31.12.14

O que dizer de 2014?

Mais dívida, mais mentira, mais corrupção, mais precariedade... 

Há quem afirme que o desemprego está a diminuir, mas ninguém comprova. Há quem afirme que os portugueses estão a levantar mais dinheiro, mas ninguém explica quanto é a crédito.

No que me diz respeito, para além de estar mais velho, as despesas com a saúde aumentam, as despesas com apoio a familiares crescem. Os encargos financeiros são cada vez maiores e os rendimentos são cada vez menores.

O meu caso só é significativo porque, infelizmente, ele é a expressão da situação vivida por um número cada vez maior de portugueses.

Como não alimento esperanças sebásticas, desejo a todos um 2015 com saúde e juízo.   

30.12.14

A mentira na primeira página… a rectificação na página 4


Natal de Costa

«Ao contrário do que o i noticiou na edição de ontem, o líder do PS António Costa não passou o Natal a 30 quilómetros de Évora, em Montemor-o-Novo. Pelo erro pedimos desculpa aos leitores e a António Costa.»

Como leitor, gostaria de conhecer o critério editorial que permitiu tamanha asneira. A não ser que não se trate de disparate, mas de propósito bem diverso: pôr em causa a idoneidade do secretário-geral do Partido Socialista

Será que José Sócrates tem razão? A «infâmia» visa desqualificar quem possa fazer sombra a quem nos desgoverna…

29.12.14

Diário de Notícias 150 anos, imperdível...

«Escripto em linguagem decente e urbana, as suas columnas são absolutamente vedadas á exposição dos actos da vida particular do cidadão, ás injúrias, ás alusões deshonestas e reconvenções insidiosas. É pois um jornal de todos e para todos - para pobres e ricos de ambos os sexos e de todas as condições, classes e partidos.» Excerto do Editorial da primeira edição, 29 de dezembro de 1864.  

Do editorial de Eduardo Coelho, gostaria de destacar um princípio: o respeito pela vida privada. Se hoje esse princípio fosse aplicado quantos órgãos de  comunicação social sobreviveriam?

O número de hoje é imperdível! Vai levar tempo a ler. 

O DN convidou 15 dos principais autores portugueses a regressar a um dia dos últimos 150 anos... António Lobo Antunes (22 de Junho de 1971), Afonso Cruz (E o dia é: hoje); António Mega Ferreira ( O meu 5 de Outubro), Gonçalo M. Tavares ( 24 de Junho de 1914 - Diálogos), Hélia Correia (Paris, 29 de Maio de 1913), J. Rentes de Carvalho (8 de Maio de 1945), Lídia Jorge (Nevão de 1954), Luísa Costa Gomes (17 de Maio de 1959), Manuel Alegre (31 de Maio de 1958), Maria Teresa Horta (Aquele dia mágico de Janeiro de 1960), Mário de Carvalho (16 de Maio de 1958), Mário Cláudio (6 de Novembro de 1941), Miguel Sousa Tavares (7 de Junho de 1944), Nuno Júdice (29 de Dezembro de 1935), Valter Hugo Mãe (12 de Agosto de 1978)...

E não só! 

28.12.14

Não há favores sem amigos

Os jornais noticiam as dívidas dos governantes e ninguém coloca dúvidas...
Como é que o vencimento de um ministro ou de um secretário de estado suporta empréstimos no valor de 300.000 ou 400.000 euros? Quem é que avalizou tal procedimento a longo prazo? 
Será que, também, têm amigos prontos a abrir os cordões à bolsa, começando por lhes 'adquirir' o património?
Os amigos em Portugal são verdadeiros filantropos. Basta pensar naquele amigo que deu uma prenda de 14 milhões de euros e naquele outro que paga todas as contas, sem exigir contrapartidas...

E não há só amigos, há também instituições amigas. Fundações, institutos e organismos, como a Caixa Geral de Aposentações. Esta vai ao ponto de telefonar a quem solicitou a aposentação em 2012, perguntando se afinal deseja aposentar-se no final de 2014 ou prefere fazê-lo lá para o verão de 2015... sempre à luz da lei orçamental de 2012...
O gesto é simpático, mas quem pediu a aposentação em 2013 ou em 2014, mesmo se com mais anos de serviço, é fortemente penalizado pela Lei da convergência de pensões...
A Lei nº 11/2014, de 6 de Março, passou a ser aplicada a quem solicitou a aposentação em 2013 e deixa de fora aqueles que o fizeram em 2012... e que, por favor amigo, vão adiando a saída...


27.12.14

Certezas improváveis

I - João Perna cumpria escrupulosamente aquilo que lhe pediam. E se lhe entregavam o que quer que fosse, embrulhos, pacotes, malas - e não estou a dizer que ele transportava, mas se transportasse - ele nunca iria abrir o que quer que fosse. Ricardo Candeias, i, 27.12.2014

Em síntese: João Perna não saberia o que quer que fosse.

II - D. António Monteiro, bispo de Aveiro, em entrevista a Rosa Ramos, i, 27.12.2014:
Queria ser bispo?
De maneira nenhuma.
Porquê?
Quando sentimos o chamamento é para o sacerdócio e realizamo-nos como padres. O ser bispo... é a Igreja que nos chama. Ser padre é uma vocação e ser bispo também tem de ser, mas enquanto eu escolhi ser padre não escolhi ser bispo. escolheram-me. E digo muito honestamente que estava longe das minhas ideias e dos meus propósitos. Nem nunca imaginei. 

...Pois, eu conheci um padre que abandonou a vida sacerdotal porque a Igreja não o escolheu como bispo...
Enfim, a modéstia pode ser uma arte!

III - Isabel Stilwell, Números Sem Espinhas, i, 27.12.2014

a) A maioria dos adolescentes portugueses vive com o pai e a mãe, ambos empregados. E vivem bem..
b) A maioria está contente com o corpo que tem, as raparigas menos...
c) Na escola, gostam mais dos intervalos... e menos das aulas e da comida da cantina...
d) A maioria dos rapazes joga meia hora ou menos por semana, usando o computador para conversar, aceder à internet e fazer os TPC, durante uma três horas por semana...
e) 89% dos adolescentes dizem que nunca estiveram envolvidos em cyberbullying.
f) 84% nunca experimentou tabaco; 59%, álcool; 94%, drogas ilegais.
g)8,8 numa escala de 10, sentem-se muito apoiados pela família...

Nas palavras de Isabel Stilwell, estes dados fazem parte de um dos «estudos mais rigorosos ao comportamento dos adolescentes», o Halth and Behaviour in School Aged Children, coordenado em Portugal pela professora Margarida Gaspar de Matos.

26.12.14

O Livro do Ano, de Afonso Cruz

Bastam 30 minutos para ler O Livro do Ano, de Afonso Cruz!
Desde que saibamos escrever o nome e a morada, estaremos aptos a ler os pequenos textos. E se não soubermos ler, poderemos observar as ilustrações...

Bastam 30 minutos para ler O Livro do Ano, de Afonso Cruz, a não ser que comecemos a saborear cada registo dos dias e das estações.

Saborear e não comer ou devorar como fazem «os senhores do Instituto das Pessoas Normais»!



É um livro que se recomenda a si próprio, sobretudo para os dias frios de Dezembro: 

«Para aquecer o corpo, o melhor 
é uma lareira. Mas, para aquecer
a parte de dentro do corpo,
o melhor é ler.»

É um livro para todos e, especialmente, para os amantes de poesia e de fotografia:

«Nunca podemos tirar uma fotografia ao presente,
pois ainda temos de a revelar ou digitalizar.
A pessoa na fotografia é sempre mais nova
do que a pessoa retratada, não é?
É, disse o meu irmão, o melhor que conseguimos
fazer é fotografar o passado.»
  



25.12.14

É noite de Natal!

Ainda não deve ter feito 30 anos, encostado ao capot de um automóvel numa rua mal iluminada, cabeça descaída, parece dormitar. As mãos tremem-lhe incapazes de alcançar os pertences espalhados sobre o veículo...
As sombras abatem-se sobre o lugar, os carros deixaram de circular. Duma varanda, elevam-se ritmos tropicais. Na esplanada mais próxima, dois indianos bebericam, alheados...
O rapaz sem nome continua tão só que se torna impossível saber se ele tem consciência disso...
É noite de Natal!

24.12.14

O Natal e o Ano Novo exacerbam..

