31.12.13

De Negro Vestida _ leitura ingénua

"Não cristalize o leitor esta imagem que tem agora da nobre e lutadora Maria de Lurdes." De Negro Vestida, pág. 104.
Meu Caro João Paulo Videira, espero não cristalizar, pois o autor mostra saber criar pontas que, mais cedo ou mais tarde, se vão revelar significativas para a construção da narrativa, para o desenho da intriga de suspense. Por outro lado, o romance começa assumir um ponto de vista que nem sequer a mulher-autor costuma defender com tanta galhardia... Até ao momento, o narrador privilegia o conhecimento do feminino, bestializando o homem, deixando-o às voltas com a sua inconstância e falta de rigor...
Entretanto, como leitor sem diploma que o certifique, se tivesse que reescrever o romance como aconteceu com  Eça de Queiroz, por exemplo, no caso do Crime do Padre Amaro, não sei se não eliminaria algumas considerações de ordem estilística e, sobretudo, algumas passagens que põem a nu a dificuldade em "recriar" cenas de sexo... São pequenos capítulos que me parecem desnecessários ou, pelo menos, que exigem uma subtileza estilística difícil de alcançar... 
Bem sei que o erotismo é coisa antiga, exige outros sabores e perfumes, mas à medida que ia lendo, e sabendo que o autor procura um leitor, comecei a interrogar-me: - Quem é que o autor idealiza como seu leitor?
Meu caro João Paulo Videira, estarei certamente a ser injusto! Mas como o autor exige que o  leitor seja autêntico, aí ficam algumas considerações que se me vão colocando neste atribulado final de 2013.

P.S. Com tanta viagem ao Hospital de S. José, dei conta que nas "rotinas" da família de Maria de Lurdes não há doença do corpo que a ataque!

30.12.13

De Negro Vestida

Meu caro João Paulo Videira, como facilmente compreenderás, a minha odisseia no hospital de S. José não me permite ainda decifrar o título. Na verdade só li 34 páginas! Como neste tipo de narrativas, eu costumo aconselhar os alunos a ler atentamente o primeiro capítulo e, no caso de fadiga intelectual, a ler de imediato o último, fica desde já registado que o texto flui como o Almonda natal do outro José, o Saramago, e por isso não sinto qualquer vontade de ir ler os últimos parágrafos... (com a vantagem de não obrigar a exercícios de retroação por causa da maligna pontuação!)
Repara tu na coincidência, o Saramago da Azinhaga, tão perto de Alcanena e longe da Selva, parece que trabalhou neste hospital, de S. José, que me vai impedindo de continuar a leitura..., mas não posso esconder que a narrativa da doméstica Maria de Lurdes, entre-cruzada com a narrativa da Criação do Mundo, ambas sobrevoadas por um narrador guloso e travesso, me trouxeram de imediato um outro memorial distante da Serra de Aires...
Meu caro João Paulo Videira, vais ter paciência, mas este "esgaravunha" vai necessitar de mais leitura para poder continuar este cavaco, embora comece a ter pena da Maria de Lurdes, pois nos tempos que correm ou ela muda de vida, de carlos manuel, de família... ou acabará por morrer na miséria, pois os passos que nos governam nem uma maria de lurdes tiveram na vida. Ou será que têm?

29.12.13

Nas urgências do Hospital de S. José

Apesar das loas ao Serviço Nacional de Saúde e ao atual ministro, Paulo Macedo, o que pude observar hoje no Hospital de S. José confirma que as pessoas idosas neste país não passam de "objetos" sem qualquer valor. 
Em termos organizativos, apercebi-me que os idosos não beneficiam de qualquer prioridade, ficando mais de uma dúzia de horas à espera dos exames clínicos, mais quatro ou cinco horas à espera dos resultados e sabe-se-lá quantas à espera da decisão clínica... que tanto pode ser o internamento como o reenvio para casa...
E não estou a especular: a esta hora, um familiar com mais de 91 anos está entregue à rotina, à morosidade de um sistema burocrático e desumano. E este familiar não está só; muitos outros idosos esperam anestesiados, uns, revoltados, outros....
Quanto aos restantes, às 21 horas havia pacientes que esperavam desde as 11 horas pela primeira consulta!

A desculpa para a concentração das urgências num único hospital é sempre a mesma: a crise financeira e a  inevitável austeridade! Parece-me, no entanto, que não há desculpa para o desrespeito pelas pessoas...

28.12.13

A proósito de João Paulo Videira



Parece fantasia de criança, mas são pedras! Cercam o marco que assinala o início ou o fim de uma propriedade ao abandono e com uma bela vista para a Serra… Tudo aqui é referencial e, talvez, por isso não seja escrita, a acreditar nas palavras do João Paulo Videira que, hoje, lançou ao público o seu romance Vestida de Negro, Chiado Editora. Diz João Paulo Videira: «Não há nada na escrita que seja referencial!»

De regresso a Lisboa – o lançamento muito concorrido foi em Torres Novas – vim pensando na sentença do novel autor, para concluir que a ambição do grande escritor é apagar toda a referência, erguendo-se como marco ou como o farol da Barra – alusão só entendida para quem compreenda a geografia do prefaciador: Alexandre Ventura.
Entretanto, irei ler o romance para lhe apreciar a estrutura, a coabitação da linguagem crua com a poética, o dizer simples e avesso à critica…

27.12.13

Em três tempos

Esta noite sonhei com a cerimónia de posse de um novo governo! Estranhei que, entre os novos governantes, não houvesse qualquer político português... Eram todos funcionários europeus, altos, esgrouviados, cinquentões... Ainda fixei a vista, mas  nem uma cara conhecida. Perturbado, acordei...

Esta tarde, soube que, em Ancara, é mais difícil obter uma autorização de residência do que perder o emprego em Portugal. Há lá uma embaixada portuguesa que, de momento, nada pode fazer. Talvez à última hora escreva uma carta a explicar à autoridade policial local a situação do súbdito português. Por outro lado, parece haver uma solução para permanecer em solo turco: pagar uma multa de 6 euros diários. E para quem pensa que o inglês é uma língua universal, esqueça! O melhor é começar a aprender turco... lá tudo é turco e em turco... também há curdos turcos...

Agora que escrevo este apontamento, recordo que alguém me disse que há por aí muitos fura-vidas capazes das maiores tropelias para conseguir um minuto de glória. Quanto a mim, continuo encalhado na mesma linha em que me encontrava ontem.
Há, no entanto, uma pequena diferença! Tenho avançado na leitura de um estranho livro de Manuel Tavares Teles, Os Manuscritos de Gertrudes ... diário íntimo e cartas de amor de Gertrudes da Costa Lobo a Camilo Castelo Branco.
Interessante livro sobre o pedantismo, sobre a mulher e a literatura, sobre os preconceitos da sociedade portuense de meados do século XIX, sobre a capacidade de Camilo de fazer pastiche de qualquer registo escrito, sobre o  seu conservadorismo: «Quem é o parvo que esposar-se queira / com literata alambicada e chocha?»


   

26.12.13

Encalhado, em tempo de folga

O Governo deverá cumprir a meta do défice orçamental para este ano e conseguir uma 'folga' até 500 milhões de euros, que poderá ajudar a compensar eventuais chumbos do Tribunal Constitucional (TC) ou deslizes nas contas do Estado em 2014.

Ao contrário do Governo não consigo qualquer folga! Há uma série de questões que tento resolver, mas acabo sempre encalhado! Ando às voltas com um balanço e não avanço porque, procurando o rigor, perco-me na repetição e multiplicidade de ficheiros, mas, sobretudo, perco-me no tempo, na incapacidade de a memória lidar com o excesso de informação. No fundo, é a dispersão que me encalha! 

Bem sei que eu pouco conto e que deveria aplaudir o Governo, pois, de manhã cedo, fui a uma USF - Unidade de Saúde Familiar - e ainda não tinha terminado o pagamento da taxa, e já a médica de família por mim chamava. A consulta decorria cordialmente, não fosse o nível elevado de colesterol, até que solicitei que, nas análises que certamente me iria prescrever, me incluísse a verificação da tiróide... Aí a simpática doutora disse-me que análises só para o ano! Marcou-me consulta para março de 2014, e nessa data prescrever-me-á as necessárias análises. - Porquê? - Até 31 de dezembro, pelo menos, há congelamento da despesa!

Se olhar à minha volta, vejo muita gente com o emprego congelado, com o salário congelado, com a pensão congelada... tudo por causa da FOLGA na meta do déficit!

25.12.13

Para lá do Natal!

Veio o lenhador e cortou o pinheiro!

Veio o paisagista e plantou uma árvore exótica de súbito crescimento!

