31.12.16

Neste fuso horário

Duas mulheres, já idosas, caminham, não sei se em direção ao centro comercial, se à igreja.
O caniche precipita-se para o meio da estrada, mas ainda não será em 2016 que acabará atropelado.
Agora que 2016 está a terminar neste fuso horário, reconheço que, pessoalmente, este foi um ano muito duro. De qualquer modo, vivo rodeado de ilusionistas...
(...)
A criança aprumada, de mochila azul, espera. Entretanto, parqueado o carro, o avô, de cigarro empertigado no canto da boca, avança. Dão as mãos, e partem rumo a 2017.

30.12.16

Apesar do ceticismo

Apesar do ceticismo de que fui dando prova ao longo de 2016, pressinto que 2017 será um ano de novos desafios que só poderão ser vencidos se não nos faltar a coragem de que os pescadores são, ao longo da História, o melhor exemplo.
O resto é vaidade! O resto é narcisismo! O resto é prepotência!

29.12.16

O frenesim da passagem

«Je n'ai jamais de chance avec les hommes." Quem o diz é a protagonista de Eugénie Guinoisseau, de Grégoire Delacourt, in Les Quatre Saisons de ´L'été, 2015.

Ao homem, nas diversas idades, falta o jeito, a constância, falta o sentimento. O homem é um bruto! Se exceção houver é porque esse homem é cândido, prefere outro homem e, nesse caso, regressa a fidelidade, a paixão, a sensibilidade... e até a bestialidade, mas não com a mulher, esse ser incompreendido, que, em cada idade, exige uma dedicação exclusiva, como se o mundo apenas fizesse sentido centrado no "corpo" e na reação que possa despertar nas feras famintas...
Saciadas, as feras abandonam a presa até que a fome regresse...
Agora que o novo ano se aproxima, o frenesim da passagem mais não é do que o voto de que tudo possa recomeçar, mesmo se por um breve instante, pois o homem é bruto...
(...)
Só não percebo, por que motivo não é permitido ao homem exclamar "Je n'ai jamais de chance avec les femmes!" Provavelmente, teria de ser poeta; só assim seria compreendido, pois a sensibilidade não lhe faltaria...

28.12.16

A viscosidade

Pouco importa o que fica para trás - nem nostalgia nem saudade! Apenas, a viscosidade desperta atenção - talvez nela possa encontrar a redenção.
Ligeira hesitação entre 'redenção' e 'salvação'. Nenhum dos termos satisfaz, pois qualquer um deles pressupõe crime (erro, falha, pecado). O que fica para trás, por muito que pese, já nada pode fazer pelo presente... 
Poder-se-ia pensar que a solução se apresentaria cristalina, mas a verdade é que a transparência anda há muito desaparecida. Longe vai o tempo da luz!

27.12.16

A espera

Outrora, talvez fosse a demanda...
Nos últimos anos, tem sido a espera. Nuns casos, a espera iguala-se à demanda, pois o objetivo continua por atingir - o graal, godot, a carta ...o inominável; noutros, a espera, apesar de repetida, é pontual, circunstanciada - o desespero, o cansaço e até a satisfação de ver o sucesso de uma operação...
Quem espera, desespera!
Hoje, pelo que fui ouvindo e observando enquanto esperava, sinto que há quem tenha muito mais motivos para desesperar, porque só a crueldade da morte os poderá libertar...

26.12.16

El coronel no tiene quien le escriba... agasta-me e empolga-me

El coronel no tiene quien le escriba, de Gabriel García Marquez

À medida que a leitura avança, o comportamento do coronel deixa-me agastado, pois prefere alimentar o galo a cuidar devidamente da esposa enferma. Na verdade quem faz das tripas coração para que não morram à fome é ela... É ela que o incentiva a vender o relógio de parede, a vender o quadro, a vender o galo, embora nunca o incentive a procurar um trabalho - derrotado politicamente, espera pacientemente que o governo lhe atribua uma pensão pelos serviços prestados à pátria na Guerra dos Mil Dias. Durante 15 anos, todas as sextas-feiras, ele espera que o carteiro lhe entregue a carta que, finalmente, reconheça o seu direito...
A novela foi publicada em 1961, apesar de escrita em 1957-58, tempo em que o autor passava fome em Paris, pois o governo colombiano ia encerrando os jornais de que era correspondente. Ao lê-la, veio-me à memória a peça de teatro "En attendant Godot", de Samuel Beckett, publicada em 1952. Pode ser coincidência, mas o coronel surge-me como reencarnação de Estragon e Vladimir à espera de Godot...
De qualquer modo, o absurdo da situação do coronel é mais politizado, pois as referências à ação política são bem mais evidentes. Desde um Governo (do general Rojas Pinilla) que não respeita os seus inimigos políticos, a uma censura que, no caso do cinema, era controlada pela Igreja que classificava todos os filmes como atentatórios dos bons costumes - anunciando o seu veredito através de 12 badaladas diárias...
(...)
O galo acaba por se tornar no símbolo principal desta novela, porque deixado pelo filho Agustín, fuzilado, representa para o coronel e para o povo de Macondo a esperança de que a ditadura terá um fim. Não se sabe é quando!
Quanto à escrita e à composição de Gabriel García Marquez é tão enxuta e tão cheia de humor que só me resta relê-lo...

25.12.16

Rafael Escalona... e a fantasia em que vivemos

Aproveito o dia de Natal para ler a novela "El coronel no tiene quien le escriba", de Gabriel García Márquez e, no avanço da leitura, descubro o compositor e trovador colombiano Rafael Escalona (1927-2009).
Aqui, registo uma das suas trovas que ilustra bem a fantasia em que vivemos:

Voy hacerte una casa en el aire
solamente pa´que vivas tú.
Despues le pongo un letrero bien grande
con nubes blancas que diga "andaluz"

Cuando Andaluz sea señorita
y alguno le quiera hablar de amor
el tipo tiene que ser aviador
para que pueda hacerle la visita
el tipo tiene que ser aviador
para que pueda hacerle la visita

Y si no vuela no sube
a ver a Andaluz en las nubes
y si no vuela no, no llega allá
a ver a Andaluz en la inmensidad

Voy hacre mi casa en el aire
pa´que no me la moleste nadie

Como esa casa no tiene cimientos
tiene el sistema que he inventado yo
Me la sostiene en el firmamento
los angelitos que le pido a Dios

Si te pregunta como se sube
deciles que muchos se han perdido
para ir al cielo creo que no hay camino
nosotros dos iremo´ en una nube
para ir al cielo creo que no hay camino
nosotros dos iremo´en una nube

Y si no vuela no sube

Voy hacer mi casa en el aire
pa´que no la moleste nadie
es que voy hacerla en el aire
pa´que no la moleste nadie