O Natal e o Ano Novo exacerbam o que há de bom e de mau em cada um de nós. A fantasia apresenta-se sob a forma de mesa farta, de bulício, de prendas previsíveis e, frequentemente, supérfluas... Para o mês de Janeiro transitam a pobreza e a depressão!
Como tenho mau feitio, não me vou alongar mais. Vou deixar o foguetório para o Governo, anunciado, desde já, pela hipnose coletiva. 

Valha-nos o Papa Francisco!
Boas Festas!

23.12.14

Falta o chicote

Ainda decorre a entrevista ao ex-ministro das finanças, Teixeira dos Santos, e já os mabecos correm para a antena. A publicidade prolonga-se enquanto lhes aparam as garras e as sobrancelhas. Caruma, 26.06.2013

Nada tenho contra os jornalistas, considero-os essenciais numa democracia responsável. Há, porém, um grupo que deveria ser enxotado - os mabecos. Um termo que terei furtado ao Mário de Carvalho ou a algum escritor angolano, provavelmente a Pepetela ou a Ruy Duarte de Carvalho.

Na novela Ocaso de Carvangel, Mário de Carvalho apresenta os mabecos do seguinte modo: «A razoável distância, paralelo à estrada, acompanhava-os a trote leve um grupo de pequenos animais pardos, de que mal se distinguiam os contornos.»

Este aparente desvario vem a propósito da família de José Sócrates não o poder visitar no Estabelecimento Prisional de Évora sem ser filmada e enxovalhada. Falta por lá (e por cá) o cocheiro de Carvangel!  

(Nesta quadra em que o consume explode, recomendo como presente de Natal a leitura de VARANDIM de Mário de Carvalho. Esta novela ilustra, à saciedade, o fascínio pela desgraça alheia e como o feitiço se pode virar facilmente contra os feiticeiros.)  


Nota: mabeco - cão bravio africano (origem obscura).

22.12.14

Ao serviço do estado islâmico

«Mossul foi conquistada em quatro dias, num combate entre 300 jihadistas e 20 mil soldados iraquianos.»

Lembra os cronicões medievais: um grupo minúsculo de crentes ao serviço do 'Deus verdadeiro 'derrota um exército infinitamente grande de infiéis, de cães...
Que mais dizer? Já era assim no tempo das Cruzadas! Já era assim em Ourique e em Aljubarrota!

Desta vez, o cronista é o alemão Juergen Todenhoefer. Tem 74 anos e idade para ter juízo! No entanto, declarou à CNN que o fervor das populações locais é quase um entusiasmo extático, algo que nunca tinha visto em qualquer outra zona de guerra.»

Fica, porém, uma dúvida: Qual é sentido da expressão « quase um entusiasmo extático»?

21.12.14

NO PRINCÍPIO...

No princípio era o pai e a religião. Caso quisesse reformular, poderia ter escrito ' no princípio era o pai e Deus', mas não, pois excluiria a mãe e era ela quem melhor agia em conformidade com a religião, na qual, para além do Coração de Jesus, cabiam Santa Teresa de Ávila e Santo António, para além da inevitável Sagrada Família... sem esquecer Santa Bárbara e a Senhora de Fátima...
Logo a seguir, surgiam a Escola e a Capela. Talvez antes devesse ter colocado o Trabalho! O pai, sem os meios para poder pagar a jorna aos trabalhadores, não prescindia do trabalho gratuito dos filhos. Gratuito, nem pensar! Afinal, quem é que os sustentava e pagava a dormida?
A Capela exigia a presença dominical, não fosse o cristão transviar-se da palavra de Deus. Para evitar alheamentos, o Padre (outro pai!), por vezes, irado, apelava à FÉ e advertia contra a Razão - o logos demoníaco... 
A Escola rivalizava com o Trabalho. Situada perto da Capela, a Escola surgia no planalto, de costas para a Serra. Era igual a todas as escola do Estado Novo e lá dentro, no altar-mor, não faltava o quadro preto, sob a Cruz ladeada dos algozes do Templo: Américo Tomás e Oliveira Salazar. A Escola, no entanto, parecia ser o caminho da redenção individual. Era lá que uns tantos descobriam o meio de se desligarem do LUGAR em que tinham visto a Luz.
Pensava-se que a Escola era a porta para outra dimensão. Só que o caminho não era linear... abria-se num abismo impossível de ultrapassar sem recurso ao Templo...
Tudo fora delineado, deixando o EU de fora. Ao EU só restava ter FÉ ou fingir que tinha FÉ ou angustiar-se por a não encontrar...

(Não sei bem porquê, estas foram as ideias que se me instalaram manhã cedo no cérebro e, aqui, deixam de fora a Casa, as Casas... todas elas irremediavelmente perdidas.)

20.12.14

A FÉ

O grupo jihadista Estado Islâmico (EI) executou cem dos seus combatentes estrangeiros, que tentavam fugir da cidade de Raqqa, no norte da Síria, avançou hoje o jornal britânico Financial Times.

Sempre vi a FÉ em Deus, qualquer que ele seja, como sinal de entrega total ao IGNOTO DEO. Como sinal de sacrifício da própria vida. Um sacrifício extraordinário ao serviço do DESCONHECIDO!

Pessoalmente, nunca senti essa FÉ! Talvez, por fraqueza minha, no entanto, disfarçada pelo primado da RAZÃO, apesar de cada vez mais  fragilizada... 

Este preâmbulo serve para explicar que os combatentes estrangeiros, ao serviço do Estado Islâmico, parecem não ser assim tão diferentes de mim. Na iminência da morte, esquecem a FÉ e desertam...
Só que eu nunca senti esse fascínio pela glória e, sobretudo, pelo dinheiro!

A História ensina que a FÉ dos combatentes estrangeiros não é distinta da FÉ dos mercenários.

Pessoalmente, dispenso a FÉ dos jihadistas e a FÉ dos mercenários! Embora o signo seja o mesmo, o significado é diferente...

19.12.14

Mário de Carvalho e as regras do Marquês de Queensberry

Na página 45 da obra O Varadim seguido de Ocaso em Carvangel, Mário de Carvalho compara o primeiro-ministro a «um pugilista experimentado, sem alguma vez transgredir as regras do marquês de Queensberry», dando expressão a uma arte de argumentar exemplar...

Esta associação da atividade política ao boxe profissional leva-me a transcrever um excerto http://www.boxergs.com.br/associa1.htm:

No final do século XIX, o boxe amador estava bastante difundido na Inglaterra, fazendo inclusive parte dos estudos obrigatórios nas escolas mais tradicionais inglesas. Por exemplo, na época, era famoso o torneio anual de boxe amador entre os alunos de Oxford e Cambridge, as duas mais tradicionais e importantes universidades da Inglaterra.

Como as Regras de Londres eram apropriadas apenas para boxe sem luvas, John Graham Chambers, proprietário de uma academia de boxe amador em Londres, escreveu um detalhado conjunto de regras para boxe com luvas e para prática por amadores. Como tal, introduziu rounds com a duração fixa de três minutos, lutas com duração limitada de rounds e outras medidas de proteção. 
Como Chambers tinha apenas 24 anos de idade, procurou um padrinho de peso para suas regras. Esse acabou sendo um colega de escola, jovem como ele mas de uma importante família aristocrata: o Marquês de Queensberry, que ficou imortalizado emprestando seu nome às tais regras. 
Inicialmente, os profissionais ridicularizaram as Regras de Queensberry. Contudo, a perseguição inclemente, tanto da polícia inglesa como americana, aos praticantes do boxe sem luvas fêz com que os profissionais também passassem a lutar sob as regras do marquês. 

18.12.14

Não imaginemos...

«Não imaginemos o sentido como uma relação oculta que o espírito estabelece entre uma palavra e uma coisa, nem que esta relação contém a totalidade dos usos de uma palavra, tal como se poderia dizer que a semente contém a árvore.»Ludwig Wittgenstein, O Livro Azul.
  1. 'Imaginar' só acontece quando a mente combina imagens, isto é, estabelece relações, não entre objetos (físicos), mas entre as representações mentais que deles fazemos. Se no procedimento existe mistério não sei! De qualquer modo, submetemo-nos à convenção para que a sociabilidade não se perca.  
  2. Não sei o que seria da Religião e da Poesia se, de repente, o 'oculto' desaparecesse. O Simbolismo extinto e substituído pelo USO...  a descrição imperaria até à náusea absoluta! Toda a iconografia abolida!
  3. Dar forma à totalidade dos usos mataria qualquer relação. Nem sequer as metonímias sobreviveriam!
  4. Por este andar, afirmar que a semente contém a árvore não faz qualquer sentido, nem em potência...
  5. Condenar Sócrates por corromper a juventude não faz sentido, pois o Tribunal não conseguiu identificar as vítimas. Que se saiba, nenhuma apresentou pessoalmente queixa!
  6. Chegado à última página do Livro Azul, estou por perceber a razão do adjetivo. Será que o caderno do filósofo era 'azul'? Ou o livro só era 'azul' para ele por uma qualquer relação oculta que me escapa? E ainda me falta ler o Livro Castanho!