Veio o vento e deitou ao chão a árvore exótica!

No lugar da caruma, costuma estar um automóvel que, desta vez, rumara à província…

Por perto, dois moldavos olham os beirais…

Um pouco mais longe, cinco chineses seguem indiferentes à palmeira prestes a cair…

E eu sinto-me vítima do Deus que misturou as línguas, tornando-nos inexoravelmente estranhos…

/MCG

24.12.13

Natal sem pinheiro... só caruma!

Natal, natalidade, nasce-se pouco em Portugal...
Mortalidade, em dezembro, parece que se morre mais em Portugal: no mar, nas estradas, à lareira. Não sei se, também, se morre mais nos hospitais! A estatística, tão rigorosa noutras matérias, é omissa ou lenta no que se reporta à mortalidade... Oficialmente, os encargos com os reformados e pensionistas aumentam diariamente! De qualquer modo, desconfio, por falta de provas, que estamos a ser enganados! É um pouco como com os empréstimos, ninguém lhes conhece as verdadeiras datas. Convencionou-se que a culpa é do governo anterior... e ficamos satisfeitos!

No que me diz  respeito, os meus simpáticos leitores  já devem estar a interrogar-se quando é que lhes desejo BOAS FESTAS. Está feito: BOAS FESTAS a todos os que "pisam" a CARUMA! Sei que o fazem por razões diversas, mas a todas entendo e aceito...

Em termos pessoais, o Natal é cada vez menos (re)nascimento! Este ano, Natal é distância e sobretudo AUSÊNCIA. Uma ausência insanável! Umas Boas Festas, também, para todos os que partiram!

23.12.13

Desempenho docente e arbitrariedade avaliativa

Será que o atual modelo de avaliação se justifica quando a progressão na carreira continua congelada?Neste contexto, qual é a verdadeira duração de um ciclo avaliativo?

As respostas são da DGAE.

Questão: Como operacionalizar o aproveitamento da observação de aulas em modelos avaliativos anteriores, face à obrigação de apresentação do requerimento previsto no n.º 2 do artigo 10.º do Despacho Normativo n.º 24/2012, de 26 de outubro?
Resposta: Os docentes que, para efeitos da sua avaliação do desempenho, pretendam recuperar a classificação da observação de aulas obtida em modelos de avaliação do desempenho anteriores deverão manifestar essa intenção ao diretor da escola onde se encontram a exercer funções, até ao fim do seu ciclo avaliativo.

Nova questão: Será possível, dentro do mesmo ciclo avaliativo, recuperar várias vezes a avaliação de modelos anteriores, com a agravante, de não haver observação de aulas?

Questão:  Considerando que a progressão na carreira está congelada desde 01/01/2011 e estará, pelo menos, até 31/12/2013, para saber quando o docente deve ter observação de aulas bastará ir ao tempo de serviço para progressão que o docente tinha em 31/12/2010 e continuar a contagem a partir de 01/01/2014. Este entendimento é correto?
Resposta: Sim. Tal interpretação encontra-se em consonância com os nºs 4 e 5 do artigo 18.º do Decreto- Regulamentar nº 26/2012, de 21 de fevereiro, bem como com a nota informativa publicitada pelo MEC em 3 de dezembro de 2012, nomeadamente os seus pontos 2 e 4.

Nova Questão: O congelamento progressão termina mesmo a 31 de Dezembro de 2013?

Questão: Os docentes posicionados nos 6.º, 8.º e 9.º escalões, que aguardam reposicionamento por força do disposto no Decreto-Lei n.º 75/2010, nos termos previstos, respetivamente, nos artigos 8.º, 9.º e 10º do citado normativo legal, têm que ser avaliados de novo no escalão em que se encontram ou aguardam apenas o decurso de tempo necessário à progressão?
Resposta: Quanto aos docentes integrados no 8.º escalão, a norma esgotou os seus efeitos até ao final do ano civil de 2011, pelo que estes docentes já não poderão beneficiar do regime transitório de progressão consagrado naquele normativo. No que concerne aos docentes integrados nos 6.º e 9.º escalões, também não poderão usufruir daquele regime enquanto vigorarem as disposições legais que temporariamente impedem a progressão na carreira.

Nova questão: Quem é que desbloqueia estes impasses?

Comentário: Considerando a ausência de supervisão dos procedimentos, a aplicação arbitrária do decreto-regulamentar nº 26/2012, de 21 de fevereiro, com o consequente aumento exponencial de recursos, está à vista mais um ano de enorme instabilidade nas escolas.

22.12.13

Avenida da Liberdade



Em 9 de Março de 1916, a Alemanha declarou guerra a Portugal. Interessavam-lhe as colónias! Perdeu a guerra, mas nunca se esqueceu de nós. Entretanto, nós vamos celebrando a liberdade, em tempo de ditadura financeira e política.
Na verdade, apesar da euforia de Abril, a maioria dos portugueses desconhece o que é a liberdade. Quantos são os portugueses que podem fazer compras na Avenida da Liberdade? Até os vestidos de noiva são expostos em manequins pretos! As malas mais parecem cofres prontos a transportar diamantes, numerário, estupefacientes!
A Avenida da Liberdade veste-se de tíbias luzes ao anoitecer, e os ratos vão saindo do subsolo à espera dos incautos…
A estátua surge decapitada, não por ação de algum vândalo, mas porque o combatente, para além de ter sido humilhado, é cada vez mais raro. O louro murchou e a granada, por falta de utilização, tornou-se obsoleta...
/MCG

21.12.13

Expresso 21.12.2013: Quem é o matilheiro-mor?

Hoje, o Expresso publica um artigo de opinião, de Martim Avillez Figueiredo, intitulado "A MATILHA DAS ESCOLAS" que me está a dar que pensar.
Creio que o bolseiro da Gulbenkian aprendeu, em seu tempo, a distinguir a linguagem denotativa da conotativa. Amicíssimo de Nuno Crato, para quem essa distinção é fundamental, como acaba de se verificar na primeira "prova de avaliação de conhecimentos e competências", creio que M.A.F. terá conhecimento quanto baste para não cair na baixeza de chamar cães aos professores ou, pelo menos, aos candidatos a tal profissão: «mas antes é preciso não esquecer essa matilha que instruí professores a rasgar enunciados e que os incita a não respeitar ordens do tribunal.» Na verdade, o enunciado aponta, sem peias, para os instrutores - os matilheiros - e, em particular, para «o tenebroso Mário Nogueira».
Apesar de não gostar do comportamento de muitos dos envolvidos no triste episódio de 18.12.2013, não posso deixar de condenar o ataque mesquinho feito à escola e aos professores e, sobretudo, de me interrogar sobre quem é o matilheiro-mor?
Não esqueçamos que um artigo de opinião tem um sempre um objetivo. Neste caso, defender a política do amigo Nuno Crato! E, sobretudo, aumentar a matilha...
  • matilha - conjunto de cães que se levam à caça. 

20.12.13

O excesso destes dias

I - Nestes dias, apesar de todos os indicadores recomendarem contenção nas despesas, o que vemos é consumismo desenfreado - gasta-se o que se tem e o que se não tem!
Estou incapaz de compreender o motivo da azáfama, do esbanjamento, da gula, do EXCESSO. O Natal nada tem a ver com este comportamento. Pelo contrário, o frio, a fome, a guerra exigem outra atitude.
O mediador deixou-se crucificar para nos mostrar o caminho, no entanto, o exemplo de nada serviu.
E eu vejo-me arrastado nesta euforia postiça. Esgota-se-me a paciência e o apetite!

II - Quanto ao Tribunal Constitucional, parece que fechou a porta ao ladrão, mas escancarou-lhe a janela!

19.12.13

Nenhum português pode estar sossegado!

«Não há nenhum pai deste país que possa ficar sossegado se achar que alguma daquelas pessoas, com as cenas que assistimos ontem na televisão, possa ser professor de um filho seu.», afirmou hoje o ministro da Presidência no final da habitual reunião de Conselho de Ministros.

Humilhados, os profissionais de ensino em início de carreira ou, formalmente, precários, dividiram-se entre os que quiseram realizar a PAAC e os que quiseram mostrar a sua revolta. O espectáculo não foi educativo! E os mass media não perderam a oportunidade de explorar os excessos e os dramas!

Mas quem é que prefere humilhar a educar? Quem é que prefere penalizar as vítimas a retirar o alvará a instituições que não revelam competência para formar professores? Quem é que manda fazer avaliações externas viciadas? Quem é que criou um Instituto de Avaliação, usurpando competências das Universidades?

