12.1.18

Lembro-me de quase nada

A esta hora, ainda não saí da escola. Ocupo o tempo a eliminar ficheiros, designadamente de fotos sem valor... até que me surge a foto do lugar onde comecei a ler, a escrever e a contar... Observo-a mais uma vez e verifico que não me lembro do poço (da cisterna). Será que já lá se encontraria?
Lembro-me de quase nada ou, melhor, recrio o jogo do pião e a vontade de ter um pião que me custou uns tabefes valentes e a consequente devolução... a humilhação fatal que bem poderia antecipar o oráculo que me terá condenado definitivamente a este magistério. 
Lembro o austero professor, sem qualquer memória do perfil, apenas o gesto de chamar o aluno e de o castigar sem apelo nem agravo... e depois o regente porqueiro... e a jovem Mécia, urbana, em terra labrega que, pacientemente, me soube encaminhar para esta sala vazia, cercado de computadores   passivos e inúteis...
E claro, por perto, as azinheiras e as oliveiras de sempre...

10.1.18

Por uma questão de comodismo

Na opinião de John D. Sutter, especialista em aquecimento global,  estamos a menos de duas décadas de distância da próxima extinção em massa no planeta Terra e a primeira causada pelos seres humanos. Sem futuro

Faltam 20 anos para o fim da Terra! E eu que pensava morrer sozinho, vejo-me obrigado a morrer em companhia...
Por este andar, nada do que fazemos tem qualquer sentido. 
Por uma questão de comodismo, vou esperar que o senhor Sutter não passe de um novo Nostradamus, porque se estivesse à espera de uma alteração do comportamento humano mais valia antecipar a viagem...

9.1.18

Não gosto

"Ele, o homem. Ele, o testemunho, continuam vivos." Marcelo Rebelo de Sousa, RTP Notícias
               (Mário Soares)

Compreendo a intenção, mas não gosto da afirmação. 

Em primeiro lugar, porque devemos respeitar os mortos.
Em segundo lugar, porque a missão dos políticos é ocuparem-se dos vivos.
Finalmente, porque a valorização do passado só serve para diminuir o presente.  Até porque o argumento do exemplo nem sempre é conveniente...

8.1.18

O mundo interior

Hoje, a escrever, só se fosse sobre o mundo interior. O exterior de tão aborrecido enjoa-me, deixa-me incapaz de me aproximar da janela que permite avaliar se a ilha se vai extinguindo ou não...
Não é que a ilha me interesse excessivamente, porém sei que ela se projeta no meu horizonte, tal como imagino que, sem mundo interior, não sou senão um boneco ao lado de uma infinitude de outros bonecos, todos iguais...
Se imagino que tenho mundo interior é porque ainda sou do tempo do exame de consciência, posteriormente substituído pela autoanálise e ... pela autocrítica, embora esta já exigisse um palco em que os bonecos eram manipulados pelo bonecreiro...
Como se vê, do mundo interior nada digo, pois a esta hora, a paisagem escureceu, deixando-me a alma virada do avesso...
Desconfio até que o meu mundo interior nunca existiu ou, então, é indizível... E quanto à alma, o melhor é começar a arrepiar caminho...

7.1.18

A nova censura vive do lixo

«O princípio base do funcionamento do aparelho censório era de que todo o conteúdo dos jornais, incluindo os anúncios, títulos, fotografias, composição, paginação e os próprios boletins meteorológicos, estavam sujeitos à censura. (...) A suspensão de uma notícia podia ocorrer sempre que os serviços de censura achassem necessário consultar um superior hierárquico sobre essa matéria. As notícias provenientes das agências noticiosas estrangeiras eram submetidas à censura directamente nas agências receptoras.» Censura / Regulamento de 1936
«As Instruções Gerais da Política de Informação do Regime Fascista (1932?) proibiam todas e quaisquer referências que afectassem o prestígio dos governantes, das autoridades e entidades oficiais, referências a assuntos ligados à ordem pública, notícias de julgamentos ou deportações de presos políticos, notícias de crimes, suicídios, infanticídios, alusões aos serviços de censura... Até mesmo os anúncios de astrólogos, bruxas e videntes são proibidos. Todas as marcas da intervenção da censura, como por exemplo os espaços em branco, deveriam igualmente ser camufladas.»
Maria Inácia Rezola, DN, 24.11.1991

A leitura atenta destas regras e das instruções só serve para mostrar ( e já não é pouco!) que o tempo decorria de forma muita mais lenta durante o Estado Novo e que, para este, o controlo da comunicação social era fundamental.
Hoje, como deixou de ser possível controlar todas as redes de comunicação, a alternativa é enxameá-las de tudo o que no século passado era proibido, acrescentando novos ingredientes como a devassa das chamadas de voz,  das mensagens, dos e-mails e, sobretudo, fabricando-os como mecanismo de intoxicação.

6.1.18

Salamim - a palavra que eu ignorava

«Chega o Inverno; e hoje, que é domingo, sabes em que eu me entretenho? Em partir pinhões com uma pedra à porta de casa. Compram-se aos salamins no padeiro do lugar, um brutamontes de mangas arregaçadas e braços peludos e cheios de pasta de farinha, que nos diz: - Viva! com mau modo. No enfastiamento domingueiro, o que se pode fazer senão isto?» Cesário, entediado, escrevia a Bettencourt Rodrigues

Finalmente, a chuva de inverno vai caindo e com ela chegam as horas de enfado que vou ocupando em desarrumações e a ler excertos de jornais. 
No dia 13 de Dezembro de 1987, surgiram, no Diário de Notícias, vários artigos dedicados a Cesário Verde. Um deles intitulava-se mesmo Linda-a-Pastora: a quinta com janela para o Chiado. O título dá como assente algo que não passava de um desejo (in)confessado do escritor a contas com uma recorrente instabilidade emocional... 
A ideia de olhar a cidade a partir do campo parece-me tão válida como a contrária, mas o que, neste artigo, despertou a minha atenção não foram nem o Jacinto nem o José Fernandes queirosianos, mas, sim, o termo salamins.
Aqui está uma palavra que eu ignorava - salamim - que os dicionários definem como "direito de corretagem que se pagava em Diu". Creio, no entanto, que Cesário se está a referir ao comerciante vagamente indiano que, à época, lhe vendia as pinhas...
Se Cesário tivesse tido notícia do preço do pinhão neste Natal - 80 € / 100 gramas - talvez não se tivesse sentido tão aborrecido...
Pensando bem, neste Natal, havia salamins que vendiam o pinhão mais barato  - 60 € / 100 gramas. Só que eu não os conhecia como tal, pois o preconceito encarregou-se de os nomear de modo pouco educado.