16.12.14

O olho periférico

Do lado direito, quatro jovens conversam animadamente, indiferentes ao esforço daqueles que, num último esforço, procuram recuperar o tempo perdido.
Do lado esquerdo, outro jovem dorme descaradamente, depois de uma breve incursão por um descarnado "amor de perdição"...
Ao centro, o grupo dos mais interessados, apesar de alguns se manterem distantes como se algo os obrigasse a estar presentes. Em certos momentos, o silêncio surge, não por milagre, mas por respeito à veemência discursiva do apresentador...
Hoje, por um momento, Os Demónios de Dostoievski saíram da penumbra. Traziam com eles todos os fantasmas nietzschianos...   

( Na realidade, do século XIX pouco resta consciente, apesar de vencidos pelo mais brutal que há na filosofia alemã.)

15.12.14

Sempre a adiar...

«O sentido que tem para nós uma expressão é caracterizado pelo uso que dela fazemos.» Ludwig Wittgenstein, O LIVRO AZUL.

Quando alguém afirma "há um prazo para a tarefa", espera-se que o interlocutor compreenda o sentido de «prazo», o associe à gramática do tempo, não se deixando cair «na última hora»... «Deixar tudo para a última hora», para além de revelar falta de brio, mostra o uso incorreto do termo, como se a fronteira se tivesse diluído no éter.
Na véspera do último dia de aulas do primeiro período, continuo a receber trabalhos de «última hora». Os seus autores esperam, assim, melhorar a classificação que, por definição, deve corresponder ao resultado da avaliação contínua.
Por este andar, irão gastar a vida sem chegar a compreender o sentido do «prazo». Sempre a adiar até que o prazo se esgote definitivamente... 


   

14.12.14

A cor da miséria

Desfeita a rotunda, subi na direção da vivenda em ruínas no centro de um terreno que, por vezes, me desperta o instinto agrário, se tal existe... Desta vez, apenas confirmei que o prédio ainda continua à venda, pois a minha atenção desviou-se para um desconjuntado número de indivíduos imóveis. Estavam defronte do Centro Cristão da Cidade, de costas voltadas para a Casa de Repouso das Irmãs...
Não me parece que este grupo esperasse pelo momento de reflexão bíblica promovida pelo Pr. Mário Rui, mentor de uma congregação do Centro Cristão Vida Abundante. Cada um daqueles indivíduos, de idade compreendida entre os trinta e os 50 anos, estava em silêncio e tinha em comum o castanho sujo e pálido...
Do outro lado da rua, adjacente à Casa da Cidade, sobre uma mesa com cerca de dois metros, eram visíveis caixas fechadas. Não muitas! Algumas senhoras sorridentes cercavam a mesa como se o banquete estivesse pronto a ser servido...
E eu passei,  pensando que a estatística governamental se deve ter esquecido daqueles homens ali parados à espera...

13.12.14

O frio súbito

O frio súbito nas costas, no ventre, no pescoço, nos pés não decorre da temperatura ambiente. Quanto maior é o agasalho, maior é o estado de algidez local. 
O pânico instala-se e o discurso torna-se incoerente e cruel. A memória parece ausentar-se e os gestos desenvolvem movimentos que lembram ritos litúrgicos.
Torna-se necessário repensar as possíveis causas do arrefecimento corporal e, sobretudo, procurar o sentido da correlação com o processo mental... Aparentemente, é a mente que é afetada pela hipotermia.

De momento, a perturbação parece diminuir... No entanto, as rotinas continuam redundantes.

12.12.14

Uma imagem é uma imagem

«... O sentido em que dizemos que uma imagem é uma imagem, é determinado pelo modo como a comparamos com a realidade.» Ludwig Wittgenstein, O Livro Azul.

Há quem tudo faça pela imagem. Pode ser uma imagem de beleza, de harmonia, de qualidade, por junto ou em separado. Uma beleza postiça, uma harmonia martelada, uma qualidade herdada...
Em vez de compararmos a imagem com a realidade, preferimos fantasiar a realidade. A época de Natal é, por excelência, o tempo da imagem...
            ... o tempo em que se esconde a violência, o insucesso, a pobreza, a doença, a injustiça... E o melhor é não falar mais disso!  
                                                         Ignoremos o modo!

10.12.14

Os humanos são grandes caçadores no desenho de Jorge Castanho


«Não sei se o desenhador, Jorge Castanho, vive fascinado pelo bestiário medieval, parece-me, no entanto, que ele foge do peso dos homens...» 

Há tempos ousei rabiscar meia dúzia de ideias sobre os desenhos expostos no CAM, sugerindo que este investigador não teria como principal fonte os bestiários medievais, no sentido em que se inspiraria em textos e ilustrações imaginários.
(...)
Hoje, ao relembrar METAMORFOSE de Franz KAFKA, senti que este autor poderá ter tido alguma influência no modo como o Jorge lê a realidade... Uma realidade espumosa em que o ser humano se deixa facilmente afectar pela imagem.

Quero com isto dizer que os pavões se deslumbram de tal modo com as próprias penas que não se apercebem quão injustos podem ser quando a informação transmitida é parcial e, escandalosamente, omissa. Não querendo incorrer no mesmo erro, aqui confesso que a fotografia de Jorge Castanho e da sua criatura imaginada é do poeta António Souto.

E como não quero dizer mais do que o necessário, vou vestir a pele de HOCHIGAN:

« Descartes refere que os macacos podiam falar se quisessem, mas que resolveram guardar silêncio para que os não obrigassem a trabalhar. Os Bosquímanos da África do Sul acreditam que houve um tempo em que todos os animais podiam falar. Hochigan incomodava os animais e um dia desapareceu e levou consigo esse dom.»   Jorge Luis Borges e Margarita Guerrero, O Livro dos Seres Imaginários.

Para terminar este monólogo, vale a pena assinalar que O LIVRO DOS SERES IMAGINÁRIOS contém a descrição de cento e dezasseis monstros que povoaram as mitologias e as religiões... o que me leva acrescentar que, também, não devemos descurar os monstros gerados pela Literatura e, sobretudo, os que nos circundam... Portanto, a matéria para entreter o lápis do Jorge Castanho é abundante e vária.
E já agora acrescento uns esclarecedores versos de Porfírio da Silva, da sua obra Poética, MONSTROS ANTIGOS:

Os humanos são grandes caçadores.
O animal mais fácil de ferir é o amigo.
É o que se chega mais perto:
aninha-se nas sombras frescas
à espera de uma ceia de palavras
e aí fica ao alcance das pedras.
(...)
 







9.12.14

Os telómeros vistos por Miguel Godinho Ferreira

O cientista Miguel Godinho Ferreira obrigou-me, hoje, a pensar no meu próprio envelhecimento. Para tanto bastou que ele, em pleno Auditório da Escola Secundária de Camões, tivesse abordado a questão do «envelhecimento e o relógio dos cromossomas».
Inicialmente, a minha curiosidade (palavra-chave para o cientista) centrava-se na compreensão do termo 'telómeros', só que com o desenrolar do colóquio ( de facto, M.G.F. procurou dialogar com a adolescente assistência), comecei a perceber que poderia contrariar uma decisão por mim tomada dias antes. Certamente por ignorância, decidira não tomar umas enzimas que me tinham sido prescritas...
Embora o cientista não tenha tido a preocupação de definir o termo 'telómeros', acabei por deduzir que a telomerase designa uma enzima (ou várias?) que controla a divisão celular, limitando a capacidade de regeneração dos tecidos, o que causa o envelhecimento do indivíduo.
(...)
Paradoxalmente, houve alunos de Biologia que não apreciaram o colóquio. Viram-no como um exercício especulativo e não como um tempo em que o cientista dá conta das suas hipóteses, do diálogo com a comunidade científica internacional,  das experiências em curso, dos resultados obtidos, e do regresso à formulação de novas hipóteses. A estes jovens falta-lhes a curiosidade ou, pelo menos, o motivo, como aconteceu comigo.
Mesmo em termos especulativos, estes alunos não registaram algumas proposições que merecem ser objeto de reflexão:
- Em ciência, a correlação não vale muito.
- A correlação não implica causalidade.
- A causa é algo muito mais complicado.
- A correlação é apenas um princípio.

