7.6.16

Uma ideia triste

Pode parecer uma ideia triste e absurda. A verdade, no entanto, é que depois de passar umas horas nos corredores das urgências do Hospital de S. José, dei comigo a pensar que os cemitérios deste país são muito mais hospitaleiros...
Não só o espaço é insuficiente para todos aqueles que se veem para ali atirados, alguns sem qualquer noção do tempo e do lugar, como é evidente a falta de clínicos e de pessoal de enfermagem.
Hoje, por exemplo, nas urgências, para além de todo o tipo de doentes, alguns moribundos, havia presos, guardas prisionais, polícias de trânsito, bombeiros, maqueiros, seguranças privados, voluntários... só não havia médicos, e os que por ali circulavam eram tão novinhos...
É muito triste que os doentes passem o dia inteiro nas urgências, o que os leva, frequentemente, a abandonar o Hospital sem terem sido devidamente atendidos. E, também, é triste que o facto de ser estrangeiro possa permitir passar à frente...
Em conclusão, quando eu for internado num hospital ou num hospício, não me visitem. Peço-vos que deem um  passeio pelo cemitério mais próximo,  e descansem uma boa hora à sombra hospitaleira de um cipreste...

6.6.16

Do rigor avaliativo

Estou indeciso! Não sei se escreva sobre uma certa tendência da escola pública ou sobre uma ideia do romancista Stendhall: Rapporter du revenu est la raison qui décide de tout dans cette ville qui vous semblait si jolie. L'étranger qui arrive, séduit par la beauté des fraîches et profondes vallées qui l'entourent, s'imagine d'abord que ses habitants sont sensibles au beau...» Le Rouge et le Noir, Livre premier.

Um pouco como o estrangeiro que chega a Verrières, e perante a beleza do lugar, imagina que os habitantes são sensíveis ao belo, também eu quero acreditar que a escola pública se rege pelo rigor avaliativo. No entanto, verifico, a cada ano que passa, que há um número significativo de alunos que consegue obter vinte valores, na avaliação interna, nas mais diversas disciplinas, sujeitas ou não a exame externo.

O vinte, mais do que premiar a excelência, consagra um tempo de emoção vivida pelo professor que se revê no discípulo, um pouco como o pai se revia outrora nos sucessos do filho...

E o mais interessante é que este tipo de excelência, em muitos casos, não tem qualquer continuidade no prosseguimento de estudos, até porque, na verdade, estamos perante  perfis que não trazem qualquer contributo enriquecedor  à comunidade... 

Agora que se aproxima o professor-tutor, desconfio que o número de vintes irá crescer ... como se os portugueses apreciassem o rigor.


5.6.16

Não é fácil chegar à praia

Não é fácil chegar à praia se quisermos ir pela Marginal.
Há quem mande a PSP cortar o trânsito durante uma manhã inteira. 
Não sei quem manda nem se paga o serviço. O que sei é que o cidadão acaba desviado para a auto-estrada, sem aviso atempado, tendo que pagar retrocesso e portagens.
Por outro lado, também não sei por que motivo é necessário cortar estradas em lugares onde há tantas pistas para peões e para ciclistas... E bem sabemos como estas soluções são caras para o contribuinte...
Nada contra a pegada ecológica! Mas, nestes casos, desconfio que a iniciativa, para além de pouco limpa, é, sobretudo, política... 

4.6.16

A árvore

Uma árvore, de pé!
Há uns tempos, parecia condenada...
Hoje, certas zonas do tronco reflorescem, como se a morte se tivesse distraído...
Também nós estamos condenados, mas quem sabe se um dia parte de nós desabrochará noutro lugar ou noutra hora..
Um destes dias, disseram-me que, no ano passado, por esta altura, eu definhava a olhos enxutos. Quem sabe se parte de mim não regressou à vida?
O ano passado, por esta altura, eu observava a felicidade  das poupas e não dei conta da morte da árvore. 
Afinal, as poupas ainda não regressaram e a árvore não morreu.

3.6.16

Só há dois paradigmas!

(Provavelmente, isto não tem qualquer interesse!
Isto é o quê? Qual é o referente?)

- A morte. Ela condiciona tudo! Não tanto ela, mas a conceção que dela temos: determina o modo como vivemos, a interpretação que fazemos da arte...
No essencial, só há dois paradigmas: o trágico e o religioso (dramático).