A resposta é dada por vozes ministeriais que desrespeitam a sintaxe elementar e que classificam os professores como «aquelas pessoas». Vozes ministeriais que ignoram o significado das palavras que proferem, que, em vez de «servirem», humilham. Vozes ministeriais cujo juízo se baseia em imagens televisivas...

Estas vozes ministeriais têm um único fito: o confronto. De preferência, entre pares!      

18.12.13

PACC: uma proposta desigual e inconsequente!

«A escola de hoje é infinitamente melhor do que a escola de ontem...» António da Nóvoa (1954)

- Escreva um texto em que exponha a sua opinião sobre a perspetiva expressa por este autor, fundamentando-a através de uma linha argumentativa coerente.  (PACC)

Eis uma proposta de argumentação  desigual e inconsequente!
Partindo do princípio de que o avaliado decide apoiar ou rejeitar a tese, quem é que ele quererá persuadir? O avaliador? O ministro da educação?
Se começar por examinar os termos do enunciado, cedo verificará que este é hiperbólico - infinitamente! Palavra vazia e florentina... A seleção de argumentos fica condicionada pela retórica... Por outro lado, a referência a uma "escola de ontem" introduz generalização e vacuidade, pois objetivamente não há qualquer delimitação do tempo. Só a experiência (a vivência) poderá ajudar a construir um juízo consistente, assente na comparação.
Para António Nóvoa, nascido em 1954, "ontem" é o tempo em que ele se fez homem na escola do Estado Novo. E "hoje" é o tempo democrático, o tempo de Abril, em que chegou a reitor, protagonista da mudança, do "infinitamente"...
Ora se a vivência é o filtro que permite determinar os argumentos e selecionar os exemplos de forma coerente e legitimadora do presente, apesar da desconfiança quanto ao rumo que está ser seguido, apesar do receio de que o futuro possa voltar-se contra a escola "infinitamente melhor de hoje", o candidato, forçado a expor uma «opinião», irá acabar por construir um texto inócuo...
Infelizmente, a escola que propõe este tipo de itens não é  melhor do que a escola de ontem!

17.12.13

A mediação

«Pas de messianisme, parce que pas de médiation entre l'homme et Dieu.» Olivier Carré, L'Islan Laïque ou le retour à La Grande Tradition, 1993, Armand Colin

Na cultura judaico-cristã, a ideia de mediação é essencial. Os judeus vivem na esperança da chegada do Messias. Os cristãos encontraram o mediador na figura de Jesus. 
Nas duas civilizações, o Messias liga o homem a Deus.
No Islão, a relação do homem com Deus é direta.
Agora que o Natal se aproxima seria bom que levássemos em conta que uma parte do mundo não vê qualquer razão para se associar ao consumo desenfreado que caracteriza a época natalícia.
E como bem sabemos, o consumo é também ele resultado de uma relação de mediação estabelecida pelo comerciante entre o produtor e o consumidor... sempre com vantagem para o mediador!

16.12.13

Ecos da Turquia

Em Gramática das Civilizações (1963/1987), Fernand Braudel escreveu: «Como todas as sociedades, a muçulmana tem os seus privilegiados, pouco numerosos, por isso mais poderosos.» Para, ao referir-se à sociedade turca, registar a ação de Mustafá Kemal, autor de um «teste brutal e genial que soube abrir brechas num bom número de pretensos tabus da civilização muçulmana».
Em poucas palavras, o que estava (e está) em causa é «a emancipação da mulher, o desaparecimento da poligamia, as limitações ao repúdio unilateral pelo marido, a supressão do véu, o acesso às universidades e à cultura, aos empregos, ao direito de voto...» (pág.108, ed. Teorema, 1989)
Em 2013, o que procuro conhecer é em que fase se encontra a Turquia, de modo a entender quais são os obstáculos (endógenos e exógenos) à sua integração nas «civilizações europeias» e, simultaneamente, na União europeia...

Num mundo em que as comunicações são cada vez mais fáceis, esta minha pergunta indireta resulta de ter recebido o seguinte esclarecimento, a propósito da utilização de um telemóvel levado de Portugal: «na Turquia és obrigado a comprar um telemóvel turco, por causa das redes e taxas, coisas estranhas...»



15.12.13

Educação: 36.801,87 €; Justiça: 87,1 milhões de euros



Não era preciso distribuir tão mal o dinheiro!…
No mesmo bairro, no mesmo enfiamento, no mesmo país, como diria Cesário Verde:
«E eu sonho o Cólera, imagino a Febre, / Nesta acumulação de corpos enfezados; / Sombrios e espectrais recolhem os soldados; Inflama-se um palácio em face de um casebre.», in Noite Fechada, O Sentimento dum Ocidental.

14.12.13

Nunca pensei

« - Se já sou civilizado, então o teatro só pode servir para me divertir.»
Leio e volto a ler e nem sei se hei de pegar pelo "civilizado", se pelo "teatro", se pelo "divertimento".

Vou começar pelo Orgulho que me esclarece que não necessito de educação. Já nasci sabedor e educado! Há uns tantos seres inferiores, que esses, sim, por mais educação que recebam, por mais formação que obtenham, jamais beneficiarão dos prazeres da civilização... 
Lá no fundo, repudio o Teatro porque, desde a origem, ele quis que os seres inferiores transpusessem o fosso que os separa dos civilizados. A teoria da catarse terá sido inventada por um rebelde que, ao contemplar a serenidade do seu Senhor, acreditou que havia uma porta - do terror e da compaixão - que levaria o escravo à superação da bestialidade, fazendo-o participar no banquete da luxúria e da soberba...
No meu Teatro não há dor nem trabalho, não há fado nem superação! Apenas divertimento, puro jogo, puro gozo, porque do meu Teatro eu contemplo o mundo inferior...

(Nunca pensei que tivesse nascido civilizado, nunca pensei que o Teatro fosse outra coisa que os olhos do mundo e, sobretudo, nunca pensei que ele se esgotasse no puro gozo do aviltamento do Outro..., mas há cada vez mais indícios do contrário!)  

13.12.13

As minhas freguesias


Nunca é tarde para enriquecer a identidade!
Com a bênção do menino Jesus, e por ação do sapientíssimo governo passei a viver na freguesia de Moscavide e Portela… Eu que nasci relutantemente na freguesia de S. Pedro, cresci na freguesia de Assentiz, me transferi por uns anos para a freguesia de S. Salvador, regressei à freguesia de Assentiz… para terminar a adolescência na freguesia de S. João Baptista. Um pouco antes da instauração do regime democrático, vivi transitoriamente na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, saltitando com Abril, entre a freguesia da Reboleira  e a de S. João da Pedreira, para depois me instalar duradouramente na freguesia de Algueirão-Mem Martins… Só que o destino não quis que ficasse por lá e acabei por me mudar para a freguesia da Portela… agora, por decisão do sapientíssimo governo,  Moscavide e Portela…
No meio de tanta freguesia, há um dado curioso: tenho vivido mais tempo em freguesias profanas!
Boas Festas!

12.12.13

Distorção e extorsão

A ordem dos termos não será aleatória!
Confesso que me choca que a classe política não dê conta de como a realidade económica e social do país é permanentemente distorcida. Os governantes parecem viver numa redoma, imunes à permanente manipulação da verdadeira situação financeira. Multimilionários afirmam que o  «país está teso». Na verdade os cofres do Estado podem estar vazios, mas os bolsos deles estão cheios! 
A distorção, alimentada por fundações, grandes empregadores, órgãos de propaganda de interesses empresariais,  políticos internos e externos, lança diariamente o anátema sobre os funcionários do Estado e sobre os pensionistas e reformados, reduzindo-lhes a capacidade de cumprir os compromissos que, ao longo da vida, foram assumindo...
Ao lado, milhões continuam as suas vidinhas como se nada estivesse a acontecer - banqueiros, fidalgotes, clérigos, empreendedores dúbios, especuladores e apostadores, usurários, desempregados, herdeiros, proxenetas, euro-burocratas, mercenários de toda a espécie...
São milhares de milhões de euros que se escondem e se mostram sem que o Estado se preocupe com a sua origem e com o seu destino!
Perante o desleixo, a impostura e a interesseira distorção, o Governo, através do Orçamento, lança da mão da EXTORSÃO contra os do costume: funcionários públicos, pensionistas, reformados e mais carenciados...
Como se sabe, o argumento é pobre porque falta a coragem ( não faltam os cientistas políticos, os sociólogos, os economistas, os gestores, os comentadores e os comendadores!) de avaliar a distribuição da riqueza, começando por distinguir o necessário do desnecessário, o razoável do desmesurado, o produtivo do supérfluo...

11.12.13

Suspensos...