Subjetivamente, registei a ideia de que já perdi a capacidade de manter os meus telómoros... a não ser que ele ( e a sua equipa de investigadores da F.C.Gulbenkian) produza a enzima necessária à recuperação dos meus cada vez mais reduzidos telómeros... 
  


8.12.14

As analogias são tramadas e fraudulentas

Somos tentados a pensar que existe um estado ou um acontecimento psíquico particular, conhecimento do lugar, que deve preceder todo o ato deliberado de apontar, todo o movimento em direção a algo. Pensem no caso análogo: "Apenas se pode obedecer a  uma ordem depois de a ter compreendido." Ludwig Wittgenstein, O Livro Azul.

As analogias são tramadas e fraudulentas! No caso em questão, apontar-se-ia o lugar referido, porque se estava a vê-lo.

Esta ideia de que existe um estado ou um acontecimento psíquico que deve preceder todo o ato deliberado sempre me atormentou. Nunca compreendi por que motivo quiseram que eu acreditasse na existência de Deus, sem que eu o tivesse visto previamente. Por outro lado, em particular para os céticos como eu, Deus ter-se-á feito substituir pelo filho, Jesus Cristo, para que nós o pudéssemos assassinar. E aí, sim! Tudo seria inteligível, só que os Judeus recusaram-se a ver no «ladrão crucificado» o Messias que, pela calada da noite, se evadiu da cova, ressuscitando...

(Esta ideia da ressurreição, que eu tomara como um poderoso mito, tal como o da virgindade de sua mãe, começa a preocupar-me. Parece que já há 4 portugueses mergulhados em hidrogénio,  de cabeça para baixo, e que terão gasto 150 mil euros cada um para assegurar o regresso à vida, logo que a ciência resolva o problema da morte. Cheira-me a intermitências da morte!)

Este parêntese tem a virtude de, por instantes, me fazer acreditar no Quinto Império e no seu imperador, Sebastião de Alcácer..., oficialmente desaparecido no areal Quibir, embora desconfie que tenha pago uma bela maquia para que o submetessem a congelamento criogénico. ( maquia: reminiscência árabe)

Quanto à obediência a uma ordem também tenho dificuldade em aceitar que haja uma qualquer relação com a compreensão prévia...
Em termos gramaticais, estamos a viver num tempo em que as correlações são desprovidas de sentido.

A talho de foice, termino com uma nova acusação a José Sócrates. Se ontem, uma casa ardeu perto do Estabelecimento Prisional de Évora, a culpa só pode ser dele. Afinal, já todos o conhecíamos como incendiário... E se ele se encontra detido perto da casa ardida, quem é que lhe poderia ter ateado o fogo?

PS. Não sei se reencaminhe este "post" para o Facebook! Estou a lembrar-me do conselho do Sócio da Área de Trabalho e Contencioso Penal de PLMJ, José Ricardo Gonçalves, no jornal i:  O Facebook - quem avisa amigo é!


7.12.14

A Ilha dos Panças


Sancho. Que quereis ao Senhor Governador?
Homem. Senhor Governador, peço justiça.
Sancho. Pois de que quereis que vos faça justiça?
Homem. Quero justiça.
Sancho. É boa teima! Homem do diabo, que justiça quereis? Não sabeis que há muitas castas de justiça? Porque há justiça direita, há justiça torta, há justiça vesga, há justiça cega e finalmente há justiça com velidas e cataratas nos olhos. 

                        António José da Silva, Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança

Mário Soares celebra 90 anos. Talvez bastasse dizer que Mário Soares faz 90 anos, mas não, é necessário assinalar a data, porque, entre outros feitos mais ou menos verosímeis, é lhe atribuída a paternidade desta democracia que levou preventivamente Sócrates à cadeia, que leva preventivamente milhares de outros cidadãos a esperar que a Justiça apure a respetiva acusação...
A diferença entre os políticos e a generalidade dos cidadãos é que compete aos primeiros zelar para que a igualdade não seja apenas uma figura de retórica.

Neste dia 7 de Dezembro de 2014, há quem celebre a democracia em lautos banquetes enquanto que muitos portugueses esperam pelo final do repasto para colherem as migalhas...

   

5.12.14

Num beco sem saída?

Hoje vi parte do filme O Passado, do iraniano Asghar Farhadi, e fiquei perplexo: não se enxerga qualquer futuro e o próprio presente é insuportável, porque incapaz de se libertar do passado. Neste caso, dos passados, porque cada personagem tem o seu e nenhum coincide verdadeiramente. Daí a suspensão e a suspeita que vai arrastando todos, ia a dizer para um beco sem saída, mas tal não acontece porque cada ser tem o seu beco...
Ontem assisti a uma apresentação de um livro de poemas, e a apresentadora deixou-me suspenso, porque não viu o futuro nos versos do poeta-amigo. Talvez um brilhozinho e nada mais! E a divina leitora acabou por concluir que a poesia  nada nos oferece que tenha futuro, a não ser a própria, a poesia, em casos excecionais... Naquele momento, pensei, de imediato, nos profetas, nos poetas -profetas! E lembrei-me dos épicos e daqueles prosadores-poetas que  iam ao ponto de escrever a História do Futuro. Entre todos, o «imperador da língua portuguesa, o António Vieira! Fiquei um pouco triste, talvez seja mais correto dizer, melancólico, porque o amigo António Souto não teria esse dom da profecia. Afinal, este António parece ser mais um poeta lírico!
Entretanto, no meio de diversos afazeres escolásticos, decidi fazer uma daquelas leituras que a poucos lembram. Pus-me a ler O LIVRO AZUL, de Ludwig Wittgenstein. Por isso, desde ontem que não deixo de pensar na seguintes proposições inspiradas nas preocupações de Santo Agostinho que, noutro tempo, se terá interrogado se é possível medir o tempo:
  
« O passado não pode ser medido porque passou, e o futuro não pode ser medido porque ainda não existe. E o presente não pode ser medido porque não tem extensão.»

Quem, com tudo isto, se encontra num beco sem saída sou eu. Ou será que, afinal, o passado pode ser dito porque passou e, na verdade nada pode ser dito do que não tem extensão e do que ainda não existe?  
    

4.12.14

Não posso deixar de pensar


«Digamo-lo sem rodeios: o "sistema" vive da cobardia dos políticos, da cumplicidade de alguns jornalistas; do cinismo das faculdades e dos professores de Direito e do desprezo que as pessoas decentes têm por tudo isto. De resto, basta-lhes dizer: "Deixem a justiça funcionar". »

Embora não saiba quem tem razão, se a acusação se o arguido, não posso deixar de pensar que José Sócrates acusa os jornalistas de cumplicidade e utiliza a comunicação social como suporte para a sua defesa...
Não posso deixar de pensar que José Sócrates acusa as faculdades e os professores de Direito de cinismo, e procura nas faculdades estrangeiros o prestígio académico que desde sempre lhe faltou...
Não posso deixar de pensar que José Sócrates censura a cobardia dos políticos, e que os seus melhores amigos fazem quase todos parte dessa classe política que, hoje, se desloca em peregrinação ao estabelecimento prisional pressionando a decisão judicial e alimentando um folhetim comunicacional  inócuo...
Não posso deixar de pensar que José Sócrates, ao referir-se ao desprezo das pessoas decentes, esquece o tempo em que a indecência grassou no país que nem cogumelos...
A pobreza da maioria dos portugueses resulta da ação política de governantes que sempre desprezaram as pessoas decentes. E como José Sócrates bem sabe, ele foi primeiro-ministro de um país em que os recursos financeiros e económicos  foram esbanjados ou capturados por grupos que cresceram à sombra do poder.
Com razão ou sem razão, José Sócrates bem poderia aproveitar o tempo para escrever um livro sobre o modo como os tentáculos se foram preparando para asfixiar a cabeça do polvo.

3.12.14

Fazer pensar

«Se a leitura não fizesse pensar, não seria um prazer nem seria um meio de cultura.» Álvaro Ribeiro, in Sorer Kierkegaard, O Banquete.

