos, não nos faltaria a memória essencial à imaginação.
A memória facultar-nos-ia as imagens, as impressões dinâmicas, que poderíamos combinar até que fossemos mais do que réplicas do Ser inicial...
(...)
Migalhas de conversas transviadas mais não são do que verbetes de um estéril dicionário - nelas, mora um código cuja chave alguém perdeu num dia aziago: o dia em que passámos a brincar, sem imaginação.

24.2.16

Uma narrativa estática ou será pantanosa?

Estou aqui às voltas com um suposto conto, escrito por Fernando Pessoa,  A Estrada do Esquecimento ou, para alguns, A Estrada da Escuridão.
Tomando como válida a hipótese de que no conto tem que ocorrer um acontecimento que transforme a ordem em desordem para gerar uma nova ordem, parece pouco provável que, mergulhados na escuridão ou afundados no esquecimento, possamos testemunhar individual ou multiplamente qualquer ocorrência. 
No primeiro caso, desapossados da visão, no segundo desapossados da memória, deixamos de saber como recuar ou avançar e, portanto, espectros, pairamos como os pingos da chuva. 
Estáticos, talvez, ainda possamos percorrer os atalhos da audição ou do tato, mas por pouco tempo. Recobrando, por instantes, a memória, vislumbro centenas de milhares de soldados nas trincheiras da Flandres que esperam que a morte os liberte da escuridão e do gás pimenta...

23.2.16

Por um instante

Como aquilo que eu vejo não é o que tu vês, como é que eu te posso ensinar a ver?
Como aquilo que eu oiço não é o que tu ouves, como é que eu te posso ensinar a ouvir?
Como o meu corpo não é o teu corpo, como é que eu te posso prender?

Por um instante, talvez possa ser o teu bordão no caminho que só tu podes percorrer!
O teu poder não está ao alcance do meu ser!