(Sigo os radares à espera que Ancara te deixe dormir duas ou três horas antes que o Sol caia sobre a cidade.)
Apesar de tanta tecnologia, as viagens continuam condicionadas pelas intempéries... ficamos suspensos... e o futuro deixa de ser perscrutado no voo das aves.
Em terra, a linearidade do dia esfuma-se e as horas correm ansiosas... Na espera, os minutos arrastam-se, prolongam-se deixando que a duração nos asfixie... 

10.12.13

Na arena

Este dia alongou-se na chuva que terá aberto as portas do céu a Mandela, apesar da sua luta privilegiar o fim do apartheid na terra. À medida que a auréola cresce, os devotos abdicam da luz e mergulham no nevoeiro de um tempo que, ainda há pouco, era promissor...
Um aperto de mão por encenar repete o do milénio... o arame farpado ignora a auréola e o gesto...
Longe da arena, abafo o medo da diferença e, sobretudo, debato-me com a inconsistência das aprendizagens: em ourique, em aljubarrota, no magreb, no índico, o bravo e não facundo Nuno, aureolado, levanta a Excalibur ao serviço de hollywood. 

9.12.13

Eu não britei pedra com Mandela!

Eu não britei pedra com Mandela ... vivia num enorme corredor, ladeado de azulejos fuzilados por baionetas francesas!
Eu não gritei por Mandela ... orava para que a senhora de Fátima nos livrasse dos vermelhos, para que a guerra acabasse e angola fosse nossa!
Eu não me vesti de negro por Mandela ... redimia-me dos pecados que cometera contra Deus e os seus imaculados representantes na Terra!
Eu não chamei por Mandela... preferia ler elegias distantes e subservientes!
Eu não visitei Mandela ... percorria os lugares desertos e as metrópoles estonteantes! 
Eu não li com Mandela ... perdia-me em guerras de alecrim e manjerona!

Eu não morri com Mandela... estou refém no meu próprio labirinto!



8.12.13

A Ilusão da Água Lilás

Para sacudir o frio e o rosário de respostas quase iguais - triste exemplo de sucesso escolar -, subi A MONTANHA da ÁGUA LILÁS, de Pepetela, e por um tempo breve instalei-me na sua encosta, como se de regresso ao Calpe primordial.
A fábula, repartida por 16 "jornadas", situa-se num Morro de Poesia, habitado por «uns estranhos seres cor de laranja, diferentes de todos os outros da Terra». Repartiam-se por «cambutinhas do tamanho de coelhos», e «Lupis» que tinham a particularidade de «lupilar», isto é, expressavam o contentamento ou a tristeza através do grito «lupi-lupi-lupi»...
(...)
Pelo que se vê, os Lupi ainda estão entre nós, embora a sua história se tenha revelado inútil, tudo porque a «água lilás», apesar de lhes matar as carraças e de lhes alegrar os humores, se esgotou depois de ter sido objeto de longa disputa entre Jaculapis, Lupões e os animais da planície ( rinocerontes, leões, onças, hienas, lagartos, cobras...)
«E como toda a estória tem um fim», «a montanha de repente ficara seca de água lilás. Só os tanques vazios e um vago perfume que neles ficou mostrava que um dia, tinha existido ali.»
Desse tempo fabuloso, apenas restam o lupi-poeta e lupi-pensador que continuam «a lupilar, todos contentes com a alegria que dá aspirar o perfume da água lilás.
Só que ainda é cedo para a fazer sair!

7.12.13

Eles falam de cátedra

Ultimamente, o Governo tudo tem feito para desqualificar a Universidade. Redução dos orçamentos, ostracização dos diplomados  e, sobretudo, menorização da formação científica e pedagógica ministrada nas diversas Faculdades...
Hoje, o exemplo vem de cima! O Presidente da República decidiu avançar nova lição, a modo de ajuste de contas: - "Eles falam de cátedra", mas quem tem o conhecimento sou eu...
(A História das relações entre os povos e do papel dos seus governantes passou a ser escrita na rua...)

E nem vale a pena referir os relvas para quem é perfeitamente normal concluir cadeiras sem que elas tenham funcionado... 

6.12.13

Rolihlahla e a gravilha

Durante todo o dia, os presos de Robben Island sentavam-se em filas no pátio e partiam pedras, para as transformarem em gravilha. Entre eles, Nelson Mandela: de 1964 a 1990.

Este Homem partiu a pedra e com a gravilha foi construindo uma nação, uniu os homens que outros homens tinham separado...
Nestes dias em que a rocha se transforma novamente em gravilha, bom seria que os colaboracionistas reconhecessem, finalmente, que estavam do lado errado ou, pelo menos, que ficassem em casa à lareira...
            pois o que possam dizer em louvor do Homem não apaga o que ficou por fazer nem exorciza os crimes que continuam a cometer!

Rolihlahla (18.07.1918-05.12.2013) Que a árvore de onde se soltou o possa acolher enquanto os homens a não desenraizarem!

5.12.13

Desabilitados para a docência


Segundo o aviso do Ministério da Educação e Ciência, os candidatos inscritos para a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades, com "cinco ou mais anos de serviço docente" que não a queiram realizar, devem manifestar essa pretensão no portal http://pacc.gave.min-edu.pt, a partir de sexta-feira e até às 18:00 de segunda-feira.

Depois de um secretário de estado da educação ter afirmado que o Governo conta com os professores e que tudo faz para os dignificar, depois de ter ouvido uma vice-presidente pedir às autoridades que auxiliassem os cidadãos a evacuar a galeria, isto sem falar da advertência da senhora presidente de que a manifestação no interior da Assembleia da República é CRIME... fico-me pelo registo de uma anedota que qualquer um pode ler no MUNDO DO FIM DO MUNDO, de Luis Sepúlveda.

«Um bom amigo meu, um marítimo chilote que merece o título de lobo do mar, trabalhou durante muitos anos como patrão de alto mar no Estreito de Magalhães. O homem pegava no leme de qualquer barco e conduzia-o sem problemas para o Pacífico ou para o Atlântico. Mas o meu amigo tinha o pecado de nunca ter estudado numa escola naval e, para cúmulo dos seus males, era socialista. Quando veio o golpe militar de 73 e os tropas se apoderaram de tudo, a governação marítima de Punta Arenas notificou-o para fazer um exame antes de lhe renovar a licença de patrão de alto mar. Pois muito bem, o meu amigo César Acosta e os seus quarenta anos de experiência sentaram-se diante de um imbecil com o posto de tenente da Marinha. O oficialzito estendeu uma carta marítima do estreito e disse-lhe: «Indique-me onde estão os bancos de areia mais perigosos.» O meu amigo coçou a barba e respondeu-lhe: « Se o senhor sabe onde estão, felicito-o. A mim, para navegar, basta-me saber onde não estão.» ( Traduzido do espanhol - Chile - por Pedro Tamen)

PS. E depois das provas ou do perdão das provas, segue-se o período probatório, em que se pode ser novamente desabilitado...

4.12.13

Determinado o cluster educativo

Por tudo e por nada avalia-se! Houve um tempo em que nada era avaliado. Como diria o paspalho: - Não há fome que não dê em fartura!
A moda está em enviar uma brigada, vulgo troika, "junto de uma unidade orgânica" e submetê-la ao teste da eficácia educativa, isto é, à avaliação dos resultados académicos...
Determinado o cluster educativo, três dias é quanto basta para que três avaliadores oiçam em múltiplos de três os agentes e os pacientes da ação educativa... Aos últimos compete fornecer os dados que legitimem a bandeirinha colocada em montes de reduzido, fácil, médio e elevado acesso. ( Espero que não deixem de fora o Monte da Lua!)
No final, a brigada voltará com um plano de melhoria para que os resultados académicos possam superar os anteriores e, assim, colocar a unidade orgânica na Montanha da Água Lilás...

« A montanha tinha dois cumes principais:o cume Lupi, o mais alto, onde nascia o rio do mesmo nome, e o cume do Sol, no extremo oposto. No meio dos dois cumes, havia um morrozito com pedras, sem plantas nem árvores, apenas capim baixo. Era o sítio mais calmo e perfumado da montanha e dali se podia ver melhor o luar de Lua cheia; por isso era o Morro da Poesia.» Pepetela

Para o caso de a brigada me querer ouvir, aviso que estarei à espera no morrozito com pedras, aquele em que os resultados cedem o lugar às pessoas, mesmo que sejam os espinhos do caminho...


3.12.13

Ao sétimo dia, eles folgam...