Há quem leia pouco e chegue a confessar que nada lê. Por outro lado, do pouco que se lê, a preferência vai para o entretenimento gratuito ou para a boçalidade bestial - quanto mais calão, melhor!
O enunciado diário vai ficando reduzido ao bocejo e à latrina! 
Incapaz de argumentar, por ignorância da matéria e por ausência de objetivos, o  português  simula argumentos que, na verdade, confunde com exemplos, quase sempre selecionados no que de pior existe em cada um de nós...
(...)
É verdadeiramente desesperante observar o discurso dominante, mesmo entre as chamadas elites. Ainda há poucos minutos, ouvi um distinto comentador exclamar alto e bom som que o país está condenado porque os governantes, nos últimos anos, destruíram a classe média. Pacheco Pereira apregoava do púlpito ao país que, sem classe média, não é possível a recuperação da economia...
Esta ideia da classe média é tão retrógrada!
(...) 
Já um outro pensador lusitano, alter ego do Presidente da República, ao refletir sobre o fenómeno da emigração, não tanto sobre as causas mas, sim, sobre a diminuição das remessas e sobre o perigo dos jovens não quererem voltar, assegurava que a Presidência irá promover um congresso primaveril, em 2015, que apele ao retorno, de preferência, com mais saber e experiência e, sobretudo, com as malas cheias de libras, dólares e euros... No essencial, este ilustre pensador até defende que partir faz bem à alma lusitana.  

1.12.14

Já vos disse? Os valores e os heróis

Já vos disse? É assim que o Pai / Presidente Barack Obama se dirige às filhas, apresentando-lhes, em tom litúrgico, os valores e os heróis que melhor os consubstanciam: a criação ( Georgia O'Keiffe); a inteligência (Albert Einstein); a coragem ( Jackie Robinson); a cura ( Touro Sentado); a música (Billie Holiday); a valentia (Hellen Keller); o sacrifício ( Maya Lin); a bondade ( Jane Addams); a resistência ( Martin Luther King Jr.); a aventura (Neil Armstrong); a fonte inspiradora (Cesar Chavez); a família (Abraham Lincoln); o orgulho de ser americano (George Washington)...
E Barack Obama, em DE TI EU CANTO - Carta às minhas filhas, termina: 

             Já vos disse que todos são uma parte da vossa identidade?

Uma bela mensagem. muito bem ilustrada por Loren Long, que, infelizmente não inspira, neste tempo de provação, o nosso Presidente. Hoje, dia dos Restauradores, poderia ter aproveitado para escrever uma Carta aos netos...
Todos sabemos que o nosso Presidente prefere um enunciado ligeiramente diferente: BEM VOS AVISEI!

30.11.14

Como uma abelha

«Nascemos sem saber fallar e morremos sem ter sabido dizer. Passa-se nossa vida entre o silencio de quem está calado e o silencio de quem não foi entendido, como uma abelha em torno de onde não ha flores, paira incognito um inutil destino.» Pessoa Inédito, No Jardim de Epitecto

Lembro agora que Fernando Pessoa nos deixou a 30 de novembro de 1935. O Tejo continua o mesmo do amanhecer e do entardecer do Livro das Horas. Embora o Poeta tenha dito que do Tejo se vai para o mundo, a verdade é que o Tejo no-lo devolveu inteiro para que nele pudéssemos descansar nas boas e nas más horas...
Com ou sem flores, continuamos à espera que o gládio se ilumine e nos faça descortinar a praia da Verdade. De tempos a tempos, o sino tange, e nós apressamos os passos inúteis...
Queremos falar, mas não sabemos o que dizer. Esvoaçamos apenas!

Lembro agora o tempo em que, juntos, encetámos um caminho sem lhe conhecer o rumo. Deu os frutos esperados da «besta sadia». Já decorreram 40 anos em que fomos falando mas, na verdade, ainda não sabemos o que dizer... e provavelmente nunca saberemos. A vida não passa de um INTERVALO!

29.11.14

Vergonhoso



Moins d’étrangers c’est plus écologique

Na Suiça, tal como no Reino Unido e em França, cresce o sentimento de rejeição do emigrante ... 

Paradoxalmente, na Suiça, não há nenhum movimento que incite os suíços a rejeitarem os depósitos bancários estrangeiros: 


Menos capitais estrangeiros é mais ecológico!

28.11.14

Apologia da indigência

O indigente é, por definição minha, alguém que vive em estado de penúria voluntária.
O indigente pode ser inteligente, loquaz, visionário, sedutor. Só não pode Ter!
O indigente não tem casa nem tem conta bancária, abdica de qualquer pensão, embora não despreze viver numa bela mansão...
Despojado de bens materiais, o indigente cultiva a amizade de Platão e senta-se à mesa de seus iguais. Por isso não espanta que seja acusado de viver do que não é seu e de ser misógino, apesar de venerado pelas mulheres...

O indigente detesta ser esquecido e por isso ama a praça pública, o palco e o poder. Qual Cristo está pronto para beber o fel até à última gota desde que possa regressar, não interessa o dia nem a hora...
O indigente é inteligente e misógino. Só não paga impostos porque, por definição minha, não pode TER.
O indigente estuda Filosofia e Ciência Politica porque só pode SER.

26.11.14

O amigo do amigo "amordaçado"

De certo modo, os amigos mudaram-se para a vida virtual. Basta contar os amigos que cada um de nós tem nas redes sociais! Deles pode esperar-se tudo, até o silêncio absoluto. Seguem-nos ou ignoram-nos de acordo com as conveniências... E não se pode censurá-los por tal. É um novo direito que, pela sua natureza, não impõe qualquer dever.
Ora, hoje, um daqueles amigos, que continua bem agarrado à vida real, decidiu visitar outro amigo colocado atrás das grades por tempo indeterminado. E claro, o inevitável aconteceu: o amigo de seu amigo aborreceu-se com as perguntas da comunicação, dita social.
O amigo levantara-se cedo, porque tinha um dever a cumprir: dar um abraço ao amigo "amordaçado". Na verdade, Mário Soares vê José Sócrates como outrora via Portugal. 

E não se pode levar a mal! Mário Soares continua a viver no mundo real, enquanto que a comunicação social vive no mundo virtual. Ele tem o dever de visitar o amigo. Por seu turno, a comunicação social age de acordo com as suas conveniências...

Nota de rodapé: Já alguém verificou a hipótese da comunicação social colocar escutas por conta própria?

25.11.14

A pensar no ...

44 = equilíbrio, sensatez, espírito filosófico. Disponibilidade para ler livros cartesianos, em francês! Esta tendência revela, no entanto, um espírito um tanto fin-de-siècle ou, talvez, 68, que, se fizermos as contas, nos traz... a 2014.
Bem vistas as coisas, foi no dia 24 que o suspeito ficou a saber o que o Céu Sereno lhe destinou! Assegurado o ócio, espero que José Sócrates o saiba desfrutar, (re) lendo, por exemplo, as estâncias 96 a 99 do Canto VIII de Os Lusíadas, e tendo presente a seguinte passagem da APOLOGIA DE SÓCRATES, de Platão:

 «Atenienses, se me tivesse dedicado à política, já estaria morto há muito tempo, sem ter sido bom, nem para vós, nem para mim próprio.
Não vos amofineis, por favor, por me ouvirdes falar a verdade: nenhum homem pode evitar a condenação à morte se, com franqueza, se opuser, ou a vós, ou à populaça, se procurar impedir que, no Estado, se cometam atos injustos e ilegais. Quem combate de verdade pela justiça, se desejar viver algum tempo, tem de se remeter à vida privada, e evitar a participação na vida pública.»
  

24.11.14

Dentro de momentos...


O filme segue «dentro de momentos». São 20 horas e 45 minutos e há mais de duas horas que o País espera por uma decisão... 
Provavelmente, a culpa é da mediatização!
No entanto, resta saber se são os media os culpados desta espera inclassificável ou se é o Ministério Público o verdadeiro responsável por este atraso 'colossal'.

Enquanto espero, vou ler a peça de Samuel Beckett, En attendand Godot. Esta peça foi criada no dia 5 de Janeiro de 1953 no Teatro Babilónia...


VLADIMIR. - Que faire pour fêter cette réunion? (Il réfléchit.) Lève-toi que je t'embrasse. (Il tend la main à Estragon.)
ESTRAGON ( avec irritation). - Tout à l'heure, toute à l'heure.
                                                                                                       Silence.
VLADIMIR (froissé, froidement). Peut-on savoir où monsieur a passé la nuit?
ESTRAGON. - Dans un fossé.
VLADIMIR (épaté). - Un fossé! Où ça?
ESTRAGON (sans geste). - Par là.
VLADIMIR. - Et on ne t'a pas battu?
ESTRAGON. - Si... Pas trop.
VLADIMIR. - Toujours les mêmes?
ESTRAGON. - Les mêmes? Je ne sais pas.

