7.1.18

A nova censura vive do lixo

«O princípio base do funcionamento do aparelho censório era de que todo o conteúdo dos jornais, incluindo os anúncios, títulos, fotografias, composição, paginação e os próprios boletins meteorológicos, estavam sujeitos à censura. (...) A suspensão de uma notícia podia ocorrer sempre que os serviços de censura achassem necessário consultar um superior hierárquico sobre essa matéria. As notícias provenientes das agências noticiosas estrangeiras eram submetidas à censura directamente nas agências receptoras.» Censura / Regulamento de 1936
«As Instruções Gerais da Política de Informação do Regime Fascista (1932?) proibiam todas e quaisquer referências que afectassem o prestígio dos governantes, das autoridades e entidades oficiais, referências a assuntos ligados à ordem pública, notícias de julgamentos ou deportações de presos políticos, notícias de crimes, suicídios, infanticídios, alusões aos serviços de censura... Até mesmo os anúncios de astrólogos, bruxas e videntes são proibidos. Todas as marcas da intervenção da censura, como por exemplo os espaços em branco, deveriam igualmente ser camufladas.»
Maria Inácia Rezola, DN, 24.11.1991

A leitura atenta destas regras e das instruções só serve para mostrar ( e já não é pouco!) que o tempo decorria de forma muita mais lenta durante o Estado Novo e que, para este, o controlo da comunicação social era fundamental.
Hoje, como deixou de ser possível controlar todas as redes de comunicação, a alternativa é enxameá-las de tudo o que no século passado era proibido, acrescentando novos ingredientes como a devassa das chamadas de voz,  das mensagens, dos e-mails e, sobretudo, fabricando-os como mecanismo de intoxicação.

6.1.18

Salamim - a palavra que eu ignorava

«Chega o Inverno; e hoje, que é domingo, sabes em que eu me entretenho? Em partir pinhões com uma pedra à porta de casa. Compram-se aos salamins no padeiro do lugar, um brutamontes de mangas arregaçadas e braços peludos e cheios de pasta de farinha, que nos diz: - Viva! com mau modo. No enfastiamento domingueiro, o que se pode fazer senão isto?» Cesário, entediado, escrevia a Bettencourt Rodrigues

Finalmente, a chuva de inverno vai caindo e com ela chegam as horas de enfado que vou ocupando em desarrumações e a ler excertos de jornais. 
No dia 13 de Dezembro de 1987, surgiram, no Diário de Notícias, vários artigos dedicados a Cesário Verde. Um deles intitulava-se mesmo Linda-a-Pastora: a quinta com janela para o Chiado. O título dá como assente algo que não passava de um desejo (in)confessado do escritor a contas com uma recorrente instabilidade emocional... 
A ideia de olhar a cidade a partir do campo parece-me tão válida como a contrária, mas o que, neste artigo, despertou a minha atenção não foram nem o Jacinto nem o José Fernandes queirosianos, mas, sim, o termo salamins.
Aqui está uma palavra que eu ignorava - salamim - que os dicionários definem como "direito de corretagem que se pagava em Diu". Creio, no entanto, que Cesário se está a referir ao comerciante vagamente indiano que, à época, lhe vendia as pinhas...
Se Cesário tivesse tido notícia do preço do pinhão neste Natal - 80 € / 100 gramas - talvez não se tivesse sentido tão aborrecido...
Pensando bem, neste Natal, havia salamins que vendiam o pinhão mais barato  - 60 € / 100 gramas. Só que eu não os conhecia como tal, pois o preconceito encarregou-se de os nomear de modo pouco educado.

5.1.18

Orfeu e Eurídice

"No acaso da rua o acaso da rapariga loura." Álvaro de Campos

Sem predicado, sem um ponto determinado numa rua por nomear, a rapariga loura não passa, afinal, de uma recordação da rapariga loura original, desperta do passado irreal da única rua cujo lugar de encontro se desfez...
Deste modo, ao sujeito, desfeito o encontro inicial, transmutado num outro, só lhe resta escrever versos que o tornem aos olhos dos tolos - maravilha das celebridades...

... maravilha fatal da nossa idade, perdida (irremediavelmente) da visão imediata...

4.1.18

A culpa é do açucar

A leitura literária pressupõe a capacidade de relacionar, mas como se a  memória falha?
No entanto, a consciência dessa falha traz frequentemente relações imaginadas no momento de leitura, provavelmente, inapropriadas, mas sem contraditório, pois do outro lado mora o vazio...
De tal modo que já não sei o que é pior:  se a incapacidade de relacionar por falta de leitura, se a frustração por saber que tempo houve em que a interpretação fulgurante se terá perdido porque a mente se foi degradando...
Dizem-me, agora, que o grande culpado é o açúcar. Não sei se será tarde, mas prometo que tudo farei para o eliminar da minha dieta...

3.1.18

Mais dia menos dia


«Mais dia menos dia matam-nos através de uma imagem. Abrimos um computador e morremos.» AL BERTO

Mais dia menos dia o computador resolve-nos o problema...
Só que o problema somos nós!
De nada serve voltar atrás
De nada serve esperar...

Mais dia menos dia nunca será futuro, 
porque o futuro não se mede em dias...

o futuro, um outro lugar...
talvez uma caixa de segurança com muita pirotecnia...

2.1.18

Se fosse nas nuvens...

Entre as nuvens, a lua. Se fosse nas nuvens, a abordagem já era outra...
Embora me possa considerar satélite, ainda prezo alguma independência de raciocínio, o que me leva frequentemente a tolerar certos comportamentos irrefletidos, umas vezes próprios da juventude, outras específicos do envelhecimento...
Não se trata nem de submissão nem de condescendência mas, sim, de opção, que não reflete qualquer vaidade ou soberba... com fases... 

Vistos de Cascais a "reinventar o futuro"...

Já é difícil construir o presente!
Ora o senhor Presidente quer que nós reinventemos o futuro. Nem sequer nos exorta a inventar / a imaginar o futuro...
Estes portugueses sempre lá longe e não no lugar onde deveriam agir!
Em 2018, vamos adiar o presente e colocar os olhos no Longe... e, em coro, vamos repetir "Reinventar o futuro!"
Outra ideia do senhor Presidente é que somos tantos e tão dispersos que, vistos de Cascais, passámos a ser muitos "Portugais"...