Um destes dias, dei conta que há verbos pouco afortunados. Por exemplo: tributar, endividar-se, falir. E quando tal acontece, preferimos abrir falência ou, melhor ainda, decretar falência, pois a responsabilidade deixa de ser nossa, tal como preferimos atribuir a dívida a outrem, em vez de reconhecer que passamos as horas a endividarmo-nos e sempre com a desculpa da tributação, outrora da corte, atualmente dos credores...
Não sei se chegámos ao sétimo dia da criação da dívida, mas consta que hoje é dia folgar: o governo conseguir negociar o adiamento do pagamento da dívida, aumentando o endividamento do país. Neste cenário, seria de esperar que o povo também pudesse viver  com maior desafogo em 2014 e 2015... Mas não! Os cortes já estão inscritos no OGE... e a folga vai servir para alimentar o foguetório eleitoral que se aproxima.
Depois, em 2016, ergue-se a forca. Só resta saber quem será o enforcado! Pode ser que, não tendo o povo folgado, o feitiço acabe por se voltar contra o feiticeiro.
E como não gosto de surpresas, proponho, desde já ao ministro crato, a abertura de um curso profissionalizante de carrasco cujas habilidades tanto podem ser colocadas ao serviço do ministério da justiça como do ministério da agricultura (exemplo de ensino dual, em que eu me encarregarei de explicar a riqueza semântica do carrasco e seus derivados...)

2.12.13

Já não se trata da opus dei, mas da obra de crato

Nuno Crato: - "É nossa intenção que cerca de 50% por jovens do ensino secundário possam estar numa formação profissionalizante e temos aqui um bom exemplo de como os jovens podem sair com boas aptidões para entrarem no mercado profissional de trabalho ou prosseguirem com os seus estudos." (SOL)

Crato quer, o empreendedor sonha, a obra nasce.
Que o ministro queira, eu ainda entendo. Agora que o empreendedor sonhe, duvido. Talvez haja uns tantos a esfregar as mãos de contentamento: a mão-de-obra barata sempre dá jeito... 
Quanto à obra, teremos de esperar, pois já não se trata da opus dei, mas da obra de crato.

Felizmente que temos um ministro que leva o nome a sério. Não lhe faltem o querer, a espada e a auréola!
E talvez valha a pena lembrar ao senhor ministro que para que Portugal se cumpra, não é necessário importar o modelo chinês, alemão ou, mesmo, indiano. 

PS. Com os meus agradecimentos ao senhor Fernando Pessoa...


1.12.13

Programa de Português do ensino secundário em discussão pública

Acordei e fui ler uma segunda vez a Introdução do Programa e Metas Curriculares de Português - um pouco à maneira de Aquilino Ribeiro: ALCANÇA QUEM NÃO CANSA!
Ora na página 6, em tradução livre, os autores do documento citam Shanahan, 2012 - "A recompensa resulta da capacidade de perseverar".
Estou completamente de acordo, só tenho pena que o Aquilino Ribeiro fique de fora. Também ele condenava o facilitismo e, sobretudo, porque mostrou ser capaz de estabelecer conexões que fazem das suas obras exemplo de TEXTO COMPLEXO.
(Por outro lado, estou em desacordo porque não creio que sob a citação deva aproveitar-se para criticar o Programa anterior e os seus gestores - os professores.)
Retomando a noção de texto complexo e a defesa da sua centralidade no novo Programa, registo que os autores reconhecem que ele exige: «vontade de experimentar e compreender»; «existência de poucas interrupções»; receptividade para aprofundar o pensamento». Qual é a novidade? A ideia de que o texto literário se situa no leque dos textos complexos? 
No essencial, estou de acordo, mas será que o MEC tenciona disponibilizar as horas letivas suficientes para compensar «a falta de experiência de leitura», para proporcionar o «trabalho mais lento» necessário à chamada «compreensão inferencial»?
Há ainda um outro detalhe em que vale a pena refletir. A complexidade do texto resulta apenas da sua especificidade ou depende em muito da maturidade do aluno? Para um aluno do 10º ano, a leitura de uma cantiga de amor será menos complexa do que a de um poema de Fernando Pessoa?
No atual contexto ideológico, a disciplina de Português não deveria envolver-se em qualquer projeto de educação literária. A educação é um problema dos pais ou, pelo menos, parece ser.Os pais é que a escolhem a escola! Há que combater o eduquês! Isto é, o professor só deve preocupar-se em estimular a concentração e a lentidão da aprendizagem. 
Eu, no lugar dos pais, exigia educação artística, científica e humanística!
E mais não quero dizer porque ao fazê-lo num blogue, pratico um mau exemplo de texto complexo! Falta-me a visão global... em pedaços me dissolvo ou, talvez, em fragmentos....
(À parte) O último parágrafo da página 9 faz-me lembrar outros tempos: «Em suma, defende-se uma perspetiva integradora do ensino do Português, que valoriza as suas dimensões cultural, literária e linguística...» Só falta a dimensão discursiva!
Finalmente que Projeto de leitura é este que se limita à escolha anual de uma ou duas obras em que os autores portugueses ficam excluídos, em particular os VIVOS?

PS. Já me esquecia de aplicar a minha capacidade (ou será competência?) inferencial: «Como lembra Bauerlein (2011, 29), os textos complexos podem ir desde "uma decisão do Supremo Tribunal a um poema épico ou a um tratado de ética"... (Programa, 6) Os sublinhados são meus...



30.11.13

O pé de porco

Vou ao mercado e compro um pé de porco. De seguida, compro duas latas de feijão branco... e vou pensando "um indivíduo da minha idade condenado a mais sete anos de magistério, se come esta chispalhada, acaba mal, ainda por cima diante de jovens que não veem razão para aturar uma múmia....»
Na verdade, aquele pensamento era desnecessário porque há muito que ando arredado de tais comezainas. Bem sei que a vida são dois dias, embora o governo diga que são três, e que o melhor é aviar-se em terra antes que a pensão falte...
De qualquer modo, o pé de porco está a dar-me trabalho, pois não lhe tendo tirado as medidas, ele recusa-se a acomodar-se na panela de pressão. Pacientemente, vou o desossificando, mas a tarefa é árdua...
Quase tão árdua, como amortizar a dívida e, simultaneamente, classificar três turmas que, perante a tese de que o endividamento nacional terá começado com a necessidade de pagar à Europa, em especiarias, o empréstimo contraído para a construção da armada de Vasco da Gama, trocam a ordem das respostas deixando-me à deriva entre uma arca frigorífica que demora a descongelar e um osso barato, mas arrenegado...
Felizmente que uma boa parte destes jovens alunos percebeu que a causa da dívida também era endógena. De facto, os europeus, já no século XVI, fixavam o preço! Só que, por seu turno, a Corte evitava o pé de porco, preferindo outras iguarias, outros luxos... deixando, como hoje, o povo na miséria.   

29.11.13

Classificador da PAAC, não!

Em sete meses, Crato quer alterar "os cursos de Educação":
Serão as escolas a decidir-se. Depois de o decreto-lei ser aprovado, depende da data exacta da promulgação, mas as escolas que não quiserem fazer este ano terão oportunidade de o fazer para o outro ano.
Ninguém vai fazer estas mudanças com pressa, vamos fazê-las com calma e de maneira sólida”, assegura.
Crato tem pressa, mas o "democrata" transige. As escolas é que sabem!
O discurso ministerial é gramatical e semanticamente eloquente: Serão as escolas a decidir-se; mas as escolas que não quiserem fazer este ano terão oportunidade de o fazer para o outro ano; ninguém vai fazer estas mudanças com pressa, vamos fazê-las com calma e de maneira sólida...
Eu estou consciente que é preciso mudar a formação, mas ninguém me pediu uma ideia.. 
No entanto, o IAVE solicitou-me que classificasse 100 textos, de tipo expositivo-argumentativo, e, em consciência, recusei, porque sei que os avaliados, sem adequada preparação, irão produzir um discurso idêntico ao do senhor ministro da educação e ciência...
Como classificador, não gosto do papel de carrasco!