                                                                                                      Silence. 

Dentro de momentos!
Já são 21 horas e cinquenta e cinco minutos.

Decisão: José Sócrates em prisão preventiva! - A medida de coação mais gravosa.

                                                                                                      SILÊNCIO.

23.11.14

É todo um país que espera!


Não sei se Sócrates é culpado ou não!
Sei, no entanto, que os indícios devem ser fracos, caso contrário já todos teríamos conhecimento da decisão judicial...
Nesta situação, não são apenas quatro detidos que esperam. É todo o país que espera.

E, amanhã, o país merecia regressar ao trabalho, tranquilo, convencido de que a Justiça é nobre, não cedendo à tentação de humilhar o suspeito, seja ele quem for. No caso, José Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal.

22.11.14

Argumentar contra a violência doméstica

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”
Declaração Universal dos Direitos do Homem (1949), Art. 1º


Nas escolas, os alunos são convidados a escrever textos argumentativos, mas, em geral, não o conseguem porque, em primeiro lugar, não dominam o assunto e, principalmente, não o enquadram nem o aprofundam. Acreditam que basta pegar numa folha de papel e aplicar uma qualquer receita. Claro que a maioria fracassa!

O que aqui registo são meia dúzia de ideias que dirijo a aluna desesperada que não consegue escrever um texto argumentativo:

Todos nascemos iguais, mas não crescemos livres e iguais em dignidade e direitos.

Tradicionalmente, a maioria das mulheres vivia numa situação de tal dependência económica do marido ou, mesmo, do pai, que os direitos humanos não se lhes aplicavam, designadamente o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem
Depois da segunda Guerra mundial, as mulheres desempenharam um papel importante na reconstrução dos países. As mulheres passaram a estudar e, sobretudo, passaram a ter uma carreira profissional, o que lhes trouxe independência económica.
No entanto, a independência económica da mulher não lhe garante a igualdade de direitos no agregado familiar, porque o homem (e a mulher) não foi educado para uma relação diferente da que vivera na família em que nascera… (uma das causas da violência)
Entretanto, a globalização trouxe o consumismo e a precariedade no emprego e na vida quotidiana. Uma precariedade que passou a atingir ambos os sexos.
É neste novo contexto que a insatisfação pessoal e familiar cresce, trazendo de volta o autoritarismo e a violência do mais forte contra o mais fraco.
Volta a colocar-se a questão de saber como combater a violência doméstica, ela própria fruto da desigualdade social, económica…

Assim, pode defender-se que a educação é uma das soluções contra a violência. Deste modo, é preciso alterar radicalmente o paradigma educativo.

A escola atual não satisfaz minimamente este objetivo. Basta pensar nos casos em que os namorados consideram normal agredir as namoradas,com a bênção paterna e materna, ou em que os alunos agridem as professoras com a cumplicidade dos pais… e das mães.   
..

20.11.14

O Homem de Cristo tira mais um coelho da cartola


«Não quero com isto dizer que temos de ser como os franceses. Apenas digo que temos margem para tornar o nosso acesso ao ensino superior mais justo. Seja por via de acesso livre (entram todos os que concluírem o secundário) ou por via de dar às instituições autonomia para escolher os alunos (o que me parece mais exequível).» 
Artigo de A.H.C.:E se as notas não contassem para entrar na Universidade?

Gosto imenso de ler as reflexões deste cavo pensador, sobretudo quando estou aborrecido e desligo o televisor para não ter de esbarrar com o PP ou o PC ou a ML ou a PTC , isto sem falar dos comentadores ajumentados ( peço desculpa, se soar a jumentos...)
Desta vez, por um instante, concordei com o Homem: - Para quê exames de acesso à Universidade? Que maçada! Entram todos e pronto... ou será prontos?
Passado o devaneio, dei comigo a pensar que o Homem de Cristo (!) poderia ter apresentado um argumento ainda mais convincente: - Para quê exames de acesso à Universidade se, à saída da mesma, as classificações e os diplomas obtidos não servem para nada?
Como se teima no Ensino Secundário, para um bom argumento é necessário um exemplo certeiro! Ora que melhor exemplo que o do Ministro Crato que se está borrifando para as classificações de mestrados e doutoramentos e já marcou a data do próximo exame para 20 de dezembro, precisamente nas mesmíssimas universidades que tanto despreza!

Há, no entanto, um lado positivo, na proposta cartesiana deste cavo pensador: Acaba o desemprego docente no ensino superior. Ou será inferior? 





19.11.14

Nem sempre vemos as fontes...

Para o caso de haver quem acredite na originalidade e não compreenda o que é a intertextualidade, vou citar Gonçallo Anes, de alcunha o Bandarra, que terá vivido na primeira metade do século XVI, no reinado de D. João III, o qual, entre 1530 e 1540, compôs um conjunto de trovas sobre a decadência dos costumes e os futuros destinos de Portugal.*

(...)
Forte nome he Portugal,
Um nome tão excellente,
He Rei de cabo poente,
Sobre todos principal.
Não se acha vosso igual
Rei de tal merecimento:
Não se acha, segun sento,
Do Poento ao Oriental.

Portugal he nome inteiro,
Nome de macho, se queres:
Os outros Reinos mulheres,
Como ferro sem azeiro;
E senão olha primeiro,
Portugal tem a fronteira,
Todos mudão a carreira
Com medo do seu rafeiro.

Portugal tem a bandeira
Com cinco Quinas no meio,
E segundo vejo, e creio,
Este he a cabeceira
E porá a sua cimeira,
Que em Calvário lhe foi dada,
E será Rei da manada
Que vem de longa carreira.

Este Rei tem tal nobreza,
Qual eu nunca vi em Rei:
Este guarda bem a lei
Da justiça, e da grandeza
Senhorea Sua Alteza
Todos os portos, e viagens,
Porque he Rei das passagens
Do Mar, e sua riqueza.

Este Rei tão excellente,
De quem tomei minha teima,
Não he de casta Goleima,
Mas de Reis primo, e parente.
Vem de mui alta semente
De todos quatro costados,
Todos Reis de primos grados
De Levante até ao Poente.

Serão os Reis concorrentes,
Quatro serão, e não mais;
Todos quatro principaes
Do Levante ao Poente. 
Os outros Reis mui contentes
De o verem Imperador,
E havido por Senhor
Não por davidas, nem presentes.

Comendadores, Prelados,
Que as Igrejas comeis,
Traçareis, e volvereis
Por honra dos Tres Estados.
E os mais serão taxados;
Todos contribuirão
E haverá grande confusão
Em toda a sorte de estados.

Já o Leão he experto
Mui alerto,
Já acordou, anda caminho,
Tirará cedo do ninho
O porco, e he mui certo,
Fugirá para o deserto,
Do Leão, e seu bramido,
Demonstra que vai ferido
Desse bom Rei Encuberto.
(...)

Para o caso de haver quem acredite na originalidade de Camões e de Pessoa, vale a pena  olhar à volta e, sobretudo, não desprezar a tradição. Nem sempre as fontes estão à vista ou, melhor, nem sempre vemos as fontes porque porque vivemos de olhos fechados...

* Consultar: António Machado Pires, D. Sebastião e O Encoberto, Fundação Calouste Gulbenkian.

17.11.14

Que farei eu com esta espada?

A pergunta é do Conde D. Henrique: À espada em tuas mãos achada/ Teu olhar desce. / «Que farei eu com esta espada?» // Ergueste-a, e fez-se.»

É a primeira vez que a guerra surge em Mensagem, apesar da 1ª parte - Brasão - surgir sob o lema BELLUM SINE BELLO.
A guerra é um dos fios condutores da obra. Um fio místico, redentor, eivado das novelas de cavalaria medievais, do messianismo de Vieira e do sebastianismo do século XIX...
Vale a pena tomar nota que os cavaleiros-heróis são transformados em mitos, prontos a alimentar a ideologia do Estado Novo:

D. Afonso Henriques, o PAI: (...) a bênção como espada / A espada como bênção!

D. Fernando, o Infante de Portugal, o FILHO: «Dá-me Deus o seu gládio, por que eu faça / a sua santa guerra (...) E eu vou, e a luz do gládio erguido dá / em minha face calma

Nun' Álvares Pereira, o CAVALEIRO: «Que auréola te cerca? / É a espada (...) / Mas que espada é que, erguida, / Faz esse halo no céu? / É Excalibur, a ungida, / Que o Rei Artur te deu. // Ergue a luz da tua espada / Para a estrada se ver!» 

