25.6.07

Delito ou delação?

Farto de rituais, percorro o corredor à espera do déjà vu: uma acta que faça justiça aos estados de alma de uma minoria insatisfeita e que se está borrifando para o princípio da equidade - os mesmos critérios para todos os examinandos; uma acta que interpele o sistema, mas que não fira a sensibilidade próxima.
Interpelado, quando observava a Machado de Castro e pensava na irresponsabilidade com que se encerram, deixam ao abandono e à voracidade dos predadores um sem número de edifícios escolares, regresso à sala para ordeiramente, qual ovelha mansa, assinar a referida acta e, finalmente, poder "levantar" as provas de exame.
Uma sensação física de náusea instala-se na pele e esfarela-se nos ossos e, sobretudo, esfarra-me o intelecto.
Dias mais tarde, para me aturdir um pouco mais, soube que a interpelação de que fora objecto resultara de uma queixa de uma colega ofendida pelo meu desinteresse e alheamento por aquela cerimónia tão enriquecedora e prestigiante.
Eu sei que o meu desinteresse pelos rituais vem, pelo menos, da adolescência. Nesse tempo, passava horas intermináveis a olhar para os querubins dos tectos, a observar capelas laterais, sempre com a mesma sensação de vazio, pois os morcegos raramente abandonavam a noite esfumada da arte sacra. Na repetição dos olhares, esvaziava-se a visão e prolongavam-se os odores miríficos das açucenas esmagadas por piruetas de incenso...
Desse tempo monástico, restam algumas imagens desfocadas, o luxo do silêncio dos lírios e sobra, também, a ideia de que o meu alheamento não incomodava ninguém. Durante esses longos cinco anos, nenhum colega - chegaram a ser 300 (?) - apresentou queixa contra mim... e os extensos corredores convidavam à meditação, sobretudo aqueles azulejos feridos pelas baionetas napoleónicas...
Acabei, todavia, por ser polidamente convidado a abandonar o falanstério e a reflectir sobre a minha (in)capacidade de aculturação, tarefa que ainda não completei... como se vê...
Felizmente, para mim, naquele tempo ainda não existia a lista dos excedentários, mas, hoje, do fundo da adolescência começa a erguer-se um cajado que se quer abater sobre a ovelha delatora...

1 comentário:

  1. Os rituais são assim mesmo, a(c)tar e desa(c)tar, sempre o mesmo, sempre em nome de um acto criativo, carência de protagonismo de uns quantos, personagens secundários...
    A gente vai, a gente especta, a gente afina, a gente carrega, a gente vem, a gente anota e nota, a gente retorna, a gente esvazia-se, a gente regressa, a gente especta... Em meados de Julho, a peça recomeça, espécie de segundo acto, e há-de repetir-se o protagonismo dos mesmos, habitués das (in)correcções, delatores em sala de espera enquanto não a(c)ta nem desa(c)ta...
    A culpa é de quem manda, ou desmanda. A prova vai toda a vermelho, por causa das coisas...

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