28.11.13

Não me apetece escrever

Não me apetece escrever porque 4 portugueses são donos de 9,6 mil milhões de euros... 
Não me apetece escrever porque, de manhã, não pude folhear o CM, vendo-me obrigado a comprar o i, e este não me trouxe a notícia que ansiava - ela passava, fugaz, na primeira página do DN. Só mais tarde, percebi que, não sendo bordadeira nem carpideira, para mim, era NÃO-NOTÍCIA...
Não me apetece escrever porque não quero "autossuicidar-me" às 8 horas da manhã num banco de escola diante meia dúzia de plátanos chorões...
Não me apetece escrever porque o metro fechou as portas e os de sempre ficaram à lareira, com ou sem teste.
Não me apetece escrever porque não sei utilizar "palavras fortes", isto é, desconheço o que é o calão, pois há muito tempo que não viajo para as Mercês ou para Rio de Mouro. Se por lá andasse, arriscava-me a escrever um romance cheio de "palavras fortes". Supostamente, aquelas gentes não conhecem outro registo de língua, tal como há quem desconheça que possa existir a localidade "Rio de Mouro".
Não me apetece escrever porque Gabriel García Marquez inventou "Cem Anos de Solidão" para que um qualquer genealogista elaborasse uma árvore que desprezava os avisos...
Não me apetece escrever porque o Moita Flores prometeu que ia desvendar o assassinato do Presidente Sidónio e, afinal, ficou-se pelo título porque o processo consultado não dava para mais.
Não me apetece escrever porque Ulisses queixou-se da perfeição e preferiu voltar para Ítaca.
Não me apetece escrever porque, nas palavras de um esclarecido discípulo, o mesmo Ulisses foi substituído por um excêntrico boneco japonês, frustrando o Eça...
Não me apetece escrever porque a TAP está tentar vender-me um bilhete de regresso da Turquia sem que eu sequer tenha partido...
Não me apetece escrever porque na Universidade Nova, os gabinetes de trabalho fazem lembrar os gavetões do cemitério de São Marçal...
Não me apetece escrever porque Portugal, aconteça o que acontecer aos portugueses, não vai parar.

Só a imperfeição me faz regressar...

27.11.13

O compromisso

No ar, o desânimo, a descrença. 
Se a crença delega na intervenção externa, a descrença mina a vontade.
Entre ambas já não há fronteira: não há esperança!

Por enquanto a casa é lareira, 
embora não se saiba durante quanto tempo...
Só por cegueira se fica até mais tarde...

A linha (in)visível deslocou-se sem que a vela se deslocasse.
Já não há arvoredo nem flores nem aves

Só a mentira beija o frio dos teus lábios...

26.11.13

A crença

Há sempre quem acredite numa intervenção externa!
O Tribunal Constitucional virou lugar de peregrinação. São 13 os apóstolos da fé, pelo menos, foi o que entendi logo de manhã: 7 votaram pelo horário semanal de 40 horas para os funcionários públicos; os restantes votaram contra. 
Argumento, em registo familiar: os funcionários públicos não devem beneficiar de um estatuto privilegiado em relação aos funcionários privados ou até por conta própria, se esta categoria pode ser considerada.

O orçamento geral do estado acaba de ser aprovado pela maioria parlamentar, e logo, em coro, se roga ao Tribunal Constitucional que intervenha, que defenda a Constituição. O problema é que esta não proíbe os cortes nem  nada determina sobre a aplicação do princípio da retroactividade. Os legisladores eram homens sérios e, como tal, pensaram o texto constitucional como suporte do regime democrático, não imaginando que uma maioria eleita democraticamente pudesse fazer tábua rasa de princípios fundamentais...

Nesta situação, o pior inimigo do cidadão é a crença. Acreditar que os juízes irão fazer frente ao governo é o mesmo que pensar que, no Estado Novo, os tribunais plenários eram imparciais. Os juízes são homens e mulheres, têm família, amigos, partido e igreja, e acabarão por claudicar... 
A crença atual não é diferente da crença messiânica ou sebástica! Ela existe sempre como forma de compensar a inação, de manter o statu quo por muito precário que ele possa ser...

Por outro lado, é bom não esquecer que a maioria parlamentar é suportada, em grande parte, por um grupo significativo de cidadãos que continua a enriquecer, sem que os seus rendimentos sejam molestados... e desta vez não parece que eles façam parte do funcionalismo público.

25.11.13

O herói da futilidade

«A experiência é o terreno de prova.», Harold Pinter, Os ANÕES

Esta velha ideia já não encontra seguidores. 
Hoje, somos governados por homens e mulheres sem conhecimento e sem experiência. Estes governantes desprezam a experiência e, sobretudo, são um péssimo exemplo para as novas gerações...

Se os governantes maltratam os juízes, os professores, os médicos, os idosos, os doentes, os deficientes, o que é que poderemos exigir aos mais jovens? O que é que poderemos exigir às famílias? 
O que é que poderemos exigir...

A resposta surge sob a forma de notícia de:

a)  polícias que desrespeitam os pilares da democracia;
b) homens que agridem as mulheres até à morte;
c) assédio sexual e violação de menores e de idosos;
d) crimes de sangue por dá aquela palha;
e) assaltos, sequestros e vandalismo um pouco por toda a parte;
f) desfalques e tributação abusiva;
g) usura e tortura;
h) tráfico e consumo de droga a céu aberto e a coberto de opulentas mansões...

A notícia até tem jornal e TV para a amplificar, de preferência em direto!

( Na sala de aula, um professor não fala dos governantes sem conhecimento e experiência, não fala da notícia em direto! O professor procura que os alunos compreendam o pensamento de Vicente, Camões, Vieira, Garrett, Pessoa, Saramago... mas eles chegam naturalmente atrasados, sorridentes, pedem desculpa e sentam-se tranquilos como se fossem pedir uma cerveja ou charro, e ficam ali a desfiar um rosário de sensações, à espera do toque de uma campainha que, também, ela desistiu da sua função...)

«Se realmente sou um deus, sou o deus da futilidade e do remorso.»

Dito de outro modo, o herói já não é o Nuno de Camões nem de Pessoa, nem o deus de Harold Pinter, que esse ainda conhecia o remorso. 
  

24.11.13

OS ANÕES. Não vale a pena querer recontar...

Não vale a pena querer recontar o romance "OS ANÕES" de Harold Pinter, porque falta a intriga ou, no mínimo, pode dizer-se que faltam as  peripécias. 
Quatro personagens - LEN, MARK, PETE e VIRGINIA - circulam num espaço fechado, discorrendo sobre comportamentos, em que a amizade e o amor mais não são do que um lugar de traição, de sadismo e de exibicionismo... As personagens, na verdade, não dialogam: acusam-se por vezes, bajulam-se outras...
Neste romance, a ação é puramente verbal: paroles, paroles, paroles... Parece haver nele um desafio ao leitor, como se este, ao ler, recriasse à mesa, na cama, à janela, na rua, num ou noutro bar, com os amigos, uma vida absurda, limitada à bebida, ao sexo, ao palavrear... tudo em discurso direto.
No essencial, estamos perante romance do absurdo em que todos queremos ser heróis ou deuses: «Se realmente sou um deus, sou o deus da futilidade e do remorso. Nunca fiz nada por ti. Gostaria de o ter feito
Neste romance, a fronteira que o separa do drama é muito ténue, talvez, apenas, uma convenção de época - 1952 -1956.
Confesso que li Os ANÕES até ao fim, não porque esperasse um qualquer desfecho, mas porque nasci no tempo da escrita, e as minhas memórias mais antigas situam-se também elas num espaço fechado em que as palavras teciam os seus próprios muros...

23.11.13

A pátria mesta

«Em virtude do Rei, da pátria mesta,
Da lealdade já por vós negada,
Vencerei não só estes adversários,
Mas quantos a meu Rei forem contrários!»
                 Os Lusíadas, Canto IV, estância 19

Este Nuno Álvares, que não tem dúvidas sobre qual deve ser o seu papel no combate aos inimigos externos e internos, em nada se assemelha a Nuno Crato que serve a todo o tempo interesses privados, sejam nacionais ou internacionais. Claro que Crato também serve o seu rei, vassalo da Troika!

Triste tempo, em que, não sendo mais possível nem aconselhável erguer a Excalibur, insistimos em jogos de poder, em  vez de desenhar uma estratégia de unidade que nos permita senão superar pelo menos imitar a Irlanda. 

'Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!
                 Mensagem, Nun'Álvares Pereira


22.11.13

PACC - modelo - componente comum. Um incidente crítico?

Fui ler a Prova modelo e fiquei esclarecido. 
O objetivo é afastar, numa 1ª fase, todos aqueles que ainda encaram a escola como um lugar de aprendizagem responsável e que pensam que podem construir o ensino, tendo como âncoras não só o conhecimento atualizado, as novas tecnologias e, sobretudo, o aluno e as suas circunstâncias...

Há muito que defendo que a orientação do ensino está entregue a burocratas de gabinete partidário ou, em último caso, a arrivistas que desprezam tudo o que não tem origem nos modelos pavlovianos mais retrógrados. Só assim se justifica que o "modelo" apresentado seja o mesmo que já é aplicado tanto ao 4º ano como ao 12º ano de escolaridade. A matriz é a mesma!