Na 2ª parte, Mar Português, apesar das vitórias não há sinal de espada, de gládio ou de Excalibur!

Só na 3ª parte, O Encoberto, surge O Desejado: Mestre de Paz, ergue o teu gládio ungido/ Excalibur do Fim, em jeito tal/ Que a sua luz ao mundo dividido / Revele o Santo Graal

Embora a obra termine com a exortação - É a hora! - o Poeta parece estar muito próximo do Apocalipse, abraçando o mito do Quinto Império de Vieira, pois ao AÇO sempre preferiu a LUZ...


16.11.14

Este fulgor baço…

«Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer…» / Fernando Pessoa
Temos rei e temos lei,
temos paz e temos guerra.
Todos sabemos o que queremos,
todos conhecemos quem somos.
(Temos peritos em ansiedade
e até já não há nevoeiro!)
De nada serve ser inteiro
desde que se possa
deitar a mão ao dinheiro…
(…)
Há quem floresça num canteiro
e queira ser quem não é
Não importa se espinho
se erva daninha…
(…)
Para ti
que, longe de ti,
procuras quem és,
cava
e em ti acharás
quem és…

15.11.14

Quando os Lobos Uivam

Se decidir ler Quando os Lobos Uivam (1959) de Aquilino Ribeiro, dê, também, atenção ao estudo de Dulce Freire, Os Baldios da Discórdia: As Comunidades Locais e o Estado, in Mundo Rural - Transformações e Resistência na Península Ibérica, 2004

Aquilino Ribeiro, mesmo que se por razões pessoais*, não enjeitou a hipótese de tratar literariamente um tema que, aparentemente, só dizia respeito a comunidades rurais conservadoras ciosas de preservar os baldios que cercavam os povoados e dos quais extraíam parte do seu sustento...
Para Aquilino, o problema não era "local", pois do outro lado estava o Estado, pronto a esburgar o povo de uma das últimas fontes de sobrevivência, em nome de uma 'moderna' política de florestação que, hoje, bem sabemos a quem aproveitou...
O povo 'retrógrado' sabía que a intervenção do Estado raramente o favorecia... Tal como Aquilino sabía que a Literatura ao ampliar o conflito, pode torná-lo bandeira de uma luta sem quartel contra o despotismo e contra o nepotismo do Estado.
E foi o que aconteceu à época: O romance vendeu 9.000 exemplares em três meses...; Aquilino teve de enfrentar a PIDE e a Censura, e o Estado Novo ficou mais desacreditado...


* Litígio pessoal com funcionário dos Serviços Florestais em Sernancelhe, Viseu, que o terá levado a ampliar os conflitos ocorridos na Serra de Leomil.

/Manuel C. Gomes

13.11.14

Trust me, não me parece...

Jeff Abbott is the New York Times bestselling, award-winning author of many mystery and suspense novels. He has been called “one of the best thriller writers in the business” (Washington Post). 
(...)
Nos últimos anos, tenho sido testemunha de uma verdadeira paixão pela leitura de autores 'anglossaxónicos'. Cada vez que me apresentam uma nova "descoberta", imagino que o fascínio não é muito diferente daquele que certos animais sentem pela fava seca: cai bem no estômago e aumenta a adrenalina. Durante umas horas, a adrenalina sobe e a cavalgadura fica eufórica; depois cai no abatimento até que nova dose lhe volte cair no cocho...

Nesta mesma semana, também me apresentaram "Os Emigrantes" (1928) de Ferreira de Castro. Fiquei feliz com a opção, mas creio que fui só eu e aquele jovem que encontrou aquele romance lá em casa e ousou lê-lo, porventura, porque saiba que eu gosto pouco de romances em que "são todos bons rapazes e boas raparigas», mesmo que não saibam interpretar o verso de Pessoa: «nem o que é mal nem o que é bem».
Talvez porque rejeite a aculturação ou, mais grave ainda, a leitura como forma de alienação, ao chegar a casa, "castiguei-me" com a tradução d'  UN APERÇU DE L'HISTOIRE DES KURDES, par Kendal NEZAN, Président de l'Institut kurde de Paris, com a conclusão da leitura do estudo "Mobilización campesiña, clientelismo politico e emigración de retorno, de Raúl Soutelo Vasquez, e com o retorno a 100 Cartas a Ferreira de Castro, edição da Câmara Municipal de Sintra, onde numa delas, a propósito da leitura do romance Sangue Negro (1923), Raul Brandão refere: «o senhor escreve sem se deter em pormenores inúteis e escolhe sempre para o assunto, ao contrário do que fazem para aí todos os fúteis, problemas cheios de grandeza e humanidade. É alguém.» Cit. por Alberto Moreira, A Carta é de L. Consiglieri Sá Pereira.
O sublinhado é meu!

11.11.14

Ler MENSAGEM

Nas palavras de António Quadros, Fernando Pessoa imprimiu em MENSAGEM «o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador.» Plural 12, pág.110

Hoje, procurei que os alunos percebessem o alcance de tal afirmação sem grande sucesso. Os poemas, escritos entre 1913 e 1934, visam despertar um povo descrente e adormecido para a necessidade de retomar a «esperança» e a «vontade» que, outrora, conduziram os portugueses à vitória sobre a NOITE e « o mar anterior a nós». Um povo que, perdido o Brasil, humilhado pelas potências europeias (Ultimatum), se vira a braços com a bancarrota  mais grave da nossa história; um povo que, depois de se ter vingado no Rei, acreditou por instantes na República que, rapidamente, o conduziu ao cadafalso em terras de África e de França, e à desagregação moral e social; um povo que se vê obrigado a emigrar e, ao mesmo tempo, assiste ao súbito enriquecimento de uns tantos...
É neste cenário que o Poeta, em nome de Portugal, terá impresso o «ideal patriótico, sebastianista e regenerador», tingindo a obra de esperança quanto à refundação da Pátria e quanto à regeneração do estado mental da nação, mas, deixando-se cair numa solução sebastianista que tão maus resultados viria a trazer ao País.
Para que a mudança pudesse ser alcançada, o Poeta entregou-se fervorosamente à mitificação dos heróis fundadores e refundadores da Pátria, já que, na sua perspetiva, em cada geração é necessário que Portugal se cumpra - Senhor, falta cumprir-se portugal
A novidade da obra reside, pois, no processo de mitificação que, partindo da lenda ( o NADA) ou da História ( o TUDO), transforma os heróis em exemplos «inteiros» para quem é apenas «metade de nada», mas aspira a libertar-se do «sono do ócio ignavo».
Ora, para Fernando Pessoa, 'aspirar' é sonhar, é ter vontade de compreender, de fazer, de mudar, de corrigir... o que, HOJE, parece continuar a faltar!

PS. Não é a primeira vez que CARUMA escreve sobre MENSAGEM: O Sonho e a Dor (15.11.2011); As mesmas âncoras (24.5.2011); A Pátria mesta (23.11.2013)... 

    

9.11.14

A leveza de Jorge Castanho no Centro de Arte Moderna Gulbenkian


« O fascínio dos homens e, consequentemente, da arte pela natureza acontece desde sempre, desde os animais gravados nas grutas de Lascaux, passando pelo bestiário medieval – que os desenhos de Jorge Castanho são herdeiros e as únicas obras expostas que não pertencem ao acervo do CAM…» Isabel Carlos e Patrícia Rosas, in Animalia e Natureza na Coleção do CAM, 17 de outubro 2014 a 31 de maio de 2015.