Perante alguém que confessava que, com a passagem do tempo, lhe parecia que desaprendia de ler, eu quis explicar-lhe que ler é descobrir a morte da vida, isto é, responder à pergunta: Será a morte o fim ou um tempo de passagem?
A arte, até hoje, ainda mais não fez do que posicionar-se: do classicismo greco-romano a todas as suas renovações; do cristianismo a todas as restantes religiões... A arte, por vezes, procura apresentar-se como alternativa, mas acaba por ser, sobretudo, a expressão de uma sucessão de dúvidas, incapaz de afrontar o enigma que resume a condição humana...
O meu interlocutor deixou de ouvir-me, porque acha a questão inútil. Lá no íntimo, prefere não se interrogar sobre a finalidade da sua própria vida... e depois queixa-se do texto.

2.6.16

Do que eu ouvi e vi

Ouvi o professor doutor Miguel Metelo Seixas proferir uma significativa conferência sobre a "Heráldica hoje: porquê, por quem e para quê?
Registo com particular cuidado a concisão da definição: A heráldica é um código visual que recorre a imagens - sinais.
A heráldica, hoje, parece retomar uma das funções que preenchia na Idade Média: informar, motivar e persuadir grupos de indivíduos, em geral, analfabetos.
Para todos os efeitos, a heráldica IDENTIFICA e cria, para o bem e para o mal, elos...

Vi uma sala esvaziar-se num ápice. Bastou que terminasse a informação da classificação do terceiro período. As preocupações com o exame nacional esfumaram-se e a debandada foi quase total. Sobraram quatro almas! Espero que os dois sonetos de Camões não lhes tenham feito perder o apetite...

Finalmente, ouvi a formadora de uma oficina de cinema dar uma lição sobre a falta de responsabilidade de quem ESCOLHE uma determinada tarefa e depois descura de forma sistemática o seu envolvimento no projeto, sem apresentar razões válidas... Numa oficina, o projeto é de todos os que a ele aderem.... e não, apenas, do mestre.
O espírito do oficina é difícil em contextos de aprendizagem, onde se insiste em premiar a infantilidade... ou a prosápia.

1.6.16

Ouvimos ou não ouvimos?

Ouvimos ou não ouvimos? - a dúvida.
-  Sim, ouvimos tudo o que nos disse e fizemos tudo o que nos disse.
- Tudo? - hesitação - 'Tudo' abarca o que foi dito ou apenas aquilo que quisemos ouvir?
Por exemplo, já percebemos que 'tudo' é um quantificador universal, embora não saibamos para que  é que serve um quantificador e porque é que é classificado como universal... Não seria melhor chamar-lhe global?
Esta problemática lembra o Eusébio da Silveira - não confundir com o Ferreira! -, que andava a ler a História de Todos os Povos do Universo. Pobrezinho! E ele nunca teve que aprender que 'todos' também era um quantificador universal. O universo do Eusebiozinho era tão tacanho que ele jamais teria compreendido o que significava universal. E a bem dizer ele não lia, só folheava uma velha enciclopédia e deixava que a vista se imobilizasse sobre as ilustrações. Nunca chegámos saber quais eram as ilustrações que ele mais apreciava, apesar de podermos suspeitar que essas ilustrações seriam espanholas, mas não de Santa Teresa de Ávila...
A Santa Teresa de Ávila do catecismo! O pobrezinho também era muito forte em pontos de doutrina. Sabia-os todos de cor.  Se lhe fosse dada a oportunidade de resolver o grupo da  gramática do exame nacional de Português de 2016, em vez de obter um certificado de bacharel, seria, de imediato, premiado com o grau de doutor...
Ainda a propósito do que ouvimos, - o senhor nunca nos falou desse eusébio, nem do ega, nem do maranhão, nem de qualquer perdigão. E também não o ouvimos falar do brasão - só vagamente de um sebastião; e talvez dum bonifácio, que nos disseram que era reverendo...
Só que nós não sabemos o que significa reverendo. Não temos dicionário!Temos smartphone, mas o senhor nunca disse que o poderíamos utilizar para saber o significado das palavras. Até agora só aprendemos a passar a vista pelas ilustrações. Até já lá encontrámos a Santa Teresa de Ávila, de Jean Genet - que nos sonhos era devassa. - O que é que significa devassa?
- E, afinal, se não ouvimos e não sabemos é porque o senhor não presta.