O que mais intranquiliza é não se saber qual é o organismo (o IAVE.I.P?) que decide quais são «os conhecimentos e capacidades considerados essenciais para a docência». Qual é o papel das universidades? Qual é o papel das unidades orgânicas que se dedicam às ciências da educação?
Quanto ao objeto da prova, a sua especificação é vaga, citando os tradicionais estereótipos. Nada é concreto! Quem espera uma orientação, o melhor é começar a procurar um explicador formatado numa academia maoísta, se ainda existe alguma...
Há ali, no entanto, uma locução reveladora da doutrina subjacente: «um pensamento crítico orientado». Alguém deveria ter informado o relator que "pensar" sem capacidade de discriminar e valorar é absurdo. Pensar pressupõe orientação e capacidade crítica. Sem elas, caímos na fantasia ou, pior, no despotismo. De nada serve acrescentar adjetivos ao pensamento...
Os itens de escolha múltipla apresentados só podem ser pasto de humoristas pouco inspirados!
E quanto ao item de resposta extensa, se quisessem abordar o tema da tolerância em contexto escolar, então teriam escolhido um «incidente crítico"...   

Omissões e enigmas

«Em 1959, data do início da correspondência, já Miguéis era tido como um autor consagrado, recebendo nesse ano o prestigioso prémio Camilo Castelo Branco pela publicação de Léah e Outras Histórias, para não falarmos no prémio da Casa da Imprensa atribuído a Páscoa Feliz, cuja 1ª edição remonta a 1932, ou Onde a Noite se Acaba (contos, 1946)...»José Albino Pereira (organização e notas), José Rodrigues Miguéis - correspondência 1959 - 1971 - José Saramago, Caminho, 2010

Entre 1959-1971, Saramago desempenhou funções de «diretor literário» na Editorial Estúdios Cor, Lda que publicou a maioria das obras de Miguéis em Portugal.
Saramago "obrigado" a ler as obras do seu exigente amigo Miguéis, desse longo convívio terá certamente recebido alguma influência.Veja-se,a propósito, A VIAGEM DO ELEFANTE (2008), em que o autor se interroga sobre «umas pequenas esculturas de madeira posta em fila» alusivas à viagem do elefante que em 1551 foi levado de Lisboa para Viena, e agradece a Gilda Lopes Encarnação, leitora de Português na Universidade de Salzburgo, o convite que lhe fizera... 
O que Saramago não refere é que o seu amigo Miguéis já nos tinha presenteado, no conto ENIGMA , que integra a obra ONDE A NOITE SE ACABA, com um elefante e respetivo cornaca.

«Aquela noite não foi porém tranquila. Ch. Brown sonhou, coisa inquietante, embora nem tudo fosse propriamente sinistro nos seus sonhos. Sentiu-se a dada altura deliciosamente balouçado, quase com suspeita volúpia, no fofo palanquim dum elefante em marcha. (...) De repente, a um grito do cornaca - mongol de olhinhos pequenos, irónicos e vivos, no qual reconhecia disfarçado, o antiquário Fishbein - o elefante estacava, punha o joelho em terra, e o professor pulava com ligeireza no chão macio, encantado com o passeio.»

Elefantes e cornacas fervilham nas Mil e Uma Noites, por isso o melhor é seguir-lhes o rasto...

De facto, o mais fácil é omitir e, em Portugal, esquece-se com facilidade a obra de José Rodrigues Miguéis! Na última semana, e sem pensar no assunto, dei conta de pelo menos três omissões... Em matéria de educação literária, não colhe esquecer Miguéis, um homem formado em pedagogia, mas que se viu impedido de a aplicar no seu país, tendo, contudo, votado a vida a escrever histórias de «exemplo e proveito»
Ultimamente, os sinais são todos anti-pedagógicos! Basta ler a proposta de Metas e de Programa da disciplina de Português para o ensino secundário, sem esquecer a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, que, por si só, destrói qualquer intuito pedagógico...
O elefante e o cornaca eram bem mais inteligentes!  

21.11.13

Em dia de protestos

I - Em dia de protestos, passada a euforia do apuramento para o mundial e da divinização do CR7, promovido a comandante boliviano, Mário Soares regressa à Aula Magna para defender a violência como solução.
No entanto, Soares deveria saber que a solução não passa pela violência, mas, sim, pela união das forças políticas, até porque a adesão à União europeia por ele conduzida é causa direta da atual situação, pois os dirigentes da época não souberam gerir a riqueza que, entretanto, inundou o país.
A apropriação dessa riqueza pela nova classe política e financeira não escandalizou os sucessivos governos que, preocupados com a conservação do poder, foram alargando as desigualdades, deixando-se corromper pelo ouro europeu que iam trocando pelo desmantelamento dos sectores produtivos.
Habituado ao endeusamento, Mário Soares cavalga a onda do descontentamento, imaginando que ainda vai a tempo de reescrever a História que lhe ditou a derrota perante o seu inimigo maior - Cavaco Silva - político medíocre e medroso, o que não abona nada a seu favor.

II - As polícias, provavelmente ao subirem as escadarias da Assembleia da República, não estariam conscientes de que, no mesmo momento, estavam ser "utilizadas" na Aula Magna por alguém que nem sempre as respeitou.

III - De Seguro, não se conhece o paradeiro. Vai, contudo, ter que se o mover. Se o não fizer, acabará na voragem...

20.11.13

Partitura inacabada

Há dias que não se sabe quando começam e muitos menos quando acabam! Dias preenchidos por uma sucessão de atos, uns domésticos outros públicos, que, de comum, têm a noção do dever, apesar da exaustão e da incompreensão...
Insiste-se num caminho de rigor e de seriedade, mas, como contrapartida, recebemos gestos de enfado e de abandalhamento. 
Apesar de ainda encontrarmos almas cândidas, tudo não passa de um jogo de silêncios e de palavras comprometidas...
As horas esgotam-se, a vista cada vez mais turva, a língua presa, tudo letras de uma partitura inacabada...

19.11.13

A PACC e a situação

Apesar das horas agitadas que passei esta esta tarde, agora que o silêncio impera, recordo a colega que me abordou durante a manhã, perguntando-me, de chofre, o que eu pensava sobre a situação. Abri os olhos, surpreendido, pensando que estava de regresso ao Estado Novo.
Na verdade, a colega queria que lhe dissesse o que pensava sobre a nova PACC - Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades. De súbito, compreendi que aquela senhora com cerca de 40 anos se via obrigada a prestar uma prova sobre matérias indefinidas e de resposta unívoca. Conheço-a há anos, tendo como função acompanhar alunos com dificuldades específicas de aprendizagem... Durante todo esse tempo entregaram ao seu cuidado alunos com todo o tipo de problemas, mantendo-a como contratada, condenando-a à precariedade e, sobretudo, pondo em questão todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos.
Quando a colega me interpelou, encontrava-me a analisar a legislação que, entre outros efeitos, altera o Estatuto da Carreira Docente, abrindo a porta à arbitrariedade. De futuro, é possível sujeitar todos os docentes a este tipo de prova, facilitando o despedimento, fundamentado numa avaliação episódica de conhecimentos e de capacidades... 
E duas questões se me colocavam: 
- Qual foi a autoridade científica e pedagógica que certificou o IAE.IP?
- Como é que se explica a ordem dos termos na sigla PACC? Primeiro, Conhecimentos e depois Capacidades?
 Finalmente, o que é feito da autonomia científica e pedagógica das Universidades que formam milhares e milhares de docentes? Como é que se explica o silêncio dos conselhos científicos?

18.11.13

Salpicado pelo mafarrico

Não sei se indique primeiro o lugar se a hora nem sei se isso importa. O facto é que às 7h30 já estava sentado na mesa do canto do Nortex. Ou será Nortada? Com a idade, vou deixando de ter certezas, para gáudio dos meus alunos, esses, sim, sempre seguros, pois na memória deles há sempre um professor - verdade, uma espécie de crato dos tempos modernos.
Lembro que, por hábito, me sento mais perto da porta de saída. Ou será de entrada? Mas hoje a mesa estava ocupada, o que não me incomoda, ao contrário de um ilustre antecessor que tinha sofá reservado no velho Liceu Camões. Esta ideia de reservar lugar já lhe era habitual, pois em Évora, também tinha uma mesa do canto para si, à semelhança dos latifundiários que assentavam arraiais no Arcada...
(Esta última referência cai aqui porque, na última terça feira, o existencial fantasma sentou-se não numa cadeira ou num sofá mas num canapé em pleno Coliseu lisboeta. Curiosamente, nessa noite assisti, divertido, a um jogo de cadeiras e carteiras que me deu que pensar.. saídas das salas, vi-as nas galerias, nos pátios... cheguei a pensar que o Ionesco teria assaltado o Camões, não o que não tinha onde cair morto, mas o outro, em E, por enquanto aberto... as vogais portuguesas são, como a mãe, traiçoeiras! Boa pergunta! Quem será a mãe destas caprichosas vogais?)
De regresso ao lugar de partida e respeitando a ordem dos acontecimentos, ainda sem o inspirador Correio da Manhã, dei comigo ( com quem havia de ser?) a olhar televisivamente para "treze toneladas de agricultura biológica" colocadas em pontos de venda, semanalmente, e pensei que a agricultura está cada vez mais pesada. Diz a cristas que a agricultura tem cada vez mais peso na produção nacional! Talvez por isso apeteceu-me sair dali e ir comprar uma dúzia de galinhas poedeiras e dedicar-me à produção de ovos biológicos...
Claro que ainda não é desta, pois comecei a pensar no escoamento dos ovos, se haveria ovos sintéticos; comecei a pensar nas velhas lagartas biológicas  da minha infância que me davam cabo da horta. 
Sim, porque, antes do horto e da vinha do senhor, os meus dias eram passados a mondar e a regar a horta... Dias salpicados pelo mafarrico!    