Não sei se o desenhador, Jorge Castanho, vive fascinado pelo bestiário medieval, parece-me, no entanto, que ele foge do peso dos homens porque, de tão adiposos, se torna difícil determinar os pontos a partir dos quais o traço ganha fôlego e, principalmente, ganha vida. Como se essa vida fosse o resultado de extensões longilíneas sensoriais!
Parece-me, assim, que o desenhador procura capturar a eclosão da vida sensitiva.
De notar que neste dia encontrei quatro jovens que, de fascinados pelos desenhos do Jorge Castanho, se sentaram no chão, procurando reproduzi-los nos seus blocos de desenho.
Entretanto, percorri  a restante exposição, concebida a partir do universo de António Dacosta (1914-1990), tendo concluído que vou voltar devido à qualidade do acervo. Mas só depois de ter relido La Tentation de Saint Antoine, de Gustave Flaubert…

8.11.14

O Bobo e o Velhaco

a) Nos últimos dias, o bobo deslocou-se à Assembleia da República. Ao serviço de sua majestade, armou em mestre-escola, e decidiu dar uma lição silabada a António Costa... Uma lição sobre o preço das camas da hotelaria ulissiponense...
Uma lição patética de um ministro cujo governo lança taxas sobre tudo quanto se move no reino.
b) Por coincidência, CARUMA acabara de gastar umas linhas a determinar o raio de ação do VELHACO e, de imediato, percebeu que o Bobo é necessariamente velhaco, nem que seja para esconder a real gulodice de sua majestade...
c) Claro que o Bobo usufrui de menos privilégios que o Velhaco. Por exemplo, um bobo nunca afirmaria, no final de uma viagem de negócios: - FOI UMA MISSÃO E PÊRAS!
d) Amanhã, dois milhões de alemães vão estar em Berlim para celebrar os 25 anos da queda do MURO e, por antecipação, CARUMA interroga-se se o VELHACO que provocou tal derrocada também lá estará...
e) Andam por aí uns rapazes, bobos, que pensam que têm ideias, como se tê-las fosse fácil! No fundo, não passam de uns velhacos prontos a fazer trapaça... Até um Bobo sabe que não pode abusar da bobice, pois corre o risco de indispor sua majestade, perdendo de uma assentada a cabeça e qualquer sombra de ideia que pudesse conceber...   

6.11.14

Velhacaria

Há palavras cuja origem se perde nos fumos do tempo. É o caso do termo 'velhaco'. Consta que a forma portuguesa resulta de um empréstimo espanhol que, por sua vez, o terá roubado ao provençal 'bacalar", deixado ficar por algum celta mais matreiro ou, caso contrário, mais ingénuo - bakallakos...
O certo é que esta manhã acordei com o 'velhaco' na ponta da língua. Nas primeiras horas do dia não me saiu do pensamento. De facto, há muito tempo que não oiço chamar 'velhaco' a ninguém, nem encontro tal termo em qualquer obra mais recente.
Perplexo, interroguei-me se conheceria algum velhaco ou alguma velhaca ou alguém capaz de cometer qualquer velhacaria, e a minha língua desarmou-me. Deixou de fazer qualquer movimento e, consequentemente, de se pronunciar sobre o assunto.
Retraído, regressei ao tempo em que havia velhacos a torto e a direito. Um tempo longínquo, rural, apesar de distante da raia espanhola. Nesse tempo, até eu, quando, atormentado por um molho de serralhas para os coelhos, o escondia sob um pedregulho - até eu - ao regressar a casa, era apelidado de velhaco, erva ruim...
Esta incompreensível fixação, logo que a língua se contentou com a evocação do passado, atirando-me para a galeria dos velhacos anónimos, levou-me, ao longo do dia, a contar a dois ou três amigos esta inesperada obsessão... Qualquer deles deve ter ficado a pensar que, definitivamente, estou senil... E se calhar, estou mesmo!

4.11.14

A Literatura atual ignora o cacique

Houve um tempo em que a Literatura descia ao terreno e descrevia o que por lá se passava em termos de relações de domínio. Camilo Castelo Branco, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, sem esquecer Alves Redol, Miguel Torga e Saramago. Nas suas obras, a cada passo, encontrávamos os influentes e, entre eles, o cacique...  
Hoje a Literatura é cada vez mais cosmopolita, havendo escritores que, de tão viajados e apressados, situam as suas "estórias" em cidades tão distintas como Londres, Rio, New York, Paris, Buenos Aires, Montréal,  Barcelona, Luanda, com passagem esporádica por Lisboa ou por Madrid... Só que nessas cidades não há influentes e muito menos caciques!...

Na verdade, habituei-me a pensar que um mundo sem caciques seria incompreensível, sobretudo nos países que privilegiam o centralismo ou que dizem apostar tudo na democracia... formal. No essencial, nunca percebi bem onde situar o cacique. A Literatura coloca-o no terreno, atribui-lhe uma certa mobilidade, mas não diz até onde pode chegar o braço de tal personagem... A História também é omissa em tal matéria: prefere a narrativa dos ricos ou, em alternativa, a dos pobres. A História ignora deliberadamente o intervalo, o miolo, essa coisa linda, nas palavras de Pessoa.

Hoje, numa espera, descobri uma interessante caraterização do lugar ocupado pelo cacique galego:

«Para Risco o caciquismo era o resultado da imposición dunha estrutura político-administrativa allea á realidade galega, por parte do Estado centralista español, pois o cacique intermedia entre os seus veciños da paroquia que é a cerna da social rural galega e o lonxano Goberno a través dos municípios, provincias e deputacións. Necesita os votos dos seus clientes pera intercambialos na cidade polos favores da burocracia estatal que descoñece as peculariadades nacionais de Galícia e a aplica unha lexislación pensada para sociedades diferentes...» in Mundo Rural, Coordenação: Dulce Freire, Inês Fonseca, Paula Godinho, edições, Colibri, pág. 159

A Literatura atual ignora o cacique. Paradoxalmente, os caciques não ignoram a Literatura...


3.11.14

Pobre Infante D. Henrique, ao terceiro dia...


"Portugal muito beneficiou pelo facto de termos à frente da União Europeia um português, conhecedor da realidade portuguesa, conhecedor do mundo, e com o prestígio de Durão Barroso", afirmou Cavaco Silva antes de entregar ao ex-presidente da Comissão Europeia o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique.

Bem sei que num dos últimos dias "postei" uma definição de "clientelismo" que não teve qualquer impacto. Não resisto, contudo, a citar novamente o galego Raúl Soutelo Vásquez, autor do ensaio "Mobilización Campesiña, Clientelismo Político e Emigración de Retorno na Galicia Rural"
«A correspondencia recibida polos politicos que lideran unha rede clientelar indica que o deputado de turno era un primus inter pares que representaba os interesses dos notables que o elixiram e cos que mantiña estreitos contactos persoais e de família...»

Espero ainda poder ler a correspondência de Durão Barroso para poder aferir se foi Portugal que beneficiou da ação do Presidente da Comissão Europeia (2004-2014) ou se os verdadeiros beneficiados foram quem o empurrou para o cargo... notáveis estrangeiros, nacionais, empresariais, familiares...

E admitindo que Portugal beneficiou, quais foram os benefícios? E quem é que os recebeu?

2.11.14

A matreirice da Segurança Social

Prometera só escrever sobre livros que estivesse a ler ou a reler. Infelizmente, vou abrir uma exceção para citar a Segurança Social (Trabalhadores Independentes):

« Dos elementos constantes no Sistema de Informação da Segurança Social (SISS), verificou-se que V. Exa. apresenta dívida contributiva. O pagamento pode ser efetuado por multibanco ou homebanking, ou nas tesourarias da Segurança Social, através de documento de pagamento. Para consultar os valores em dívida e emitir o documento de pagamento deverá aceder à Segurança Social Direta, em www.seg-social.pt.»

Acontece que ao "devedor" são concedidos 10 dias úteis para pedir uma password que permita aceder à Segurança Social Direta e pagar o valor em causa... Por seu turno, a SS tem cinco dias para enviar, por carta, a referida password... E depois é só aceder e pagar...
Caso queira contestar, pague primeiro e reclame depois...

( No caso concreto, o devedor descobriu que lhe estava a ser cobrada uma dívida referente a janeiro de 2011 e as três meses de 2012, apesar de num dos meses não ter auferido qualquer remuneração... Feitas as contas, a dívida a pagar é superior à remuneração obtida...)

O que me escandaliza é a matreirice de um Estado que exige que trabalhadores, forçados a passar recibos verdes por míseros proventos, sejam obrigados a aceder à Segurança Social Direta num prazo tão diminuto. Este mesmo Estado sai beneficiado com o expediente, pois acabará por cobrar mais juros de mora...
E ainda por cima penaliza conscientemente o trabalhador quando este não declara de imediato a cessação de atividade, pois o Estado sabe perfeitamente, com os meios informáticos de que dispõe, se a entidade patronal continuou a pagar ao trabalhador independente...

Da Segurança Social às Finanças, a relação do contribuinte com o Estado passa, hoje, por balcões eletrónicos que, em nome da eficácia da cobrança, descuram a realidade educativa, económica e social de cada cidadão, transformando-o numa presa fácil e cómoda…