17.11.13

Bendita austeridade, benditos credores

Não sei o que se passa no país! Da última vez que liguei a televisão apercebi-me que a capital se mudara para Cantanhede (?)... O Passos dirigia-se a um auditório invisível que, creio, ser o povo de Cantanhede, ameaçando-o com mais austeridade. Lembrou-me o Seguro que passa o tempo na província, ao rabisco...  

Entretanto, enquanto me dirigia à Rua da Quintinha, mesmo ao lado de São Bento, acabei por ouvir, na rádio, o ministro Branco, inebriado com a receção que lhe estão a fazer nos Emirados Árabes. Parece que os anfitriões lhe abrem as portas, sem nada lhe perguntar sobre a crise... Apesar dos simpáticos emires estarem dispostos a comprar o CR 7, o pobre do ministro da defesa compreendeu tudo ao contrário. Pensa ele que vai fazer negócio com os credores! Ou será ao contrário?

Considerados os exemplos, só nos resta servir o capital ou sermos contratados pelo Durão, pelos serviços prestados. O Gaspar já deixou a quarentena no Banco de Portugal, indo a caminho de Bruxelas! Bendita austeridade!

Falta explicar o motivo desta minha desinformação. Há dois dias que ando a inventar um teste que avalie a capacidade argumentativa e interpretativa dos meus alunos, sabendo, de antemão, que eles preferem que lhes faça perguntas de gramática, que isto de argumentar e de interpretar nada tem a ver com o conhecimento da língua. Basta ter opinião!
Por exemplo, se lerem este texto e encontrarem o termo "anfitrião", passam à frente! Para quê saber o significado? Deve ser qualquer coisa como porteiro! Afinal, quem é que está encarregado de abrir as portas e de carregar as bagagens?
Como lhes vou fazer a vontade, lá terei de rogar que identifiquem e classifiquem o(s) sujeito(s) na frase: Parece que os anfitriões lhe abrem as portas...
Quem souber que responda!

16.11.13

O feiticeiro, o amigo e o carrasco

Por mais que eu explique que a frase e o enunciado são coisa distinta, que a primeira pode ser autopsiada, classificada, desmembrada, sem incomodar o locutor, e que este será fortemente afectado se submetido a tais tratos, há sempre quem faça orelha mouca...

Vem isto a propósito de uma noticiada e citada «frase enigmática» proferida, em 1998, no Congresso do CDS, por Maria José Nogueira Pinto tendo António Lobo Xavier  como interlocutor: «O senhor sabe que eu sei que o senhor sabe que eu sei» (...) As reticências escondem a forçada cumplicidade dos interlocutores que só um enunciado pode obrigar.

O referente desta nova cumplicidade era Paulo Portas ou a natureza da ação do amigo de António Lobo Xavier.
De lá para cá, o segredo ficou esquecido, mas a frase reaparece, sobretudo, no discurso político, com uma carga enunciativa de desafio, de ameaça.

- E afinal se não venho revelar o segredo de Paulo Portas, com que objetivo é que desenterro o enunciado?
- Simplesmente, porque ao ler OS ANÕES, de Harold Pinter, descobri a fonte onde, provavelmente, Maria José Nogueira Pinto bebera: 

- Quem é o Pete?
- Um amigo meu.
- Um membro do teu clã?
- Membro? Ele é o feiticeiro.
- E tu quem és?
- O carrasco. Mas vai haver nova eleição no Outono.
- A sério?
- E então - disse Mark - quem sabe? Podemos ficar todos à procura de novo emprego.
- Ouve lá - disse Sonia - queres dançar ou quê? Senão vou arranjar alguém que queira.

Eu sei que tu sabes que sabes que eu sei.
                             edição D. Quixote, pág.171-172.

15.11.13

Obnubilações

Não sei o que dizer... estou cansado. Ainda ouço o ministro, paladino do conhecimento... enquanto que o ex-ministro lastima a falta de ética daqueles que decidem sem qualquer pudor...

Lembro-me do Poeta que criou uma epopeia para celebrar o tempo da glória (1498), mas que se viu obrigado a escrevê-la em tempo de tristeza. Na verdade, a epopeia transforma-se em elegia e ninguém ousa proclamá-lo. 
Uma triste epopeia guerreira!

Nesta terra, a simples ideia que acabo de registar não vale um cêntimo, pois não se conforma com metas e programas. É uma ideia inaceitável em termos de educação literária e, sobretudo, antipatriótica.

Houve tempo em que do outro lado da voz havia um ouvido atento, pronto a procurar na epopeia o argumento de validação. Agora a voz, pela janela em frente, atravessa o coreto por entre a peçonha que obnubila a mente.

Entretanto, ligo a televisão e as vozes são de glória e sem qualquer pudor...

No rescaldo, via facebook:
Conceição Coelho: Mas a epopeia não serve para que, em tempo de descrédito, as almas se elevem? Contudo, nas entrelinhas interagem muitas ideias antagónicas... A educação literária tem de fazer ouvir a voz dessas entrelinhas e ser ela própria um olhar transformador e crítico. Se não o faz para que servirá?

Manuel C. Gomes: "Cantando, espalharei por toda a parte" a ALEGRIA e a GLÓRIA - pensava o Poeta no início do projeto (ou cumpridor do protótipo?), mas o seu (nosso) TEMPO TRAIU-O.

    

14.11.13

Não é fácil ouvir o ministro da educação

Não é fácil ouvir o ministro da educação! 
Para este sofista, tudo pode ser reajustado desde que seja ele a determinar a doutrina.

Eu até admito que o Estado necessite de reestruturar os equipamentos escolares e de ajustar o ensino às necessidades do tempo que atravessamos, defendendo que as estruturas pesadas e estáticas devem ser substituídas por unidades dinâmicas e flexíveis.

O problema é que o atual ministro da educação está a executar um modelo que visa desmantelar a escola republicana, entregando-a  a uma rede de "amigos" para quem a educação é uma negociata.

À medida que o ministro Crato vai clarificando o seu pensamento, torna-se clara a matriz doutrinária que formatou o Estado Novo: uma pátria miserabilista, uma família conservadora, um isolamento altivo. Na base, a língua dos tempos de glória e o cálculo dos onzeneiros!

E neste regresso ao passado, só falta restaurar a filosofia do espírito... Por enquanto, temos ideólogo!

13.11.13

Da referência ou falta dela

Ao assistir à Gala "Camões A Nossa Escola", ia-me dando conta da quantidade de vultos que frequentaram o Liceu / Escola Secundária durante mais de um século e, ao mesmo tempo, ia pensando no modo como se constrói / destrói uma instituição. Ou seja, dei comigo a pensar nas omissões e nas promoções que voluntária ou involuntariamente fazemos...
Em 100 anos, é fácil destacar e esquecer!
Em 100 anos, a opinião tende a ocupar o lugar dos factos e quando isso acontece a referência dilui-se. Isto é, quando privilegiamos uma época ou uma individualidade, estamos a criar as condições para a menorização da instituição.
Em 100 anos, os antagonismos tendem a ser duais, e mesmo que saibamos que uma oposição é constituída por múltiplas expressões, acabamos por colocar do lado da "liberdade" quem se digladiava, desde que fique clara a frente de combate e, pelo caminho, vão ficando todos aqueles que, por convicção, não colaboravam com qualquer das partes...
Em 100 anos, a "liberdade" e a "opressão" tendem a cavar vias sinuosas, em vez de deixar que as avenidas se encham de todos aqueles que cavaram a terra e seguraram as escoras.
Quanto maior é o combate, maior é a necessidade de reunir todas as referências, sem artificioso unanimismo.